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[[Imagem:Cathédrale Sainte-Cecile Albi.JPG|right|thumb|Catedral de [[Albi (França)|Albi]], localidade francesa que deu nome ao movimento religioso combatido pela força pela Igreja Católica.]]
A '''Cruzada Albigense''' (denominação derivada de [[Albi (Tarn)|Albi]], cidade situada ao sudoeste da [[França]]), também conhecida como '''Cruzada Cátara''' ou '''Cruzada contra os Cátaros''', foi um conflito armado ocorrido em 1209 e 1244, por iniciativa do [[papa Inocêncio III]] com o apoio da [[dinastia capetiana]] (reis da França na época), com o fim de reduzir pela força o [[catarismo]], um movimento religioso qualificado como [[heresia]] pela [[Igreja Católica]] e assentado desde o {{séc|XII}} nos territórios feudais do [[Languedoque]]; favoreceu a expansão para sul das posses da monarquia capetiana e os seus vassalos.
 
A guerra, que se desenvolveu em várias fases, começou com o confronto entre os exércitos de cruzados súditos do rei [[Filipe II de França|Filipe Augusto da França]] com as forças dos [[Condado de Tolosa|condes de Tolosa]] e vassalos, provocando a intervenção da [[Coroa de Aragão]], que culminou na [[batalha de Muret]]. Numa segunda etapa, na qual inicialmente os tolosanos atingiram certos sucessos, a intervenção de Filipe Augusto decidiu a submissão do Condado, ratificada pelo [[Tratado de Paris (1229)|Tratado de Paris]]. Numa prolongada fase final, as operações militares e as atividades da recém criada [[Inquisição]] focaram-se na supressão dos focos de resistência cátara que, desprovidos dos seus apoios políticos, terminaram por ser reduzidos. A guerra teve episódios de grande violência, provocou a decadência do movimento religioso cátaro, o ocaso da até então florescente cultura languedociana e a formação de um novo espaço geopolítico na Europa ocidental.
 
==Geopolítica occitana da época==
[[Imagem:Occitania y Aragon en 1213.svg|thumb|Mapa do território em vésperas da batalha de Muret]]
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* O [[viscondado de Carcassone]], Béziers, Albi e [[Limoux]], cujo senhor feudal era [[Raimundo Roger Trencavel]], sobrinho de Raimundo VI. Possuía o principado que abrangia de [[Carcassonne]] a [[Béziers]]. A família [[Trencavel]] rendia homenagem à [[Coroa de Aragão]] desde 1179, sendo à vez vassalos do Condado de Tolosa. A dinastia feudal Trencavel mantinha assim mesmo alianças com o [[Viscondado de Minerve]].
* A [[Coroa de Aragão]], domínios do rei [[Pedro II de Aragão]], à que rendiam vassalagem os condes de Tolosa.
 
As cinco [[diocese]]s cátaras, [[Narbona]], Albi, [[Carcassonne]], [[Cahors]], [[Toulouse]] e até mesmo [[Agen]] ocupavam quase exatamente os territórios dos grandes senhores feudais do Languedoque. Os cátaros recebiam o apoio de alguns nobres e conseguiram assentar-se graças à ação exemplar dos Perfeitos —seguidores cátaros de uma vida ascética— e à incapacidade do clero católico. Os Perfeitos e Perfeitas não eram muito numerosos, mas uma grande parte da da população tolerava a sua doutrina e até mesmo a favorecia.<ref>(Brenon 1998: 43)</ref>
 
==Causas da Cruzada==
===O catarismo===
{{VT|Catarismo}}
O catarismo é frequentemente classificado como uma religião de caráter [[gnosticismo|gnóstico]] e [[maniqueísmo|maniqueísta]], especialmente inspirada no movimento dos [[bogomilos]] que surgiram no {{séc|X}} nos [[Bálcãs]] e com influências litúrgicas do [[cristianismo]] primitivo.
 
O catarismo teve o seu auge durante os XII e XIII na Europa Ocidental, onde chegaram a ser conhecidos também como Albigenses, em alusão à cidade de Albi, onde residiam algumas das maiores comunidades cátaras, com outras estabelecidas a norte da [[Itália]], no reino de Aragão e no condado de Barcelona, embora o seu encrave principal se encontrasse na região do [[Languedoque]], a sul da atual [[França]]. Foi implantado nomeadamente nos [[burgo]]s, populações complexas nas quais coexistiam os senhores, cavaleiros, burgueses e gente da povoação; povoações e cidades com oficinas, artesãos e comércio. A liderança dos cátaros era protegida por nobres poderosos,<ref name="Duvernoy">{{Harvard reference | Surname=Duvernoy | Given=Jean,| Authorlink=Jean Duvernoy | Title=Guillaume de Puylaurens, Chronica (Guillaume de Puylaurens)|Chronique 1145-1275]]: Chronica magistri Guillelmi de Podio Laurentii | Publisher=CNRS | Place=Paris | Year=1976 | ISBN=2910352064}}. {{nobold|Texto e trad. para o francês. Reprinted: Toulouse: Le Pérégrinateur, 1996.)}}</ref> e também por alguns [[bispo]]s, que se ressentiam da autoridade papal em suas dioceses. Em 1204, o Papa suspendeu a autoridade de alguns desses bispos,<ref name="Duvernoy"/> nomeando legados papais para agir em seu nome. Em 1178 Henri de Marcy, legado do papa, qualificou as povoações de implantação cátara com a alcunha em [[latim]] de ''sedes Satanae'', sedes de [[Satã]].<ref>(Labal :129)</ref>
 
===Doutrina===
O catarismo era baseado numa interpretação [[Dualismo|dualista]] do [[Novo Testamento]] (recusavam o Antigo por ser uma crônica da criação do mundo material pelo falso Deus, também denominado [[Demiurgo]]). Assim defendiam a existência de dois princípios supremos: o Bem e o Mal, sendo o primeiro o criador dos espíritos e o segundo o da matéria.
 
Para eles, o mundo era uma plasmação desta dualidade na que vagavam as almas (espíritos puros criados pelo Deus bom) envolvidas nos seus corpos (matéria criada pelo Deus mau). Rejeitavam o conceito do [[Inferno]], sendo o equivalente a este o próprio mundo no qual as almas deviam purificar-se através de sucessivas reencarnações até atingir um grau de auto-conhecimento que os levaria a visão da divindade escapando do mundo material para o [[paraíso]] imaterial.
 
Para chegar a este estado pregavam uma vida [[Ascetismo|ascética]] e contemplativa. Os que a seguiam eram denominados "Perfeitos" e considerados uma espécie de herdeiros ou continuadores das práticas dos [[apóstolo]]s, tendo o poder de absolver dos pecados através da cerimônia do ''consolamentum'', único sacramento na religião cátara.
 
===Oposição da Igreja católica===
[[Imagem:Innozenz3.jpg|thumb|[[Afresco]] do [[Papa Inocêncio III]] em [[Arte bizantina|estilo bizantino tardio]]. Mosteiro beneditino de [[Subiaco]], [[Lácio]], em torno de 1219. ]]
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# Apresentava um conceito do mundo e da Criação diferente (para os católicos o mundo e o homem seriam bons ao serem criados por Deus e o pecado viria da corrupção do homem no pecado original).
# Propugnava a salvação através do conhecimento em vez de através da fé em Deus.
 
Também recusavam os [[juramento]]s, por ser ataduras ao mundo material, o que atacava pela sua vez a própria disposição da sociedade feudal europeia, na qual, dado o analfabetismo reinante, quase todas as transações comerciais e comprometimentos de fidelidade eram baseados em juramentos.
 
Por tudo isso, a Igreja Romana com o [[papa Celestino III]] tratou de contra-arrestar o auge do catarismo mediante uma política missionária, multiplicando as fundações [[cistercienses]] e enviando pregadores de relevância, como [[Bernardo de Claraval]], no {{séc|XII}}.
 
Já em finais desse século, Celestino III foi sucedido por [[Inocêncio III]], que pela sua origem familiar era um grande senhor feudal. Cria na virtude das armas quando eram guiadas por Deus; também era um jurista, formação que recebera em [[Paris]] e em [[Bolonha]]. Compreendeu que o catarismo surgira por uma carência da Igreja; havia poucos clérigos católicos bem instruídos, poucas abadias e bispos; muitos destes últimos apenas visitavam as suas dioceses para coletar impostos.
 
A 1 de abril de 1198 escreveu aos seus arcebispos instando a retaliar os hereges cátaros. Em 1199 equiparou a heresia ao crime de lesa majestade; no sucessivo, os hereges obstinados seriam banidos e os seus bens confiscados. Esta disposição foi estendida à [[Occitânia]] em julho de 1200. Instituiu legados e outorgou-lhes plenos poderes: direito de excomunhão, de pronunciar [[interdito]], da obediência dos prelados e, caso necessário, de substituí-los por homens mais decididos. A sua principal missão consistia em reformar o clero local e combater a heresia.
 
===As missões===
[[Imagem:SaintDominic.jpg|thumb|upright|esquerda|[[Domingos de Gusmão]]]]
No Outono de 1203, [[Inocêncio III]] designou como legados dois irmãos [[cistercienses]] da [[Abadia de Fontfroide]], Raoul de Fontfroide e [[Pierre de Castelnau]], um jurista da ordem do [[cister]] que se conduzia com a intransigência de um juiz seguro da lei que aplicava. Em dezembro dirigiram-se a Toulouse, onde fizeram jurar ao conde que extirparia a heresia. Em fevereiro de 1204 aconteceu uma reunião em [[Béziers]] presidida pelo rei [[Pedro II de Aragão]]. O rei reconhecera-se vassalo da [[Santa Sé]] mas, contra do pedido dos legados, manifestou que não estava disposto a usar a espada contra os seus vassalos ocidentais, senão todo o contrário.
 
Uns meses mais tarde Arnaud Amaury, abade de [[Cîteaux]], incorporou-se à delegação, mas ainda com o reforço de Arnaud Amaury os legados não obtinham sucessos. A sua apresentação não era a mais adequada: percorriam o país em luxuosos carros de cavalos acompanhados por todo um cortejo de servidores, quando precisamente o luxo e a suntuosidade era o que mais reprochava o povo occitano à igreja romana. Em maio de 1206 os abades decidiram regressar às suas respetivas abadias. No caminho de regresso fizeram uma parada em [[Montpellier]] e ali coincidiram com dois [[Castela|castelhanos]] que regressavam de Roma. Eram [[Diego de Acebes]], bispo de [[Diocese de Osma-Sória|Osma]], e o seu vice-prior, [[Domingos de Gusmão]], posterior fundador da [[Ordem Dominicana]]. Este encontro foi decisivo. Os legados expuseram as suas dificuldades: quando pregavam, era objetado o comportamento detestável dos clérigos, mas se se dedicavam a reformar os clérigos, teriam de renunciar à pregação. Os castelhanos expuseram a solução: pôr de lado a reforma dos clérigos e dedicar-se exclusivamente à pregação mas, para que esta fosse eficaz, era preciso que cumprira uma condição imperativa: a pobreza, ou seja, viajar com humildade, ir a pé, sem dinheiro, em casais, imitando os costumes dos Perfeitos cátaros e que antigamente utilizaram os apóstolos.<ref>(Duby 2006: 273)</ref>
 
Pouco a pouco, os métodos de Diego de Acebes e Domingos de Gusmão conseguiam os seus efeitos, convertendo crentes cátaros e até mesmo alguns Perfeitos. Diego regressou para Osma e Domingos de Gusmão escolheu então como companheiro a Guillem Claret, clérigo de [[Pamiers]], com o que se instalou em [[Fanjeaux]], no centro da região, onde converteu um grupo de Perfeitas e mulheres crentes cátaras, que instalou no [[Mosteiro de Prouilhe]], perto de Fanjeaux, tornando-se num centro educacional e hospitalar de garotas, a semelhança das "Casas das Perfeitas".
 
===O insucesso das missões e o ''casus belli''===
[[Imagem:Berruguete ordeal.jpg|upright|thumb|''Auto de Fé de Santo Domingos de Gusmão'', obra do pintor renascentista [[Pedro Berruguete]], exibido no [[Museu do Prado]], reproduz um cena da obra fracassada de conversão dos cátaros encarregue a Domingos de Gusmão.]]
Os sucessos de Domingos de Gusmão dão ao manifesto a eficácia dos seus métodos, mas tratava-se de uma pregação longa e difícil que exigia modéstia e paciência, Domingos de Gusmão parecia adaptado a esta situação mas não assim os [[cistercienses]] que aguardavam uma conversão massiva e entusiasta e, em lugar disso, tinham de ir de povoação em povoação enfrentando os contra-pregadores cátaros que ocasionalmente conheciam o Evangelho melhor que os seus próprios clérigos. Para eles, a campanha de 1207 era um insucesso.
 
Neste clima, com a heresia em pleno auge e a crescente humilhação da Igreja Romana frente da passividade e conivência dos senhores occitanos, somente faltava uma chispa que servisse de argumento a Inocêncio III para tomar as armas. Esta ocorreu na Primavera de 1208 com o assassinato em [[Saint-Gilles (Gard)|Saint-Gilles]] do legado papal [[Pedro de Castelnou]] (atribuído segundo as crônicas a uma ordem do conde tolosano Raimundo VI). O papa pronunciou um [[anátema]] contra o conde tolosano e declarou as suas terras "entregues como presa". Isto equivalia a uma chamada direta a [[Filipe II Augusto]], rei da França, bem como a todos os condes, barões e cavaleiros do seu reino para acudir à Cruzada.
 
==Desenvolvimento da Cruzada==
O desenvolvimento desta ''Guerra Santa'' ou [[Cruzadas|cruzada]] é com frequência relatado pela [[historiografia]] em três fases diferenciadas: uma primeira etapa, a partir de [[1209]] e que se destacou por episódios de grande violência como o da matança de [[Béziers]], enfrentou as forças reunidas por [[feudalismo|senhores vassalos]] dos Capetos provenientes nomeadamente de [[ilha de França]] e do [[Nord (departamento)|Norte]], comandadas por [[Simão de Montfort]], com parte da nobreza tolosana encabeçada pelo conde [[Raimundo VI de Toulouse]] e a família [[Trencavel]] que, sendo aliados e vassalos do rei de [[Condado de Aragão|Aragão]] [[Pedro II de Aragão|Pedro II ''o Católico'']], invocaram à participação direta no conflito do monarca aragonês, que resultou derrotado e morto no curso da batalha de Muret em 1213.
 
Numa segunda fase, a morte de Simão de Montfort no sítio a Toulouse após o retorno do conde [[Raimundo VII de Toulouse]] e a consolidação da resistência occitana apoiada pelo [[conde de Foix]] e forças aragonesas, decidiram a intervenção militar de [[Luís VIII de França]] a partir de 1226 com o apoio do [[Papa Honório III]] que culminou no [[Tratado de Paris (1229)|Tratado de Meaux-Paris]] de 1229, no qual foi pactuada a integração do território occitano na coroa francesa.
 
Numa terceira e última etapa os abusos da [[Inquisição]] provocaram numerosas revoltas e sublevações urbanas e decidiu uma última tentativa de Raimundo VII à que teve de renunciar apesar do apoio da [[Reino de Inglaterra|coroa inglesa]] e dos [[Lusignan|condes de Lusignan]], terminando com a tomada das últimas fortificações de [[Castelo de Montségur|Montsegur]] e de [[Castelo de Quéribus|Queribus]] em [[1244]].
 
===O assassinato de Castelnau e chamada a cruzada===
[[Imagem:Carcassonne-vignes.jpg|esquerda|thumb|Cidade murada de Carcassonne, ''La Cité'', posse da família Trencavel, sitiada pelas forças cruzadas em agosto de 1209, durante a cruzada albigense.]]
Em 1207, enquanto Domingos e os outros cistercienses pregavam, o legado papal [[Pierre de Castelnau]] tomou a iniciativa de expor um acordo geral de paz a todos os condes e senhores do [[Languedoque]]. Pedia que se comprometessem a não empregar judeus na sua administração (para evitar empréstimos que não fossem eclesiásticos), devolver o dinheiro não pago às igrejas em conceito de tributo, não contratar salteadores e, sobretudo, perseguir os hereges [[cátaros]].
 
Ao conde [[Raimundo VI de Toulouse]] era impossível aceitar estas condições sem quebrantar os fundamentos do seu poder, de modo que se negou. Foi excomungado por isso a 29 de maio de 1207. Decidiu então emprestar juramento e foi-lhe levantada a excomunhão. Mas, evidentemente, não pôde efetuar as petições e foi excomungado de novo numa reunião em [[Saint-Gilles (Gard)|Saint-Gilles]].
 
A 14 de janeiro de 1208, Castelnau foi assassinado quando se dispunha a cruzar o [[rio Ródano]], ao voltar da reunião de Saint-Gilles. O assassinato não foi ordenado por Raimundo mas toda a responsabilidade caiu sobre ele, as suas terras e os senhores feudais occitanos com os que mantinha algum tipo de vínculo,. O [[Papa Inocêncio III]] acusou abertamente ao Conde de Tolosa. A cruzada militar ia substituir a cruzada pacífica.
 
A chave política para efetuar uma evangelização frutífera podia estar em [[Filipe II de França|Filipe Augusto]], rei da [[França]], mas estava em guerra com o rei de Inglaterra e o reino francês não podia manter dois exércitos, um para se defender da Inglaterra e outro para perseguir hereges.
 
A 9 de março de 1208, o Papa dirigiu uma carta a todos os [[arcebispo]]s do Languedoque e a todos os [[conde]]s, barões e senhores do reino da [[França]]. Um fragmento desta dizia:<ref>(Labal 1988:150)</ref>
{{Quote1|Despojai os hereges das suas terras. A fé desapareceu, a paz morreu, a peste herética e a cólera guerreira cobraram novo alento. Prometo-vos a remissão dos vossos pecados se puserdes limite a tão grandes perigos. Ponde todo o vosso empenho em destruir a heresia por todos os meios que Deus vos inspirará. Com mais firmeza ainda que com os Sarracenos, pois são mais perigosos, combatei os hereges com mão dura.}}
[[Imagem:Philippe II Auguste.jpg|uright|thumb|[[Filipe II de França]]]]
Assim, outorgava a que tomaram parte da Cruzada iguais privilégios concedidos para as cruzadas em [[Terra Santa]]: absolução dos pecados e promessa do [[paraíso]] para os mortos no combate. Uma cláusula suplementar foi acrescentada: as terras "limpas de hereges" passariam a ser posse, em pleno direito, do cruzado que as conquistasse.
 
Uma numerosa tropa foi formada; num território com diferentes senhores feudais, mal defendido e pouco habitado, a vitória podia parecer fácil aos barões habituados às [[cruzadas]] em ultramar. Primariamente a força bélica era formada por nobres vindos da França, não dispostos a prolongarem a sua estadia para além dos quarenta dias regulamentares de serviço "''d'Ost''".
 
Simão de Montfort, barão de Amury, proveniente de [[ilha de França]], destacaria como chefe militar da cruzada; [[Arnaud Amaury]], abade de [[Cîteaux]], foi designado pelo Papa chefe religioso da expedição. O financiamento, a princípio, recaiu nos prelados, que deviam detrair das populações das suas dioceses 10% da renda.
 
A concentração de tropas aconteceu em [[Lyon]]: 20 000 cavaleiros, mais de 200 000 cidadãos e camponeses, sem contar o clero. Assim o descreve o trovador da época Guillem de Tudèle; o certo é que a chamada concentrou um elevada tropa.
 
Os cruzados partiram para o [[Midi]] baixando pelo vale do [[Ródano]]. Raimon Roger Trencavel, visconde de Carcassonne e conde de Béziers, cavalgou ao seu encontro numa tentativa por chegar a um acordo com os legados papais. Nada tinha a ver com o assassinato de Pierre Castelnau, mas era suspeitoso de heresia e foi recusado. Trencavel dirigiu-se imediatamente para Béziers, pôs a cidade e aos seus cônsules em estado de defesa, partindo imediatamente para Carcassonne para fazer o próprio.
 
===A cruzada dos barões ou guerra relâmpago===
[[Imagem:Montségur Monolit.jpg|esquerda|thumb|Monumento na memória dos 200 cátaros queimados durante o [[sítio de Montségur]] (16 de março de 1244)]]
 
[[Imagem:Cathars expelled.JPG|esquerda|thumb|Os cátaros expulsos de Carcassonne]]
 
A 21 de julho de 1209 os cruzados posicionaram-se diante de [[Béziers]]; Simão de Montfort à frente do exército cruzado atacou a cidade e exterminou uma parte da população sem levar em conta a sua filiação religiosa e pronunciando, segundo a crônica de Cesáreo de Heisterbach, a frase:
{{Quote1|Matai-os todos, Deus reconhecerá os seus!|Atribuída a Arnaldo Amalrico, quem fora legado papal, inquisidor e fervente inimigo dos albigenses.}}
 
Esta primeira matança, de 7000 a 8000 pessoas, que aconteceu na igreja da Madeleine, não entrava nos costumes da época. É considerada mais bem um golpe de efeito ou instauração do terror : causar o pânico para evitar resistência nos senhores do Midi, segundo alguns cronistas, embora outros salientem o comportamento e caráter cruel do chefe militar da cruzada.
 
Após a conquista de Béziers, a cruzada avançou para [[Carcassonne]], o massacre de Beziers causou efeito e todas as fortalezas e burgos iam capitulando sem oferecer resistência.
 
Os cruzados chegaram a Carcassonne a 1 de agosto de 1209. Pedro II de Aragão cavalgou até a cidade solicitando condições de paz aceitáveis para o seu sobrinho Raimon Roger Trencavel. Arnaud Amaury exigiu pela sua vez as suas condições: só autorizar a Raimon Roger e doze acompanhantes a abandonarem a cidade. Condições inaceitáveis para Trencavel que, com apenas vinte e quatro anos, faleceria nas masmorras da que fora a sua própria fortificação uma vez tomada a ''[[Cidadela de Carcassonne|Cidadela]]''.
 
Reforçado no seu posto de chefe dos cruzados, Montfort empreendeu a seguir a conquista da região de [[Rasez]]. [[Montréal (Aude)|Montréal]], [[Preixan]], [[Fanjeaux]], [[Montlaur (Aude)|Montlaur]], [[Bram]] iriam caindo sistematicamente.
 
Daí pôs cerco a [[Minerve]]. Em junho de 1210, com a queda da vila, 140 cátaros seriam queimados vivos.<ref name="Dalmau 2006: 289-291">(Dalmau 2006: 289-291)</ref> A seguir, durante quatro meses, assediou o [[Castelo de Termes]] e depois o de [[Castelo de Puivert|Puivert]] que cairia em só três dias. Após a queda destes dois bastiões, Pierre-Roger de Cabaret decidiu entregar os [[Castelos de Lastours]] ao chefe cruzado em troca da libertação de Bouchard de Marly, senhor de [[castelo de Saissac|Saissac]].
 
No fim desse mesmo ano, Montfort controlava o leste do Languedoque e foi nomeado visconde de Rasez. Estava preparado para se adentrar nos domínios dos dois senhores mais poderosos da Occitânia, os condes de Tolosa e Foix.
 
Penetrou pela vila de [[Lavaur (Tarn)|Lavaur]], a pouco mais de 30 km da cidade do Garona. A 3 de maio de 1211 as suas tropas entraram na cidade desencadeando uma feroz repressão. O senhor Aymeri de Montréal e oitenta dos seus cavaleiros foram enforcados, a sua irmã Guiraude, grávida, foi lapidada no fundo de um poço e quatrocentos cátaros foram queimados vivos.<ref name="Dalmau 2006: 289-291"/> A seguir dirigiu-se à próxima Toulouse sem conseguir submetê-la. Então, Raimundo VI tinha já pedido ajuda a todos os seus vassalos e ao rei de Aragão e dispôs-se a apresentar batalha.
 
===A batalha de Muret===
{{AP|Batalha de Muret}}
A primeira batalha com o bando occitano ao completo travou-se em [[Castelnaudary]] em setembro de 1211. O resultado é incerto e, embora as abundantes baixas, ambos os bandos reclamaram a vitória. Mas apenas seria o preâmbulo de um confronto maior.
 
Chamado por Raimundo VI de Toulouse, Bernardo IV de Comminges e Raimundo Roger de Foix, Pedro II de Aragão decidiu finalmente acudir na ajuda dos seus súditos em verão de 1213. Veio precedido pela auréola do seu sucesso na [[batalha das Navas de Tolosa]], na qual participara com os outros reinos cristãos peninsulares.
 
A 30 de agosto pôs cerco ao castelo de [[Muret]], a uns 20 km a sudoeste de Toulouse, onde se refugiavam uns trinta cavaleiros cruzados. Simão de Montfort, que se encontrava naquele momento em Fanjeaux, partiu para Muret em companhia de outros mil cavaleiros chegando a véspera da batalha.
 
A 12 de setembro de 1213 as ruas de Muret, estreitas e cheias de barricadas, serviram de refúgio aos cruzados, amplamente superados em número pela aliança occitano-aragonesa, que porém acabaria sofrendo uma derrota sem paliativos.
 
Num mesmo dia os occitanos perderam entre 10 000 e 15 000 homens, Aragão o seu rei, e [[Foix]], [[Narbona]] e [[Comminges]] passaram às mãos de Simão de Monfort. Em novembro de 1215 o [[Concílio de Latrão IV]] despossuiu Raimundo VI e Raimundo II Trencavel das suas terras de Tolosa, nomeando a Montfort duque da Narbona, conde de Tolosa e visconde de Carcassonne e Rasez, e arcebispo de Narbona a Arnaud Amaury. Aparentemente a cruzada venceu.
 
===A reconquista occitana e a intervenção real francesa===
Inocêncio III faleceu em 1216 e a sua morte desencadeou uma sublevação geral em todo o Midi. Raimundo VI, que estivera rearmando-se no [[Condado de Barcelona]] com o seu filho Raimundo VII, desembarcou em [[Marselha]] (o Concílio de Latrão preservara as suas posses provençais) e retomou a luta.
[[Imagem:DeathMontfort.jpg|thumb|Morte de Simão de Montfort durante o assédio a Toulouse]]
Em agosto de 1216 derrotou pela primeira vez a Montfort em [[Beaucaire (Gard)|Beaucaire]]. Este tratou de se desfazer definitivamente do seu adversário pondo assédio à cidade de [[Toulouse]], mas a 25 de junho de 1218 uma pedra de catapulta lançada por mulheres da cidade, segundo contam os cronistas, acertou no general inimigo e matou-o.
 
O seu filho, Amaury VI de Monfort, sucede-lhe, mas não tinha o gênio militar do seu pai e foi derrotado sucessivamente. Em 1221 os cruzados abandonam o cerco de Castelnaudary, onde encerraram o conde de Foix, e fugiram para Carcassonne. Raimundo VII (o seu pai faleceu esse mesmo ano) aliou-se com Roger-Bernard e recuperou sucessivamente Montréal, Fanjeaux, Limoux e [[Pieusse]]. Continuou as suas conquistas pelas regiões de Carcassès e o Baixo Razes e, em março de 1223, [[Mirepoix]], onde se encontrava Guy I de Lévis, Marechal da Fé e tenente de Montfort, que deveria fugir também para Carcassone.
 
Os cruzados retrocederam até posições similares ao começo da guerra; o novo [[papa Honório II]] reagiu excomungando o novo conde tolosano. Pela sua vez, [[Luís VIII de França]], por influência da sua esposa [[Branca de Castela]], foi convencido para tomar ele próprio as rédeas da Cruzada. Em 1226 descendeu com as suas tropas francesas o vale do [[Ródano]] e submeteu [[Avinhão]]. Advertidos da presença da armada real, os habitantes de Carcassonne rebelaram-se contra a família Trencavel, que se voltara a estabelecer na cidade, e foi forçada a retirar-se em [[Limoux]]. Finalmente, após escrever uma carta a 17 de junho de 1227, Trencavel fugiu para [[Barcelona]], deixando as suas terras sob a proteção de Roger-Bernard de Foix.
 
Derrotado Trencavel e excomungado Raimundo VII, os occitanos viram-se forçados a assinar os humilhantes termos do [[Tratado de Paris (1229)|Tratado de Meaux]].
 
===Ultimas batalhas, exílio e decadência cátara===
Ainda em 1240 Trencavel tentaria recuperar os seus antigos domínios à cabeça de um exércitos de ''faydits'' (cavaleiros occitanos favoráveis ao catarismo e despojados dos seus domínios) de Rasez, o Carcassonnense e [[Fenolheda (Pirenéus Orientais)|Fenolheda]] apoiados por infantaria aragonesa; mas, em lugar de aproveitar o efeito surpresa e dirigir-se diretamente a Carcassonne, foram para as fortalezas da comarca de Minerve, a [[Montanha Negra]] e as [[Corbières (região)|Corbières]],<ref>(Labal 1988:209)</ref> dando tempo ao [[senescal]] da ''Cité'', Guilhaume des Ormes, a reforçar as suas defesas. Finalmente o assédio fracassou e os condes de Tolosa e Foix deveram acudir em ajuda de Trencavel para lhe permitir uma rendição honorável e fugir para Aragão.
[[Imagem:130610-Queribus-03.jpg|esquerda|thumb|[[Castelo de Quéribus]]]]
Em 1242 Raimundo VII de Tolosa ,com o apoio de Trencavel, Almaric visconde de Narbona e o conde de Foix, apropriou-se de Rasez e a seguir do Minervois e Albi antes de entrar em Narbona. Os franceses resistiram em Carcassone e Béziers, e as chamadas de Raimundo VII ao alçamento occitano e as suas petições de ajuda os duques de [[Bretanha]], condes de Provença e ao rei de Aragão foram desouvidas. [[Luís IX de França|Luís IX]] marchou para o Languedoc à cabeça dos seus exércitos, obrigando uma vez mais o conde tolosano a capitular. Em janeiro de 1243 Raimundo VII fez ato de submissão a Luís IX e foi imitado pelo conde de Foix e o visconde de Narbona.
 
Em que pese à derrota dos senhores feudais, a heresia cátara seguiu presente no Midi. Para terminar de extirpá-la, a Igreja criou a [[Inquisição]], que a princípio se centraria em reprimir cátaros e [[valdenses]]. A sua presença foi motivo de diferentes alçamentos populares e de que os cátaros se retirassem paulatinamente a fortificações afastadas com a esperança de sobreviverem longe das fontes militares do conflito. A queda destes castelos e fortalezas, como a de [[Castelo de Montségur|Montsegur]] em 1244 e a de [[Castelo de Quéribus|Quéribus]] em 1255, causaria as últimas matanças da guerra e o fim do catarismo. A Inquisição continuaria agindo na zona nos seguintes três quarteis de século, mas com casos individuais, até ficar extinta.
 
==Consequências==
A primeira e evidente consequência da cruzada aconteceu no plano religioso. O movimento cátaro, ainda sem parar de ser minoritário e pese ter sido perseguido em outras partes da Europa, atingiria ao longo o {{séc|XII}} uma influência crescente na sociedade do [[Languedoque]], incrementando o seu número de fiéis, particularmente entre os membros da nobreza. Como consequência da guerra e da repressão posterior, o movimento foi desorganizado e entrou em decadência; embora conseguisse sobreviver em áreas periféricas do reino de Aragão e da Bósnia, a sua influência acabou desaparecendo de [[Europa Ocidental]] em princípios do {{séc|XIV}} (definitivamente com a conquista turca da [[Bósnia]]). A Igreja Romana consolidou assim a sua posição hegemônica antes que a ameaça herética se estendesse por toda a sociedade languedociana ou a outros territórios. Além disso, no curso do conflito nasceram dois instrumentos que seriam fundamentais para a Igreja nos séculos seguintes: a [[Inquisição]] e a [[Ordem dos Irmãos Pregadores]].
 
[[Imagem:France Toulouse1.jpg|thumb|Galeria dos ilustres do [[Capitólio de Toulouse]], onde alguns afrescos representam cenas da Cruzada.]]
No plano político houve dois: o fim da expansão aragonesa a norte dos [[Pirenéus]] e o desaparecimento do Condado de Tolosa.
 
Os aragoneses sofreram uma dupla derrota, militar na batalha de Muret, e estratégica com o desaparecimento de territórios que lhes rendiam vassalagem. Até aquele momento, Tolosa, Carcassonne, Foix, Provença ou Comminges, embora teóricos vassalos do rei da França, levavam décadas agindo com independência da ilha de França, e em 1213 declararam-se súditos aragoneses. Após a cruzada albigense, quase todos estes territórios voltaram para a órbita francesa, ficando só como posses da coroa aragonesa o [[senhorio de Montpellier]] (até 1349) e os condados do [[Condado do Rossilhão|Rossilhão]] e a [[Condado de Cerdanha|Cerdanha]]. Este declínio na sua expansão para norte, unido à limitação nos seus avanços para sul ([[Sentença Arbitral de Torrellas]] e [[Tratado de Elche]]) seria uma das causas de a monarquia aragonesa se devotar na sua expansão pelo [[Mediterrâneo]] nos séculos seguintes.
 
Pelo seu lado, a dissolução do Condado de Tolosa e a integração dos seus territórios na Coroa francesa foi especialmente transcendental pelo momento em que ocorreu. Dado o grau de autonomia, a riqueza comercial dos territórios controlados pelos Saint-Gilles e o seu crescente peso estratégico ao somar outros senhores feudais que mostravam respeito, o condado de Tolosa poderia ter continuado ganhando independência, agindo como entidade independente; porém, a sua inclusão deu acesso à França ao Mediterrâneo (o que seria aproveitado pelo próprio [[Luís IX de França|são Luís IX]] para partir para as cruzadas desde [[Aigues-Mortes]]) e assentou a sua autoridade sobre uns territórios nos quais se apoiaria na posterior [[Guerra dos Cem Anos]].
 
No plano cultural, a inclusão teve como efeito um progressivo declínio do [[língua occitana|occitano]].
 
Em meados do {{séc|XX}} diversos investigadores e historiadores recuperaram a memória da cruzada albigense como reivindicação do patrimônio histórico-cultural da região cultural francesa da [[Occitânia]], sendo o conceito do catarismo explorado atualmente com fins comerciais turísticos nomeadamente, como a marca "''Pays Cathare''" (País Cátaro) com que é divulgado o departamento do [[Aude]]<ref>{{fr}} [http://www.cg11.fr/www/contenu/d_payscathare.asp Turismo do País Cátaro]</ref> ou os denominados [[castelos cátaros]].
 
== Na cultura popular ==
 
* A [[Banda musical|banda]] de [[heavy metal]] [[inglesa]] [[Iron Maiden]] gravou uma música chamada '''Montsegur''', em seu álbum lançado em 2003 de nome [[Dance of Death]], que conta a história da cruzada albigense.<ref>{{Citar web|url= http://whiplash.net/materias/curiosidades/095199-ironmaiden.html|titulo= Iron Maiden: sobre o que fala a música "Montsegur"?|autor=Whiplash|data=04 de Setembro de 2009|lingua=português|acessodata=03 de Novembro de 2009}}</ref>
 
==Ver também==
*[[Canção da cruzada albigense]]
 
{{Referências}}
{{Tradução/ref|es|cruzada albigense}}
 
==Bibliografia==
* {{Citar livro
Linha 245 ⟶ 183:
|isbn=2-262-01894-4
}}
 
== Ligações externas ==
{{Commonscat|Albigensian Crusade}}
Linha 253 ⟶ 190:
* {{link|en|2=http://xenophongroup.com/montjoie/albigens.htm|3=Cruzada albigense}}
* {{link|es|2=http://www.chemins-cathares.eu/index_es.php|3=Filosofia do catarismo pelo filosofo Yves Maris}}
 
 
{{Portal3|História militar|Cristianismo|França}}
{{Categorização AD e AB de outras wikis}}
 
[[Categoria:Idade Média]]
[[Categoria:Cruzada Albigense]]