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[[File:Kicz2N (103).jpg|thumb|270px|Um leão de jardim]]
'''''Kitsch''''' [quitch]<ref>''Dicionário escolar da língua portuguesa/Academia Brasileira de Letras''. 2ª edição. São Paulo. Companhia Editora Nacional. 2008. p. 764.</ref> é um termo de origem [[Língua alemã|alemã]] de significado e aplicação controversos. Usualmente é empregado nos estudos de [[estética]] para designar uma categoria de objetos vulgares, baratos, de mau gosto, sentimentais, que copiam referências da cultura erudita sem critério e sem atingirem o nível de qualidade de seus modelos, e que se destinam ao consumo de massa. Embora o ''kitsch'' apresente a si mesmo como "profundo", "artístico", "importante" ou "emocionante", raramente estes qualificativos são adquiridos por características intrínsecas ao objeto, antes derivam de associações externas que seu público estabelece. É uma expressão essencialmente figurativa, sendo difícil detectá-lo nas artes abstratas, pois depende de um conteúdo narrativo para exercer seu efeito.<ref name="Marter">Marter, Joan. ''The Grove Encyclopedia of American Art''. Oxford University Press, 2011, pp. 48-50</ref>
Alguns autores entendem o ''kitsch'' como uma atitude e um espírito geral de complacência e supressão do senso crítico, que pode se estender a áreas bem distintas da [[arte]], como a [[política]], a [[religião]], a [[economia]], o [[erotismo]] e praticamente toda a esfera da vida humana, e sua estética, de enorme penetração na [[Psicologia social|psicologia das massas]], muitas vezes é usada pelas elites para dirigir a [[opinião pública]], seja na forma de [[publicidade]] comercial, [[educação]] escolar, propaganda partidária ou [[iconografia]] religiosa.<ref>Lugg, Catherine A. ''Kitsch: from education to public policy''. Routledge, 1999, pp. 5-8 </ref><ref name="Gessert">Gessert, George. ''Green light: toward an art of evolution''. MIT Press, 2010, pp. 81-82 </ref><ref name="Marter"/>
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==Etimologia, origens, primeiros estudos ==
A palavra "''kitsch''" tem uma origem pouco clara. Segundo o dicionário [[etimologia|etimológico]] de [[Friedrich Kluge]], a palavra surgiu entre pintores alemães em torno de 1870. Talvez estivesse associada ao ato de atravancar, amontoar detritos ou barro nas ruas, ''kitschen'', e ao instrumento com que isso era feito, ''Kitsche''. No dialeto do sul da Alemanha significava também fazer móveis novos a partir de velhos. Também poderia estar ligada à palavra ''verkitschen'', que significa trapacear, vender uma coisa no lugar de outra. Outras palavras alemãs com a mesma terminação "tsch" comumente se referem a coisas vulgares, ingênuas, sentimentais ou infantis. [[Richard Avenarius]] relatou outra origem possível, indicando ter aparecido em [[Munique]] a partir da palavra inglesa ''sketch'', esboço, aplicado a pinturas baratas de baixa qualidade na intenção de classificá-las como "lixo".<ref>''Apud'' Menninghaus, Wilfried. "On the 'Vital Significance' of Kitsch: Walter Benjamin's Politics of 'Bad Taste' ". In: Benjamin, Andrew & Rice, Charles. ''Walter Benjamin and the Architecture of Modernity''. Re.Press, 2009, pp. 39-40</ref> Para Gilbert Highet, contudo, a palavra pode derivar do russo ''kitchit'sya'', significando "ser desdenhoso e orgulhoso",<ref name="Walker">Walker, John A. [http://www.artdesigncafe.com/kitsch-1992 ''Glossary of Art, Architecture & Design since 1945'']. Londres: Library Association Publishing, 1992, 3ª ed.</ref> e já foi aventado que seja um [[trocadilho]] com o termo francês ''chic'', chique. O que importa é saber que desde sua origem ''kitsch'' assumiu uma conotação negativa.<ref>Kulka, Tomáš. ''Kitsch and art''. Pennsylvania State University Press, 1996, p. 19</ref>
[[File:Vintage Valentine 01.JPG|thumb|left|170px|Cartão de ''[[Dia dos Namorados|Valentine's Day]]'' de 1920]]
Alguns críticos, como [[Abraham Moles]],<ref>Moles, Abraham. ''O Kitsch; a arte da felicidade''. Perspectiva, 1998, p. 85</ref> [[Arthur Koestler]] e [[Susan Sontag]], entendem que o ''kitsch'' é um fenômeno recorrente na [[história da arte]], mas a maior parte dos estudos concorda que se trata de uma manifestação cultural recente, derivando dos avanços na [[industrialização]] e na [[tecnologia]] em geral, da ascensão da [[classe média]], da crescente [[urbanização]], do afluxo em massa dos camponeses às cidades, da dissolução das culturas tradicionais e dos [[folclore]]s, da maior educação do [[proletariado]], da conquista de maior tempo para o lazer e do surgimento da chamada [[cultura de massa]]. [[Gillo Dorfles]] afirmou que os pressupostos da definição atual de ''kitsch'' não existiam na arte pré-moderna, que tinha funções e características em tudo distintas da modernidade,<ref>Kulka, pp. 13-16</ref> e [[Hermann Broch]] considerou-o um filho do [[Romantismo]], compartilhando com ele traços como sentimentalismo e amor ao drama e ao exagero, e definindo beleza como uma característica imanente ao objeto, não mais como era antes, um objetivo transcendente que uma obra finita jamais poderia alcançar.<ref>Călinescu, Matei. ''Five faces of modernity: modernism, avant-garde, decadence, kitsch, postmodernism''. Duke University Press, 1987, p. 239</ref> Mesmo que algo como o ''kitsch'' possa de fato ter existido antes do século XIX, foi a partir deste período que ele passou a assumir um papel de destaque no mundo da cultura, chegando a estar presente hoje em toda parte.<ref>Kulka, pp. 16-17</ref>
O primeiro estudo a respeito foi realizado por [[Fritz Karpfen]] (''Der Kitsch: eine Studie über die Entartung der Kunst'', 1925), onde o conceito recebeu o significado de degenerado, sendo usado em seguida pelos [[nazistas]] para informar sua política repressora sobre a arte de vanguarda. [[Walter Benjamin]] iniciou seus estudos sobre o ''kitsch'' no final da década de 1920, continuando-os até os anos
==O ''kitsch'' e a estética==
===Características gerais e a dinâmica arte popular x arte erudita===
[[File:William-Adolphe Bouguereau (1825-1905) - Love on the Look Out (1890).jpg|thumb|left|170px|[[William-Adolphe Bouguereau]]:
[[Ficheiro:Gadget1-umedecedor de selos.jpg|thumb|left|170px|Publicidade de um ''gadget'' dos anos
Embora Moles o descreva acima de tudo como "uma maneira de ser",<ref>Moles, p. 11</ref> o conceito de ''kitsch'' é mais empregado no terreno da [[estética]]. Sua definição não é fácil, pois, baseando-se geralmente em juízos de valor, padece das inconsistências comuns a todos os tipos de valorações, que variam segundo os tempos, os grupos sociais, as preferências individuais e as geografias, mas geralmente é tido, em suma, como sinônimo de algo banal, barato e de mau gosto. Muitas vezes é considerado uma oposição completa ao conceito de [[arte]], enquanto outras vezes ele é aceito como arte, mas de má qualidade. A despeito dos esforços dos eruditos em estabelecer definições claras, é problemática a identificação de traços objetivos para descrever um objeto como ''kitsch''. Como observou Tomáš Kulka, tipicamente falta-lhe uma estrutura caracterológica intrínseca que possibilite demonstrar cabalmente que um objeto é de mau gosto ou de escasso valor estético, contrapondo-o ao mundo da "arte", ou pelo menos da arte erudita, e as análises geralmente se baseiam em conceitos paralelos derivados da [[antropologia]], [[sociologia]] ou da [[história]] para reforçar suas conclusões.<ref name="Kulka">Kulka, pp. 1-12 </ref>
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===Apreciações===
Ainda que, hoje em dia, o ''kitsch'' já receba visões favoráveis, muitos estudos ainda o interpretam negativa ou derrisoriamente, quando não continuam citando condenações morais que lhe foram lançadas há muitos anos, o que tem sido apontado como evidência de elitismo, arrogância e etnocentrismo na acepção do conceito, usado pelas classes dominantes para desqualificar a arte que agrada o povo inculto.<ref>Kulka, p. 19</ref><ref>Ames, p. 138</ref> Como exemplos, na opinião de Hermann Broch, quem produz objetos ''kitsch'' não é só um mau artista, é acima de tudo "um depravado, um criminoso que deseja o mal radical",<ref>Broch, Hermann. ''Geist and Zeitgeist: the spirit in an unspiritual age''. Counterpoint Press, 2002, p. 37 </ref> Roger Scruton considerou-o sinal de uma deficiência emocional, uma estética cruel que "transforma o ser humano em uma boneca, que num momento cobrimos de beijos e no outro despedaçamos",<ref>Scruton, Roger. ''Beauty: A Very Short Introduction''. Oxford University Press, 2011, s/p. </ref> e para [[Umberto Eco]] o ''kitsch'' é uma quase nulidade, não passa de "uma citação incapaz de produzir um contexto novo".<ref>''Apud'' Coates, Paul. ''Cinema, religion, and the romantic legacy''. Ashgate Publishing, Ltd., 2003, p. 79</ref> Porém, ignorando as censuras, tornou-se um fenômeno global e um gigantesco sucesso comercial, e neste ponto está em grande vantagem em relação à arte culta. [[Francis Frascina]], constatando essa universalidade, comentou:
[[File:Letna stalin sousosi.jpg|thumb|left|Detalhe do apologético
Sua influência se torna tão penetrante também porque ele anda paralelo ao processo moderno de [[educação]] das massas, estando presente em escolas e na propaganda oficial na forma de [[simbologia]]s e [[iconografia]]s estereotipadas a respeito da pátria, da família, da moralidade, dos costumes e valores, que tendem a criar uma [[consciência coletiva]] complacente e alienada da realidade,<ref>Coates, p. 1</ref><ref>Ladson-Billings, Gloria & Tate, William F. ''Education research in the public interest: social justice, action, and policy''. Teachers College Press, 2006, p. 223</ref><ref>Kauffman, James M. ''The Tragicomedy of Public Education''. Attainment Company Inc., 2010, s/pp.</ref> sendo notórios os casos extremos de [[Hitler]], [[Stalin]] e [[Francisco Franco|Franco]], entre outros, que usaram sua estética programaticamente para alcançar objetivos totalitários e formar um gosto nacional.<ref> Holt, David Kenneth. ''The search for aesthetic meaning in the visual arts: the need for the aesthetic tradition in contemporary art theory and education''. Greenwood Publishing Group, 2001, p. 100 </ref><ref>Greenberg, Clement. "Avant-Garde and Kitsch". In: Lewer, Debbie. ''Post-Impressionism to World War II''. Wiley-Blackwell, 2006, p. 194 </ref><ref>Hernández, Fernando. "Framing the Empty Space: Two Examples of the History of Art Education in the Spanish Political Context". In: Freedman, Kerry J. & Hernández, Fernando. ''Curriculum, culture, and art education: comparative perspectives''. State University of New York Press, 1998, p. 61</ref>
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Não obstante as contradições e as enormes dificuldades de clarificação objetiva, o conceito permanece em largo uso como uma definição de uso prático, e na apreciação de [[Matei Călinescu]],
==Na política e na economia==
[[File:Tulevaisuuden turvaksi - Kokoomus.jpeg|thumb|left|180px|Cartaz de propaganda política na [[Finlândia]]
A preponderância do fator emocional não impede que o ''kitsch'' seja usado de formas [[política|politizadas]], ao contrário, isso até favorece este uso. Como analisou Catherine Lugg, o ''kitsch'' é "uma poderosa construção cultural planejada para colonizar a consciência do receptor. Como tal, o ''kitsch'' é ''a bela mentira''. Ele reassegura e conforta o receptor através da exploração de mitos culturais e de um simbolismo rapidamente compreensível.... nunca desafia nem subverte a ordem social maior, porque ele deve pacificar, e não provocar".<ref>Lugg, pp. 5-7</ref>
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[[Alexis de Tocqueville]] já no início do século XIX escrevia, em ''[[Da Democracia na América|De la démocratie en Amérique]]'', que a [[democracia]] moderna impôs um rebaixamento estético tanto nos critérios de produção como nos de consumo, pois o número de consumidores aumentou - a [[classe média]] - mas a elite endinheirada e culta relativamente diminuiu. Com isso os artistas e artesãos se viram compelidos a produzir com grande rapidez uma grande quantidade de bens imperfeitos, onde a imitação e a falsificação assumiam um novo significado: "A produção é mais numerosa, mas o mérito de cada obra é menor. Já incapazes de se elevar ao que é grande, os artistas cultivam o que é bonitinho e elegante, onde aparência atrai mais do que realidade... Quando cheguei a [[Nova Iorque]] pela primeira vez, fiquei surpreso ao perceber, ao longo da praia, a alguma distância da cidade, um considerável número de pequenos palácios de mármore, construídos no estilo da arquitetura antiga. Quando no dia seguinte fui inspecioná-los, descobri que suas paredes de mármore eram na verdade tijolo caiado, e que suas colunas eram de madeira pintada".<ref>Călinescu, pp. 226-227 </ref>
[[File:Botticelli's Birth of Venus souvenirs.jpg|thumb|Reproduções de estatuária clássica e da imagem central da pintura
Esta queda na qualidade geral da arte, como notaram diversos outros escritores ao longo dos últimos dois séculos, foi atribuída em grande parte ao desejo da classe média pela ostentação de uma sofisticação e cultura que ela na verdade não possuía, sendo de um lado incapaz de adquirir arte de qualidade elevada e de outro inábil para
Călinescu complementou essas ideias afirmando que ele mantém fortes suas ligações com a [[economia]], dependendo do [[consumismo]] e da rápida obsolescência de todos os produtos, e sua presença em países do [[terceiro mundo]] muitas vezes é tomada como uma evidência de "modernização".<ref name="Călinescu4"/> Na observação de Abraham Moles, o ''kistch'' é "o resultado do excesso de meios em face das necessidades".<ref>Moles, p. 10</ref> A proliferação de reproduções baratas de virtualmente tudo tem um grande apelo econômico para a população desfavorecida, sendo limitado apenas pelas possibilidades do mercado. A hierarquia de valores é estabelecida somente pela demanda, em réplicas tiradas em série em materiais comuns como o gesso, o plástico, a resina, a cerâmica, a impressão gráfica, de obras que em sua origem derivavam seu valor da sua qualidade, preciosidade, inimitabilidade e raridade. Nem todos podem se dar ao luxo de adquirir uma obra de arte autêntica, ainda mais se for celebrada, ou se dirigir a um grande [[museu]] para vê-la ao vivo, então é muito mais fácil comprar uma estatueta imitando o
==Na religião==
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Nas palavras de [[Karsten Harries]],
Permanece a ideia de que o ''kitsch'' erótico aparece quando o confronto com o outro é evitado, eliminando a possibilidade do conflito, um traço especialmente marcante nas sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento, onde as imagens mediatizadas se tornam uma presença constante.<ref> Olivier, pp. 71-73</ref> A kitschização do erotismo também é clara na [[pornografia]] em sua versão ''[[Soft core|soft-core]]'', presente no cinema, na TV, na ''Internet'', na publicidade, nas artes plásticas e nas mídias impressas, oferecendo para visualização de um grande público corpos de homens e mulheres que seduzem em atmosferas romantizadas, fantasiosas e às vezes "inocentemente" infatilizadas, mas sempre picantes. Esta abordagem, estilizando e estetizando os objetos de desejo, cultiva o [[voyeurismo]] e suaviza qualquer possível culpa pelo desfrute do corpo alheio sem sua presença física ou seu consentimento explícito. Como disse [[Ugo Volli]], "no momento em que o homem transforma o sexo em um objeto estético ou científico já não existe razão para envergonhar-se dele", no que concorda [[Thorsten Botz-Bornstein]] ao afirmar que "a pornografia como arte é inocente porque se torna ''pornokitsch''".<ref name="Andrews">Andrews, David. ''Soft in the middle: the contemporary softcore feature in its contexts''. pp. 36-38 </ref><ref name="Botz"/><ref>Milliard, Coline. [http://www.artinfo.com/news/story/36130/with-hollywood-clocks-and-erotic-kitsch-the-british-art-show-opens-as-a-vivacious-picture-of-uk-art/ "With Hollywood Clocks and Erotic Kitsch, the British Art Show Opens as a Vivacious Picture of U.K. Art"]. In: ''Art Info'', 26 out. 2010</ref>
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