Mitraísmo: diferenças entre revisões

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Dario I e os sucessores não pretenderam erradicar as antigas crenças pagãs, uma vez que essa política poderia gerar oposição política. A religião zoroastriana acabou por receber influências de elementos pagãos anteriores. Uma inscrição encontrada em [[Susa]], datada da época de [[Artaxerxes II]] menciona Mitra junto com Ahura Mazda e uma deusa chamada [[Anahita]]. No [[Avesta]], Mitra surge como um deus benéfico, colaborador de [[Ahura Mazda]], desempenhando funções de juiz das almas.
 
A invasão da Pérsia por [[Alexandre Magno]] em [[330 a.C.]] provocaria a decadência do culto de Mitra, que sobreviveu apenas entre os aristocratas que habitavam na parte ocidental do Império Persa, na fronteira com o mundo greco-romano. A partir daqui o culto de Mitra difundiu-se nas regiões vizinhas. Ao reconhecer o imperador [[Nero]] como seu senhor, o rei Tiridates da Arménia realizou uma cerimôniacerimónia associada a Mitra. O culto do deus encontra-se igualmente atestado entre os reis de [[Comagena]].
 
A primeira referência na [[historiografia]] greco-romana ao culto de Mitra encontra-se na obra de [[Plutarco]], que refere que os piratas da [[Cilícia]] celebravam ritos secretos relacionados com Mitra no ano 67 a.C.
 
Não se sabe se existiu uma ligação entre este Mitra persa e o da [[religião de mistérios]] do Império Romano. Franz Cumont, responsável pelo começo dos estudos sobre o mitraísmo, julgou que sim, mas atualmenteactualmente a questão é menos clara.
 
=== O mitraísmo no Alto Império Romano ===
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Por volta do ano [[80|80 d.C.]] o autor Estácio refere a cena da tauroctonia na sua obra Tebaida.
 
Em finais do [[século II]], o mitraísmo já estava amplamente popularizado no exército romano, bem como entre comerciantes, funcionários e escravos. A maior parte dos achados referem-se às fronteiras germânicas do império. Pequenos objetosobjectos de culto associados a Mitra têm sido encontrados em locais que vão da [[Roménia]] à [[Muralha de Adriano]].
 
=== O mitraísmo no Baixo Império ===
 
Os imperadores do [[século III]] foram em geral protetoresprotectores do mitraísmo, porque a sua estrutura fortemente hierarquizada permitia-lhes reforçar o seu poder. Assim, Mitra converteu-se no símbolo da autoridade e triunfo dos imperadores. Desde a época de [[Cómodo]], que foi iniciado nos seus mistérios, os adeptos do culto eram oriundos de todas as classes sociais.
 
Numerosos templos foram encontrados nas guarnições militares situadas nas fronteiras do império. Na [[Inglaterra]] foram identificados pelo menos três ao longo da [[Muralha de Adriano]], em [[Housesteads]], [[Carrawburgh]] e [[Rudchester]]. Em [[Londres]], também foram encontradas as ruínas de um ''mithraeum''. Outros templos de Mitra datados desta época podem ser encontrados na província da [[Dácia]], (onde em [[2003]] foi encontrado um ''mithreaum'' em ''Alba Tulia'') e na [[Numídia]], no norte de África.
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Em finais do [[século III]] gerou-se um sincretismo entre a religião de Mitra e certos cultos solares de procedência oriental, que se cristalizaram na religião do ''Sol Invictus''. Esta religião foi estabelecida como oficial no [[Império Romano]] em [[274]] pelo imperador [[Aureliano]], que mandou construir em Roma um templo dedicado ao deus e criou um corpo estatal de sacerdotes para prestar-lhe culto. O máximo dirigente deste culto levava o título de ''pontifex solis invicti''. Aureliano atribuiu a ''Sol Invictus'' as suas vitórias no Oriente. Contudo, este sincretismo não implicou o desaparecimento do mitraísmo, que continuou existindo como culto não oficial. Muitos dos senadores da época professaram ao mesmo tempo o mitraísmo e a religião do ''Sol Invictus''.
 
No entanto, este período representou o começo do fim do mitraísmo, provocado pelas perdas territoriais que o império sofreu em consequência da invasão dos povos [[bárbaros]] e que afetariamafectariam os territórios fronteiriços onde o culto estava muito arreigado. A concorrência do cristianismo, apoiado por [[Constantino I|Constantino]], tiraria adeptos ao mitraísmo. Importa realçar o facto do mitraísmo excluir as mulheres, situação que não se verificava no cristianismo. O cristianismo substitui o mitraísmo durante o [[século IV]] até se converter na única religião permitida com [[Teodósio]] ([[379]]-[[395]]). O imperador [[Juliano (imperador)|Juliano]] tentou revitalizar o culto de Mitra, bem como o usurpador Eugénio, nos dois casos com pouco êxito. O mitraísmo foi abolido formalmente em [[391]], sendo provável que a sua prática tenha continuado várias décadas.
 
Em algumas regiões dos [[Alpes]], o mitraísmo sobreviveu até ao [[século V]], bem como no Oriente, onde teve um renascimento breve. Acredita-se que o mitraísmo teve um importante papel no desenvolvimento do [[maniqueísmo]], outra doutrina que seria concorrencial ao cristianismo.
 
== '''O Ritual, Práticas e Dias sagrados do Mitraísmo''' ==
O ritual do mitraísmo era complicado e significativo. Incluía uma complexa cerimônia de iniciação em sete estágiosetágios ou graus, o último dos quais firmava uma amizade mística com o deus. Longas provas de abnegação e mortificação da carne constituíamconstituiam complementos necessários ao processo de iniciação. A admição à completa paticipação no culto habilitava uma pessoa a participar dos '''sacramentosscramentos''', sendo o mais importante '''o batismo''' e '''uma refeição sagrada com pão, água e, possivelmente, vinho'''. Outras observâncias incluíamincluiam a purificação lustral (ablução cerimonial com '''água santificada'''), a '''queima de incenso''', os '''cânticoscanticos sagrados''' e a '''guarda dos dias santos'''. Destes últimos, eram exemplos típicos o '''domingo''' e o '''dia 25 de dezembro'''. Imitando a religião astral dos caldeus (Zoroastrismo), cada dia da semana era dedicado a um corpo celeste. Uma vez que o sol, como fonte de luz e fiel aliado de Mitra, era o mais importante desses corpos, seu dia era, naturalmente, o mais sagrado, ou seja, o "'''domingo representava o dia do sol'''" e dia de guarda semanalmente. O '''dia 25 de dezembro possuía, também significação solar''': sendo a data aproximada do solstício de inverno, marcava a de sua longa viagem ao sul do Equador. Era, em certo sentido o "'''dia do nascimento do sol'''", uma vez que assinalava a renovação de suas forças vivificadoras para benefício do homem.
=== O mithraeum ===
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No ''mithraeum'' podiam distinguir-se as seguintes partes:
* A antecâmara;
* O ''spelaeum'' ou ''spelunca'' (caverna), uma sala retangularrectangular decorada com pinturas e com dois bancos posicionados junto a cada uma das paredes onde se faziam os banquetes sagrados;
* O santuário, no extremo da caverna, onde estavam o [[altar]] e a imagem (pintura, [[baixo-relevo]] ou [[estátua]]) de Mitra matando um touro.
 
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Enquanto pastoreava nas montanhas encontrou o touro primordial, que agarrou pelos cornos e montou, mas com o seu galope selvagem a besta fez com que ele saísse de cima dele. Mitra continuou agarrando os cornos do animal, tendo o touro o arrastado por bastante tempo até que o animal ficou cansado. O deus agarrou-o então pelas patas traseiras e carregou-o aos ombros. Levou-o vivo, com muitas dificuldades, até à sua caverna. Esta viagem de Mitra com o touro às costas é denominada de ''transitus''.
 
Quando chegou à caverna um corvo enviado pelo sol comunicou-lhe que deveria realizar o sacrifício; Mitra, segurando o touro, cravou-lhe a faca no flanco. Da coluna vertebral do touro saiu trigo e o seu sangue era vinho. O seu [[sémen|sêmen]], recolhido e purificado pela lua, gerou animais úteis ao homem. Ao local chegou um [[cão]], que comeu o trigo, um [[escorpião]], que enfiou as suas pinças nos testículos do animal, e uma serpente.
 
;2. Iconografia.
Algumas pinturas mostram Mitra carregando uma rocha sobre as costas, como [[Atlas (mitologia)|Atlas]] na [[mitologia grega]], ou vestido com uma capa cujo forro interior representa o céu estrelado. Perto de um ''mithraeum'' próximo da [[Muralha de Adriano]] foi encontrada uma estátua em bronze de Mitra emergindo de um anel zodiacal em forma de ovo (a estátua encontra-se atualmenteactualmente na Universidade de Newcastle). Uma inscrição encontrada em Roma sugere que Mitra poderia identificar-se com o deus criador do [[orfismo]], Fanes, que surgiu de um ovo cósmico no começo do tempo, dando origem ao universo. Esta posição é reforçada por um baixo-relevo no Museu Estense de [[Módena]], onde se vê Fanes a nascer de um ovo, rodeado pelos doze signos do Zodíaco, uma representação muito semelhante à que se encontra na Universidade de Newcastle.
 
A imagem central do mitraísmo é a da tauroctonia, ou seja, a representação do sacrifício ritual do touro sagrado por Mitra. Esta representação tem elementos iconográficos fixos: Mitra surge como o barrete frígio e olha para o touro com compaixão; em muitos casos, a cabeça de Mitra olha para trás para evitar olhar diretamentedirectamente para o touro. Inclinado sobre o touro, o deus degola-o com uma faca sacrificial. Da ferida do touro nasce trigo e junto ao touro encontram-se vários animais: um [[escorpião]] que aperta com as suas pinças os testículos do touro; uma [[serpente]]; um cão que se alimenta do trigo que nasce da ferida e um corvo. Por vezes aparecem também um leão e um copo. A imagem está flanqueada por duas personagens portadores de tochas, Cautes e Cautópates. A cena surge situada numa espécie de caverna, sendo possivelmente a representação do ''mithraeum'', ou de acordo com outras interpretações, do cosmos, dado estarem presentes o sol e a lua.
 
;3. Interpretações
Franz Cumont, autor de um estudo clássico sobre a religião de Mitra, interpreta esta imagem à luz da mitologia iraniana. O autor vincula a imagem com textos que se referem ao sacrifício de um touro por Ahriman, divindade do mal, que é o opositor de Ahura Mazda; dos restos do touro nasceriam depois todos os seres. De acordo com a hipótese de Cumont, Ahriman seria mais tarde substituído por Mitra no relato mítico e sob esta forma o relato teria chegado ao Mediterrâneo Oriental.
 
David Ulansey apresentou uma explicação radicalmente diferente da imagem do Mitra Tauroctonos baseada no simbolismo astrológico. De acordo com esta teoria a imagem do Tauroctonos é a representação de Mitra como um deus tão poderoso que é capaz de colocar o universo em ordem. O touro seria o símbolo da constelação de Touro. Nos primórdios da astrologia, na [[Mesopotâmia]], entre o V milêniomilénio a.C. e o III milénio a.C. o sol encontrava-se em Touro durante o equinócio de Primavera. Devido à [[precessão dos equinócios]] o sol estava no equinócio da Primavera numa constelação diferente cada 2160 anos pelo que passou a estar em Carneiro por volta do ano [[2000 a.C.]], marcando o fim da era astrológica de Touro.
 
O sacrífico do touro por Mitra representaria esta mudança, causada segundo alguns crentes, pela omnipotência do seu deus. Isto estaria em consonância com os animais que figuram nas imagens de ''Mitra Tauroctonos'': o cão, a serpente, o corvo, o escorpião, o leão, o copo e o touro que são interpretados como sendo as constelações de ''Canis Minor'', ''Hydra'', ''Corvus'', ''Scorpio'', ''Leo'', ''Aquarius'' e ''Taurus'', todas no equador celeste durante a era de Touro.
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As mulheres estavam excluídas dos mistérios de Mitra. Em relação aos homens, parece que não se requeria uma idade mínima para ser admitido, tendo sido iniciadas crianças do sexo masculino. A língua utilizada durante os rituais era o [[língua grega|grego]], com algumas fórmulas em persa, apesar de progressivamente ter sido introduzido o [[latim]].
 
O rito principal era um banquete ritual, que aparentemente tinha algumas semelhanças com a [[eucaristia]] do cristianismo. Segundo [[Justino]], os alimentos oferecidos no banquete eram o pão e a água, mas alguns achados arqueológicos revelaram que se tratava de pão e vinho. Esta cerimôniacerimónia era realizada na parte central do ''mithreum'', onde existiam dois bancos onde os participantes se deitavam, conforme o costume romano de comer deitado. Os Corvos desempenhavam a função de servidores dos alimentos sagrados. Do ritual fazia também parte o sacrifíciosacríficio de um touro e outros animais.
 
A estátua de Mitra Tauróctonos desempenhavam um papel nestes ritos, embora não se conheça exatamenteexactamente qual. Em alguns ''mithraea'' foram descobertos pedestais giratórios, que se acredita terem servido para mostrar e ocultar a imagem aos fiéis.
 
Num determinado momento da evolução do mitraísmo introduz-se o rito do ''taurobolium'' ou baptismo dos fiéis com sangue de um touro, prática comum a outras religiões orientais. Graças a [[Tertuliano]] conhecem-se hoje as severas críticas cristãs a estas práticas.