Panteão egípcio: diferenças entre revisões

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[[File:Abydos Tempelrelief Sethos I. 15.JPG|alt=|thumb|upright|right|[[Isis|Ísis]], uma [[deusa mãe]] e padroeira da realeza, segura o faraó [[Seti I]] em seu colo.]]
 
A maioria das divindades egípcias representa [[Fenômeno natural|fenômenos naturais]] ou [[Fenômeno social|sociais]]. Os deuses eram, geralmente, considerados [[Imanência|imanentes]] nesses fenômenos — estando [[Presença divina|presentes]] na natureza.<ref>{{harvnb|Allen|2000|pp=43–45}}</ref> Os tipos de fenômenos que eles representavam incluem lugares e objetos físicos, bem como conceitos e forças abstratas.<ref>{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|p=26}}</ref> O deus [[Shu]] era a deificação de todo o ar do mundo; a deusa [[Meretseguer]] supervisionou uma região limitada da Terra, a [[Necrópole de Tebas]]; e o deus [[Sia (mitologia)|Sia]] personificava a noção abstrata de [[percepção]].<ref>{{harvnb|Hart|2005|pp=91, 147}}</ref> Os deuses principais freqüentementefrequentemente tinham muitos papéis e estavam envolvidos em vários tipos de fenômenos. Por exemplo, [[Khnum]] era o deus da [[Elefantina|Ilha Elefantina]], localizada no meio do [[Rio Nilo|Nilo]], o rio que era essencial para a civilização egípcia. Ele foi creditado com a produção da [[Enchente do Nilo|enchente do Nilo]], um importante acontecimento cíclico natural que fertilizou a terra da nação. Talvez, como uma conseqüênciaconsequência desta função vivificadora, foi dito que ele cria todas as coisas vivas, moldando seus corpos em uma [[roda de oleiro]].<ref>{{harvnb|Hart|2005|pp=85–86}}</ref> Os deuses poderiam compartilhar o mesmo papel na natureza; [[Rá]], [[Atum (mitologia)|Atum]], [[Khepri]], Hórus e outras divindades agiam como [[Deidade solar|deuses do sol]].<ref>{{harvnb|David|2002|pp=58, 227}}</ref> Apesar de suas diversas funções, a maioria dos deuses tinha um papel abrangente em comum: manter a [[Maat|''maat'']], a ordem universal, um princípio central da religião egípcia que foi personificado em uma deusa.<ref name="Tobin 197">{{harvnb|Tobin|1989|pp=197–200}}</ref> Algumas divindades, entretanto, representaram a ruptura do ''maat'', mais proeminentemente, [[Apep]], uma criatura em forma de serpente que representava a força do caos e constantemente ameaçava aniquilar a ordem do universo. Set era um membro ambivalente da sociedade divina, podia tanto lutar contra a desordem quanto fomentá-la.<ref name="Traunecker 85">{{harvnb|Traunecker|2001|pp=85–86}}</ref>
 
Nem todos os aspectos da existência eram vistos como divindades. Embora muitas divindades estivessem conectadas com o Nilo, nenhum deus o personificava da mesma maneira que Rá personificava o sol.<ref>{{harvnb|Hornung|1982|pp=77–79}}</ref> Fenômenos de curta duração, como arco-íris ou eclipses, não eram representados por deuses,<ref>{{harvnb|Assmann|2001|p=63}}</ref> nem elementos, como fogo, água, entre outros componentes que formam o mundo.<ref>{{harvnb|David|2002|pp=57–58}}</ref>
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Os papéis de cada divindade eram fluidos. Cada deus podia expandir sua natureza para assumir novas características. Como resultado, os papéis dos deuses são difíceis de categorizar ou definir. Apesar dessa flexibilidade, os deuses tinham habilidades e esferas de influência limitadas. Nem mesmo o [[Divindade criadora|deus criador]] poderia alcançar além dos limites do cosmo que ele criou, e até mesmo Ísis, embora fosse considerada a mais inteligente dos deuses, não era [[Onisciência|onisciente]].<ref>{{harvnb|Hornung|1982|pp=98–99, 166–169}}</ref> [[Richard H. Wilkinson]], no entanto, argumenta que alguns textos do recente Império Novo sugerem que, como as crenças sobre o deus Ámon evoluíram, ele foi pensado para abordar onisciência e [[onipresença]], além de [[Transcendência (religião)|transcender]] os limites do mundo de uma maneira que outras divindades não o fizeram.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|p=39}}</ref>
 
As divindades com os domínios mais limitados e especializados são freqüentementefrequentemente chamadas de "divindades menores" ou "demônios" nos escritos modernos, embora não haja uma definição inflexível para esses termos.<ref name="Meeks in Redford 2001">Meeks, Dimitri, "Demons", in {{harvnb|Redford|2001|p=375|loc=vol. I}}</ref> Alguns demônios eram guardiões de lugares particulares, especialmente no [[Tuat|Duat]], o reino dos mortos. Outros perambulavam pelo mundo humano e pelo Duat, como servos e mensageiros dos deuses maiores ou como espíritos errantes que causavam doenças e outros infortúnios entre os seres humanos.<ref>Lucarelli, Rita, "Demons (benevolent and malevolent)", 2010, in {{harvnb|Wendrich|pp=2–5}}</ref> A posição dos demônios na hierarquia divina não foi fixada. As divindades protetoras [[Bes]] e [[Taweret]] originalmente tinham papéis menores, demoníacos, mas com o tempo eles foram creditados com grande influência.<ref name="Meeks in Redford 2001"/> Os seres mais temidos no Duat eram considerados tanto repugnantes quanto perigosos para os humanos.<ref name="Frandsen 593">Frandsen, Paul John, "Faeces of the Creator or the Temptations of the Dead", in {{harvnb|Kousoulis|2011|pp=59–62}}</ref> Ao longo da história egípcia, eles passaram a ser considerados membros fundamentalmente inferiores da sociedade divina<ref>Roccati, Alessandro, "Demons as Reflections of Human Society", in {{harvnb|Kousoulis|2011|pp=93–96}}</ref> e a representar o oposto dos benéficos e vivificantes deuses principais.<ref name="Frandsen 593">Frandsen, Paul John, "Faeces of the Creator or the Temptations of the Dead", in {{harvnb|Kousoulis|2011|pp=59–62}}</ref> No entanto, mesmo as divindades mais reverenciadas podem, às vezes, exigir vingança entre elas ou nos humanos, exibindo um lado demoníaco de seu caráter e obscurecendo as fronteiras entre demônios e deuses.<ref>Ritner, Robert K., "An Eternal Curse upon the Reader of These Lines", in {{harvnb|Kousoulis|2011|pp=3–5}}</ref>
 
=== Comportamentos ===
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As divindades egípcias estão conectadas em um conjunto complexo e mutável de relacionamentos. As conexões e interações de um deus com outras divindades ajudaram a definir seu caráter. Desse modo, Ísis, como mãe e protetora de Hórus, era uma grande curandeira, bem como a padroeira dos reis. Tais relações eram o material de base a partir do qual os mitos eram formados.<ref>{{harvnb|Assmann|2001|pp=101, 112, 134}}</ref>
[[Ficheiro:Ramesses-Ptah-Sekhmet.jpg|alt=|direita|miniaturadaimagem|O rei, ladeado pelos deuses [[Ptá]] e [[Sekhmet]], que assume a função do filho deles, [[Nefertum]].<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|p=75}}</ref>]]
Relacionamentos familiares são um tipo comum de conexão entre os deuses. Divindades freqüentementefrequentemente formam pares masculinos e femininos. Famílias de três divindades, com pai, mãe e filho, representam a criação de uma nova vida e a sucessão do pai pela criança, um padrão que conecta as famílias divinas à sucessão real.<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|pp=57–59}}</ref> Osíris, Ísis e Hórus formaram o modelo por excelência desse tipo de família. O padrão que eles estabeleceram foi mais difundido ao longo do tempo, de modo que muitas divindades em centros de culto locais, como Ptá, [[Sekhmet]] e seu filho [[Nefertum]] em Memphis e Ámon, [[Mut]] e [[Khonsu]] em Tebas, foram reunidas em tríades familiares.<ref>{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|pp=29–31}}</ref><ref>{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|p=184}}</ref> Conexões genealógicas como essas são mutáveis, de acordo com as múltiplas perspectivas da crença egípcia.<ref>{{harvnb|Hornung|1982|p=146}}</ref> Hator poderia atuar como mãe de qualquer divindade em forma infantil, incluindo a forma infantil da divindade solar, embora em outras circunstâncias ela fosse filha da mesma divindade.<ref>{{harvnb|Pinch|2004|pp=137–138}}</ref>
 
Outros grupos divinos eram compostos de divindades com papéis inter-relacionados, ou que juntos representavam uma região do cosmos mitológico egípcio. Havia conjuntos de deuses para as horas do dia e da noite e para cada região do Egito. Alguns desses grupos contêm um específico, [[Números na mitologia egípcia|simbólico e importante número]] de divindades.<ref name="Wilkinson 742">{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=74–79, 83–85}}</ref> Deuses emparelhados, às vezes, têm papéis similares, assim como Ísis e sua irmã [[Néftis]] em sua proteção e apoio a Osíris.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=18, 74–75, 160}}</ref> Outros pares representam conceitos opostos, mas inter-relacionados, que fazem parte de uma unidade maior, por exemplo, Rá, que é dinâmico e produtor de luz, e Osíris, que é estático e envolto em trevas, fundem-se em um único deus a cada noite.<ref>Englund, Gertie, "The Treatment of Opposites in Temple Thinking and Wisdom Literature", in {{harvnb|Englund|1989|pp=77–79, 81}}</ref> Grupos de três estão ligados à pluralidade no pensamento egípcio antigo, e grupos de quatro conotam plenitude.<ref name="Wilkinson 742">{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=74–79, 83–85}}</ref> No final do Império Novo, os governantes promoveram um grupo particularmente importante de três deuses, acima de todos os outros: Ámon, Rá e Ptá. Essas deidades representavam a pluralidade de todos os deuses, assim como seus próprios centros de culto (envolvendo as principais cidades da época, Tebas, [[Heliópolis (Egito)|Heliópolis]] e Mênfis) e muitos conjuntos tríplices de conceitos no pensamento religioso egípcio.<ref>{{harvnb|Assmann|2001|pp=238–239}}</ref> Em certas ocasiões, Set, o deus patrono dos reis da [[XIX dinastia egípcia|Décima Nona Dinastia]]<ref>{{harvnb|David|2002|p=247}}</ref> e a personificação da desordem no mundo, foi acrescentado a esse grupo, que enfatizava uma visão única e coerente do panteão.<ref>Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|p=188}}</ref>
 
Nove, o produto de três e três, representa uma multidão. Os egípcios chamavam muitos grupos de "[[enéade]]",{{Nota de rodapé|A palavra egípcia para "grupo de nove" era psḏt. O termo derivado grego "ennead", que tem o mesmo significado, é comumente usado para traduzi-lo.<ref name="Wilkinson 742">{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=74–79, 83–85}}</ref>}} ou conjuntos de nove, mesmo que tivessem mais de nove membros. O enéade mais proeminente foi o enéade de Heliópolis, uma extensa família de divindades, composta pelos descendentes do deus criador Atum, que incorpora muitos deuses importantes.<ref name="Wilkinson 742">{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=74–79, 83–85}}</ref> O termo "enéade" foi, freqüentementefrequentemente, estendido para incluir todas as divindades do Egito.<ref name="Meeks and Favard-Meeks 34">{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|pp=34–36}}</ref>
 
Essa assembléia divina tinha uma hierarquia mutável. Deuses com ampla influência no cosmos ou que eram mais velhos do que outros, costumavam possuir posições mais altas na sociedade divina. No ápice dessa sociedade estava o [[rei dos deuses]], geralmente identificado com a divindade criadora.<ref name="Meeks and Favard-Meeks 34">{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|pp=34–36}}</ref> Em diferentes períodos da história egípcia, diferentes deuses foram chamados a manter essa posição elevada. Hórus era o deus mais importante no início do período dinástico, Rá ascendeu para a proeminência no Império Antigo, Ámon era supremo no Império Novo, e nos períodos ptolomaico e romano, Ísis era a rainha divina e a deusa criadora.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|p=67}}</ref> Os deuses recentemente proeminentes tenderam a adotar características de seus predecessores.<ref>{{harvnb|Lesko|1999|p=84}}</ref> Ísis absorveu os traços de muitas outras deusas durante a sua ascensão, e quando Ámon se tornou o governante do panteão, ele foi combinado com Rá, o tradicional rei dos deuses, para se tornar uma única divindade solar.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=92–93, 146}}</ref>
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Em 1971, [[Erik Hornung]] publicou um estudo{{Nota de rodapé|Der Eine und die Vielen, revisado várias vezes desde 1971. Sua tradução em inglês, Concepções de Deus no Egito: O Um e os Muitos, está listada na seção "Trabalhos citados" deste artigo.}} rebatendo essas visões. Ele aponta que, em qualquer período dado, muitas divindades, mesmo as menores, foram descritas como superiores a todas as outras. Ele também argumenta que o "deus" não especificado nos textos da sabedoria é um termo genérico para qualquer divindade que o leitor escolha reverenciar.<ref>{{harvnb|Hornung|1982|pp=56–59, 234–235}}</ref> Embora as combinações, manifestações e iconografias de cada deus estivessem mudando constantemente, elas estavam sempre restritas a um número finito de formas, nunca se tornando totalmente intercambiáveis ​​de uma maneira monoteísta ou panteísta. O [[henoteísmo]], diz Hornung, descreve a religião egípcia melhor que outros rótulos. Um egípcio poderia adorar qualquer divindade em um determinado instante e creditá-la com o poder supremo naquele momento, sem negar os outros deuses ou fundir todos com o deus em quem ele se concentrou. Hornung conclui que os deuses estavam totalmente unificados apenas no mito da época anterior a criação, após a qual uma multidão de deuses emergiu de uma inexistência uniforme.<ref>{{harvnb|Hornung|1982| pp=235–237, 252–256}}</ref>
 
Os argumentos de Hornung influenciaram muitos outros estudiosos da religião egípcia, mas alguns ainda acreditam que os deuses eram mais unificados.<ref name="Traunecker 10">{{harvnb|Traunecker|2001|pp=10–12}}</ref> Jan Assmann sustenta que a noção de uma única divindade desenvolveu-se lentamente através do Império Novo, começando com um foco em Ámon-Rá como o deus solar mais importante.<ref>{{harvnb|Tobin|1989|pp=156–158}}</ref> Em sua opinião, o Atonismo, que relacionou a única divindade com o sol e dispensou todos os outros deuses, foi uma conseqüênciaconsequência extrema dessa tendência. Então, na reação contra o Atonismo, os teólogos sacerdotais descreveram o deus universal de uma maneira diferente, que coexistia com o politeísmo tradicional. Acreditava-se que o único deus transcendia o mundo e todas as outras divindades, enquanto, ao mesmo tempo, os múltiplos deuses eram aspectos do único deus. De acordo com Assmann, este deus foi especialmente relacionado com Ámon, o deus dominante no final do Império Novo, enquanto que para o resto da história egípcia, a divindade universal poderia ser identificada com muitos outros deuses.<ref>{{harvnb|Assmann|2001|pp=198–201, 237–243}}</ref> James P. Allen diz que as noções coexistentes de um deus e muitos deuses se encaixam bem com a "multiplicidade de abordagens" no pensamento egípcio, bem como com a prática henoteísta de adoradores comuns. Ele diz que os egípcios podem ter reconhecido a unidade do divino "identificando sua noção uniforme de 'deus' com um deus particular, dependendo da situação particular".<ref name="Allen 443">{{harvnb|Allen|1999|pp=44–54, 59}}</ref>
 
==Descrições e representações==
Escritos egípcios descrevem os corpos dos deuses em detalhes. Eles são feitos de materiais preciosos, sua carne é dourada, seus ossos são de prata e seus cabelos são [[lápis-lazúli]]. Eles emitem um odor que os egípcios associavam ao [[incenso]] usado nos rituais. Alguns textos fornecem descrições precisas de divindades específicas, incluindo sua altura e cor dos olhos, no entanto, essas características não são fixas. Nos mitos, os deuses mudam suas aparências para se adequarem aos seus próprios propósitos.<ref>{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|pp=55–59}}</ref> Os textos egípcios, muitas vezes, referem-se às formas verdadeiras das divindades como "misteriosas". Os egípcios e suas representações visuais de seus deuses não são, portanto, literais. Eles simbolizam aspectos específicos do caráter de cada divindade, funcionando de maneira muito semelhante aos [[Ideograma|ideogramas]] da escrita hieroglífica.<ref name="Hornung 110">{{harvnb|Hornung|1982|pp=110–117}}</ref> Por esta razão, o deus funerário [[Anúbis]] é comumente mostrado na [[Arte do Antigo Egito|arte egípcia]] como um cão ou [[chacal]], uma criatura cujos hábitos de sequestro ameaçam a preservação de [[Múmia|múmias]] enterradas, em um esforço para contrariar esta ameaça e empregá-la para proteção. Sua coloração negra alude à cor da carne mumificada e ao solo negro e fértil que os egípcios viam como um símbolo da ressurreição.<ref>{{harvnb|Hart|2005|p=25}}</ref>
 
A maioria das divindades foi descrita de várias maneiras. Hator podia ser uma vaca, uma cobra, uma leoa, uma mulher com chifres ou orelhas de boi. Ao descrever um determinado deus de maneiras diferentes, os egípcios expressaram diferentes aspectos de sua natureza essencial.<ref name="Hornung 110">{{harvnb|Hornung|1982|pp=110–117}}</ref> Os deuses são representados em um número finito dessas formas simbólicas, de modo que muitas vezes podem ser distinguidos uns dos outros por suas [[Iconografia|iconografias]]. Essas formas incluem homens e mulheres ([[antropomorfismo]]), animais ([[zoomorfismo]]) e, mais raramente, objetos inanimados. [[Híbrido (mitologia)|Combinações de formas]], como divindades com corpos humanos e cabeças de animais, são comuns.<ref name="Wilkinson 26">{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=26–28}}</ref> Novas formas e combinações cada vez mais complexas surgiram no curso da história,<ref name="Dunand and Zivie-Coche 17">{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|pp=17–20}}</ref> com as formas mais surreais freqüentementefrequentemente encontradas entre os demônios do submundo.<ref>{{harvnb|Hornung|1982|pp=117–121}}</ref> Alguns deuses só podem ser distinguidos dos outros se forem rotulados por escrito, como Ísis e Hator.<ref>Bonhême, Marie-Ange, "Divinity", in {{harvnb|Redford|2001|pp=401–405|loc=vol. I}}</ref> Por causa da estreita conexão entre essas deusas, ambas podiam usar o cocar de chifre de vaca que originalmente era de Hator.<ref name="Griffiths in Redford 2001">Griffiths, J. Gwyn, "Isis", in {{harvnb|Redford|2001|pp=188–190|loc=vol. II}}</ref>
 
[[File:Krokodilsstatue.jpg|thumb|alt=|left|Estátua do deus crocodilo [[Sobek]] em sua forma animal completa.]]
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Certas características das imagens divinas são mais úteis do que outras na determinação da identidade de um deus. A cabeça de uma determinada imagem divina é particularmente significativa.<ref name="Hornung 118">{{harvnb|Hornung|1982|pp=118–122}}</ref> Em uma imagem híbrida, a cabeça representa a forma original do ser representado, de modo que, como disse o egiptólogo Henry Fischer, "uma deusa com cabeça de leão é uma deusa-leoa em forma humana, enquanto uma [[esfinge]] real, inversamente, é um homem que assumiu a forma de um leão".<ref>Quoted in {{harvnb|Wilkinson|2003|p=27}}</ref> Os adereços divinos para a cabeça, que vão dos mesmos tipos de coroas usadas por reis humanos a grandes hieróglifos usados ​​nas cabeças dos deuses, são outro indicador importante. Em contraste, os objetos mantidos nas mãos dos deuses tendem a ser genéricos.<ref name="Hornung 118">{{harvnb|Hornung|1982|pp=118–122}}</ref> As divindades masculinas costumam segurar um ''[[was]]'', enquanto as deusas seguram talos de [[papiro]], e ambos os sexos carregam sinais de ''[[ankh]]'', representando a palavra egípcia para "vida", simbolizando seu poder vivificante.<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|pp=50–51}}</ref>
 
As formas em que os deuses são mostrados, embora sejam diversas, são limitadas de várias maneiras. Muitas criaturas que são difundidas no Egito nunca foram usadas na iconografia divina. Outras formas poderiam representar muitas divindades porque essas divindades tinham características importantes em comum.<ref name="Traunecker 46">{{harvnb|Traunecker|2001|pp=46, 54}}</ref> Touros e carneiros eram associados com virilidade, vacas e falcões com o céu, hipopótamos com proteção maternal, felinos com o deus sol e serpentes com perigo e renovação.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=170, 176, 183, 200}}</ref><ref>{{harvnb|Pinch|2004|pp=115, 198–200}}</ref> Animais que estavam ausentes do Egito nos estágios iniciais de sua história não foram usados ​​como imagens divinas. O cavalo, que foi introduzido apenas no [[Segundo Período Intermediário]] (1650–1550 AC), nunca representou um deus. Da mesma forma, as roupas usadas pelas divindades antropomórficas, na maioria dos períodos, mudaram pouco em relação aos estilos usados ​​no Império Antigo: uma espécie de saia, barba falsa e, freqüentementefrequentemente, uma camisa para deuses masculinos e um vestido comprido e justo para as deusas.<ref name="Traunecker 46">{{harvnb|Traunecker|2001|pp=46, 54}}</ref>{{Nota de rodapé|Roupas divinas às vezes eram afetadas por mudanças no vestuário humano. No Reino Novo, deusas eram retratadas com o mesmo cocar em forma de abutre usado por rainhas naquele período,<ref name="Traunecker 46">{{harvnb|Traunecker|2001|pp=46, 54}}</ref> e nos tempos romanos, muitos deuses apotropaicos eram mostrados em armaduras e montados a cavalo como soldados.<ref>{{harvnb|Frankfurter|1998|p=3}}</ref>}}
 
A forma básica antropomórfica varia. Os deuses em formas infantis são retratados nus, assim como alguns deuses adultos quando seus poderes de procriação são enfatizados.<ref>{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|p=60}}</ref> Certas divindades masculinas recebem pesadas barrigas e seios, significando androginia, prosperidade e abundância.<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|p=45}}</ref> Enquanto a maioria das divindades masculinas tem a pele vermelha e as femininas, pele amarela (as mesmas cores usadas para retratar homens e mulheres egípcios), alguns recebem cores de pele incomuns e simbólicas.<ref>Robins, Gay, "Color Symbolism", in {{harvnb|Redford|2001|loc.=vol. I|pp=291–293}}</ref> Assim, a pele azul e a figura barriguda do deus [[Hapi]] alude à inundação do Nilo que ele representa e à nutritiva fertilidade que trouxe.<ref>{{harvnb|Pinch|2004|p= 136}}</ref> Algumas divindades, como Osíris, Ptá e Min, têm uma aparência "mumiforme", com seus membros firmemente envoltos em tecido.<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|pp=48–50}}</ref> Embora esses deuses se assemelhem a múmias, os primeiros exemplos antecedem o estilo de mumificação envolto em tecido, e essa forma pode, em vez disso, remontar às representações mais antigas das divindades.<ref>{{harvnb|Hornung|1982|p=107}}</ref>
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[[File:Medinet Habu Ramses III12.JPG|alt=|thumb|right|[[Ramsés III]] apresenta ofertas para Ámon.]]
{{main|Faraó}}
Nos escritos oficiais, diz-se que os faraós são divinos e são constantemente representados na companhia das divindades do panteão. Cada faraó efoi seusconsiderado antecessores foram considerados oso sucessoressucessor dos deuses que haviam governado o Egito na pré-história mítica.<ref>{{harvnb|Pinch|2004|pp=85–87, 156–157}}</ref> Os reis vivos eram equiparados a Hórus e chamados de "filho" de muitas divindades masculinas, particularmente Osíris e Ra;Rá. reisReis falecidos foram equiparados a esses deuses anciões.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=60–63, 75}}</ref> As esposas e mães dedo Kingrei eram comparadas a muitas deusas. As poucas mulheres que se fizeram faraós, como [[Hatchepsut]], ligaram-se a essas mesmas deusas enquanto adotavam grande parte das imagens masculinas da realeza.<ref>{{harvnb|Troy|1986|pp=141–143}}</ref> Os faraós tinham seus próprios [[Templo mortuário|templos mortuários]], onde os rituais eram realizados para eles durante suas vidas e depois deapós suas mortes.<ref>{{harvnb|Teeter|2011|p=51}}</ref> Mas poucosPoucos faraós eram adorados como deuses muito depois de suas vidas, e textos não oficiais retratam reis sob uma luz humana. Por estas razões, os estudiosos discordam sobre como, genuinamente, a maioria dos egípcios acreditava queenxergavam o rei; era um deus. Ele sóele pode ter sido considerado divino quandosomente estavaenquanto realizandorealizava cerimônias.<ref>{{harvnb|Wildung|1977|pp=1–3}}</ref>
 
PorA maisposição que se acreditasse, o status divinodivina do rei era a razão de seu papel como representante do Egito para os deuses, ao formar um elo entre os reinos divino e humano.<ref>{{harvnb|Morenz|1973|pp=40–41}}</ref> Os egípcios acreditavam que os deuses precisavam de templos para morar, bem como a realização periódica de rituais e apresentação de [[oferendas]] para alimentá-los. Essas coisas foram fornecidas pelos cultos que o rei supervisionou, juntamente com seus sacerdotes e obreiros.<ref>{{harvnb|Teeter|2011|pp=28–30, 41–53}}</ref> No entanto, de acordo com a ideologia realda realeza, a construção do templo era exclusivamente obra do faraó, assim como os rituais que os padressacerdotes geralmente realizavam em seu lugar.<ref>{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|pp=123–125}}</ref> Esses atos faziam parte do papel fundamental do rei: manter o ''maat''.<ref>{{harvnb|Assmann|2001|pp=4–5}}</ref> O rei e a nação que ele representava forneciamrealizavam osoferendas aos deuses, paraa fim de que eles pudessem continuar a desempenhar suas funções, que mantinhammantendo o poder no cosmos para que os humanos pudessem continuar a viver.<ref>Frandsen, Paul John, "Trade and Cult", in {{harvnb|Englund|1989|pp=96, 100–105}}</ref>
 
=== Presença no mundo humano ===
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Embora os egípcios acreditassem que seus deuses estivessem presentes no mundo ao seu redor, o contato entre os reinos humano e divino era, principalmente, limitado a circunstâncias específicas.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|p=42}}</ref> Na [[Literatura do Antigo Egito|literatura]], os deuses podem aparecer para os seres humanos em uma forma física, mas na vida real os egípcios estavam limitados a meios mais indiretos de comunicação.<ref>{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|pp=21–23}}</ref>
 
Diz-se que o ''ba'' de um deus deixa periodicamente o reino divino para habitar nasem suas imagens daquelede deusculto.<ref name="Teeter 49">{{harvnb|Teeter|2011|pp=39–45}}</ref> Ao habitar essas imagens, os deuses deixaram seu estado oculto e assumiram uma forma física.<ref name="Assmann 17">{{harvnb|Assmann|2001|pp=17–19, 43–47}}</ref> Para os egípcios, um lugar ou objeto que era "sagrado", era isolado epara passar por um [[Purificação ritual|ritualmenteritual de puropurificação]] e, portantodesse modo, se tornando adequado para umuma deusdivindade habitar.<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|p=30}}</ref> Estátuas e relevos do templo, bem como animais sagrados particulares, como o touro [[Ápis]], serviram como intermediários divinos dessa maneira.<ref>{{harvnb|Meeks|Favard-Meeks|1996|pp=125–126, 129}}</ref> Sonhos e transes forneceram um local muito diferente para interação. Nestes estados, acreditava-se, as pessoas podiam aproximar-se dos deuses e, por vezes, receber mensagens deles.<ref>{{harvnb|Teeter|2011|p= 101}}</ref> Finalmente, de acordo com as crenças dade vida após a morte do Egito, as almas humanas passam para o reino divino após a morte. Os egípcios, portanto, acreditavam que na morte eles existiriam no mesmo nível que os deuses e entenderiam completamente sua natureza misteriosa.<ref>{{harvnb|Tobin|1989|p=54}}</ref>
 
[[File:Flickr - archer10 (Dennis) - Egypt-10C-024.jpg|alt=|thumb|right|[[Ramsés II]] (secundo segundo da direita para a esquerda) com os deuses Ptá, Ámon e Rá no santuário do Grande Templo em [[Abu Simbel]].]]
 
Os templos, onde os rituais do estado eram realizados, estavam cheios de imagens dos deuses. A imagem mais importante do templo era a estátua de culto no santuário interior do santuário. Essas estátuas eram geralmente menores que o tamanho natural e feitas dos mesmos materiais preciosos que se dizia que formavamformar os corpos dos deuses. Muitos templos tinham vários santuários, cada um com uma estátua de culto representando um dos deuses de um grupo, como por exemplo, uma tríade familiar.<ref name="Teeter 49">{{harvnb|Teeter|2011|pp=39–45}}</ref>{{Nota de rodapé|Nenhuma estátua sobrevivente de divindades é conhecida, com certeza, por imagens de culto, embora algumas tenham as características certas para terem servido a esse propósito.<ref>Kozloff, Arielle P., "Sculpture: Divine Sculpture", in {{harvnb|Redford|2001|loc.=vol. IIIpp=242–243}}</ref>}} O deus principal da cidade foi concebido como seu senhor, empregando muitos dos residentes como servos em sua casa divina, querepresentada opelo templo representava. Os deuses residentes nos templos do Egito representavam, coletivamente, todo o panteão.<ref>{{harvnb|Assmann|2001|pp=27–30, 51–52}}</ref> Mas muitasMuitas divindades - incluindo algunsalgumas deusesdivindades importantes, bem como as que eram menores ou hostis - nunca receberam seus próprios templos, embora algumas estivessem representadas nos templos de outros deuses.<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|pp=42, 162, 223–224}}</ref>
 
Para isolar o poder sagrado no santuário e protegê-lo das impurezas do mundo exterior, os egípcios enclausuravam santuários do templo e restringiam enormemente o acesso a eles. Outras pessoas, além de reis e sumos sacerdotes, tiveram negado o contato com estátuas de culto. A única exceção foi durante as procissões dode festivalfestivais, quando a estátua foiera levada para fora do templo, mas ainda encerradaguardada em um santuário portátil.<ref>{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|pp=111, 116–118}}</ref> As pessoas tinham menospoucos meios diretos de interação. As partes mais públicas dos templos freqüentementeconsistiam incorporavamem pequenos lugares para a oração, decomo portaispor aexemplo, capelas isoladas perto da parte de trás do edifício do templo.<ref>{{harvnb|Teeter|2011|pp=77–83}}</ref> As comunidades também construíram e administraram pequenas capelas para seu próprio uso, e algumas famílias tinham santuários dentro de suas casas.<ref name="Thompson in Redford 326">Thompson, Stephen E., "Cults: An Overview", in {{harvnb|Redford|2001|loc=vol. I|pp=326–332}}</ref> Apesar do abismo que separou a humanidade do divino, os egípcios foram cercados por oportunidades de se aproximarem de seus deuses.<ref>{{harvnb|Teeter|2011|pp=76–77}}</ref>
 
=== Intervenção em vidas humanas ===
Deuses egípcios estavam envolvidos emnas vidas humanas, bem como na ordem geral da natureza. Essa influência divina se aplicava principalmente ao Egito, já que tradicionalmente se acreditava que os povos estrangeiros estavam fora da ordem divina. No ReinoImpério Novo, quando outras nações estavam sob o controle do Egito, dizia-se que os estrangeiros estavam sob o domínio benigno doda deusdivindade solsolar, da mesma forma que os egípcios.<ref>{{harvnb|Morenz|1973|pp=49–52, 57}}</ref>
 
ThothTot, como o superintendente do tempo, foi encarregado de fixar o tempo de vida para os seres humanos e deuses.<ref>{{harvnb|Hornung|1982|p=155}}</ref> Outros deuses também foram encarregados de governar a duração da vida humana, incluindocomo [[Meskhenet]] e [[Renenutet]], ambos presidiam o nascimento, e [[Shai]], a personificação do [[destino]].<ref>{{harvnb|Hart|2005|pp=92, 136, 146}}</ref> Assim, o tempo e o modo da morte eram o principal significado do conceito egípcio de destino, embora, em certa medida, essas divindades também governassem outros eventos da vida. Vários textos referem-sefazem referência a deuses influenciando ou inspirando decisões humanas, trabalhando através do "coração" de uma pessoa - a sede da emoção e do intelecto na crença egípcia. As deidadesdivindades também davam ordens, instruindo o rei no governo de seu reino e regulando o gerenciamento de seus templos. Os textos egípcios raramente mencionam comandos diretos dados a pessoas privadas, e esses comandos nunca evoluíram para um conjunto de códigos morais divinamente impostos.<ref>{{harvnb|Morenz|1973|pp=60–67, 72}}</ref> A moralidade no antigo Egito era baseada no conceito deda ''maat'', que, quando aplicado à sociedade humana, significava que todos deveriam viver de maneira ordenadaharmoniosa, sem interferir no bem-estar de outras pessoas. Como as divindades eram os defensores doda ''maat'', a moralidade estava ligada a elas. Por exemplo, os deuses julgavam a justiça moral dos humanos após a morte e, no NovoImpério ReinoNovo, acreditava-se que um veredictoveredito de inocência nesse julgamento era necessário para a admissão na vida após a morte. Em geral, no entanto, a moralidade se baseava em maneiras práticas de defender a vida diária, em vez de seguir regras estritas que os deuses expunham.<ref>{{harvnb|Tobin|1989|pp=180–183, 190}}</ref>
 
[[File:RPM Ägypten 240.jpg|alt=|thumb|right|Amuleto do deus Shed.]]
 
Os humanos tinham [[livre-arbítrio]] para ignorar a orientação divina e o comportamento exigido pelopela ''maat'', mas ao fazê-lo, eles poderiam trazer a punição divina sobre si mesmos.<ref>Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|pp=163–164}}</ref> Uma divindade realizourealizava essa punição usando seu ''ba'', a força que manifestoumanifestava o poder doda deusdivindade no mundo humano. Desastres naturais e doenças humanas eram vistosvistas como o trabalhoconsequência de ''bas'' divinospertencentes a divindades raivososenfurecidas.<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|pp= 33, 98}}</ref> Por outro lado, os deuses poderiam curar doenças de pessoas justasque daconsiderassem doençajustas ou até mesmo prolongar suasuas expectativaexpectativas de vida.<ref>{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|pp=138–139}}</ref> Ambos os tipos de intervenção foram eventualmente representados por divindades: [[Shed (deus)|Shed]], que emergiu no Império Novo Reino para representar oa resgateproteção divinodivina docontra o mal<ref>Ockinga, Boyo, "Piety", in {{harvnb|Redford|2001|loc=vol. III|pp=44–46}}</ref> e [[Petbe]], um deus [[apotropismo|apotropaico]], das eras tardias da história egípcia, que se acreditava vingar o mal.<ref>{{harvnb|Frankfurter|1998|pp=116–119}}</ref>
 
Textos egípcios têm opiniões diferentes sobre se os deuses são responsáveis ​​quando os seres humanos sofrem injustamente. O infortúnio era freqüentementefrequentemente visto como um produto do ''[[isfet]]'', a desordem cósmica que era o oposto de ''maat'' e, portanto, os deuses não eram culpados de causar eventos malignos. Algumas divindades que estavam intimamente ligadas com ''isfet'', como Set, podiam ser culpadas pela desordem dentro do mundo sem colocar culpa nos outros deuses. Alguns escritos acusam as divindades de causar miséria humana, enquanto outros dão [[teodiceia|teodicéias]] na defesa dos deuses.<ref>Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|pp=163–164, 186–187}}</ref> Começando no Reino do Meio, vários textos conectaram a questão do mal no mundo com um mito no qual o deus criador luta contra uma rebelião humana contra seu governo e depois se retira da terra. Por causa desse mau comportamento humano, o criador está distante de sua criação, permitindo que o sofrimento exista. Os novos escritos do Reino não questionam a natureza justa dos deuses tão fortemente quanto os do Reino do Meio. Eles enfatizam os relacionamentos pessoais e diretos dos seres humanos com as divindades e o poder dos deuses de intervir nos eventos humanos. As pessoas nesta época confiavam em deuses específicos que esperavam que os ajudassem e protegessem através de suas vidas. Como resultado, defender os ideais de maat tornou-se menos importante do que ganhar o favor dos deuses como uma forma de garantir uma vida boa.<ref>Enmarch, Roland, "[http://www.escholarship.org/uc/item/7tz9v6jt Theodicy]", 2008, in {{harvnb|Wendrich|pp=1–3}}</ref> Mesmo os faraós eram considerados dependentes da ajuda divina, e depois que o Novo Império chegou ao fim, o governo foi cada vez mais influenciado por [[Oráculo|oráculos]] comunicando a vontade dos deuses.<ref>{{harvnb|Assmann|2001|p=242}}</ref>
 
=== Culto ===
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A interação pessoal com os deuses assumiu muitas formas. As pessoas que queriam informações ou conselhos consultavam oráculos, dirigidos por templos, que deveriam transmitir as respostas dos deuses às perguntas.<ref name="Baines 165">Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|pp=165–172}}</ref> [[Amuletos|Amuletos]] e outras imagens de divindades protetoras eram usados ​​para afastar os demônios que poderiam ameaçar o bem-estar humano<ref>{{harvnb|Frankfurter|1998|pp=119, 175}}</ref> ou para transmitir as características positivas do deus para o usuário.<ref>Andrews, Carol, "Amulets", in {{harvnb|Redford|2001|loc=vol. I|p=81}}</ref> Rituais privados invocavam o poder dos deuses de realizar objetivos pessoais, de curar enfermidades a amaldiçoar inimigos.<ref name="Baines 165">Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|pp=165–172}}</ref> Essas práticas usavam ''heka'', a mesma força de magia que os deuses usavam, que o criador dizia ter dado aos humanos para que eles pudessem se defender do infortúnio. O intérprete de um rito privado muitas vezes assumiu o papel de um deus em um mito, ou até mesmo ameaçou uma divindade, para envolver os deuses na realização do objetivo.<ref>Ritner, Robert K., "Magic: An Overview", in {{harvnb|Redford|2001|loc=vol. II|pp= 321–326}}</ref> Tais rituais coexistiam com oferendas e orações particulares, e todos os três eram meios aceitos para obter ajuda divina.<ref>{{harvnb|David|2002|pp=270–272, 283–286}}</ref>
 
Oração e ofertas privadas são geralmente chamadas de "piedade pessoal": atos que refletem uma relação próxima entre um indivíduo e um deus. Evidência de piedade pessoal é escassa antes do Novo Reino. Ofertas votivas e nomes pessoais, muitos dos quais são [[Nome teóforo|teofóricos]], sugerem que os plebeus sentiam alguma conexão entre eles e seus deuses. Mas uma evidência firme de devoção às divindades tornou-se visível apenas no Novo Reino, atingindo um pico no final daquela era.<ref>Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|pp=173–179}}</ref> Estudiosos discordam sobre o significado dessa mudança - se a interação direta com os deuses era um novo desenvolvimento ou uma conseqüênciaconsequência de tradições mais antigas.<ref>Luiselli, Michela, "[http://escholarship.org/uc/item/49q0397q Personal Piety (modern theories related to)]", 2008, in {{harvnb|Wendrich|pp= 1–4}}</ref> Os egípcios agora expressavam sua devoção através de uma nova variedade de atividades dentro e ao redor dos templos.<ref>Baines, John, "Society, Morality, and Religious Practice", in {{harvnb|Shafer|1991|pp=180–184}}</ref> Eles gravaram suas orações e seus agradecimentos pela ajuda divina em [[Estela|estelas]]. Eles davam oferendas de figuras que representavam os deuses para os quais eles estavam orando, ou que simbolizavam o resultado que desejavam; assim, uma imagem em relevo de Hator e uma estatueta de uma mulher poderiam representar uma oração pela fertilidade. Ocasionalmente, uma pessoa tomava um deus em particular como patrono, dedicando sua propriedade ou trabalho ao culto do deus. Essas práticas continuaram nos últimos períodos da história egípcia.<ref>{{harvnb|Teeter|2011|pp= 78–90, 102–103}}</ref> Essas eras posteriores viram mais inovações religiosas, incluindo a prática de [[mumificação de animais]] como oferendas a divindades representadas em forma animal, como as múmias de gatos dadas à deusa felina [[Bastet]].<ref>{{harvnb|David|2002|pp=312–315}}</ref> Algumas das principais divindades do mito e da religião oficial raramente eram invocadas no culto popular, mas muitos dos grandes deuses do Estado eram importantes na tradição popular.<ref name="Englund 19">Englund, Gertie, "Gods as a Frame of Reference: On Thinking and Concepts of Thought in Ancient Egypt", in {{harvnb|Englund|1989|pp=19–20, 26–27}}</ref>
 
A adoração de alguns deuses egípcios se espalhou para as terras vizinhas, especialmente para Canaã e Núbia durante o Império Novo, quando essas regiões estavam sob controle faraônico. Em Canaã, as divindades exportadas, incluindo Hator, Ámon e Set, eram frequentemente sincretizadas com deuses nativos, que por sua vez se espalharam para o Egito.<ref name="Morenz 235">{{harvnb|Morenz|1973|pp=235–243}}</ref> As divindades egípcias podem não ter tido templos permanentes em Canaã,<ref>{{harvnb|Traunecker|2001|pp=108–110}}</ref> e sua importância diminuiu depois que o Egito perdeu o controle da região.<ref name="Morenz 235">{{harvnb|Morenz|1973|pp=235–243}}</ref> Em contraste, muitos templos para os principais deuses egípcios e faraós deificados foram construídos na Núbia.<ref name="Morenz 235">{{harvnb|Morenz|1973|pp=235–243}}</ref> Após o fim do domínio egípcio, os deuses importados, particularmente Ámon e Ísis, foram sincretizados com divindades locais e permaneceram como parte da religião do [[Reino de Cuxe|reino independente de Cuxe]], na Núbia. Esses deuses foram incorporados à ideologia núbia da realeza, assim como no Egito, de modo que Ámon era considerado o pai divino do rei, e Ísis e outras deusas estavam ligadas à rainha núbia, o ''[[candace]]''.<ref>{{harvnb|Fisher|Lacovara|Ikram|D'Auria|2012|pp=122–129}}</ref> Algumas divindades chegaram mais longe. Taweret tornou-se uma deusa em na [[Civilização Minoica|civilização minoica]],<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|p=186}}</ref> e o oráculo de Ámon no [[Oásis de Siuá]] era conhecido e consultado por pessoas em toda a região do Mediterrâneo.<ref>Mills, Anthony J., "Western Desert", in {{harvnb|Redford|2001|loc=vol. III|p=500}}</ref>
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[[File:Museo Barracco - Giove Ammone 1010637.JPG|thumb|alt=|right|upright|Júpiter Ámon, uma combinação de Ámon e o deus romano [[Júpiter (mitologia)| Júpiter]].]]
 
Sob a [[dinastia ptolemaica]] grega e, em seguida, o [[Egito romano|domínio romano]], gregos e romanos introduziram suas próprias divindades para o Egito. Esses recém-chegados equipararam os deuses egípcios com os seus, como parte da tradição greco-romana de ''[[interpretatio graeca]]''.<ref>{{harvnb|Johnston|2004|pp=392–393}}</ref> A adoração dos deuses nativos não foi engolida pela dos estrangeiros. Em vez disso, os [[Lista de figuras da mitologia grega|deuses gregos]] e [[Mitologia romana|romanos]] foram adotados como manifestações dos egípcios. Os cultos egípcios às vezes incorporavam a [[Língua grega antiga|língua grega]], [[Filosofia da Grécia Antiga|filosofia]],<ref name="Frankfurter in Johnston 2004">Frankfurter, David, "Histories: Egypt, Later period", in {{harvnb|Johnston|2004|pp=161–163}}</ref> iconografia e até mesmo a arquitetura do templo.<ref>{{harvnb|Bricault|Versluys|Meyboom|2007|pp=494–498, 545–547}}</ref> Enquanto isso, os cultos de várias divindades egípcias - particularmente Ísis, Osíris, Anúbis, a forma de Hórus, chamada [[Harpócrates]], e o fundido deus greco-egípcio [[Serápis]] - foram adotados na [[Religião na Roma Antiga|religião romana]] e se espalharam pelo Império Romano.<ref>Versluys, Miguel John, "Aegyptiaca Romana: The Widening Debate", in {{harvnb|Bricault|Versluys|Meyboom|2007|pp=3–6}}</ref> Os imperadores romanos, como os reis ptolemaicos antes deles, invocaram Ísis e Serápis para endossar sua autoridade, dentro e fora do Egito.<ref>{{harvnb|Dunand|Zivie-Coche|2004|pp=218–221}}</ref> Na mistura complexa de tradições religiosas do império, ThothTot foi transmutado no lendário professor esotérico [[Hermes Trismegisto]],<ref>Struck, Peter T., "Esotericism and Mysticism: Hermeticism", in {{harvnb|Johnston|2004|pp=650–652}}</ref> e Ísis, que era venerado da Grã-Bretanha à Mesopotâmia,<ref>{{harvnb|Wilkinson|2003|p=143}}</ref> tornou-se o foco de um culto de mistério ao estilo grego.<ref>Gasparro, Giulia Sfameni, "The Hellenistic Face of Isis", in {{harvnb|Bricault|Versluys|Meyboom|2007|p=41}}</ref> Ísis e Hermes Trismegisto foram proeminentes na tradição esotérica ocidental que cresceu do mundo religioso romano.<ref>Kadish, Gerald E., "Wisdom Tradition", in {{harvnb|Redford|2001|oc=vol. III|pp=507–509}}</ref>
 
Os templos e cultos no próprio Egito declinaram com a deterioração da economia romana no terceiro século DC e, a partir do quarto século, os [[Cristão|cristãos]] suprimiram a veneração das divindades egípcias.<ref name="Frankfurter in Johnston 2004">Frankfurter, David, "Histories: Egypt, Later period", in {{harvnb|Johnston|2004|pp=161–163}}</ref> Os últimos cultos formais, em [[Filas]], morreram no quinto ou sexto século.<ref name="Kockelmann in Wendrich">Kockelmann, Holger, "[http://escholarship.org/uc/item/1456t8bn Philae]", 2012, in {{harvnb|Wendrich|pp= 6–8}}</ref>{{Nota de rodapé|Durante muito tempo pensamos que Filas foi fechada pelos exércitos de [[Justiniano I]] entre 535 e 537 DC. A erudição recente desafiou essa visão e argumentou que o culto do templo deixou de funcionar no final do quinto século, algum tempo depois da última datada. Existem sinais de atividade em 456 ou 457.<ref name="Kockelmann in Wendrich">Kockelmann, Holger, "[http://escholarship.org/uc/item/1456t8bn Philae]", 2012, in {{harvnb|Wendrich|pp= 6–8}}</ref>}} A maioria das crenças em torno dos próprios deuses desapareceu dentro de algumas centenas de anos, permanecendo em textos mágicos nos sétimo e oitavo séculos. Em contraste, muitas das práticas envolvidas em seu culto, como procissões e oráculos, foram adaptadas para se adequarem à ideologia cristã e persistiram como parte da [[Igreja Ortodoxa Copta]].<ref name="Frankfurter in Johnston 2004">Frankfurter, David, "Histories: Egypt, Later period", in {{harvnb|Johnston|2004|pp=161–163}}</ref> Dadas as grandes mudanças e influências diversas na cultura egípcia desde aquela época, os estudiosos discordam sobre se quaisquer práticas coptas modernas são descendentes daquelas da religião faraônica. Mas muitos festivais e outras tradições dos egípcios modernos, tanto cristãos quanto muçulmanos, assemelham-se à adoração dos deuses de seus ancestrais.<ref>Naguib, Saphinaz-Amal, "[http://escholarship.org/uc/item/27v9z5m8 Survivals of Pharaonic Religious Practices in Contemporary Coptic Christianity]", 2008, in {{harvnb|Wendrich|pp= 2–5}}</ref>