História do tempo presente: diferenças entre revisões

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[[Ficheiro:Manifestação contra nomeação Lula.jpg|upright=1.5|alt=|miniaturadaimagem|O presente é um espaço de disputa e constante reescrita. <br />Manifestação em [[Brasília]] contra a nomeação do ex-presidente [[Luiz Inácio Lula da Silva]] para a [[Casa Civil (Brasil)|Casa Civil]]. Foto: Edilson Rodrigues/[[Agência Senado]]]]
A '''História do Tempo Presente''' é um campo dos estudos históricos voltado à análise das rupturas e permanências do [[passado]] no [[Presente (tempo)|presente]]. Este campo encontrou, no início do {{séc|XX}}, seus primeiros movimentos de institucionalização em países como a [[Alemanha]] e a [[França]], após a [[Segunda Guerra Mundial]]. Baseando-se no entendimento ampliado do ofício do historiador, a História do Tempo Presente pode ser pensada como mais uma renovação no campo da disciplina [[História]] ao deslocar o centro da pesquisa histórica do passado para o presente, colocando problemáticas que partem do presente para análise do passado. Deste modo, o que os estudiosos do campo propõem é compreender, a partir do presente, a constituição de permanências e rupturas temporais que, de algum modo, possuem eco ou reverberação na [[Idade Contemporânea|atualidade]]. Diferentemente da [[História do presente]], da [[História imediata]] ou ainda do [[Jornalismo]], a História do Tempo Presente busca colocar em contexto histórico as sociedades atuais por meio da investigação da construção de seu passado e de seus usos públicos e políticos, argumentando que o tempo presente não é uma dimensão ligada apenas ao imediato, mas sim permeada por camadas de passados, lembranças e experiências.
 
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=== Alemanha ===
{{Vt|Alemanha Oriental|Alemanha Ocidental|Reunificação da Alemanha|Holocausto|l1=}}
[[Ficheiro:German instrument of surrender.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|O [[instrumento da rendição alemã]] que marcou o fim da [[Segunda Guerra Mundial]], assinado em [[Reims]] no dia 7 de maio de 1945.]]
A [[Alemanha]] foi o primeiro país a formar o campo da História do Tempo Presente, que emergiu de maneira sistemática a partir da década de 1950. O principal termo utilizado para definir o campo é ''Zeitgeschichte,'' que remete a discussões em torno da ideia de uma reconstrução crítica do passado.{{Sfn|KOSELLECK|2006|p=174}} A História do Tempo Presente teve início a partir dos debates sobre a noção de [[História Contemporânea]], liderados por [[Hans Rothfels]], em 1953,{{Sfn|SCHWARZ|2003|p=6}} e que buscou delimitar temporalmente o início do que poderia ser considerado a história recente.{{Sfn|ROUSSO|2009|p=203}} Os debates emergiram em torno das análises sobre a história a partir do ano de 1917, pensando o viés político e as marcas da [[Primeira Guerra Mundial]], e passou a incorporar progressivamente os eventos recentes como a [[Segunda Guerra Mundial]].{{Sfn|SCHWARZ|2003}}
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=== Estados Unidos ===
{{VT|Guerra ao Terror|l1=}}
[[Ficheiro:Defend DACA (36280675773).jpg|alt=|esquerda|upright=1|miniaturadaimagem|Manifestação em 5 de Setembro de 2017 contrárias as recentes perseguições a migrantes latino-americanos nos [[Estados Unidos]] que, desde o mesmo ano, estariam tendo seus vistos suspensos pelo governo.]]
 
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=== França ===
{{VT|Resistência francesa|l1=}}
[[Ficheiro:France map Lambert-93 with regions and departments-occupation-pt.svg|upright=1|miniaturadaimagem|[[Ocupação da França pela Alemanha nazista|Ocupação alemã na França]] durante a [[Segunda Guerra Mundial]].|alt=]]
 
Na [[França]], a História do Tempo Presente emerge, na [[década de 1970]], como um campo de estudo dedicado à análise de fenômenos contemporâneos da história nacional, em especial no que diz respeito à [[Segunda Guerra Mundial]]{{Sfn|ROUSSO|2016}}. Esse processo foi acompanhado não só por historiadores interessados no campo, mas também pelo próprio [[França|Estado francês]] que tomou a iniciativa de investigar, analisar e interpretar os eventos históricos mais recentes do país.{{Sfn|DELACROIX|2018|pp=47-48}} Nesse sentido, muitos pesquisadores desenvolveram pesquisas que tiveram como temas centrais o [[Trauma psicológico|trauma]], o [[Testemunho (direito)|testemunho]], a [[História do tempo presente#Memória|memória]] e o [[Acontecimento (filosofia)|acontecimento]], tomando como ponto de partida a Segunda Guerra Mundial ou, mais especificamente para alguns, o [[regime de Vichy]].{{Sfn|ROUSSO|2016}} A discussão sobre a história do regime é marcada pelo reconhecimento do colaboracionismo da França, ocupada pelos [[Nazismo|nazistas]] durante a Segunda Guerra Mundial, com as políticas [[Antissemitismo|antissemitas]] alemãs.{{Sfn|DELACROIX|2018|pp=45-46}} A História do Tempo Presente, no contexto francês, colocou em debate o papel social dos historiadores franceses que foram, em várias ocasiões, convocados a participar de pesquisas e investigações relativas ao que seria compreendido, para estes mesmos pesquisadores, como a mais recente catástrofe{{Sfn|ROUSSO|2016}} do seu país: a Segunda Guerra Mundial e o colaboracionismo da França com o [[Alemanha Nazi|Terceiro Reich]].{{Sfn|ROUSSO|2016}}
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=== Brasil ===
{{Vt|Tortura no Brasil|Desaparecidos Políticos no Brasil|Abertura política|l1=}}
[[Ficheiro:Nixon-Médici.gif|miniaturadaimagem|upright=0.7|[[Emílio Garrastazu Médici]] (à esquerda) com o então presidente dos [[Estados Unidos]], [[Richard Nixon]], em dezembro de 1971.|alt=|esquerda]]
No [[Brasil]], apesar de existirem pesquisadores que utilizaram a abordagem da História do Tempo Presente antes das décadas de [[Década de 1970|1970]] e [[Década de 1980|1980]], é nesse período que o campo emergiu de maneira institucionalizada por ocasião da fundação de lugares como o [[Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil|Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)]]{{Sfn|ROSSATO|CUNHA|2017|p=163}} e pelos trabalhos relacionados à [[História oral|História Oral]] desenvolvidos por pesquisadoras como [[Marieta de Moraes Ferreira]] e [[Verena Alberti]].{{Sfn|ALBERTI|1998}} Outro marco fundamental nesse processo de institucionalização do campo foi a criação, em 1994, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente do [[Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro|Instituto de Filosofia e Ciências Sociais]] da [[Universidade Federal do Rio de Janeiro]] (UFRJ), sendo o primeiro grupo [[universitário]] formal de História do Tempo Presente no Brasil. Após o surgimento deste primeiro laboratório, outras instituições passaram a enfocar no campo, que em outros países já havia se consolidado nos meios acadêmicos desde a década de 1970, e, em 2007, a [[Universidade do Estado de Santa Catarina]] (UDESC) implementou o primeiro Programa de Pós-graduação em História no Brasil com área de concentração em História do Tempo Presente.{{Sfn|GONÇALVES|2016|p=08}}
 
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=== Argentina ===
{{Vt|Peronismo|Processo de Reorganização Nacional|Revolução Libertadora (Argentina)|l1=}}
[[Ficheiro:Voluntarios registrando la muestra de la Casa por la Identidad.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|Fotos de filhos e netos desaparecidos durante a [[Processo de Reorganização Nacional|última ditadura militar argentina]]]]
Na [[Argentina]], diferentemente de outros países, como o [[História do tempo presente#Brasil|Brasil]], a nomenclatura mais utilizada para denominar a História do Tempo Presente é história recente.{{Sfn|FRANCO|2018}} O campo se constituiu em torno dos debates sobre os principais eventos das últimas décadas do {{séc|XX}} e do início do {{séc|XXI}}, sendo a última [[Revolução Argentina|Ditadura militar]] no país o principal tema analisado pelos pesquisadores.{{Sfn|FRANCO|2018|140}} Tem-se realizado uma série de discussões em torno dos [[direitos humanos]], da história política e das demandas sociais em torno das marcas deixadas pelo [[Ditadura|governo ditatorial]] no século XX.{{Sfn|FRANCO|2018|p=141}} Os primeiros estudos na [[Argentina]] em História do Tempo Presente começaram ainda na década de 1980 com os [[Ciências sociais|cientistas sociais]]. A entrada mais intensiva dos historiadores aconteceu a partir da [[década de 1990]].{{Sfn|MUCROVCIC|2017}}
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=== Catástrofe ===
[[Ficheiro:NagasakibombEdit.jpeg|miniaturadaimagem|upright=0.8|Explosão da [[Bomba nuclear|bomba atômica]] em [[Nagasaki]], em 9 de agosto de 1945.|alt=|esquerda]]
 
Os [[Historiador|historiadores]] do tempo presente têm se dedicado, entre outras discussões, à compreensão do que seria um evento [[Desastre|catastrófico]] e de que maneira ele influenciaria novas relações com o tempo.{{Sfn|HARTOG|2013}} A catástrofe, para estes pesquisadores, é compreendida como um momento de ruptura provocado por um grande evento. A partir de sua significação, um marco determinante entre o ontem e o hoje é construído {{Sfn|ROUSSO|2016|pp=99-100}}. Essa compreensão é fundamental para entender os marcos e pilares estruturais da [[Idade Contemporânea|história contemporânea]] em diferentes espacialidades e como distintas localidades ou grupos sociais se relacionam com [[Trauma psicológico|traumas]], observando também as consequências e permanências destes eventos.{{Sfn|ROUSSO|2016|pp=28}} Discutida recentemente pelo historiador [[Henry Rousso]], a catástrofe é, então, compreendida como possuindo também uma dimensão individual, sendo que a percepção do indivíduo desse tipo de fenômeno dependeria do local e do tempo no qual ele se insere.{{Sfn|ROUSSO|2016}}
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=== Testemunho ===
{{VT|Historiografia grega|l1=|Se questo è un uomo}}
[[Ficheiro:Bundesarchiv Bild 146-1975-041-07, Paris, Propaganda gegen Juden.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|upright=0.7|Poster de propaganda [[Antissemitismo|antissemita]] em [[Paris]], setembro de 1941.]]O testemunho constitui um dos principais pilares estruturantes da História do Tempo Presente, tanto pela abordagem do campo girar sobre temas em que os sujeitos ainda estão vivos, possibilitando o uso de [[História oral|depoimentos]] e da experiência individual, quanto pelas demandas sociais por [[História do tempo presente#Memória|memória]] e os usos públicos do passado.{{Sfn|ROUSSO|2007}} [[Beatriz Sarlo]] afirma que, para essa perspectiva de estudo, a ideia do testemunho, entendida enquanto um depoimento ou relato, está vinculada ao ato de narrar o passado a partir das experiências de vida.{{Sfn|SARLO|2007|p=24}} Ao narrar suas vivências, como nos casos do [[Regime de Vichy]], das ditaduras latino-americanas e do [[Holocausto]], que foram casos limites, a testemunha se insere no campo de fala da ausência daqueles que não sobreviveram.{{Sfn|CARDOSO|2012}} A utilização do testemunho considera que o sujeito traduz aquilo que lhe foi vivido e apreendido enquanto experiência, transmitindo uma vivência [[Subjetividade|subjetiva]] e parcial sobre os fatos ocorridos.{{Sfn|SARLO|2007|p=24}}
 
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=== Esquecimento ===
{{VT|Avós da Praça de Maio|l1=}}
[[Ficheiro:2ª Marcha de la Resistencia 9 y 10 diciembre 1982.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|As Mães da Praça de Maio na segunda Marcha da Resistência, ocorrida em 9 e 10 de dezembro de 1982.|alt=|esquerda]]
A problemática do esquecimento é um dos tópicos mais retomados nas discussões sobre [[História do tempo presente#Memória|memória]] na perspectiva da História do Tempo Presente. A principal questão em torno do debate sobre esquecimento leva em consideração que a memória está associada a um processo de construção constante, e o esquecimento a um processo natural da humanidade .{{Sfn|HUYSSEN|2014}} Contudo, ambos os debates não estão dissociados, pois a memória e o esquecimento estão interligados.{{Sfn|RICOUER|2000}} De acordo com a perspectiva da História do Tempo Presente, o desejo ou o processo de esquecimento está relacionado à problemática da memória, ao debate sobre o que vem a ser a memória e ao que se quer lembrar.{{Sfn|ROUSSO|2006|pp=93-94}} Nesse sentido, o esquecimento está sempre envolvido por um desejo de esquecer, de [[Recalque (psicanálise)|reprimir]], de apagar, mas encontra obstáculos na vontade de lembrar e no desejo de reparar ações do passado.{{Sfn|FICO|2012}}
 
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=== O excesso de fontes ===
{{VT|Preservação digital|l1=}}
[[Ficheiro:Museu da Pessoa fachada.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|Nesse projeto colaborativo, criado em 1991, cada pessoa pode, por escolha própria, preservar algo relativo à sua experiência de vida.]]