João Damasceno: diferenças entre revisões

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[[Imagem:Nuremberg chronicles f 138r 3.jpg|thumb|Representação de João Damasceno na [[Crônica de Nuremberga]]]]
 
'''João Damasceno''' ou '''João de Damasco''' ({{langx|el|Ἰωάννης ὁ Δαμασκηνός||''Iōannēs ho Damaskēnos''}}; {{lang-la|''Iohannes Damascenus''}}; [[675]] - [[4 de dezembro]] de [[749]]), dito Crisórroas (''Chrysorrhoas''; ("boca de ouro"), foi um [[monge]] e [[sacerdote]] sírio. Nascido e criado em [[Damasco]], morreu em seu [[mosteiro]], [[Mar Saba]], perto de [[Jerusalém]].{{harvrefsfn|Walsh|1991|p=403}} Um [[polímata]] cujos interesses incluíam [[direito]], [[teologia]] e [[música]], algumas fontes afirmam que serviu como administrador-chefe do [[califa de Damasco]] antes de sua [[ordem (sacramento)|ordenação]].{{harvrefsfn|Akbari|2009|p=204}}{{harvrefsfn|Thomas|2001|p=19}}
 
Escreveu obras explicando a fé cristã e compôs hinos que ainda são utilizados na [[liturgia]] no [[cristianismo oriental]] por todo o mundo. João é considerado "o último dos Padres da Igreja" pela [[Igreja Ortodoxa]] e é mais conhecido por sua contundente defesa da [[veneração de ícones]].{{Harvrefsfn|Aquilina|1999|p=222}} A [[Igreja Católica]] o considera um [[Doutor da Igreja]], geralmente chamado de "Doutor da Assunção" por causa de suas obras sobre a [[Assunção de Maria]].{{harvrefsfn|Rengers|2000|p=200}}
 
== Biografia ==
 
A fonte mais utilizada para obter informações sobre a vida de João Damasceno é uma obra atribuída a [[João VI de Jerusalém|João de Jerusalém]], que se identifica nela como [[patriarca grego ortodoxo de Jerusalém|patriarca de Jerusalém]],{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=32}} uma tradução para o [[língua grega|grego]] de um original [[Língua árabe|árabe]]. Este original, por sua vez, não contém um [[prólogo]] encontrado na maioria das traduções e foi escrita por um monge chamado "Miguel". Ele explica que decidiu escrever a biografia em 1084 por que não havia nenhuma disponível na época. Porém, a parte principal do texto parece ter sido escrita por um autor anterior em algum momento entre o início do {{séc|IX}} e o final do {{séc|X}} em árabe.{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=32}} Escrita de um ponto de vista [[hagiografia|hagiográfico]], propenso a exageros e detalhes lendários, a obra não é uma fonte ideal para informações sobre a vida de João, mas contém alguns elementos valiosos e foi amplamente reproduzida.{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=35}}
 
A novela hagiográfica "[[Barlaão e Josafá]]", tradicionalmente atribuída a João, é, na realidade, uma obra do {{séc|X}} de autor desconhecido.{{harvrefsfn|Volk|2006}}
 
=== Histórico familiar ===
João nasceu numa proeminente família conhecida como Mansour ({{lang-ar|المنصور}} - ''al-Mansǔr'': "vitoriosa") em [[Damasco]] no {{séc|VII}}.{{harvref|name=McE154|McEnhill|2004|p=154}} Seu nome completo era Yuhanna (ou Yanah) ibn Mansur ibn Sarjun ({{lang-ar|منصور بن سرجون}}), em homenagem ao seu avô, que havia sido responsável pela coleta de impostos na região sob o [[imperador bizantino]] [[Heráclio]] {{nwrap|r.|610|641}}.{{harvref|name=Brown307|Brown|2003|p=307}}{{Harvref|Sahas|1972|p=8–9}} A falta de documentação atestando a sua linhagem tribal específica levou diversos acadêmicos a colocá-lo entre os [[Taghlib]] ou os [[Banu Kalb|Kalb]], duas proeminentes tribos [[cristãos árabes|cristãs-árabes]] do [[Deserto da Síria]]. Outros sugerem que ele pode ter sido um sírio de origem não-árabe.{{Harvref|Sahas|1972|p=7}}{{Harvref|Louth|2005|p=5}}<ref name=Church /> Qualquer que seja o caso, João Damasceno tinha dois nomes: João, seu nome cristão, e seu nome árabe, citado como ''Qurein'', ''Yana'' ou Yahanna.{{Harvref|Sahas|1972|p=8}}
 
João nasceu numa proeminente família conhecida como MansourAlmançor ({{lang-ar|المنصور}} - ''al-Mansǔr'': "vitoriosa") em [[Damasco]] no {{séc|VII}}.{{harvrefsfn|name=McE154|McEnhill|2004|p=154}} Seu nome completo era YuhannaIuana/Iana (ouibne Yanah)Almançor ibnibne Mansur ibn SarjunSarjum ({{lang-ar|منصور بن سرجون||''Yuhanna/Yanah ibn Mansur ibn Sarjun''}}), em homenagem ao seu avô, que havia sido responsável pela coleta de impostos na região sob o [[imperador bizantino]] [[Heráclio]] {{nwrap|r.|610|641}}.{{harvrefsfn|name=Brown307|Brown|2003|p=307}}{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=8–9}} A falta de documentação atestando a sua linhagem tribal específica levou diversos acadêmicos a colocá-lo entre os [[TaghlibTaglibe]] ou os [[Banu KalbCalbe|KalbCalbe]], duas proeminentes tribos [[cristãos árabes|cristãs-árabes]] do [[Deserto da Síria]]. Outros sugerem que ele pode ter sido um sírio de origem não-árabe.{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=7}}{{Harvrefsfn|Louth|2005|p=5}}<ref name=Church /> Qualquer que seja o caso, João Damasceno tinha dois nomes: João, seu nome cristão, e seu nome árabe, citado como Cureim (''Qurein''), Iana (''Yana'') ou Iaana (Yahanna).{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=8}}
Eutíquio, um [[patriarca melquita]] do {{séc|X}}, menciona um certo governador árabe da cidade que teria rendido-a aos muçulmanos, provavelmente o avô de João, Mansur Bin Sargun. Quando a região caiu sob o jugo dos [[omíadas]] no final do {{séc|VII}}, a corte de Damasco manteve seu grande contingente de servidores civis cristãos, inclusive o avô de João.{{Harvref|Sahas|1972|p=17}} O pai dele, Sarjun (''Sergius'') ou Ibn Mansur, continuou a servir os [[califas omíadas]].<ref name=Brown307 /> De acordo com João de Jerusalém e algumas versões posteriores de sua vida, após a morte do pai, João também serviu na corte do califa antes de se tornar monge. Esta tese tem sido questionada uma vez que ele não é mencionado nas fontes [[muçulmanos|muçulmanas]], que, contudo, citam seu pai.{{harvref|name=Hoyl481|Hoyland|1996|p=481}} Além disso, as obras do próprio João Damasceno jamais fizeram referência à qualquer experiência na corte muçulmana por parte dele. Acredita-se que João tenha se tornado monge em [[Mar Saba]] e que foi ordenado sacerdote em 735.<ref name=Brown307 /><ref name=McE154 />
 
Eutíquio, um [[patriarca melquita]] do {{séc|X}}, menciona um certo governador árabe da cidade que teria rendido-a aos muçulmanos, provavelmente o avô de João, MansurAlmançor Binibne SargunSargum. Quando a região caiu sob o jugo dos [[omíadas]] no final do {{séc|VII}}, a corte de Damasco manteve seu grande contingente de servidores civis cristãos, inclusive o avô de João.{{Harvrefsfn|Sahas|1972|p=17}} O pai dele, SarjunSargum (''Sergius''Sérgio) ou Ibnibne MansurAlmançor, continuou a servir os [[califas omíadas]].<ref name=Brown307 /> De acordo com João de Jerusalém e algumas versões posteriores de sua vida, após a morte do pai, João também serviu na corte do califa antes de se tornar monge. Esta tese tem sido questionada uma vez que ele não é mencionado nas fontes [[muçulmanos|muçulmanas]], que, contudo, citam seu pai.{{harvrefsfn|name=Hoyl481|Hoyland|1996|p=481}} Além disso, as obras do próprio João Damasceno jamais fizeram referência à qualquer experiência na corte muçulmana por parte dele. Acredita-se que João tenha se tornado monge em [[Mar Saba]] e que foi ordenado sacerdote em 735.<ref name=Brown307 /><ref name=McE154 />
 
=== Educação ===
Uma das biografias se João descreve o plano de seu pai para ele, de ''"aprender não apenas através dos livros dos muçulmanos, mas dos gregos também"''. A partir disso, sugere-se que João possa ter sido criado de forma bilíngue.{{harvrefsfn|Valantasis|2000|p=455}} Ele de fato mostra algum conhecimento do [[Corão]], que critica duramente.{{harvrefsfn|Hoyland|1996|p=487-489}}
 
Outras fontes descrevem a sua educação em Damasco como tendo sido conduzida de acordo com os princípios da [[Paideia|educação helenística]], chamada de "secular" por uma fonte e "cristã clássica" por outra.{{harvrefsfn|Louth|2002|p=284}} Um relato identifica seu tutor como um monge chamado CosmasCosme, que teria sido raptado pelos árabes de sua casa na [[Sicília]], e por quem o pai de João teria pago uma grande quantia. Sob a batuta de CosmasCosme, que também ensinava para o amigo órfão de João (que ficaria conhecido como [[Cosme de Maiuma]]), acredita-se que João tenha feito grandes avanços em música, [[astronomia]] e teologia, logo rivalizando [[Pitágoras]] em [[aritmética]] e [[Euclides]] em [[geometria]]{{harvrefsfn|Butler|2000|p=36}}
 
=== Defesa dos ícones ===
{{AP|Iconoclasma}}
 
[[Imagem:Clasm Chludov detail 9th century.jpg|thumb|300px|esquerda|[[Iluminura]] mostrando o patriarca [[{{lknb|João |VII Gramático]]}} destruindo um ícone.<br><small>Detalhe do Saltério de Chludov.</small>]]
 
No início do {{séc|VIII}}, o [[iconoclasma]], um movimento que buscava proibir a [[veneração de ícones]], ganhou força no [[Império Bizantino]]. Em 726, apesar dos protestos do [[patriarca de Constantinopla|patriarca constantinopolitano]] [[{{lknb|Germano |I |de Constantinopla]]}}, o [[imperador bizantino|imperador]] {{Lknblknb|Leão|III, o IsáurioIsauro}} {{nwrap|r.|717|741}} emitiu seu primeiro édito contra a veneração de imagens e sua exibição em lugares públicos.<ref name=cathen>{{1913CE|St. John Damascene}}</ref> Um escritor talentoso - e protegido por estar em território do califa - João Damasceno iniciou uma vigorosa defesa das imagens sagradas em três publicações separadas. A mais antiga, chamada ''"Tratados Apologéticos contra a Condenação das Imagens Sagradas"'', assegurou a sua reputação. Ele não somente atacou o imperador, mas adotou um estilo simples que permitiu que a controvérsia fosse acompanhada pelo povo mais simples, estimulando a rebelião entre os fiéis. Posteriormente, suas obras também teriam um papel importante durante o [[Segundo Concílio de Niceia]] (787), que se reuniu justamente para tratar do assunto.
 
A biografia de João Damasceno reconta pelo menos um episódio considerado como improvável ou lendário<ref name=catholic/>{{harvrefsfn|Jameson|2008|p=24}} Ela relata que Leão &nbsp;III enviou documentos falsificados para o califa que implicavam João numa conspiração para atacar Damasco. O califa teria então ordenado que a mão direita de João fosse amputada e pendurada em lugar público. Alguns dias depois, João pediu a restituição de sua mão e rezou fervorosamente pela intervenção da ''[[TheotokosTeótoco]]'' (Virgem Maria) perante seu [[ícone]]. Logo em seguida, sua mão teria sido milagrosamente curada<ref name=catholic>{{citar web|url = http://www.catholic.org/saints/saint.php?saint_id=66| título = São João Damasceno| publicado = Catholic.org| língua = inglês| acessodata = 05/08/2012}}</ref>. Em agradecimento pela cura milagrosa, ele anexou uma mão de prata ao ícone, que passou a ser conhecido a partir daí como "Três mãos" ou ''"[[Tricheirousa]]"''.{{harvrefsfn|Louth|2002|p=17, 19}} A biografia continua afirmando que, depois deste evento, João pediu permissão para deixar seu posto e se retirou para o mosteiro de [[Mar Saba]]. Um editor de suas obras, o padre [[Michel Le Quien]], demonstrou, porém, que João de Damasco já era monge em Mar Saba antes da disputa iconoclasta, um fato que só torna a história ainda mais improvável<ref name=catholic/>. Já se argumentou que João havia deixado Damasco para se tornar monge em 706, quando [[al-Walid {{lknb|Ualide|I]]}} {{nwrap|r.|705|715}} tornou mais agressiva a islamização entre os servidores do califado.{{Harvrefsfn|Louth|2003|p=9}} Fontes muçulmanas mencionam apenas que SarjunSarjum, pai de João, teria deixado a administração nesta época, sem mencionar João.<ref name=Hoyl481 />
 
=== Anos finais e devoção ===
João morreu em 749<ref name=Brit /> e foi logo reconhecido como [[santo]]. Em 1883 ele foi declarado [[Doutor da Igreja]] pela [[Santa Sé]].<ref name=cathen/> Quando o nome de São João Damasceno foi inserido no [[Calendário Geral Romano]], em 1890, ele era festejado em 27 de março. Esta data sempre cai na [[Quaresma]], um período no qual não se comemoram os [[Memória (liturgia)|memórias]] obrigatoriamente. Em 1969, ela foi mudada para o dia da morte do santo, 4 de dezembro, dia no qual ela é celebrada também na [[Igreja Ortodoxa]]<ref name=Calendarium /> e pelos [[luteranos]].{{harvrefsfn|kinnaman|2010|p=278}}
 
== Lista de obras ==
Além de suas obras puramente textuais, muitas das quais estão listadas abaixo, João Damasceno também compôs hinos, aperfeiçoando o "canon", um hino de forma estruturada utilizado na Igreja Ortodoxa.{{Harvrefsfn|Shahid|2009|p=195}}
 
=== Primeiras obras ===
[[Imagem:SanGiovanniDamasceno.jpg|300px|thumb|São João Damasceno.]]
* Os três ''"Tratatos Apologéticos contra a Condenação das Imagens Sagradas"'' - estes tratados estão entre as suas primeiras obras em resposta ao édito do imperador bizantino {{Lknblknb|Leão|III, o Isáurio}} {{nwrap|r.|717|741}} contra a veneração e exibição das imagens sagradas.{{harvrefsfn|Allies|1899}}
 
=== Ensinamentos e obras dogmáticas ===
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*# ''Capítulos filosóficos'' (''Kephálaia philosophiká'') &ndash; Geralmente chamados de "Dialética", lida principalmente com lógica, sendo o seu principal objetivo preparar o leitor para melhor entender o resto do livro.
*# ''Sobre a Heresia'' (''Perì hairéseōn'') &ndash; O último capítulo desta parte (cap. 101) lida com a heresia dos [[ismaelitas]].<ref name=Damascus /> Ao contrário das seções anteriores, devotadas a combater outras heresias, dispostas em poucas linhas de forma sucinta, este capítulo cobre várias páginas. É um dos primeiros exemplos de escritos [[Polêmica|polêmicos]] contra o [[Islã]] e o primeiro escrito por um membro da ortodoxia bizantina.
*# ''Uma Composição Exata da Fé Ortodoxa'' (''Ékdosis akribès tēs Orthodóxou Písteōs'') &ndash; Um sumário do escritos dogmáticos dos primeiros [[Padres da Igreja]]. Esta foi a primeira obra do [[escolasticismo]] no [[cristianismo oriental]] e foi uma importante influência no pensamento escolástico posterior.{{harvrefsfn|Ines|2009|p=37}}
 
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