Sulpício Severo: diferenças entre revisões

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[[Imagem:Pannonhalma - ablak1.jpg| thumb|upright=1.2|[[São Martinho]], biografado por Sulpício Severo]].
'''Sulpício Severo''' ({{ca.}} {{dni|||363|si}} – ca. {{morte|||425|si}}) foi um escritor [[cristão]] nascido na [[Aquitânia]]. Ele é conhecido por sua ''Historia Sacra'', ou a história do mundo desde a criação até seu tempo, e também por sua biografia de [[Martinho de Tours]].
 
== Vida ==
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[[Ficheiro:162 Magnus Maximus.jpg| thumb| esquerda| 200px| O [[imperador romano]] [[Magno Máximo]], que perseguiu os [[priscilianismo|priscilianos]] a pedido dos bispos da [[Gália]], segundo Sulpício.]]
 
Severo, em lugar algum, define para que tipo de leitores seu livro se destinava. Ele nega a intenção de fazer da sua obra um substituto para a narrativa contida na Bíblia. ''"Historiadores mundanos"'' fora utilizados por ele, afirma Severo, para deixar claras as datas e a conexão dos eventos e para complementar as fontes sagradas, e com a intenção de instruir os iletrados e convencer os letrados. Provavelmente, os "iletrados" eram a massa dos cristãos e os letrados, os cristãos e pagãos com algum estudo, a quem a rude linguagem dos textos sagrados, seja em [[língua grega|grego]] ou [[latim]], seria desagradável. A estrutura literária da narrativa mostra que Severo tinha em mente principalmente os leitores do mesmo nível cultural que ele. Ele estava ansioso para mostrar que a história sagrada poderia ser apresentada numa forma que os amantes de [[Salústio]] e [[Tácito]] poderiam apreciar e gostar. O estilo é lúcido e quase clássico. Ainda que frases - e mesmo sentenças inteiras - de muitos autores clássicos estejam imbricadas aqui e ali, a narrativa flui facilmente, sem nenhum traço dos solavancos que desagradam tanto na leitura de imitadores dos clássicos, como [[Sidônio]]. A obra também não tem [[digressão|digressões]]. Para que seu livro pudesse estar ao lado dos livros dos antigos autores latinos, Severo ignorou os métodos [[alegoriaInterpretação alegórica da Bíblia|alegóricos]] de interpretação da história sagrada com quem os [[ortodoxia doutrinária|ortodoxos]] e os [[heresia|heréticos]] de sua época estavam enamorados.
 
Como uma autoridade sobre as épocas anteriores à sua, Severo tem pouco impacto. Em uns poucos pontos ela nos permite corrigir ou suplementar outros registros. [[Jakob Bernays]] sugeriu que ele teria baseado a sua narrativa sobre a destruição de [[Jerusalém]] por [[Tito (imperador)|Tito]] no relato dado por [[Tácito]] em sua "[[Histórias (Tácito)|Histórias]]", cujo trecho sobre o assunto se perdeu. Através dela, portanto, somos capazes de contrapor o relato dele com o de [[Flávio Josefo]], que torceu a sua narrativa para homenagear Tito.
 
O interesse real em sua obra está, primeiro, nos relances incidentais que ela nos fornece sobre a história de seu próprio tempo; em seguida, e mais especificamente, na informação que ele preservou sobre a disputa sobre o [[priscilianismo]], que desorganizou e degradou as igrejas da [[Hispânia]] e da [[Gália]], afetando particularmente a Aquitânia. As simpatias reveladas por Severo são completamente as de São Martinho. O bispo tinha aguentado [[Magno Máximo]], que governou por alguns anos uma extensa porção do [[Império Romano|império]], ainda que jamais tenha conquistado a Itália. Ele o tinha repreendido atacando e derrubando seus predecessores no trono e por suas relações com a igreja. Severo não perde a oportunidade de destacar os crimes e abusos dos governantes, assim como as suas crueldades. Porém, ele também declara que por mais cruéis que os governantes possam ser, os padres podem ser ainda mais. Esta última frase é uma referência aos bispos que tinham importunado Máximo até conseguirem que ele sujasse suas mãos com o sangue de [[Prisciliano]] e seus seguidores. Martinho também tinha denunciado a falta de espiritualidade e a ganância dos bispos da Gália. Assim, encontramos Severo, em sua narrativa sobre a divisão de [[Canaã]] entre as [[tribos de Israel|tribos]], destacando para os clérigos que nenhuma terra fora dada à tribo de [[Levi]] (os sacerdotes) para que eles não fossem distraídos em seu serviço a Deus. ''"Nossos clérigos parecem"'', diz ele, ''"não apenas ter esquecido a lição, mas ignorantes dela, tamanha é a paixão por posses que em nossos dias que nos nossos dias irrompeu em suas almas"''. Neste trecho, temos um relance sobre as circunstâncias que estavam seduzindo homens bons para o [[monasticismo]] no ocidente, embora a evidência de uma vida entusiástica de [[votos monásticos|votos]], como é o caso de Severo, provavelmente não esteja livre de exageros.
 
Severo também simpatizava completamente com as ações de Martinho sobre o priscilianismo. Esta misteriosa seita ocidental, provavelmente originada do [[gnosticismo]], não tinha uma única característica que pudesse suavizar a hostilidade de Martinho, mas ele resistiu à introdução da punição secular para erros de doutrina (heresias) e deixou a comunhão com os bispos galeses, a maioria, que pediram a ajuda de Máximo contra os seus irmãos em erro. Em conexão com isto, é interessante notar o relato dado por Severo sobre o [[Concílio de Rimini]], em 359, onde uma questão surgiu sobre se os bispos que compareceram à assembleia poderiam legalmente receber dinheiro do tesouro imperial para compensar suas despesas de viagem e estadia. Severo evidentemente aprova a ação dos bispos britânicos e galeses, que consideraram absurdo ficar em débito com o imperador. Seu ideal de igreja era de que ela ficasse acima do estado.
 
=== Vida de São Martinho, diálogos e cartas ===
Mais popular durante a [[Idade Média]] era a "Vida de São Martinho", assim como os diálogos e cartas sobre o mesmo assunto. Estas obras fizeram muito para estabelecer a grande reputação de milagreiro que o santo manteve durante toda a época medieval. O livro não é propriamente uma biografia, mas um catálogo de milagres, contados com toda a simplicidade de uma crença completa e irrestrita. O poder de realizar sinais milagrosos é considerado como diretamente proporcional à santidade e, para Severo, uma medida dela e algo que só pode ser alcançado por meio de uma vida de isolamento do mundo. No primeiro de seus Diálogos (muito similares aos de [[Cícero]]), Severo põe na boca de um interlocutor (''Posthumianus'') uma descrição muito agradável da vida dos [[cenobitas]] e [[eremita]]s nos desertos próximos ao Egito (veja [[Nítria]]). A principal evidência da virtude obtida por eles está na sujeição voluntária dos animais ferozes que vivem no meio deles. Mas Severo não apoiava indiscriminadamente o monasticismo. O mesmo diálogo mostra-o consciente dos seus perigos e defeitos. O segundo diálogo é um grande apêndice para a Vida de São Martinho e, de fato, fornece mais informações sobre a sua vida como bispo e sobre seus pontos de vista que a obra principal. Os dois diálogos ocasionalmente fazem interessantes referências a personagens de sua época. No primeiro (cap. 6 e 7), temos uma imagem vívida das controvérsias que estavam assolando [[Alexandria]] sobre as obras de [[Orígenes]]. O julgamento de Severo é, sem dúvida, o que ele coloca na voz de seu interlocutor, ''Posthumianus'': ''"Eu estou chocado que o mesmo homem pode ter tanta diferença com relação a si mesmo, pois na porção aprovada de suas obras ele não tem igual desde os apóstolos, enquanto que na porção pela qual ele é justamente acusado, se provou que nenhum outro homem já cometeu mais erros inapropriados"''. Três epístolas sobre a morte de Martinho (''ad Eusebium'', ''ad Aurelium diaconum'' e ''ad Bassulam'') completam a lista de obras genuínas de Severo.
 
Outras cartas (para sua irmã), sobre o amor de Deus e a renúncia do mundo, não sobreviveram.
 
== Fontes ==