Lima Barreto (escritor): diferenças entre revisões

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[[Imagem:Limabarreto.jpg|thumb|260px|[[Busto]] de '''Lima Barreto''' no [[Rio de Janeiro (cidade)|Rio de Janeiro]].]]
Lima Barreto foi o crítico mais agudo da época da [[Primeira República Brasileira|Primeira República]] no Brasil, rompendo com o nacionalismo [[ufanismo|ufanista]] e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares.
 
Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os [[boêmio]]s e os arruinados, assim como a [[Sátira menipeia|sátira]] que criticava de maneira sagaz e bem-humorada os vícios e corrupções da sociedade e da política. Foi severamente criticado por alguns escritores de seu tempo por seu estilo despojado e coloquial, que [[Manuel Bandeira]] chamou de "fala brasileira" e que acabou influenciando os [[modernismo no Brasil|escritores modernistas]]. Suas obras seguem duas vertentes principais: a [[sátira menipeia]] e o romance do [[realismo]] resgatando em ambos formatos as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da [[cultura popular]].<ref>[{{citar livro |url=http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=482 |titulo=Lima Barreto e a cultura nacional] por |primeiro=Berthold |ultimo=Zilly. Tradução: |tradutor-primeiro=Simone de |tradutor-ultimo=Mello. |publicado=Abril, |data=2006.}}</ref>
 
Seu projeto literária era escrever uma "literatura militante", apropriando-se da expressão de [[Eça de Queirós]]. Para Lima Barreto, escrever tinha a finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam certas classes sociais, indivíduos e grupos.
 
Muitos críticos apontam que a obra literária de Lima Barreto ora alcança altos níveis de criatividade e realização estética, ora abdica de maiores preocupações artísticas para se assumir como panfleto ou meio de documentação social, política e histórica. [[Antonio Candido]] (1918), por exemplo, observa que a concepção literária de Lima Barreto (que enxerga a literatura como um dos meios para uma possível intervenção na sociedade) "de um lado favoreceu nele a expressão escrita da personalidade", enquanto "de outro pode ter contribuído para atrapalhar a realização plena do ficcionista". Desse modo, oO crítico ressalta o valor de sua "inteligência voltada com lucidez para o desmascaramento da sociedade e a análise das próprias emoções", mas também afirma ser ele um escritor que não atingiu toda a sua potencialidade como narrador, sendo algumas vezes malsucedido na transposição de uma ideia numa realização literária criativa.
 
O crítico [[Osman Lins]] afirmandoafirmou que, para além de realizações estéticas desiguais, há "certas características de ordem literária e humana que atravessam todos os seus livros – ou, até, todas as suas páginas –, dando-lhes grande homogeneidade", concluindo que "sua obra tão variada é um bloco coerente e em toda ela reconhecemos, inconfundível, nítida, a personalidade do autor".<ref>{{citar livro|titulo=Lima Barreto e o espaço romanesco|ultimo=Lins|primeiro=Osman|editora=Atica|ano=1976|local=São Paulo|paginas=|acessodata=}}</ref>
 
Definida pelo próprio Lima Barreto como "militante", sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens e das mulheres em suas relações dentro dessada sociedade. Em muitas obras, como no seu célebre romance ''[[Triste Fim de Policarpo Quaresma]]'' e no conto ''"[[O homem que sabia javanês|O Homem que Sabia Javanês]]''", o método escolhido por Lima Barreto para tratar desses temas é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
 
NoEm romance''[[Triste Fim de Policarpo Quaresma]]'', narra-se a história de Policarpo Quaresma, homem de inteligência mediana, mas de nacionalismo e boa-fé inabaláveis. Agindo de modo a valorizar e popularizar ideais do que ele julga ser a verdadeira cultura brasileira, Quaresma obtém da sociedade uma resposta sempre dura, sendo classificado como louco (ora inofensivo, ora perigoso). Desse modo, como observa [[Osman Lins]], esse "é um romance sobre o desajuste entre o imaginário e o real, entre a idealização e a verdade, entre a ideia que o personagem-título faz do seu país e o que o seu país é realmente".<ref>{{citar livro|titulo=Lima Barreto e o espaço romanesco|ultimo=Lins|primeiro=Osman|editora=Atica|ano=1976|local=|paginas=|acessodata=}}</ref> No decorrer da obra, o autor também procura ridicularizar o apego da sociedade aos títulos, sobretudo o de bacharel, bem como as instituições políticas da época, sua burocracia e sua inoperância.
 
NoEm decorrer da obra, o autor também procura ridicularizar o apego da sociedade aos títulos, sobretudo o de bacharel, bem como as instituições políticas da época, sua burocracia e sua inoperância. Já em&nbsp;''"[[O homem que sabia javanês|O Homem que Sabia Javanês]]''", é apresentado o caso de uma pessoa que, afirmando dominar o idioma javanês sem na realidade conhecê-lo, consegue enganar boa parte da sociedade carioca da época e até mesmo ascender na carreira política, acadêmica e diplomática com base nessa mentira; a certa altura, o personagem declara: "Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios", trecho que representa uma crítica contundente à predominância das aparências nos meios sociais e políticos do período retratado.
 
Esses mesmos temas, quase sempre de ordem social, apresentam abordagens distintas em outras obras.: Nono conto "[[A Nova Califórnia|''A'' ''Nova Califórnia'']], por exemplo", a escrita de Lima Barreto ganha certos contornos macabros ao narrar a história dos habitantes de uma pequena cidade que, ao descobrirem que se poderia fabricar ouro a partir de ossos humanos, esquecem todos os seus supostos valores éticos e morais, de extrato cristão, e cometem profanações e assassinatos em função da possibilidade de riqueza e ascensão social.
 
Lima Barreto declara diversas vezes não aprovar nenhum tipo de preciosismo na escrita literária. Critica seu contemporâneo [[Coelho Neto]], afirmando que "não posso compreender que a literatura consista no culto ao dicionário" e declarando que a beleza literária "não é um caráter extrínseco da obra, mas intrínseco, perante o qual aquele pouco vale. É a substância da obra, não são suas aparências" - declarações, sobretudo esta última, que indicam como eram indissociáveis a estética buscada e a ética preconizada pelo autor, que procura despir tanto a literatura quanto a sociedade de suas falsas aparências. Dessa postura, cria-se uma literatura marcada pelo coloquialismo, por um vocabulário pouco rebuscado e pela expressão direta - o que não significa desleixo ou pouca preocupação formal, mas a adequação do modo de expressão àquilo que se deseja demonstrar.
 
Essa crueza estilística, no caso de um romance de teor autobiográfico como&nbsp; ''[[Recordações do Escrivão Isaías Caminha]],''&nbsp;, é a ideal para a representação dos percalços e dos preconceitos de ordem social e racial enfrentados por seu personagem em busca de ascensão na profissão de jornalista. O mesmo acontece em&nbsp; ''[[Cemitério dos Vivos]]'', dura descrição da loucura e da internação em um hospício. É sobretudo nessa força e nessa tentativa de construir uma obra cujos preceitos estéticos são tão pouco disseminados na literatura brasileira, ainda afeita aos ideais de beleza do [[Parnasianismo no Brasil|parnasianismo]], que reside a singularidade da arte de Lima Barreto.
 
Em 2016, uma vasta parte de sua obra escrita publicada sob pseudônimos foi descoberta por Felipe Botelho Corrêa, que organizou o livro ''Sátiras e Outras Subversões'' que traz à tona 164 textos que permaneciam inéditos em livro. No mesmo ano, o pesquisador Rogério Nascimento publicou o livro ''Cartas de um Matuto e Outros Causos'', afirmando que os textos publicados originalmente na revista ''Careta'' foram escritos por Lima Barreto. [[Carlos Drummond de Andrade]], contudo, diz em seu ''Dicionário de Pseudônimos Brasileiros'' que os textos da coluna foram escritos por Mário Behring. A chave para esse pseudônimo também aparece na própria revista ''Careta'' de 8 de junho de 1912, em texto que afirma ser de Mário Bhering a pena por trás do Coronel Tiburcio d'Annunciação.