Princípio da igualdade: diferenças entre revisões

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Breve esforço histórico sobre o princípio da igualdade
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A ideia de igualdade acompanha o homem desde a sua origem. Há, contudo, um paradoxo evidente nesse conceito. Sabe-se que a igualdade de fato não existe na natureza, somente na matemática. Por mais parecidos que sejam os objetos, os indivíduos, os conceitos e as ideias, sempre haverá alguma diferença entre eles. Até mesmo os chamados "gêmeos idênticos", na verdade não são idênticos, pois mesmo compartilhando do mesmo material genético, há sempre alguma particularidade entre eles.
O '''princípio da igualdade''' ou da '''isonomia''' provavelmente tenha sido utilizado em [[Atenas]], na [[Grécia]] antiga, cerca de 508 a.C. por [[Clístenes]], o pai da [[democracia ateniense]]. No entanto, sua concepção mais próxima do modelo atual data de 1215 d.C., quando o Rei [[João de Inglaterra|João Sem-Terra]] assina a ''[[Magna Carta]]'', considerado o início da [[monarquia constitucional]], de onde origina-se o princípio da legalidade, com o intuito de resguardar os direitos dos [[burgomestre]]s, os quais o apoiaram na tomada do trono do então Rei [[Ricardo I de Inglaterra|Ricardo Coração de Leão]].
 
 Na filosofia, com os chamados filósofos pré-socráticos, existia uma dúvida que perdurou por séculos: o que está por trás da aparente diversidade das coisas ? Tales de Mileto dizia que a unidade fundamental da matéria era a água, Anaxímenes de Mileto afirmava que era o ar,Anaximandro de Mileto, indicava o ápeiron, Heráclito de Éfeso optou pelo fogo. Daí surgiu o conceito de essência: aquilo que não é acidental. Isso já demonstra o incômodo dos homens com o diverso, o plural, o diferente.
Trata-se de um princípio jurídico disposto nas [[Constituição|Constituições]] de vários países que afirma que ''"todos são iguais perante a lei"'', independentemente da riqueza ou prestígio destes. O princípio informa a todos os ramos do direito.
 
Para os gregos, no âmbito da política, apesar do surgimento da democracia, a ideia de igualdade ganha um sentido diverso do entendido hoje. Do ponto de vista moderno, na Antiguidade não existia uma real e efetiva igualdade entre os homens. No principal centro político da época, em Atenas, só poderia participar da vida política o cidadão, ou seja, os homens atenienses livres e alfabetizados maiores de 20 anos. Estavam excluídos da participação do poder da polis, portanto, os residentes estrangeiros em Atenas (os chamados metecos), escravos, mulheres e crianças.
 
Os antigos gregos davam enorme primazia à ideia de comunidade e coletivo, em detrimento do individual. Em outras palavras, o público superava o privado. O ideal comum tinha uma grande importância, pois o homem só existia de forma plena quando fazia parte de uma comunidade política. Um grande exemplo disso é o julgamento de Sócrates. Quando ele foi condenado a tomar a cicuta, deram a ele a possibilidade de continuar vivo e fugir de Atenas. Sócrates, porém, resolveu não ir contra as leis da cidade, pois o que era decidido pelos cidadãos teria de ser cumprido.
 
O conceito de igualdade na polis foi retratada e desenvolvida por Aristóteles. Para ele, existe duas espécies de igualdade: a geométrica e a aritmética. Essas duas concepções de igualdade ficam mais claras quando são associadas aos dois tipos de entendimento que o filósofo concebe em relação à Justiça.
 
Na primeira concepção, chamada de justiça distributiva, a ação justa é aquela que dá a cada um segundo o seu mérito, o seu valor; ou seja, existe aqui uma relação de proporcionalidade. Será justo, portanto, se atingir a finalidade de dar a cada um aquilo que lhe é devido, na medida de seus méritos. Frente a isso, a relação dessa espécie de justiça com a igualdade geométrica é inevitável. Esta última é concebida pelos diferentes tratamentos sobre valores e direitos das pessoas. Nesse tipo de igualdade, os indivíduos se distinguem, em proporção, pelos seus diferentes valores. Esse tipo de igualdade foi essencial para a polis grega.
 
O segundo paradigma da justiça, segundo Aristóteles, é a chamada justiça corretiva. Como o próprio nome denuncia, essa segunda espécie de justiça é a que visa corrigir os elementos nas relações entre as pessoas. Daí decorre a igualdade aritmética, que é aquela que dá um tratamento igualitário entre seus pares. Melhor dizendo, é aquela que iguala os desiguais.Dessa forma, dentro das relações entre os atenienses, os mesmos se tratavam como iguais. Esse tipo de igualdade foi preponderante com os ideais de igualdade da era Moderna e também nas revoluções burguesas.
 
Além da perspectiva da igualdade na visão política, havia também um certo entendimento desse conceito no âmbito da Ética. A virtude, para os gregos, era uma questão de talento ou dom natural. Aristóteles diz que um olho virtuoso é o que cumpre bem sua finalidade, aquele que melhor enxerga. Não só o olho, mas tudo que existe no mundo tem uma finalidade, e aquilo que cumpre melhor o seu fim contribui melhor para o cosmos. Portanto, existe uma hierarquia natural entre os seres, que é totalmente legitimadora de uma hierarquia política e social. Por isso Aristóteles acreditava que a escravidão era totalmente legítima, porque os escravos seriam seres inferiores na hierarquia natural.
 
No Império Romano, período de enorme importância para o Direito, o conceito de igualdade não era muito diverso do entendido pelos gregos. Assim como em Atenas, dentro do território romano permitia-se a escravidão, ou seja, era uma sociedade escravista. Isso já demonstra que não existia uma efetiva igualdade entre os membros dessa sociedade.
 
Os direitos entre os romanos eram distribuídos de acordo com a posição ocupada pelo indivíduo na estrutura social. No topo da pirâmide social romana existiam os patrícios, que eram aqueles donos de terra e que ocupavam importantes cargos públicos,ou seja, eram os que formavam a elite na época. Logo abaixo, estavam dispostos os plebeus, homens livres que geralmente eram pequenos comerciantes ou artesãos e, por algum tempo, tinham menos direitos que os patrícios.
 
Algum tempo, pois ao longo da história os direitos foram sendo estendidos para todas as classes sociais de Roma, e até mesmo aos povos dominados. A Lei das XII Tábuas, uma antiga legislação do direito romano, foi uma importante conquista dos plebeus, pois com ela ampliou-se e garantiu direitos. Na tábua nona, que diz respeito ao direito público, já encontramos uma afirmação de igualdade: ''"1. Que não se estabeleçam privilégios em leis (Ou: que não se façam leis contra indivíduos)"''. (LIMA, 1983, p.51).
 
Com o cristianismo, o conceito de igualdade se torna mais amplo. Os cristãos reconhecem que as pessoas são naturalmente diferentes. Porém, eles não julgam que os talentos sejam bons em si mesmos, como diz Aristóteles. Para eles, a virtude é o uso que se faz dos talentos. Por exemplo, é um fato que o indivíduo A tem mais capacidade intelectiva que o indivíduo B. Porém, dependendo do fim que esses indivíduos utilizam seus dons naturais, pode ser que o indivíduo B seja mais virtuoso que o indivíduo A. Portanto, para os cristãos, não existe uma hierarquia natural entre os seres como era a concepção de Aristóteles, e sim uma igualdade, pois todos os homens são filhos de Deus, ou seja, irmãos. Na bíblia, fica evidente essa concepção no livro de I Coríntios 12:13: ''"Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito."'' (BÍBLIA, 1988, p.201).
 
Com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., tem início o período que os historiadores chamam de Idade Média. A sociedade feudal foi marcada pelos laços de suserania e vassalagem, pela divisão social do clero, nobreza e servos e pela imobilidade social. Daí depreende-se que a desigualdade era traço essencial nesse período. Em outras palavras, a igualdade geométrica era predominante no feudalismo, pois eram conferidos valores diferentes em função da posição que a pessoa ocupava na pirâmide social.
 
Em 1215, surge na Inglaterra um documento importante na História da humanidade. Trata-se da Magna Carta, do Rei João-sem-terra. Este foi o primeiro documento que restringiu o poder real frente à nobreza e ao clero. Com relação à ideia de igualdade, o documento diz no seu art. 40 que "A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou retardaremos direito ou justiça". Observa-se aqui uma pretensão de tratamento similar por todos os indivíduos.
 
Com o fim da Idade Média, tem-se início a chamada Idade Moderna. Paralelamente ao fim da Idade Média, temos o ressurgimento do comércio, uma migração das populações para a cidade e uma certa valorização individualista do homem. Portanto, o período moderno é marcado por profundas rupturas e transformações na ordem social, política e jurídica. Nessa época, temos as grandes navegações, a formação dos Estados Nacionais, a Revolução Científica, o Renascimento e a Reforma Protestante como marcos essenciais para compreender a evolução da ideia de igualdade.
 
Se para os antigos os valores coletivos predominavam sobre os individuais, na modernidade tem-se uma inversão desse paradigma. Em outras palavras, no período moderno, o privado superava o público. O individualismo ganha força. Aqui, a sociedade nada mais é do que a junção dos interesses privados.
 
Com o ressurgimento e a intensificação do comércio, os chamados burgueses tiveram dificuldade para expandir seus negócios, visto a pluralidade de moedas, pesos e medidas existentes. Com isso, a solução encontrada foi a centralização do poder político na figura do rei, surgindo o absolutismo monárquico junto com os Estados Nacionais.
 
Com a Reforma Protestante, provocada inicialmente por Lutero em 1517, a crítica sobre os dogmas do catolicismo romano, sobre o poder supremo do Papa e da Igreja Católica emerge. Para o teólogo, não havia diferença de condição entre os cristãos perante Deus, e que tais diferenças eram criadas pelos homens nas leis humanas. Dessa forma, percebe-se aqui a reafirmação da igualdade de todos perante o Criador.
 
Em 1789 acontece a Revolução Francesa, dando início assim a chamada Idade Contemporânea. Quando houve a convocação dos Estados Gerais, o Primeiro Estado (o clero) e o Segundo Estado (a nobreza) defendiam o critério de igualdade geométrica, enquanto o Terceiro Estado (povo) pregavam a adoção da igualdade aritmética.
 
Frente à insatisfação do Terceiro Estado em aceitar tal critério, bem no início do período revolucionário, é instalada uma Assembléia Nacional Constituinte, com vistas a restringir o poder do rei e editar uma nova Constituição para a França, que foi promulgada em 1791.
 
Durante esse processo, foi promulgado um documento extremamente importante na História, chamado de Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789'','' que veio afirmar a igualdade e os direitos individuais. Logo no seu art. 1º, tem-se a afirmação de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos.
 
A Revolução Francesa foi um marco na História e fundamental para a consolidação da igualdade formal na França. A igualdade aritmética começa a prevalecer nesse período. Com Napoleão Bonaparte, a expansão dos ideais burgueses e a promulgação do Code Civil de 1804 foram símbolos dessa época.
 
Após a promulgação dos ideais burgueses na Europa, finalmente a burguesia pôde expandir e intensificar ainda mais seus negócios, o que desencadeou a chamada Revolução Industrial, que deu à burguesia crescimento econômico e lucros exorbitantes. Porém, esse individualismo burguês incorporado no Estado Liberal propiciou problemas sociais e econômicos preocupantes. Para agravar a situação, o Estado tinha uma atitude de omissão diante desses problemas, o que conduziu a um capitalismo desumano e a um duro golpe na igualdade.
 
Frente a todos esses fatos, surgiram várias teorias idealistas que buscavam a construção de uma sociedade mais igualitária e justa. Destaca-se aqui Karl Marx e Friedrich Engels, como críticos do socialismo utópico e teóricos do socialismo científico. Na Rússia, em 1917, foi implantado o socialismo, apesar desse não ser condizente ao socialismo proposto por Marx e Engels. Foi rompido o capitalismo e proposto o fim da igualdade formal, afirmando a igualdade entre todos e os direitos sociais.
 
Uma das consequências do imperialismo foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O conflito envolveu países do mundo todo, e o cenário das batalhas se dava principalmente na Europa Continental. Terminada a guerra, era preciso rever essa política imperialista que os países adotaram. Com isso, o capitalismo adotou uma feição mais social. A Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 na Alemanha foram os primeiros textos constitucionais a concretizar os direitos sociais.
 
Porém, isso não foi suficiente para evitar o surgimento do nazismo, do facismo e dos demais Estados totalitários. Todas essas ideologias refletiram enorme desigualdade e repressão entre o povo. Para o Partido Nacional Socialista, a raça ariana era vista como superior e quem não pertencesse a essa "raça" era visto como inferior. Por causa disso, pessoas judaicas ou negras, por exemplo, eram perseguidas e mortas pelo Partido. A desigualdade aqui fica evidente.
 
Tudo isso desemboca no maior conflito já visto pelo homem até então, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Após o fim da guerra, é criada as Nações Unidas, em substituição à Liga das Nações. Nesse sentido, frente ao desrespeito total aos Direitos Humanos na Segunda Guerra, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclama um documento que é referência ainda hoje, o chamado ''Declaração Universal dos Direitos Humanos,'' logo no seu primeiro artigo consagra a igualdade entre todos os homens.
 
O Estado Democrático de Direito veio para alargar a discussão entre os cidadãos e ampliar a participação na democracia.
 
Sob o olhar de Canotilho (1999, p.94), o Estado Democrático de Direito deve ser visto ''"''como uma ordem de domínio legitimada pelo povo''"''. Daí a conclusão de que para a legitima e efetiva ação do Direito, é preciso a participação de todos no processo democrático.
 
Portanto, ''"''a cidadania ativa no Estado democrático de direito pressupõe um cidadão político, apto a fazer valer suas reivindicações perante os governantes, que devem arcar com as responsabilidades de seus atos". (SOARES, 2004, p.222).
 
Tal princípio deve ser considerado em dois aspectos: o da ''igualdade na lei'', a qual é destinada ao legislador, ou ao próprio executivo, que, na elaboração das [[lei]]s, [[norma jurídica|atos normativos]], e [[medidas provisórias]], não poderão fazer nenhuma discriminação. E o da ''igualdade perante a lei'', que se traduz na exigência de que os poderes [[poder executivo|executivo]] e [[poder judiciário|judiciário]], na aplicação da lei, não façam qualquer discriminação.
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* [[Igualdade]]
 
{{Referências}}ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003. 247p. [[Categoria:Princípios do direito|Igualdade]]
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