Arqueologia clássica: diferenças entre revisões

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A Arqueologia Clássica como uma atividade acadêmica derivou da Filologia e era, normalmente, praticada em instituições devotadas aos Estudos Clássicos. Em muitos lugares, a Arqueologia e a História da Arte foram consideradas como temas gêmeos, já que o estudo dos restos materiais do mundo antigo concentrou-se, em primeiro lugar, na grande arquitetura, escultura e pintura. A Arqueologia Clássica liga-se, de forma direta, às ambições imperiais de britânicos, franceses, alemães e norte-americanos e, como conseqüência, fundaram-se importantes instituições arqueológicas em Atenas e Roma, como a British School, a École Française o Deutsches Archäologisches Institut e a American Academy, seguidas por escolas arqueológicas em diversos outros sítios clássicos. Desta forma, a Arqueologia Clássica ligava-se, de maneira direta, ao imperialismo.
 
 
Tem havido muitos debates sobre as definições e aplicações do termo “Arqueologia Clássica”. Em muitas instituições, em particular por influência da definição original alemã, ela está ligada à História da Arte, como no caso dos países de língua alemã, na Itália e em diversas instituições alhures, como nos Estados Unidos. Quase em toda parte, está ligada ao estudo das línguas grega e latina mas, mais recentemente, tem sido estudada também em instituições arqueológicas sem relação com as línguas, como no caso da Grã-Bretanha. Outro ponto de controvérsia refere-se às civilizações estudadas, pois, às vezes, incluem áreas consideradas importantes para o legado ocidental, como o Egito, o Oriente Próximo e o Egeu. Outra disputa refere-se às suas fronteiras cronológicas pois mesmo a maioria que considera que ela trata das civilizações grega e romana está dividida sobre seu início e término. Em geral, a Grécia inclui a Grécia pré-helênica até a conquista romana no segundo século a.C. e Roma começa com os sítios proto-históricos itálicos e vai até os Antoninos, no século II d.C., ou até muito mais tarde, com o assentamento de grande número de germanos, no século V d.C. Por fim, a área geográfica varia de acordo com a dispersão de vestígios greco-romanos, com seu centro no Mediterrâneo, mas atingindo ao norte a Escócia, por breve tempo ocupada pelos romanos no século II d.C., ao sul a Arábia e o norte da África, a leste a Turquia e o Oriente Médio e a oeste Portugal e o País de Gales.
 
 
 
O termo “clássico” é particularmente ambíguo, pois pode referir-se a um período específico, o acme da civilização, como a Grécia (século V a.C.) ou Roma (final da República e início do Principado) “clássicas”. No interior da Arqueologia, usa-se para designar o zênite de diferentes civilizações, como no caso do maia “clássico”. O termo é ainda utilizado por diversas disciplinas, como em música “clássica” (i.e. estilo de fins do século XVIII).
 
 
A Arqueologia Clássica, como o estudo arqueológico da Grécia e de Roma, funda-se na Filologia e o seu núcleo é filológico. A própria definição da área é baseada em documentos escritos em grego ou latim e, em geral, o arqueólogo clássico deve também aprender essas línguas e, em seguida, especializar-se em uma dessas línguas e áreas culturais. Os arqueólogos clássicos herdam a dicotomia grego/latim e são helenistas ou romanistas, com uma especialização em um dos dois campos muito precoce. Subjacentes a essas características está o pressuposto que os arqueólogos estudam duas civilizações diferentes, um conceito de origem germânica para se referir a uma ambígua mistura de costumes, ethos e outros aspectos subjetivos de uma identidade comum. Como a disciplina desenvolveu-se como um efeito colateral do estado nacional, ela interpretou os mundos grego e romano como entidades homogêneas, como seriam as nações modernas. Na mesma linha de raciocínio, como os estados modernos consideravam que estavam espalhando uma cultural ocidental superior para povos coloniais inferiores, ávidos por adotar uma cultura mais desenvolvida, os classicistas cunharam os termos “helenização” e “romanização” para se referirem à suposta adoção de traços culturais superiores helênicos e romanos, como no caso da cultura material.
 
 
Outra característica associada à Arqueologia Clássica e às raízes filológicas é a importância da evidência escrita, estudadas por arqueólogos especialistas em epigrafia e paleografia. A publicação de inscrições, desde meados do século XIX, tem sido uma importante tarefa dos arqueólogos clássicos. O Corpus Vasorum Antiquorum e o Lexicon Iconographicon Mythologiae Classicae são dois exemplos notáveis do modelo filológico na publicação da iconografia. A Arqueologia Clássica desenvolveu uma ampla gama de especialidades, da Numismática ao estudo das ânforas, todas caracterizadas pela publicação de corpora de artefatos, em geral no estilo germânico de amplidão e exaustão de referências.
 
 
Os estudos tipológico também têm caracterizado a área, sempre a partir de modelos filológicos. Isto é claro no estudo dos vasos pintados gregos e da pintura parietal romana. Em ambos os casos, os estilos são definidos segundo analogias lingüísticas e o método tipológico usado em toda a disciplina para estudar diferentes categorias de artefatos funda-se na Filologia, em particular na sua interpretação do inteiro ciclo de existência de uma língua e de uma categoria material. Na tradição da Filologia Histórica, as línguas são consideradas como um ser vivo, seguindo o ciclo biológico, do nascimento, adolescência, maturidade, decadência e desaparecimento. Este esquema é aplicado à cultura material, com os artefatos seguindo um ciclo de vida.
 
 
A Arqueologia Clássica também tem se dividido entre as técnicas usadas no Mediterrâneo e nos países do norte da Europa. No Mediterrâneo, há uma longa tradição de desenterramento de estruturas arquitetônicas e isso resultou tanto da despreocupação com os pequenos achados como do esplendor dos vestígios às margens do Mediterrâneo. Mesmo que alguns arqueólogos tenham introduzido escavações estratigráficas, como foi o caso de Nino Lamboglia antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, na Itália, a difusão dessas técnicas deveu-se a influências vindas do norte. Mortimer Wheeler e depois Paul Courbin foram os responsáveis pela adoção de metodologias de campo estritas na Arqueologia Clássica. Sir Mortimer criou uma estratégia de campo, inspirada na organização militar, e levou a uma revolução nas práticas de escavação pois, pela primeira vez, passou-se a estar atento à evidência contextual. Além disso, depois da guerra, crescentemente a Arqueologia Clássica tem se preocupado com o estudo dos artefatos comuns, de humildes ânforas e tijolos a quinquilharias de bronze. Em países mediterrâneos, o estudo dos artefatos comuns é conhecido pela expressão latina instrumentum domesticum. A disciplina tem sido caracterizada, ainda, por uma enorme multiplicação de campos de especialização.
 
 
Nas últimas décadas uma série de questões tem rondado a Arqueologia Clássica. Tem havido um crescente crítica à relevância do estudo do mundo antigo em geral. O latim e o grego eram ensinados nas escolas de elite e o mundo clássico era idealizado pelas potências imperialistas. Entretanto, os estudos clássicos foram deixados de lado pela sociedade, os Impérios coloniais feneceram e a Arqueologia Clássica tem sido desafiada pelos arqueólogos de outras searas por ser muito conservadora, deslocada da ciência moderna. A Arqueologia Clássica tardou a responder a tais contestações no interior da academia mas está, de forma crescente, reavaliando seu papel social. Ela praticamente ignorou as discussões levantadas pela Arqueologia Processual dos anos 1960 (New Archaeology) mas, hoje, interage mais com as tendências pós-processuais, com destaque para as características filosóficas e discursivas das teorias pós-modernas que se fundam em raízes clássicas comuns. Não é casual que alguns dos mais ativos arqueólogos teóricos hoje sejam arqueólogos clássicos.
 
 
As perspectivas da disciplina dependem de sua capacidade de interagir com as novas realidades. Muitas vias estão abertas, em particular a cooperação com arqueólogos que estudam outras civilizações e períodos, uma tendência presente no mundo anglo-saxão. O desenvolvimento das áreas específicas tradicionais continuará, como nas ciências em geral, mas sua relevância será cada vez mais avaliada por sua habilidade de dirigir-se a um público acadêmico mais amplo. A Arqueologia Clássica possui uma longa e rica tradição e seu futuro liga-se ao desafio de manter seu legado e, ao mesmo tempo, interagir com as discussões epistemológicas contemporâneas.