Papa Inocêncio III: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
m corrigindo referências, incluindo citações, incluindo mais uma fonte
Linha 69:
[[imagem:Otto IV. und Papst Innocenz III. reichen sich vor den ankommenden Schiffen Friedrichs II. die Hände.jpg|miniatura|esquerda|200px|Iluminura que representa o imperador Otão IV em 1209 sendo recebido no portão de uma cidade por Inocêncio. Otão é acompanhado de dois cortesões e Inocêncio é acompanhado por um cardeal. No fundo da iluminura, no entanto, um navio já se aproxima com as tropas de Frederico II, que partiram contra Otão IV em 1212, apenas três anos depois de sua consagração pelo papa]]
 
Tendo estabelecido uma base de poder na península Itálica, Inocêncio pôde interferir também no conflito existente no Sacro Império. Entre os dois candidatos ao trono, Otão comunicou sua eleição ao papa como um partidário da Igreja e aliado do papa. Já Felipe, da dinastia Hohenstaufen, adotou claramente as políticas de sua família, e se considerou independente da Igreja.{{sfn|LlorcaCosta|Garcia-Villoslada|Laboa|20092017|p=46098}}
 
Inocêncio, inicialmente, manteve-se neutro no conflito, expondo sua opinião na bula ''Deliberatio Domini Papae Inocentii'' de 1200. Porém, em 1 de março de 1201, manifestou-se abertamente a favor de Otão IV, reconhecendo-o como rei e oferecendo a unção e coroação pontifícia que o tornaria sacro imperador. Felipe da Suábia protestou energicamente contra o papa em uma carta de 1201, e a resposta do pontífice se deu em março de 1202, por meio do famoso decreto ''Venerabilem.''{{sfn|LlorcaCosta|Garcia-Villoslada|Laboa|20092017|p=46298}}
 
Nesse decreto, Inocêncio reconhece que o direito de eleger o líder do Sacro Império pertence aos [[Príncipe-eleitor|príncipes e senhores eleitores]], por [[Direito consuetudinário|costume]]. Porém essa eleição torna o líder apenas rei da Germânia, é somente sua unção e coroação em seguida pelo papa que o torna verdadeiramente imperador. Inocêncio também defende que é direito do papa, como consagrador do rei, examinar a pessoa eleita e invalidar a eleição, se necessário. Do mesmo modo, defendeu que, em caso de dupla eleição imperial, após certo tempo, o papa poderia favorecer um candidato, Inocêncio justificou esse direito por considerar a Igreja a fundadora do Sacro Império.{{sfn|Costa|2017|p=98}}
Linha 239:
Igualmente, no seu mais famoso decreto, a bula ''Sicut universitatis'', de 30 de outubro de 1198, oito meses após eleito, Inocêncio faz outra declaração ressaltando sua concepção sobre o poder do papado:
 
{{cquote|Como Deus, criador de todas as coisas, colocou dois grandes astros no céu, o astro maior para presidir ao dia e o astro menor para presidir à noite, assim no firmamento da Igreja Universal, que é chamada com o nome de céu, constituiu duas grandes dignidades: a maior para, como aos dias, presidir às almas e a menor para, como às noites, presidir aos corpos, e estas são a autoridade pontifícia e o poder real. Além disso, assim como a lua recebe a sua luz do sol e na realidade é menor do que este em quantidade e também em qualidade e igualmente em posição e efeito, assim o poder real recebe o esplendor da sua dignidade da autoridade pontifícia; e quanto mais adere à visão desta, mais é ornada de luz maior, e quanto mais se afasta das suas vistas, tanto mais vai perdendo seu esplendor.{{sfn|DenzingerCosta| Hünermann|20152017|p=26692}}}}
 
Assim, “a ordem social defendida pelo papa é uma unidade formal, unitária e baseada na desigualdade e complementariedade de suas partes. Existem dois poderes distintos para o governo do mundo, o poder temporal e espiritual, tal como no governo do planeta existem dois astros, o sol e a lua. Embora de natureza diversa, os dois poderes devem estar unidos um ao outro, pois só assim podem concorrer para o funcionamento da sociedade, como o sol e a lua ligam-se entre si para o funcionamento da Natureza. Porém, frisa o papa, como a lua é inferior ao sol, assim o poder temporal é inferior ao espiritual, e só brilha quando se aproxima do esplendor da Igreja e de seus objetivos transcendentais”.{{sfn|Costa|2017|p=92}} A escolha do simbolismo do sol e da lua, por sua vez, foi possivelmente retirado da [[astrologia|linguagem astrológica]], onde o Sol representava o poder espiritual, e a Lua, o poder temporal,{{sfn|Carvalho|2015|p=290}} mostrando a importância da astrologia no imaginário e na mentalidade medieval.{{sfn|Costa|2017|p=24-27}} Por fim, uma das frases mais notáveis que encerram a ideia de Inocêncio sobre seu poder, foi na bula "Apostolicae Sedis Primatus" de 1199, no qual diz "a Pedro foi dado o governo não só da Igreja Universal, mas do mundo todo" (''Petro non solum universam Ecclesiam sed totum reliquit saeculum gubernandum'').{{sfn|Costa|2017|p=92}}
 
Inocêncio também elaborou uma doutrina própria sobre o poder dos papas sobre o [[Sacro Império Romano-Germânico]], que ele expôs nas bulas ''Deliberatio Domini Papae Inocentii'' de 1200 e e ''Venerabilem'' de 1202.{{sfn|Mondin|2007|p=253}} Nos dois documentos, Inocêncio defende que o papa pode interferir no Sacro Império por duas razões: devido a sua “origem” e sua “finalidade” (''principaliter et finaliter''). Na origem (''principaliter''), o Sacro Império Romano foi transferido (''[[translatio imperii]]'') do então [[Império Bizantino]], em 800, para o [[Reino Franco]] pela Igreja. Na finalidade (''finaliter''), o imperador aceita a imposição de sua dignidade pelo papa por meio da coroação e unção, para defender a fé e a Igreja. Inocêncio assim reinterpretou o ato da coroação do imperador pelo papa, e da própria ideia da criação histórica do Sacro Império.{{sfn|Costa|2017|p=98}} Dessa forma, o papa diz no decreto ''Venerabilem'':
 
{{cquote|E assim reconhecemos, tal como é nosso dever, o privilégio e o poder dos [[Príncipe-eleitor|príncipes]] de eleger um rei, que é sabido e certo segundo a tradição antiga, que mais tarde será promovido à dignidade de imperador; ainda mais, que este direito e privilégio lhes foi conferido pela Santa Sé, que transferiu o Império Romano dos gregos para os alemães na pessoa de [[Carlos Magno]]. Mas, por outro lado, os Príncipes devem reconhecer, e atualmente eles reconhecem, que o direito e a autoridade para examinar a pessoa eleita como rei (e que deve ser elevado à dignidade do imperador) cabe a nós, que os ungimos, consagramos e coroamos. Na verdade, é uma regra geralmente aceita que o exame de uma pessoa pertence àquele que tem o dever de impor as mãos. De fato, então, supondo que os príncipes não apenas estejam com seus votos divididos, mas também, por unanimidade, elejam um rei sacrílego ou excomungado, um tirano ou um idiota, um herege ou um pagão, devemos ungir, consagrar e coroar esse homem? Certamente não! E parece óbvio a partir da lei e dos precedentes que, se em uma eleição os votos dos príncipes estão divididos, podemos favorecer uma das duas partes com o devido aviso e depois de uma adequada espera, e tanto mais quando essa função exige nossa consagração e coroação; e muitas vezes aconteceu que ambos os lados solicitaram nosso parecer. Então, se os príncipes, mesmo depois de serem avisados, não podem ou não querem concordar, deverá a Santa Sé ficar sem um protetor e um defensor e assim, ser punida por falta daquele?{{sfn|Documenta catholica omnia|2011|}}}}
 
No {{séc|IX}}, a fundação e a “transferência do Império Romano” (''translatio imperii''), sob o reinado de [[Carlos Magno]], foi considerada como uma experiência tendo o próprio Deus como autor. Assim, nem o rei franco, nem o papa, nem o povo foram responsáveis pela transferência imperial, mas, sim, Deus, que se manifesta na própria história. Inocêncio reinterpretou esse ato como uma ordem jurídica do papa, que desejava criar um protetor mais eficaz para a Igreja. Assim, a ''translatio imperii'' se torna o exemplo mais importante do poder indireto do pontífice de intervir nos reinos, devido ao pecado e às necessidades da Igreja. Em última análise, possibilitava ao papa, politicamente, criar o próprio [[Império Romano]].{{sfn|Costa|2017|p=98}}
Linha 250 ⟶ 252:
[[imagem:Innocent III bas-relief in the U.S. House of Representatives chamber.jpg|thumb|250px|Retrato de Inocêncio sobre a porta da Casa da Câmara no [[Capitólio dos Estados Unidos]], com outras vinte e três figuras de mármore que retratam personagens históricos fundamentais para a criação da lei e da democracia americana. Inocêncio foi considerado um dos maiores preservadores do direito romano na Idade Média pelos [[Pais Fundadores dos Estados Unidos]]{{sfn|Costa|2017|p=87}}]]
 
Inocêncio é frequentemente considerado o mais importante papa medieval,{{sfn|Norwich|2012|p=208}} e o papa mais poderoso da Igreja de todos os tempos,{{sfn|McBrien|2000|p=215}}{{sfn|Küng|2012|p=373}} e como tal, deixou um amplo legado para a Igreja Católica, a Europa, o direito, e, para a posteridade de forma geral. O teólogo suíço [[Hans Küng]] diz que "no tempo de Inocêncio III, Roma é o centro incontestado da política europeia, tanto ao nível do poder quanto dos negócios públicos. Inocêncio é realmente o senhor do mundo, não no sentido de dominação absoluta, mas como árbitro e [[suserano]] supremo".{{sfn|Küng|2012|p=373}} O historiador alemão especialista na história de Roma, Ferdinand Gregorivius, considera que Inocêncio foi um papa tão grande quanto o próprio imperador [[Otávio Augusto]], fundador do Império Romano, e, por isso chama Inocêncio de um "[[Augusto (título)|Augusto]] do Pontificado".{{sfn|Costa|2017|p=81}} Nesse sentido, Inocêncio foi eleito em 1999 pela revista ''[[Life (revista)|Life]]'', como um dos cem homens e mulheres que moldaram o segundo milênio, ficando em 78º no [[ranking]].{{sfn|Life's Magazine|1999|}}

O historiador italiano [[Battista Mondin]] declara que, devido ao prestígio de seu reinado, é estranho que Inocêncio não seja apelidado como "o Grande".{{sfn|Mondin|2007|p=261}} De fato, o historiador Charles Harry Clinton Pirie-Gordon, publica um livro em 1907, no qual chama o papa de “Inocêncio, o Grande”.{{sfn| Pirie-Gordon |2015|}} O historiador Hans Wolter declara que "com Inocêncio III o papado foi por um breve período de tempo a [[Projeção do poder|potência]] principal e o guia da [[cristandade]] ocidental".{{sfn|Mondin|2007|p=250}} Para o historiador brasileiro André Arthur Costa, Inocêncio foi o criador de uma nova ordem social na Europa "derrotando inúmeros inimigos que encarnavam conflitos históricos contra o papado, desde o século XI".{{sfn|Costa|2017|p=99}} PorémO teólogo marxista José Ignacio González Faus diz que Inocêncio foi um grande papa, porém cometeu alguns erros devido ao seu contexto histórico, como condenar a [[Magna Carta]].{{sfn|Faus|1998|p=32-33}} Além disso, o reinado de Inocêncio também constituiu uma virada para a história da Igreja, porque após sua morte, seus sucessores não conseguiram manter a sua posição política de hegemonia mundial alcançada por Inocêncio, e tornaram-se cada vez mais fracos,{{sfn|Franzen|1996|p=237}} por isto, como disse Ferdinand Gregorivius, com Inocêncio "o papado atingiu uma posição vertiginosa e insustentável".{{sfn|Franzen|1996|p=232}}
 
O legado mais importante de Inocêncio foi sem dúvida no [[direito]], pois ele foi um notável jurista, canonista e criador de leis, tendo escrito mais de seis mil cartas enquanto papa.{{sfn|Norwich|2012|p=208}} Inocêncio ordenou a seu notário, o sudiácono Pedro Collivacino, que colecionasse os decretos dos primeiros doze anos de seu reinado, obra que foi concluída em 1209. Assim, pela bula ''Devotioni vestrae'' de 1210, Inocêncio publicou sua coleção de decretos como tendo força de lei universal para a consulta dos clérigos e juristas, transmitindo-a a Universidade de Bolonha para estudo.{{sfn|Lima|2004|p=117}} A coleção de Inocêncio é considerada uma das cinco grandes coleções de leis canônicas da Igreja, as "''Quinque Compilationes Antique''", ao qual surgiram antes do próprio sobrinho de Inocêncio, o Papa Gregório IX, publicar uma nova e importante coleção, ao qual, usando muitos decretos de Inocêncio, influenciará de forma permanente o direito canônico na Igreja, incluindo o atual [[Código de Direito Canônico]] da Igreja Católica, de 1983.{{sfn|Lima|2004|p=119}} Algumas leis e procedimentos jurídicos de Inocêncio, também foram adotados por Reinos e estados e estiveram vigentes até o {{séc|XVIII}}.{{sfn|Costa|2017|p=115}}
Linha 323 ⟶ 327:
* {{Citar web|sobrenome=Costa|nome=André Arthur|url=https://riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/2755/Unum%20ovile%20et%20unus%20pastor%20o%20poder%20do%20papado%2c%20de%20Inocêncio%20III%20%281198-1216%29%2c%20no%20IV%20Concílio%20de%20Latrão%20%281215%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y|título=Unum ovile et unus pastor: o poder do papado, de Inocêncio III (1198-1216), no IV Concílio de Latrão (1215)|obra=Repositório institucional da Universidade do Sul de Santa Catarina (RIUNI)|data=2017|ref=harv}}
* {{citar livro| sobrenome1= Denzinger|nome1= Henrici|sobrenome2= Hünermann|nome2= Petrus |título= Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral - Enchiridion symbolorum, definitionum et declarationum de rebus fidei et morum |volume=|local=São Paulo|editora= Paulinas|ano=2015|ref=harv}}
* {{Citar web|sobrenome=Documenta catholica omnia|nome=Arthur|url=http://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_1201-03-01__SS_Innocentius_III__Venerabilem_Fratrem__IT.doc.html|título=Venerabilem Fratrem |obra=Documenta catholica omnia|data=2011|ref=harv}}
* {{citar livro|sobrenome= Durant|nome= Will |título= História da Civilização, 4ª Parte, A Idade da Fé |volume=10|local=São Paulo|editora=Companhia Editorial Nacional|ano=1957|ref=harv}}
* {{Citar web|sobrenome= Fraher |nome=Richard M.|url=https://www.repository.law.indiana.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com.br/&httpsredir=1&article=2854&context=facpub|título=The Theoretical Justification for the New Criminal Law of the High Middle Ages: "Rei Publicae Interest, Ne Crimina Remaneant Impunita"|obra= Repository.law.indiana.edu|data=1984|ref=harv}}