Herodiano: diferenças entre revisões

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'''Herodiano''' (do [[grego antigo{{langx|grc|grego]] Ἡρωδιανός [||''Hērodianós''],}}; {{langx|la|''Herodianvs'' em [[latim]]}}; ca. [[178]] — [[252]]),<ref>Cf. a introdução que faz TORRES ESBARRANCH (1985), na qual se dão diversas teorias sobre a data de nascimento de Herodiano: a primeira que foi por volta de 170, teoria abandonada para situá-lo mais próximo de 180.</ref> foi um funcionário público [[Império Romano]] de posição menor, que escreveu uma ''[[História Romana (Herodiano)|História Romana]]'' em oito livros que cobre o período de [[180]] a [[238]]. Injuriado durante décadas, modernamente foi objeto de uma revalorização, considerando-o fidedigno e galgando-o até a categoria de [[Dião Cássio]].<ref>TORRES ESBARRANCH (1985), pp. 70-73.</ref> Originário talvez da [[Bitínia e Ponto|Bitínia]] ou de [[Pérgamo]], parece que viveu durante um considerável período em [[Roma]] e que ocupou algum cargo dentro da burocracia imperial. Diversas teorias sugerem que escreveu a sua história por volta do final do reinado de [[Filipe, o Árabe]],<ref>TORRES ESBARRANCH (1985), pp. 15-17</ref> perto da sua morte.
 
==Vida de Herodiano==
 
Sobre a vida de Herodiano dispõe-se de pouca informação, sendo ele próprio que a fornece na sua ''História'' com dados escassos e imprecisos. Esta ''História'' abrange um período de 58 anos (da morte de [[Marco Aurélio]] até a entronização de [[{{lknb|Gordiano |III]]}}) e refere fatos que, quer presenciou o historiador, quer participou diretamente neles, segundo ele próprio conta.<ref> HERODIANO, ''História do Império romano após Marco Aurélio'', I.2.5.</ref> Assim, se aceitar o seu testemunho, pode-se afirmar que Herodiano esteve ''inter vivos'' entre 180-238. Dada esta afirmação,<ref>Idem, I.1.5; I.2.5; II.15.7.</ref> muitos investigadores acreditam que o seu nascimento teve de ocorrer por volta de 170, o que se sustenta no fato de Herodiano ter tido pelo menos dez anos para lembrar nitidamente os acontecimentos de [[180]].<ref>Cf. DE POBLOCKI, J. ''De Herodiani vita, ingenio, scriptis'', Diss. Münster, 1864, pág. 5. - WOLF, F. A. Herod. ed., Halle, 1792. - TOWNSEND, P. W. ''The revolution of A. D. 238: the leaders and their aims'', Yale Classical Studies, 14 (1955), pág. 49 e ss. - PIGANIOL, A. ''Historie de Rome'', 4ª ed., Paris, 1954, pág. 411.</ref> Contudo, esta teoria foi abandonada atualmente por alguns partidários de não exagerar as palavras do historiador, que afirma que foi consciente de todo o que conta, fundamentando-se num claro argumento: é sabido que Herodiano se encontrava em Roma durante os jogos que organizou o imperador [[Cômodo]],<ref> HERODIANO, op. cit. I.15.4.</ref> e defende-se que se assistiu a estes jogos já devia vestir a [[toga viril]], pois do contrário não poderia tê-los presenciado. Se isto fosse correto, significaria que em [[192]] Herodiano teria pelo menos 14 anos, com o que o seu nascimento não seria muito anterior a 178 d.C.<ref> WHITTAKER, C. R. ''Herodian'', Londres, 1969, Introd., pág. XII. - GROSSO, F. ''La lotta politica al tempo di Commodo'', Turim, 1964, pág. 31.</ref>
 
No relativo à posição que ocupava Herodiano na sociedade, também existem diversas hipóteses, embora a mais estendida seja que fosse um [[escravidão|escravo]] ou [[liberto]] imperial. Novamente, todos os argumentos baseiam-se nos dados que ele próprio inclui na sua obra.
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{{Quote|"''Eu escrevi uma história sobre os fatos posteriores à morte de Marco que vi e escutei durante toda a minha vida. E em alguns deles participei diretamente nos meus postos de serviço imperial e público.''"|HERODIANO, ''História do Império Romano após Marco Aurélio'', I.2.5.}}
 
[[FicheiroImagem:Commodus Musei Capitolini MC1120.jpg|thumbnail|leftesquerda|200px|O [[Imperador romano|imperador]] [[Cômodo]], do qual se acredita que Herodiano podia ser um [[liberto]].<br><small>[[Museus Capitolinos]], [[Roma]].</small>]]
 
A partir desta declaração formularam-se numerosas teorias sobre a carreira de Herodiano, desde que pôde ser um procurador [[ordem equestre|equestre]] ou um [[Senado romano|senador]], até um escravo ou liberto imperial. Os autores que acreditam que pertenceria à classe senatorial baseiam-se em que Herodiano conhecia o ''senatus consultum tacitum'' pelo qual o [[Senado romano|senado]] nomeou imperadores a [[Pupieno]] e [[Balbino]], e, ao ser este tipo de resoluções segreda, o historiador tinha de ser senador para conhecê-la. Contudo, há quem demonstrou a inconsistência desta hipótese, pois, além de haver filtrações deliberadas das reuniões do senado, é improvável que o segredo se mantivesse durante muito tempo.<ref>Cf. WHITTAKER, C. R. ''op. cit.'', pág. XX.</ref> Adicionalmente, se comparar os escritos de [[Dião Cássio]] com os de Herodiano, observa-se que Dião tem muita mais experiência em assuntos senatoriais, pois ele sim era senador. Atualmente poucos apoiam esta teoria.<ref>Cf. TORRES ESBARRANCH (1985), pp. 28-29.</ref>
A partir desta declaração formularam-se numerosas teorias sobre a carreira de Herodiano, desde que pôde ser um procurador [[equites|equestre]] ou um [[Senado romano|senador]], até um escravo ou liberto imperial.
Os autores que acreditam que pertenceria à classe senatorial baseiam-se em que Herodiano conhecia o ''senatus consultum tacitum'' pelo qual o [[Senado romano|senado]] nomeou imperadores a [[Pupieno]] e [[Balbino]], e, ao ser este tipo de resoluções segreda, o historiador tinha de ser senador para conhecê-la. Contudo, há quem demonstrou a inconsistência desta hipótese, pois, além de haver filtrações deliberadas das reuniões do senado, é improvável que o segredo se mantivesse durante muito tempo.<ref>Cf. WHITTAKER, C. R. ''op. cit.'', pág. XX.</ref> Adicionalmente, se comparar os escritos de [[Dião Cássio]] com os de Herodiano, observa-se que Dião tem muita mais experiência em assuntos senatoriais, pois ele sim era senador. Atualmente poucos apoiam esta teoria.<ref>Cf. TORRES ESBARRANCH (1985), pp. 28-29.</ref>
 
Por outro lado, era muito comum que os escritores, ainda não sendo senadores, contaram com o patronato de alguma família senatorial. É possível que Herodiano fosse um [[Equites|procurador equestre]]. Assim, o termo "público" da sua cita referir-se-ia ao serviço como magistrado municipal numa carreira que o promoveria aos postos de administração imperiais.<ref>Cf. SIEVERS, R. "Über das Geschichtswerk des Herodianos", em ''Philologus'' 26 (1867), pp. 30-31.</ref>
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==Nacionalidade==
[[Imagem:Provinciaromana-BitiniaePonto-pt.svg|thumb|400px|Mapa do [[Império Romano]] em 117. À direita destaca-se a província da [[Bitínia e Ponto]], [[província romana]] que mais probabilidade têm de ser a pátria de Herodiano.]]
A respeito da sua nacionalidade, se tem de partir do único dado seguro que se conhece: a sua origem [[gregos|grega]] ou oriental. A esta conclusão chega-se pela circunstância de a sua obra estar escrita em [[Língua grega|grego]] e de Herodiano ser um derivado dum nome grego: Herodes. Precisamente, neste nome centraram-se muitos investigadores: enquanto Ἡρῴδῆς (''Hērōdēs'') é muito comum em todas as regiões de língua grega, Ἡρωδιανός (''Hērodianós'') era menos frequente. Ao longo da História, entre os que se chamam Herodiano encontramos certos personagens aos quais se pretendeu uma relação com o historiador:
 
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==A ''História'' de Herodiano==
A ''História do Império Romano após Marco Aurélio'' de Herodiano é uma coleção de oito livros que cobre o período desde a morte de [[Marco Aurélio]] em [[180]] d.C. até o começo do reinado de [[{{lknb|Gordiano |III]]}} em [[238]]. Proporciona o relato de um dos momentos politicamente mais conflituosos do [[Império Romano]]. O primeiro livro descreve o reinado de [[Cômodo]] (anos 180-192), o segundo analisa o [[ano dos cinco imperadores]] (193), o terceiro abrange o reinado de [[Septímio Severo]] (194-211), o quarto analisa o reinado de [[Geta]] e [[Caracala]] (211-217), o quinto versa sobre o reinado de [[Heliogábalo]] (218-222), o sexto trata do reinado de [[Alexandre Severo]] (222-235), o sétimo narra o reinado de [[Maximino Trácio]] 235-238, e no oitavo e último descreve o [[ano dos seis imperadores]] (238) e a ascensão de [[Gordiano III]].
 
A data de composição da obra foi amplamente debatida, mas atualmente prevalece a teoria de que Herodiano a escreveu no final do reinado de [[Filipe, o Árabe]] ou a princípios do de [[Décio]] (por volta de [[250]]).<ref>Cf. BLAUFUSS, J. ''Ad Herodiani rerum Romanarum scriptoris livros V VI observationes'', Diss., Erlangen, 1893, págs. 5-6.</ref> Há, além disso, uma série de circunstâncias que apoiam esta ideia:
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* Além disso, frente à teoria de que Herodiano compôs a ''História'' durante o reinado de Gordiano III (totalmente recusada hoje) argumentou-se que devido às críticas do historiador, a publicação da obra nesse período se tornasse perigosa para ele.<ref>Cf. JOUBERT, S. ''Reserche sur la composition de l'Histoire d'Heródien'', Thèse dactyl., Paris-Sorbona, 1981, págs. 124-127.</ref>
 
O mais provável é que escrevesse para um público oriental, pois frequentemente explica os diferentes costumes e crenças romanas, alheias aos orientais.
 
[[FicheiroImagem:I littera in manuscripto.jpg|thumb|leftesquerda|300px|right|Pedaço de papiro escrito em [[Escritura cursiva romana]] com extratos de discursos pronunciados no [[Senado romano|senado]].]]
 
Herodiano foi elogiado e criticado em partes iguais.<ref>Cf. TORRES ESBARRANCH (1985), pp. 70 e ss.</ref> A primeira pessoa que se conhece que fez uma crítica da ''História'' de Herodiano foi o [[patriarca de Constantinopla]], [[Fócio]], no [[século IX]]. De Herodiano escreveu "''que não exagera com a hipérbole nem omite nada essencial. Em definitiva, em todas as virtudes da historiografia há poucos homens que são os seus superiores''".<ref>Foc. Bibl. code. 99.</ref> [[Zósimo (historiador)|Zósimo]] usou-o como fonte, assim como João de Antioquia, quando escreveu a sua Crônica. Séculos mais tarde, Altheim elogiou a visão ampla da sua época que teve Herodiano,<ref>Cf. ALTHEIM, F. ''Literatur und Gesellschaft in ausgehenden Alterum'' (1948), Halle, pág. 165.</ref> e F. A. Wolf aclamou por não se deixar levar pelos prejuízos nem pela superstição.<ref>Cf. WOLF, F. A. Herod. ed., Halle, 1792.</ref> Contudo, nem todos os julgamentos sobre Herodiano são positivos: por exemplo, Wolf também disse que Herodiano tinha uma deficiência na capacidade crítica, e embora os autores da ''História Augusta'' se servissem de Herodiano como fonte, também o censuraram pela sua parcialidade.<ref>Cf. ''Scriptores Historiae Augustae'', Max. XIII, 4.</ref> Adicionalmente, está constatado que Herodiano não foi a principal fonte de Zósimo. Do mesmo jeito, parece que Zonaras apenas usou Herodiano onde a história de Dião Cássio era pouco válida.