Papa Inocêncio III: diferenças entre revisões

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==Legado para a Igreja e o Direito==
[[imagem:Bula del Papa otorgando protección a El Pilar.jpg|thumb|280px|esquerdadireita|Bula de Inocêncio concedendo privilégios e proteção feudal a [[Catedral-Basílica de Nossa Senhora do Pilar]]. Inocêncio escreveu ao longo do seu reinado mais de seis mil cartas{{sfn|Norwich|2012|p=208}}]]
[[imagem:Innocent III bas-relief in the U.S. House of Representatives chamber.jpg|thumb|250px|Retrato de Inocêncio sobre a porta da Casa da Câmara no [[Capitólio dos Estados Unidos]], com outras vinte e três figuras de mármore que retratam personagens históricos fundamentais para a criação da lei e da democracia americana. Inocêncio foi considerado um dos maiores preservadores do direito romano na Idade Média{{sfn|Costa|2017|p=87}}]]
 
Inocêncio é frequentemente considerado o mais importante papa medieval,{{sfn|Norwich|2012|p=208}} e o papa mais poderoso da Igreja de todos os tempos,{{sfn|McBrien|2000|p=215}}{{sfn|Küng|2012|p=373}} e como tal, deixou um amplo legado para a Igreja Católica, a Europa, o direito, e, para a posteridade de forma geral. O teólogo suíço [[Hans Küng]] diz que "no tempo de Inocêncio III, Roma é o centro incontestado da política europeia, tanto ao nível do poder quanto dos negócios públicos. Inocêncio é realmente o senhor do mundo, não no sentido de dominação absoluta, mas como árbitro e [[suserano]] supremo".{{sfn|Küng|2012|p=373}} O historiador alemão especialista na história de Roma, Ferdinand Gregorivius, considera que Inocêncio foi um papa tão grande quanto o próprio imperador [[Augusto|Otávio Augusto]], fundador do Império Romano, e, por isso chama Inocêncio de um "[[Augusto (título)|Augusto]] do Pontificado".{{sfn|Costa|2017|p=81}} Nesse sentido, Inocêncio foi eleito em 1999 pela revista ''[[Life (revista)|Life]]'', como um dos cem homens e mulheres que moldaram o segundo milênio, ficando em 78º no [[ranking]].{{sfn|Life's Magazine|1999|}}
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O legado mais importante de Inocêncio foi sem dúvida no [[direito]], pois ele foi um notável jurista, canonista e criador de leis, tendo escrito mais de seis mil cartas enquanto papa.{{sfn|Norwich|2012|p=208}} Inocêncio ordenou a seu notário, o sudiácono Pedro Collivacino, que colecionasse os decretos dos primeiros doze anos de seu reinado, obra que foi concluída em 1209. Assim, pela bula ''Devotioni vestrae'' de 1210, Inocêncio publicou sua coleção de decretos como tendo força de lei universal para a consulta dos clérigos e juristas, transmitindo-a a Universidade de Bolonha para estudo.{{sfn|Lima|2004|p=117}} A coleção de Inocêncio é considerada uma das cinco grandes coleções de leis canônicas da Igreja, as "''Quinque Compilationes Antique''", ao qual surgiram antes do próprio sobrinho de Inocêncio, o Papa Gregório IX, publicar uma nova e importante coleção, ao qual, usando muitos decretos de Inocêncio, influenciará de forma permanente o direito canônico na Igreja, incluindo o atual [[Código de Direito Canônico]] da Igreja Católica, de 1983.{{sfn|Lima|2004|p=119}} Algumas leis e procedimentos jurídicos de Inocêncio, também foram adotados por Reinos e estados e estiveram vigentes até o {{séc|XVIII}}.{{sfn|Costa|2017|p=115}}
 
[[imagem:Innocent III bas-relief in the U.S. House of Representatives chamber.jpg|thumb|esquerda|250px|Retrato de Inocêncio sobre a porta da Casa da Câmara no [[Capitólio dos Estados Unidos]], com outras vinte e três figuras de mármore que retratam personagens históricos fundamentais para a criação da lei e da democracia americana. Inocêncio foi considerado um dos maiores preservadores do direito romano na Idade Média{{sfn|Costa|2017|p=87}}]]
[[imagem:Bula del Papa otorgando protección a El Pilar.jpg|thumb|280px|esquerda|Bula de Inocêncio concedendo privilégios e proteção feudal a [[Catedral-Basílica de Nossa Senhora do Pilar]]. Inocêncio escreveu ao longo do seu reinado mais de seis mil cartas{{sfn|Norwich|2012|p=208}}]]
 
Além disso, como Inocêncio compreendia muitos princípios, normas e procedimentos do [[direito romano]], aplicou-os ao direito canônico, e assim, esses princípios, até então desconhecidos, puderam ser usados no direito civil, e também no direito moderno e atual.{{sfn|Pennington|2000|}} Por exemplo, Inocêncio introduziu{{nota de rodapé|O historiador K. Pennington também defende que, na verdade, os documentos jurídicos escritos por Inocêncio foram elaborados por funcionários e especialistas que trabalhavam na Chancelaria Papal, a instituição que publicava os documentos papais. Assim, ao discorrer sobre o princípio romano de ''publice utilitatis intersit, ne crimina remaneant impunita'', Pennington defende que esse princípio foi introduzido na documentação papal por um funcionário da Chancelaria possivelmente, e não por Inocêncio. Embora ele frise que sua conclusão não é definitiva, e é impossível saber com certeza a autoria dos documentos papais{{sfn|Pennington|2000|}}. De fato, existe uma significativa controvérsia histórica sobre a influência e a autoria final dos documentos de Inocêncio, especialmente sobre quais documentos foram escritos pelo papa pessoalmente, e quais ele delegou a funcionários{{sfn|Costa|2017|p=86}}.}} em seus documentos o princípio legal ''publice utilitatis intersit, ne crimina remaneant impunita'' ("é de interesse do bem público que os crimes não fiquem impunes"), ao qual significa, que cabe aos governantes e juízes procurar e punir os crimes cometidos em sua jurisdição, não deixando-os encobertos, sendo a base da própria Inquisição estabelecida por Inocêncio e seus sucessores, e, também do [[sistema inquisitorial]]. Ele retirou esse princípio do comentário de Juliano (c. 110 – c. 170) a ''Lex Aquilia'', um conjunto de leis elaborada no {{-séc|III}}, ainda na [[República Romana]]. Juliano argumentou que os erros (''maleficia'' em latim) não devem ficar impunes. Inocêncio mudou a sentença, substituindo ''maleficium'' por ''crimen''. Originalmente, ''maleficium'' poderia, no direito romano, significar um erro privado, assim como um delito ou um erro público (um [[crime]]). Ao mudar a palavra para ''crimen'', Inocêncio tirou a sentença do [[direito privado]] e introduziu ela no [[direito público]]. Esse princípio foi absorvido pelo direito medieval e depois pelo direito moderno graças a Inocêncio.{{sfn|Fraher|1984|p=21}}

Em 1949-1950 a [[Câmara dos Representantes dos Estados Unidos]] (o [[Capitólio dos Estados Unidos|Capitólio]]) foi remodelada e reformada, nesse momento, foram instalados 23 retratos em relevo de mármore sobre as portas da Câmara dos Representantes, retratando figuras históricas notáveis e essenciais por terem estabelecido os princípios básicos que fundamentam a lei e a democracia americana atual. Inocêncio III foi um dos personagens históricos escolhidos, juntamente com seu sobrinho, Gregório IX, por um conjunto de estudiosos da [[Universidade da Pensilvânia]], da ''Columbia Historical Society of Washington'', em Washington, D.C., e funcionários autorizados da [[Biblioteca do Congresso]].{{sfn|Architect of the Capitol a|2016|}} O retrato de Inocêncio foi esculpido pelo artista Joseph Kiselewski em 1950, tendo sido escolhido pelos estudiosos porque ele "preservou o direito romano remanescente durante a [[Idade Média|Idade das Trevas]]".{{sfn|Costa|2017|p=87}}{{sfn|Architect of the Capitol b|2016|}}{{nota de rodapé|A descrição da razão da escolha de Inocêncio no site oficial da Arquitetura do Capitólio nos EUA no original em inglês é o seguinte: "Innocent III (1161-1216) Medieval pope. Student of canon and civil law, who, like Gregory IX, preserved the remnants of Roman law during the Dark Ages."{{sfn|Architect of the Capitol b|2016|}}}}
 
Graças a Inocêncio, a família Conti se estabeleceu solidamente como uma família com influência e importância em Roma, na Itália, nos Estados Pontifícios, e especialmente dentro do governo da Igreja Católica no {{séc|XIII}}, conseguindo prolongar sua influência até o XIX. Dessa maneira, os Conti ainda puderam eleger outros dois papas de sua família no {{séc|XIII}} por meio do [[nepotismo]] e do costume de criar [[Cardeal-sobrinho|cardeais-sobrinhos]]: [[Gregório IX]] (1227-1241), sobrinho de Inocêncio e [[Papa Alexandre IV|Alexandre IV]] (1254-1261), sobrinho-neto de Inocêncio. Enquanto Gregório, foi tornado cardeal por Inocêncio em 1198,{{sfn|Ott|1909|}} Alexandre foi respectivamente tornado cardeal por Gregório em 1227.{{sfn|Loughlin|1907|}} Os papas da família de Inocêncio, seguindo o seu exemplo, foram grandes canonistas, lutaram contra a heresia e especialmente batalharam pelos direitos e poder do papado na Itália contra os Sacros Imperadores. Além disso, na Idade Média e no [[Renascimento]] cardeais importantes pertenciam a família Conti por influência de Inocêncio. Posteriormente, em 1721, já na [[Idade Moderna]], os Conti elegeram seu último pontífice, [[Inocêncio XIII]] (1721-1724).{{sfn|Ott b|1910|}}
 
Inocêncio também lançou as bases jurídicas que permitiriam posteriormente a fundação da [[Inquisição|Inquisição pontifícia]]{{sfn|Lindberg|2008|p=132}} por seu sobrinho, o Papa Gregório IX, em 1231. Inocêncio criou uma instituição antecessora da Inquisição propriamente dita, conhecida como "Inquisição dos legados pontifícios" em 1199 pela bula ''Vergentis in senium''.{{sfn|Rust|2012|p=143}} Inocêncio determinou que funcionários nomeados pelo papa (os "[[Legado papal|legados pontifícios]]"), escolhidos normalmente entre os membros da [[Ordem Cisterciense]], seriam enviados temporariamente para julgar e condenar hereges onde os bispos não estavam trabalhando apropriadamente na extermínio da heresia.{{sfn|Rops|2012|p=607}} Posteriormente, o Cânon 3 do IV Concílio de Latrão de 1215, redigido por Inocêncio, tornou obrigatório que todos os hereges identificados numa região fossem entregues aos poderes públicos, onde caso não se arrependessem, teriam seus bens confiscados e sofreriam várias punições.{{sfn|Rops|2012|p=607}} Esses documentos escritos por Inocêncio, porém, dão ênfase a punições anti-heréticas de caráter patrimonial (confisco de bens, expulsão de cargos públicos e exílio), e não aplicam a pena de morte originalmente.{{sfn|Rust|2012|p=144}} A "Inquisição pontifícia" de fato, fundada por Gregório IX, transformou a Inquisição em um tribunal permanente, fundindo a ideia de Inocêncio de um tribunal independente dos bispos e que recorre a punições do Estado.
 
De fato, o historiador brasileiro especialista no papado, [[Leandro Duarte Rust]], aponta que é um erro considerar Inocêncio o fundador de uma nova forma de repressão dentro da Igreja e da Europa, pois a Inquisição estabelecida pela ''Vergentis in senium'' surgiu justamente como um mecanismo para refrear a violência socialmente difundida contra os hereges, e conceder um processo jurídico justo para seu julgamento.{{sfn|Rust|2012|p=143-144}} Antes de Inocêncio era comum senhores e monarcas como [[Afonso II de Aragão]] sentenciarem a morte hereges sem qualquer julgamento. Dessa forma, além de instituir um tribunal e um processo legal para julgar os hereges, Inocêncio também não incluiu na sua legislação anti-herética a pena de morte (nem mesmo a pena pela fogueira), mas apenas punições patrimoniais, o que dificultou a condenação a morte de hereges durante seu reinado.{{sfn|Rust|2012|p=144}} A "Inquisição pontifícia" de fato, fundada por Gregório IX, transformou a Inquisição em um tribunal permanente, fundindo a ideia de Inocêncio de um tribunal independente dos bispos e que recorre a punições do Estado, somente aí então, adotando a pena morte.
 
A concepção de poder dos papas e a [[teologia política]] de Inocêncio, por sua vez, será defendida ferozmente pelos papas que o sucederam, e, apesar das mudanças históricas, sobreviverá na mente do papado e da hierarquia da Igreja até o {{séc|XIX}} e XX, durando, portanto, em torno de 700 anos.{{sfn|Costa|2017|p=132}} Assim, por exemplo, quando o [[Papa Alexandre VI]], em 1493, divide as [[América]]s entre Portugal e Espanha (ato predecessor do [[Tratado de Tordesilhas]]) ou o [[Papa Pio V]] depõe a rainha [[Isabel I de Inglaterra|Isabel I da Inglaterra]], em 1570, esses pontífices estavam seguindo a ideia de poder papal de Inocêncio.{{sfn|Costa|2017|p=132}}