Marcião de Sinope: diferenças entre revisões

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[[Image:Markion.jpg|thumb|Marcion of Sinope.]]
'''Marcião de [[Sinope]]''' (''circa'' [[110]]-[[160]]) foi um [[teólogo]] [[cristão]] e fundador do que veio depois a ser chamado [[marcionismo]]. Foi o autor das "Antíteses". De acordo com a sua teologia o Antigo Testamento deveria ser rejeitado e apenas os textos que ele atribuiu a [[Paulo]] deveriam ser tidos como sagrados.
'''Marcião de Sínope''' ({{lang-gr|Μαρκίων Σινώπης}}, [[circa|ca.]] 85 - 160 d.C.) foi um dos mais proeminentes [[heresiarca]]s durante o [[Cristianismo primitivo]] <ref>{{citar livro|nome=[[Tertuliano]]|título=Contra Marcião| subtítulo= Preface. Reason for a New Work. Pontus Lends Its Rough Character to the Heretic Marcion, a Native. His Heresy Characterized in a Brief Invective.|url=http://www.newadvent.org/fathers/03121.htm|volume =I|capítulo=1|língua=inglês}}</ref>. Sua teologia (chamada [[marcionismo]]), que propunha dois deuses distintos, um no [[Antigo Testamento]] e outro no [[Novo Testamento]], foi denunciada pelos [[Pais da Igreja]] e ele foi [[excomunhão|excomungado]]. Sua rejeição de muitos livros que seus contemporâneos consideravam como parte das escrituras mostrou à [[Igreja antiga]] a urgência do desenvolvimento de um [[cânon bíblico]].
 
== Vida ==
Inicialmente Marcião era filho de um [[bispo]] da [[Igreja (instituição)|Igreja]], mas depois se separou dela por causa de suas discordâncias doutrinárias. Alguns sustentam a teoria de que foi por causa de imoralidade, então foi expulso. As visões sobre Marcião variam muito. [[Policarpo de Esmirna]] chamou-o de "primogênito de [[satanás]]".
[[Hipólito de Roma|Hipólito]] relata que Marcião era filho de um bispo na cidade de [[Sinope]], na [[província romana]] do [[Ponto (província romana)|Ponto]] (atualmente na [[Turquia]]). Seu contemporâneo [[Tertuliano]] o descreve como um proprietário de barcos<ref name = CE>{{1913CE|Marcionites}}</ref>. Marcião provavelmente foi consagrado bispo, provavelmente um assistente ou um [[bispo sufragâneo|sufragâneo]] de seu pai em Sinope<ref name = CE/>
 
Quando encontrou-se com ele, [[Policarpo de Esmirna]] chamou-o de ''"primogênito de [[satanás]]"'' segundo [[Jerônimo|Jerônimo]]<ref name = JER> {{ws|"[[s:en:De Viris Illustribus#Chapter 17 (Polycarp the bishop)|De Viris Illustribus - Polycarp the bishop]]", em inglês}}</ref>. [[Epifânio de Salamina|Epifânio]] afirma que após um começo como um [[ascetismo|asceta]], ele seduziu uma virgem e foi excomungado por seu pai, fazendo com que ele deixasse a sua cidade natal<ref>[[Epifânio de Salamis|Epifânio de Salamis (Epif)]]. ''[[Panarion]]'', XLII, ii.</ref>. Este relato já foi contestado por estudiosos, que o consideraram como "fofoca maliciosa". Mais recentemente, [[Bart D. Ehrman]] sugeriu que esta "sedução de uma virgem" seria uma [[:wikt:metáfora|metáfora]] para a sua corrupção da Igreja cristã, sendo esta a virgem não deflorada <ref>[[Bart D. Ehrman]],''Lost Christianities'' {{en}}</ref>.
É considerado o primeiro crítico [[Bíblia|bíblico]]. Considerava que o Deus vingativo do [[Antigo Testamento]] não poderia ser o mesmo Deus amoroso a que Jesus se referia como ''Pai'', e por isso, achava que só o [[Novo Testamento]] interessaria aos cristãos. Mas Marcião também não aceitava os quatro [[evangelhos canônicos]], pois os considerava corruptos, cheios de falsificações.
 
Márcião viajou para Roma em 142-143 d.C.<ref name=TER19>Tertuliano afirma que os ensinamentos de Marcião começaram 115 anos após a [[crucificação de Jesus]], que ele também afirma ter ocorrido e 26-27 d.C. em {{citar livro|nome=[[Tertuliano]]|título=Contra Marcião| subtítulo= Jesus Christ, the Revealer of the Creator, Could Not Be the Same as Marcion's God, Who Was Only Made Known by the Heretic Some CXV. Years After Christ, and That, Too, on a Principle Utterly Unsuited to the Teaching of Jesus Christ, I.e., the Opposition Between the Law and the Gospels.|url=http://www.newadvent.org/fathers/03121.htm|volume =I|capítulo=19|língua=inglês}}.</ref>. Nos anos seguintes, Marcião desenvolveu seu [[teologia|sistema teológico]] e atraiu um grande grupo de seguidores. Ele fez uma notável doação de 200.000 [[sestércio]]s para a Igreja.
Na doutrina de Marcião havia assim um Deus bom e um Deus mau. O primeiro ficava em um plano superior. Num plano abaixo na criação estava o Deus venerado pelos hebreus, a qual Marcião chama de ''Deus da Lei''. Em um terceiro plano estavam os anjos (ou [[arconte (gnosticismo)|arcontes]]) e o quarto e último plano era "Hyle" (''matéria'' em grego). O [[Cristo]] havia sido enviado pelo Deus bom para libertar as almas do plano material. Foi o primeiro a citar o nome do [[apóstolo Paulo]] em suas 140 cartas havendo mesmo quem avance que este último teria sido forjado por Marcião ou ainda que Marcião e o apóstolo Paulo seriam a mesma pessoa.
 
Quando os conflitos com os [[bispo de Roma|bispos de Roma]] começaram, Marcião organizou seus seguidores em uma [[denominação cristã|comunidade separada]]. Ele foi eventualmente excomungado pela [[Diocese de Roma|Igreja de Roma]] e sua doação foi devolvida. Após sua excomunhão, ele retornou para a [[Ásia Menor]], onde continuou a propalar o [[marcionismo]].
Junto com [[Valentim]] e [[Basílides|Basilides]], Marcião é considerado um dos grandes doutrinadores [[gnósticos]].
 
== Ensinamentos==
Algumas idéias de Marcião reapareceram entre os [[bogomilos]] e os [[cátaros]] nos séculos [[Século XII|XII]] e [[Século XIII|XIII]].
{{AP|Marcionismo}}
 
=== Teologia ===
{{esboço-biografia}}
O estudo das [[Tanakh|Escrituras judaicas]] juntamente com outros escritos que circulavam na época da igreja nascente (a maioria foi eventualmente incorporada no [[Cânone do Novo Testamento]]) levaram Marcião a concluir que muitos dos ensinamentos de Jesus Cristo eram incompatíveis com as ações de Deus no [[Antigo Testamento]]. A resposta dele para este paradoxo foi o desenvolvimento de um sistema [[dualismo|dualista]] por volta do ano 144 d.C.<ref name=TER19/>. Esta noção dual de Deus permitiu que Marcião reconciliasse as supostas contradições entre a teologia da [[Antiga Aliança]] e a mensagem de [[Evangelho|Boas Novas]].
 
Marcião afirmava que Jesus Cristo era o salvador enviado por [[Deus Pai]], com [[Paulo de Tarso|Paulo]] como seu principal [[apóstolo]]. Ao contrário da nascente igreja, Marcião declarava que o Cristianismo era distinto e oposto ao [[Judaísmo]]. Marcião, contrário ao que muitos acreditam, não afirmou que a Bíblia e as escrituras judaicas eram falsas. Ele acreditava e argumentava que ela deveria ser lida de maneira absolutamente literal, provando assim que [[YHWH]] não era o mesmo Deus a quem Jesus se referia. Um exemplo: no [[Gênesis]], quando YHWH está andando no [[jardim do Éden]] perguntando onde estava Adão, Marcião interpretava isso como se YHWH tivesse literalmente andando através do jardim em alguma forma de corpo físico e que literalmente não sabia onde estava Adão. Ele argumentava que isso provaria que YHWH poderia habitar um corpo físico (algo que o Pai jamais faria) e que YHWH também era capaz de ser ignorante, algo completamente diferente do Pai a quem Jesus se referia.
 
O [[YHWH|Deus do Antigo Testamento]], o [[Demiurgo]], a [[Divindade criadora]] do mundo material seria então uma [[divindade tribal]] invejosa dos [[judeus]], cuja [[Torá|Lei]] representaria a [[Lei de talião|justiça recíproca]] [[legalismo|legalista]] e que pune a humanidade por seus pecados com sofrimento e morte. Já o Deus a quem Jesus se refere seria um ser completamente diferente, um Deus universal de compaixão e amor e que olha para a humanidade com compaixão e piedade.
 
Marcião afirmava que [[Jesus]] era o filho do Deus Pai, mas entendia a [[encarnação]] de maneira [[docetismo|docética]], ou seja, de que o corpo de Cristo era apenas uma imitação de um corpo material. Ele acreditava Cristo na [[crucificação de Jesus|crucificação]] pagou a dívida de pecado que humanidade tinha, absolvendo-a e permitindo que ela então herdasse a vida eterna<ref name="Harnack"/>.
 
=== Obras ===
{{AP|Evangelho de Marcião}}
Marcião propôs um [[cânon bíblico]]. Porém, seu cânon só tinha onze livros agrupados em duas seções, o [[Evangelho de Marcião|Evangelho]], uma versão do [[Evangelho de Lucas]]<ref>{{citar livro|nome = Joseph B. | sobrenome = Tyson| título = Marcion and Luke-Acts: A Defining Struggle| língua = inglês}} contradiz a visão majoritária de que o Evangelho de Marcião seria baseado em Lucas, opinando ao invés disso que o canônico Lucas pode ter sido uma resposta ao Evangelho de Marcião.</ref> e dez cartas do "apóstolo", ou seja, de [[Paulo de Tarso|Paulo]], a quem ele considerava como o mais correto intérprete e transmissor da mensagem evangélica de Jesus. Ambas as seções também foram [[:wikt:purgar|purgadas]] de elementos relacionados à infância de Jesus, a religião judaica e outros materiais que contestavam a sua teologia dualista.
 
Marcião também produziu uma obra chamada ''Anthiteses'', que contrastava o [[Demiurgo]] com o [[Deus Pai]].
 
== Marcião e o Gnosticismo ==
Marcião é às vezes chamado de o filósofo do [[Gnosticismo]]. Em alguns aspectos essenciais, ele propôs ideias que se alinham bem com o pensamento gnóstico. Assim como eles, Marcião argumentava que Jesus era essencialmente um espírito aparecendo aos homens e não totalmente humano.<ref name="Harnack">{{citar nome=Adolph|sobrenome= Harnack| título = Marcion: The Gospel of the Alien God| ano = 1924| língua = inglês}}</ref>.
 
Porém, o marcionismo conceitualiza Deus de uma maneira que não é totalmente conciliável com o Gnosticismo. Para estes, todos os humanos nascem com uma pequena parte da alma divina alojada dentro de seu espírito (similar à noção da "fagulha divina")<ref name="Harnack"/>. Deus está, portanto, intimamente conectado a uma parte de Sua criação. A salvação é alcançada ao abandonar o mundo físico (que os gnósticos afirmam que é uma ilusão para aprisionar esta parte de Deus) e abraçar estas qualidades divinas que estão dentro de cada pessoa<ref name="Harnack"/>. Já Marcião, contrariamente, afirma que [[Deus Pai]] seria um Deus completamente fora do mundo material. Ele não participou da criação do mundo material (uma criação do [[Demiurgo]]) e nem tem conexão alguma com ele. Ele intervém para salvar a humanidade por compaixão apenas.
 
== Primeiro cânon bíblico ==
[[Ficheiro:Marcion teaching.jpg|thumb|direita|200px|Marcião mostrando seu cânon.]]
{{AP|Cânon bíblico|Cânone do Novo Testamento}}
Marcião figura entre os primeiros heréticos de renome na história da igreja nascente. Sua interpretação alternativa da vida e ministério de Jesus Cristo ajudou a inspirar a noção de que certas teologias deveriam ser [[:wikt:sanção|sancionadas]] como "[[ortodoxia doutrinária|ortodoxas]]" e outras, como "[[heresia|heréticas]]" &ndash; um conceito até então desconhecido nos círculos eclesiásticos. Reagindo à popularidade da seita recém-fundada de Marcião, a igreja começou então a sistematizar um conjunto de crenças que seriam consideradas ortodoxas por todo o Cristianismo.
 
Marcião foi o primeiro líder cristão a propor e delinear um [[cânon bíblico]]. Ao fazê-lo, ele estabeleceu uma maneira particular de avaliar os textos religiosos que persiste no pensamento cristão até hoje. Após Marcião, os cristãos passaram a dividir os textos entre os que se alinhavam bem com um "régua de medida" ({{lang-gr|''kanōn''}}) de pensamento teológico aceito, e os que promovem a heresia. Esta bifurcação essencial teve um papel essencial na finalização da estrutura da coleção de obras chamada "[[Bíblia]]", uma vez que o ímpeto inicial para finalizar o cânon surgiu justamente da oposição à proposta de Marcião.
 
== Legado ==
A igreja que Marcião fundou se expandiu por todo o mundo conhecido na época durante a sua vida e foi uma séria rival para o Cristianismo. Seus aderentes eram fortes o suficiente em suas convicções para manter o extenso poder da igreja por mais de um século. Ela sobreviveu à controvérsia cristã e à desaprovação imperial por muitos séculos<ref>{{harvnb|Evans|1972|p=ix}}</ref>.
 
Algumas idéiasideias similares às de Marcião reapareceram entre os [[bogomilos]] da [[Bulgária]] no século X e entre os [[cátaros]] nos séculosdo [[Século XII|XIILanguedoque]], eno sul da [[Século XIII|XIIIFrança]], no século XIII.
 
{{Referências}}
 
{{Gnosticismo}}