Estatuto do Torcedor: diferenças entre revisões

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*[[História do futebol no Brasil]]
*[[Futebol do Brasil]]
O Estatuto de Defesa do Torcedor e a Responsabilidade Objetiva.
Rodrigo Almeida Gomes Moura
Advogado
A aprovaÁ„o pelo Presidente Luiz In·cio Lula da Silva do Estatuto de
Defesa do Torcedor, Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, pÙs fim a uma grande
discuss„o que envolveu polÌticos e dirigentes de clubes de futebol. Liderados pelo
presidente da ConfederaÁ„o Brasileira de Futebol(CBF), clubes e federaÁıes
estaduais fizeram de tudo para impedir a aprovaÁ„o da Medida ProvisÛria de nº
79, que tinha por fim dar maior transparÍncia ao futebol nacional e, em
conseq¸Íncia, assegurar um maior respeito ao torcedor brasileiro.
O estatuto trouxe novas regras, bem mais especÌficas, e definiu
algumas responsabilidades. Em conseq¸Íncia disso, houve polÍmica em sua fase
inicial de implantaÁ„o. A resistÍncia ‡ sua aprovaÁ„o era esperada, principalmente
porque possÌveis responsabilizados seriam pessoas e entidades que possuem um
grande poder de influÍncia. PorÈm, apesar da irresignaÁ„o de alguns, o estatuto
foi sancionado.
As resistÍncias, no entanto, foram se amenizando, pois o governo se
posicionou no sentido de n„o ceder ‡s pressıes. Ali·s, agiu corretamente tanto o
Legislativo quanto o Executivo, visto que j· chegou atrasada tal lei que assegura
proteÁ„o ‡ classe do torcedor, uma tendÍncia mundial, e que j· È um dogma nos
paÌses desenvolvidos.
A insatisfaÁ„o dos dirigentes se encontra, principalmente, em relaÁ„o
ao CapÌtulo IV, dedicado exclusivamente ‡ seguranÁa do torcedor no est·dio.
Segundo eles, os artigos 14 e 19 s„o abusivos. O artigo 14 do estatuto atribui ‡
entidade de pr·tica desportiva detentora do mando de jogo e aos seus dirigentes a
responsabilidade pela seguranÁa do torcedor em evento esportivo e o art. 19 do
estatuto estabelece a responsabilidade objetiva : Art. 19 ñ As entidades respons·veis pela organizaÁ„o da competiÁ„o ,
bem como seus dirigentes, respondem solidariamente com as entidades de que
trata o art. 15 ( entidade de pr·tica desportiva detentora do mando do jogo) e seus
dirigentes, independentemente da existÍncia de culpa, pelos prejuÌzos causados a
torcedor que decorram de falhas de seguranÁa nos est·dios ou da inobserv‚ncia
do disposto neste capÌtulo.
O estatuto previu ent„o uma nova modalidade de responsabilidade
objetiva, consagrada no CÛdigo Civil de 2002.
De acordo com a professora Maria Helena Diniz, responsabilidade civil
È a ìaplicaÁ„o de medidas que obrigam uma pessoa a reparar dano moral ou
patrimonial causado a terceiros em raz„o de ato praticado por ela mesma, por
pessoa por quem responda, por coisa a ela pertencente ou de simples imposiÁ„o
legalî. A responsabilidade civil est· calcada na relaÁ„o de causalidade entre a
conduta culposa do agente e o dano sofrido pela vÌtima. Tem-se ent„o os seus
elementos: conduta ( aÁ„o ou omiss„o), culpa, dano e relaÁ„o de causalidade.
O cerne da responsabilidade civil no direito contempor‚neo È garantir ‡
vÌtima a reparaÁ„o dos prejuÌzos sofridos. O dano rompe com o equilÌbrio social e,
assim, surge o anseio de se obrigar o causador do dano a repar·-lo. O avanÁo da
dogm·tica da responsabilidade civil caminha no sentido de cada vez mais se
garantir a reparaÁ„o do dano. Ocorre que, para se garantir do modo mais efetivo
a reparaÁ„o do dano, em certos casos, faz-se necess·rio que se desprestigie o
elemento culpa. Em alguns momentos o elemento subjetivo deve ser afastado
para se garantir a pacificaÁ„o social. Surge, assim, a responsabilidade objetiva.
Ensina o professor SÌlvio Rodrigues que ì Na responsabilidade objetiva,
a atitude dolosa ou culposa do agente causador do dano È de menor relev‚ncia,
pois, desde que exista relaÁ„o de causalidade entre o dano experimentado pela
vÌtima e o ato do agente, surge o dever de indenizar quer tenha este ˙ltimo agido
ou n„o dolosamenteî . Claro est·, ent„o, que na responsabilidade objetiva n„o se
perquire culpa, basta haver a relaÁ„o de causalidade entre a conduta do agente e
o dano sofrido pela vÌtima. A responsabilidade objetiva È baseada na teoria do risco. As teorias
objetivas de responsabilidade s„o a do risco proveito e a do risco criado. No risco
proveito, atribui-se a obrigaÁ„o de indenizar ‡quele que obtÈm o proveito com a
coisa. O risco criado È uma concepÁ„o mais ampla. Compreende a reparaÁ„o de
todos os fatos prejudiciais decorrentes de uma atividade exercida em proveito do
causador do dano. Nas competiÁıes esportivas por exemplo, aqueles que geram
risco com a sua atividade, qual seja, promoÁ„o de jogos de futebol, trazendo em
conseq¸Íncia grandes p˙blicos aos est·dios, devem se responsabilizar por
qualquer dano proveniente de falha na seguranÁa dos est·dios,
independentemente de culpa, como quer o estatuto do torcedor.
Vale ressaltar ainda que no direito brasileiro, em regra, a
responsabilidade objetiva se baseia no risco integral, ou seja, n„o ser· afastada
nem por caso fortuito, nem por forÁa maior.
O CÛdigo Civil de 1916 era fundamentado na idÈia de culpa, bastava a
an·lise do art.159 para se chegar a essa conclus„o. PorÈm, durante a vigÍncia do
cÛdigo de 1916, in˙meras leis extravagantes consagraram a responsabilidade
objetiva. A teoria do risco comeÁava a ganhar forÁa. O cÛdigo Civil de 2002 n„o
desconsiderou a responsabilidade civil com base na culpa, apenas conferiu uma
forÁa maior ‡ responsabilidade sem culpa, consagrando-a. As duas
responsabilidades conviver„o na vigÍncia do novo cÛdigo.
Somente a lei podia criar as hipÛteses de responsabilidade objetiva. O
CÛdigo Civil de 2002 em seu art.927 par·grafo ˙nico, porÈm, estabelece: ì Haver·
obrigaÁ„o de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outremî . Houve,
ent„o, a previs„o de responsabilidade objetiva fora dos casos previstos em lei, isto
È, quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implementar risco para
outrem. O que È atividade de risco? O cÛdigo n„o define. Isso pode gerar muitas
dificuldades na aplicaÁ„o do artigo.
Percebe-se, ent„o, que a responsabilidade objetiva caminha na direÁ„o
de obtenÁ„o da reparaÁ„o do dano. A vÌtima n„o precisa provar a culpa do agente para que seja reconhecido o seu direito de ser indenizada. O Estatuto do Torcedor
nada mais fez do que criar uma nova hipÛtese de responsabilidade objetiva, com o
objetivo de facilitar a reparaÁ„o de danos sofridos pelo torcedor em certas
ocasiıes.
No centro dessas consideraÁıes surge, porÈm, as seguintes
indagaÁıes: como se dava a responsabilizaÁ„o das entidades desportivas e dos
dirigentes antes da criaÁ„o do estatuto do torcedor? O Estatuto criou uma nova
hipÛtese de responsabilidade objetiva, ou o torcedor j· estava protegido pelo
CÛdigo de Defesa do Consumidor(CDC)?
Alguns doutrinadores defendiam que nas atividades esportivas, em
geral, n„o havia relaÁ„o consumerista. A responsabilidade por eventuais danos ao
torcedor seria, ent„o, subjetiva. Nesse ponto de vista, se os organizadores da
atividade desportiva n„o tomassem as medidas de precauÁ„o necess·rias ‡
proteÁ„o dos espectadores, se negligenciassem na proteÁ„o ao p˙blico n„o
colocando telas, grades, barreiras, se permitissem a superlotaÁ„o causando
desabamento, eram respons·veis, porÈm, desde que se provasse a culpa destes.
A maioria da doutrina, porÈm, admitia que em algumas hipÛteses se
fazia presente a relaÁ„o de consumo e, sendo assim, institutos de proteÁ„o ao
consumidor e entre eles a responsabilidade objetiva incidiriam. O Estatuto do
Torcedor cria um novo conceito de sujeito destinat·rio da norma, isto È, o
torcedor: Art.2º-ìTorcedor È toda pessoa que aprecie, apÛie ou se associe a
qualquer entidade de pr·tica desportiva do paÌs e acompanhe a pr·tica de
determinada modalidade esportivaî. Resta claro, ent„o, que o conceito de torcedor
abarca um universo de pessoas diverso daquele estabelecido pelo CDC, embora
possam ocorrer determinadas situaÁıes em que o torcedor seja tambÈm
consumidor. A pessoa que aprecia, apÛia ou acompanha a pr·tica de determinada
modalidade esportiva n„o necessariamente est· adquirindo ou utilizando um
produto ou serviÁo como destinat·rio final.
Sendo o torcedor tambÈm consumidor, o CDC e os seus princÌpios se
far„o presentes. Essa hipÛtese, porÈm, n„o exclui outros direitos que sejam
estabelecidos ou reforÁados por outra lei, como por exemplo, a lei 10671/2003. A lei 8078/90 (CDC), no seu artigo 14, apresenta a responsabilidade
objetiva do fornecedor de serviÁos, que responder· pela reparaÁ„o dos danos
causados aos consumidores, independentemente da existÍncia de culpa. O
Estatuto do Torcedor, expressamente promoveu a equiparaÁ„o a fornecedor das
entidades respons·veis pela organizaÁ„o da competiÁ„o e das entidades
desportivas: ì Art.3º- Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos
termos da lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990, a entidade respons·vel pela
organizaÁ„o da competiÁ„o, bem como a entidade de pr·tica desportiva detentora
do mando de jogoî. Sendo assim, nota-se que o Estatuto de Defesa do Torcedor
n„o exclui a aplicaÁ„o do CDC, mas ao contr·rio, o complementa. Relembre-se,
porÈm, que para o CDC ser aplic·vel, o torcedor deve se encaixar no conceito de
consumidor.
Conclui-se, ent„o, que antes do Estatuto do Torcedor, havia algumas
hipÛteses em que o torcedor travava relaÁıes jurÌdicas regidas pelo CDC. O
Estatuto, ent„o, veio para aumentar a gama de proteÁ„o, pois, previu, assim como
no CDC, a responsabilidade objetiva, equiparou as entidades organizadoras e
desportivas a fornecedor e conceituou torcedor. O Estatuto previu garantias a
pessoas que n„o estavam contidas no conceito de consumidor, mas que agora se
encaixam no conceito de torcedor.
O Estatuto de Defesa do torcedor estabelece, em seu artigo 14 que a
responsabilidade pela seguranÁa do torcedor em evento esportivo È da entidade
de pr·tica desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes e elenca
algumas medidas a serem tomadas a fim de que se efetive a seguranÁa. J· o
artigo 19 do mesmo diploma, estabelece responsabilidade solid·ria entre os
respons·veis pela organizaÁ„o da competiÁ„o e os seus dirigentes, bem como
estabelece que essa responsabilidade ser· objetiva quando houver prejuÌzos
causados ao torcedor que decorram de falhas na seguranÁa ou inobserv‚ncia do
disposto no capÌtulo IV.
Percebe-se que possÌveis falhas na seguranÁa ou a inobserv‚ncia do
disposto no capÌtulo IV, muitas vezes, podem n„o decorrer de aÁ„o ou omiss„o
dos prÛprios dirigentes ou das entidades organizadoras. Pode acontecer que os dirigentes e as entidades tomem todas as medidas cabÌveis para que a seguranÁa
ao torcedor se efetive plenamente e ainda assim ocorrer um dano proveniente de
uma falha na seguranÁa. Isto ocorre, pois os dirigentes e as entidades n„o
exercer„o a seguranÁa com a suas prÛprias m„os. Um policial militar que ajude na
seguranÁa de uma atividade desportiva, por exemplo, pode ser omisso quando
devia e podia agir para evitar um resultado danoso ao torcedor, fato este de n„o
rara ocorrÍncia.
O artigo 14 e 19 do Estatuto do Torcedor acabou por estabelecer,
ent„o, em certos casos, uma espÈcie de responsabilidade civil por fato de outrem.
Os dirigentes e entidades organizadoras se responsabilizar„o pelos danos
ocorridos em tais hipÛteses, ainda que tenham sido extremamente diligentes.
Neste caso, a responsabilidade civil por fato de terceiro ser· objetiva. N„o È
necess·ria a prova de culpa das entidades organizadoras ou dos seus dirigentes.
Uma vez provada a culpa do agente (no exemplo acima, o policial militar), o
respons·vel se vincula ao dever de indenizar automaticamente.
Vale ressaltar, porÈm, que n„o È qualquer dano sofrido pelo torcedor
em um est·dio de futebol que acarreta a responsabilizaÁ„o das entidades
organizadoras e dos seus dirigentes, se assim fosse, o Estatuto estaria criando
uma espÈcie de responsabilidade ilimitada. Para se atribuir responsabilidade ‡s
entidades organizadoras, aos seus dirigentes ou ‡s entidades detentoras do
mando de jogo, faz-se necess·rio a prova, pela vÌtima, de que o dano decorreu de
falha de seguranÁa ou da n„o observ‚ncia das regras contidas no CapÌtulo IV do
Estatuto. Feita essa prova, a vÌtima poder· acionar qualquer um dos respons·veis,
em virtude da responsabilidade solid·ria, sem que se precise provar a culpa dos
mesmos. Pode acionar diretamente o dirigente, por exemplo, mesmo a culpa
estando com o organizador do evento. Este dirigente, se for condenado,
responder· com os seus prÛprios bens para, depois, entrar com uma aÁ„o de
regresso em face de quem efetivamente teve culpa.
Conclui-se, ent„o, que o Estatuto de Defesa do Torcedor, assim como
o CÛdigo de Defesa do Consumidor, trouxe mudanÁas inovadoras, muitas vezes
incompreensÌveis por determinados segmentos da sociedade. Ressalte-se, porÈm, que tais inovaÁıes significam o respeito e o resguardo ‡ cidadania e dignidade da
pessoa humana; j· assegurados pela ConstituiÁ„o Federal de 1988.
ConvÈm notar, que o Estatuto de Defesa do Torcedor se consubstancia
em uma proposta inovadora, com um propÛsito altamente admir·vel. Ao
estabelecer a responsabilidade objetiva, a responsabilidade solid·ria, ao definir a
figura jurÌdica do torcedor e ao equiparar a fornecedor as entidades organizadoras
e detentoras do mando de jogo, o Estatuto do Torcedor abrangeu um maior
n˙mero de pessoas no manto protetor de princÌpios e regras antes sÛ presentes
nas relaÁıes de consumo e, em conseq¸Íncia disto, deu passos largos na busca
pela efetiva reparaÁ„o do dano.
 
== Bibliografia ==