História do tempo presente: diferenças entre revisões

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Etiquetas: Possível mudança indevida de nacionalidade Editor Visual
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[[Ficheiro:Manifestação contra nomeação Lula.jpg|upright=1.5|miniaturadaimagem|O presente é um espaço de disputa e constante reescrita. <br />Manifestação em [[Brasília]] contra a nomeação do ex-presidente [[Luiz Inácio Lula da Silva]] para a [[Casa Civil (Brasil)|Casa Civil]]. Foto: Edilson Rodrigues/[[Agência Senado]]]]
A '''História do Tempotempo Presentepresente''' é um campo dos estudos históricos voltado à análise das rupturas e permanências do [[passado]] no [[Presente (tempo)|presente]]. Este campo encontrou, no início do {{séc|XX}}, seus primeiros movimentos de institucionalização em países como a [[Alemanha]] e a [[França]], após a [[Segunda Guerra Mundial]]. Baseando-se no entendimento ampliado do ofício do historiador, a História do Tempotempo Presentepresente pode ser pensada como mais uma renovação no campo da disciplina [[História]] ao deslocar o centro da pesquisa histórica do passado para o presente, colocando problemáticas que partem do presente para análise do passado. Deste modo, o que os estudiosos do campo propõem é compreender, a partir do presente, a constituição de permanências e rupturas temporais que, de algum modo, possuem eco ou reverberação na [[Idade Contemporânea|atualidade]]. Diferentemente da [[História do presente]], da [[História imediata]] ou ainda do [[Jornalismo]], a História do Tempotempo Presentepresente busca colocar em contexto histórico as sociedades atuais por meio da investigação da construção de seu passado e de seus usos públicos e políticos, argumentando que o tempo presente não é uma dimensão ligada apenas ao imediato, mas sim permeada por camadas de passados, lembranças e experiências.
 
A emergência da História do Tempotempo Presentepresente está em consonância com o surgimento de novas políticas de [[História do tempo presente#Memória|memória]], da investigação de [[História do tempo presente#Trauma|traumas]] nacionais, do crescimento de demandas sociais por políticas de reparação e da revalorização do acontecimento para entender o processo histórico. Esse campo de estudos é, com frequência, fundamentado na hipótese da eclosão do [[regime de historicidade]] [[História do tempo presente#Presentismo|presentista]], definido por [[François Hartog]] como a experiência [[Idade Contemporânea|contemporânea]] do tempo, em que o futuro deixa de suscitar esperança nos indivíduos. O fim dos [[Totalitarismo|regimes totalitários]], em meados do {{séc|XX}}, contribuiu para uma nova experiência do tempo, onde o presente passou a ser sentido como em constante mudança, mas levando a um futuro imprevisível e, muitas vezes, pessimista. A capacidade humana de projetar seu futuro e construir suas recordações se vêem abaladas, pois o ser humano não tem outro horizonte além de seu próprio presente. Uma das consequências dessa percepção é a tentativa de dar significado aos fenômenos logo após eles ocorrerem, sem esperar que a passagem do tempo possa contribuir para um entendimento melhor do acontecido. Uma evidência dessa nova experiência do tempo está na emergência do desejo por memória, surgido no final do {{séc|XX}}, e que trouxe consigo uma das principais discussões da História do Tempotempo Presentepresente: a reinvenção do passado em um tempo de desorientação do presente. Nesse contexto é observável um grande crescimento de [[Filme|filmes]], [[Documentário|documentários]], [[Livro|livros]], [[Biografia|biografias]] e [[Museu|museus]], que buscaram atender as demandas sociais por [[historicidade]] e sentido do tempo presente.
 
A perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente encontra suas primeiras institucionalizações em países europeus a partir do interesse pela história das [[Guerras Mundiais|grandes guerras mundiais]] e pelo [[Testemunho (direito)|testemunho]]. Nos [[Século XXI|anos 2000]], esse campo surge na [[América Latina]], em especial no [[Brasil]], através de estudos voltados para a análise da [[Ditadura militar no Brasil (1964–1985)|ditadura civil-militar.]] O entendimento da diversidade temática e de enfoque nas diferentes emergências nacionais da História do Tempotempo Presentepresente ajuda a entender que o campo não é isento de tensões e que articula uma série de noções fundamentais e fatores gravitacionais a partir de diferentes focos de análise. Dada a sua proposta voltada em especial ao estudo dos [[História do tempo presente#Estratos do tempo|estratos de tempo]] que compõem o presente, as abordagens do campo passaram por uma série de críticas. A resposta a essas críticas fez a História do Tempotempo Presentepresente se reestruturar em torno de eixos centrais de estudo como a cultura política, as discussões sobre memória e os usos do [[passado]].
 
== Emergências nacionais ==
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{{Vt|Alemanha Oriental|Alemanha Ocidental|Reunificação da Alemanha|Holocausto}}
[[Ficheiro:German instrument of surrender.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|O [[instrumento da rendição alemã]] que marcou o fim da [[Segunda Guerra Mundial]], assinado em [[Reims]] no dia 7 de maio de 1945.]]
A [[Alemanha]] foi o primeiro país a formar o campo da História do Tempotempo Presentepresente, que emergiu de maneira sistemática a partir da década de 1950. O principal termo utilizado para definir o campo é ''Zeitgeschichte,'' que remete a discussões em torno da ideia de uma reconstrução crítica do passado.{{Sfn|Koselleck|2006|p=174}} A História do Tempotempo Presentepresente teve início a partir dos debates sobre a noção de [[História Contemporânea]], liderados por [[Hans Rothfels]], em 1953,{{Sfn|Schwarz|2003|p=6}} e que buscou delimitar temporalmente o início do que poderia ser considerado a história recente.{{Sfn|Rousso|2009|p=203}} Os debates emergiram em torno das análises sobre a história a partir do ano de 1917, pensando o viés político e as marcas da [[Primeira Guerra Mundial]], e passou a incorporar progressivamente os eventos recentes como a [[Segunda Guerra Mundial]].{{Sfn|Schwarz|2003}}
 
Desde os primeiros defensores da História do Tempotempo Presentepresente, em 1953, observa-se um crescente movimento de historiadores dedicados ao estudo sobre o passado próximo na Alemanha, principalmente referente aos traumas e a história política recente.{{Sfn|Schwarz|2003}} Se na fase inicial de consolidação do campo, os estudos eram voltados ao [[Nazismo]] e ao período da Segunda Guerra Mundial, a partir das décadas de [[Década de 1980|1980]] e [[Década de 1990|1990]] as abordagens passaram a privilegiar estudos sobre a noção de tempo, [[História do tempo presente#Memória|memória]] e [[Património cultural|patrimônio]].{{Sfn|Rousso|2016}} Uma segunda temática em crescimento é a história do país após [[Década de 1990|1990]], em particular sobre os principais eventos dentro das últimas décadas pensados nas suas relações com o final do século XX.{{Sfn|Schwarz|2003|p=21}} Além disso, há também o peso de pesquisadores de outras áreas, em especial do [[jornalismo]] e das [[ciências sociais]], nos debates atuais e na produção bibliográfica recente sobre a história das últimas décadas no país.{{Sfn|Schwarz|2003|p=20}} Entre vários pesquisadores debruçados sobre a história recente, há um enfoque nas relação dos principais eventos com as expectativas e experiências na [[Alemanha]] e na [[Europa]] do pós-guerra, contribuindo diretamente para as discussões sobre a própria ideia de História do Tempotempo Presentepresente e as relações passado, presente e futuro.{{Sfn|Koselleck|2006}}
 
=== Estados Unidos ===
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[[Ficheiro:Defend DACA (36280675773).jpg|alt=|esquerda|upright=1|miniaturadaimagem|Manifestação em 5 de Setembro de 2017 contrárias as recentes perseguições a migrantes latino-americanos nos [[Estados Unidos]] que, desde o mesmo ano, estariam tendo seus vistos suspensos pelo governo.]]
 
O desenvolvimento da História do Tempotempo Presentepresente nos [[Estados Unidos]] esteve ligado ao campo da [[História oral|História Oral]]. A institucionalização da História Oral, associada a perspectiva do Tempo Presente, surgiu em 1950, ganhando força nos anos 1960 com o desenvolvimento de projetos voltados ao registro das recordações da sociedade estadunidense.{{Sfn|Ferreira|2002|p=323}} Esses projetos, na área de História Oral, não estavam necessariamente ligados ao meio acadêmico, sendo também desenvolvidos por [[Movimento social|movimentos sociais]] e associados à luta por direitos das mulheres, negros, [[LGBT]]'s e [[Migração humana|migrantes]].{{Sfn|Ferreira|2002|p=322}} A partir da [[década de 1960]], os estudos que envolveram temas considerados próximos temporalmente também cresceram no ambiente acadêmico e escolar, incluindo as abordagens econômicas e políticas, através de temas como a [[Grande Depressão|crise de 1929]], as migrações e a [[classe trabalhadora]].{{Sfn|Freitas|2016|p=146}} Essas pesquisas foram diretamente influenciadas pela expansão da [[História Social]] e da [[Idade Contemporânea|História Contemporânea]], com ênfase no estudo de conflitos.{{Sfn|Hobsbawm|2013}}
 
A partir das [[Década de 1980|décadas de 1980]] e [[Década de 1990|1990]] as discussões sobre a história recente ocuparam um lugar central, com o lançamento de uma série de livros e pelo crescimento da incorporação de conteúdos ligados ao {{séc|XX}} nos currículos [[estadunidenses]], tanto acadêmicos quanto escolares.{{Sfn|Freitas|2016|p=146}} Esse processo caminhou junto com a expansão dos questionamentos sobre o problema da [[História do tempo presente#Memória|memória]] na década de 1980 ao redor do mundo.{{Sfn|Huyssen|2014|p=139}} Nos [[Estados Unidos]], em especial, visualiza-se a incorporação de discussões sobre a [[história]], assim como sobre a [[memória]], em diversos suportes como o [[Rádio (telecomunicações)|rádio]], a [[televisão]] e o [[cinema]], expandindo as discussões sobre os significados do passado e marcando um conjunto de evidências que sustentam a hipótese do [[François Hartog#Regime de historicidade|regime de historicidade]] [[História do tempo presente#Presentismo|presentista]], desenvolvida por [[François Hartog]].{{Sfn|Freund|2016}} De maneira bastante semelhante, o historiador estadunidense [[Timothy Snyder]] promoveu uma série de reflexões em torno da realidade atual dos [[Estados Unidos]] e das principais permanências sociais e políticas do {{séc|XX}}, como movimentos de [[Extrema-direita|extrema direita]] ou ainda as políticas [[Migração humana|migratórias]]. Para o autor, seria necessário voltar os olhos ao passado para ter uma melhor compreensão do presente, em tempos onde a lembrança da violência dos governos [[Totalitarismo|totalitários]] estaria cada vez mais espalhada.{{Sfn|Snyder|2017}}
 
Após o [[11 de Setembro de 2001]], tem-se um novo marco da História do Tempotempo Presentepresente nos [[Estados Unidos]],{{Sfn|Huyssen|2014|p=141}}{{Sfn|Dosse|2013}} por causa da discussão sobre um presente alargado e marcado pelo peso desse que foi considerado pelos estadunidenses como o trauma nacional mais recente e pelos temores em relação ao surgimento de novos movimentos autoritários após a eleição de [[Donald Trump]].{{Sfn|Snyder|2017}} Essas preocupações colocaram em evidência que o [[Presente (tempo)|presente]] se explica por si mesmo, mas que possui permanências, rupturas e muito a alertar sobre o que já aconteceu.{{Sfn|Snyder|2017|pp=11-12}}{{Sfn|Schäfer|2004}} Nota-se na [[historiografia]] do tempo presente, ligada aos [[Estados Unidos]], uma abordagem global de análise, de perspectiva conectada espacialmente e com o desenvolvimento de reflexões sobre as interrelações entre passado, presente e futuro. Os historiadores ligados à História do Tempotempo Presentepresente entendem que os eventos do passado podem ou não ser esquecidos, banalizados ou, ainda, tornarem-se ofuscadores da compreensão do presente e do horizonte de expectativa em relação ao futuro.{{Sfn|Schäfer|2004|p=106}}
 
=== França ===
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[[Ficheiro:France map Lambert-93 with regions and departments-occupation-pt.svg|upright=1|miniaturadaimagem|[[Ocupação da França pela Alemanha nazista|Ocupação alemã na França]] durante a [[Segunda Guerra Mundial]].]]
 
Na [[França]], a História do Tempotempo Presentepresente emerge, na [[década de 1970]], como um campo de estudo dedicado à análise de fenômenos contemporâneos da história nacional, em especial no que diz respeito à [[Segunda Guerra Mundial]]{{Sfn|Rousso|2016}}. Esse processo foi acompanhado não só por historiadores interessados no campo, mas também pelo próprio [[França|Estado francês]] que tomou a iniciativa de investigar, analisar e interpretar os eventos históricos mais recentes do país.{{Sfn|Delacroix|2018|pp=47-48}} Nesse sentido, muitos pesquisadores desenvolveram pesquisas que tiveram como temas centrais o [[Trauma psicológico|trauma]], o [[Testemunho (direito)|testemunho]], a [[História do tempo presente#Memória|memória]] e o [[Acontecimento (filosofia)|acontecimento]], tomando como ponto de partida a Segunda Guerra Mundial ou, mais especificamente para alguns, o [[regime de Vichy]].{{Sfn|Rousso|2016}} A discussão sobre a história do regime é marcada pelo reconhecimento do colaboracionismo da França, ocupada pelos [[Nazismo|nazistas]] durante a Segunda Guerra Mundial, com as políticas [[Antissemitismo|antissemitas]] alemãs.{{Sfn|Delacroix|2018|pp=45-46}} A História do Tempotempo Presentepresente, no contexto francês, colocou em debate o papel social dos historiadores franceses que foram, em várias ocasiões, convocados a participar de pesquisas e investigações relativas ao que seria compreendido, para estes mesmos pesquisadores, como a mais recente catástrofe{{Sfn|Rousso|2016}} do seu país: a Segunda Guerra Mundial e o colaboracionismo da França com o [[Alemanha Nazi|Terceiro Reich]].{{Sfn|Rousso|2016}}
 
A partir da segunda metade do {{séc|XX}}, a escrita de novas histórias nacionais e a publicação de coletâneas de pessoas direta ou indiretamente ligadas ao [[Instituto de História do Tempo Presente|Instituto de História do tempo presente]] (IHTP), como, por exemplo, o livro ''[[Lugares de memória]]'' de [[Pierre Nora]], contribuíram para a consolidação da História do Tempotempo Presentepresente no contexto francês.{{Sfn|Dosse|2012}} A emergência do campo de estudos da História do Tempotempo Presentepresente na [[França]] se mistura com a fundação do IHTP, em 1978. O projeto de criação do Instituto esteve diretamente associado a existência do [[Comitê de História da Segunda Guerra Mundial]], criado pelo governo francês para buscar apurar a história recente francesa após os diversos conflitos que marcam o país entre 1939 e 1945, e impulsionou o estudo sobre eventos temporalmente mais próximos. Por se situar em um campo com poucos estudiosos, onde se argumentava os perigos de uma proximidade temporal com os temas de pesquisa, o IHTP enfrentou resistências em seu processo de consolidação, se aproximando e se apoiando, muitas vezes, nas propostas da [[Escola dos Annales]] e da [[Nova história|Nova História Política]].{{Sfn|Delacroix|2018|p=49}}{{Sfn|Dosse|2012|p=12}}
 
=== Brasil ===
{{Vt|Tortura no Brasil|Desaparecidos Políticos no Brasil|Abertura política}}
[[Ficheiro:Nixon-Médici.gif|miniaturadaimagem|upright=0.7|[[Emílio Garrastazu Médici]] (à esquerda) com o então presidente dos [[Estados Unidos]], [[Richard Nixon]], em dezembro de 1971.|esquerda]]
No [[Brasil]], apesar de existirem pesquisadores que utilizaram a abordagem da História do Tempotempo Presentepresente antes das décadas de [[Década de 1970|1970]] e [[Década de 1980|1980]], é nesse período que o campo emergiu de maneira institucionalizada por ocasião da fundação de lugares como o [[Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil|Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)]]{{Sfn|Rossato|Cunha|2017|p=163}} e pelos trabalhos relacionados à [[História oral|História Oral]] desenvolvidos por pesquisadoras como [[Marieta de Moraes Ferreira]] e [[Verena Alberti]].{{Sfn|Alberti|1998}} Outro marco fundamental nesse processo de institucionalização do campo foi a criação, em 1994, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente do [[Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro|Instituto de Filosofia e Ciências Sociais]] da [[Universidade Federal do Rio de Janeiro]] (UFRJ), sendo o primeiro grupo [[universitário]] formal de História do Tempotempo Presentepresente no Brasil. Após o surgimento deste primeiro laboratório, outras instituições passaram a enfocar no campo, que em outros países já havia se consolidado nos meios acadêmicos desde a década de 1970, e, em 2007, a [[Universidade do Estado de Santa Catarina]] (UDESC) implementou o primeiro Programa de Pós-graduação em História no Brasil com área de concentração em História do Tempotempo Presentepresente.{{Sfn|Gonçalves|2016|p=08}}
 
Durante as últimas décadas é visível a consolidação de alguns temas na historiografia brasileira sobre História do Tempotempo Presentepresente. Influenciada pelos autores franceses,{{Sfn|Medeiros|2007}} a História do Tempotempo Presentepresente no Brasil vem mantendo atenção na análise dos principais eventos que marcaram as últimas décadas do {{séc|XX}} e o início do {{séc|XXI}}.{{Sfn|Delacroix|2018|p=44}} Entre os principais temas estão o estudo sobre a [[Ditadura militar no Brasil (1964–1985)|ditadura civil-militar]],<ref group=nota> A decisão por utilizar o termo ditadura civil-militar ao invés de ditadura-militar foi tomada com base nas pesquisas do historiador [[Daniel Aarão Reis]] (2010), que destaca a necessidade de compreender as relações entre sociedade e ditadura. Diversas entidades, como a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), a Academia Brasileira de Letras (ABL) e o Conselho Federal de Cultura (CFC), apoiaram, mesmo que apenas inicialmente, o golpe e a implementação do regime militar no país</ref> a [[Comissão Nacional da Verdade]], a [[lei de acesso à informação]]{{Sfn|Ferreira|2012|p=102}} e as possibilidades abertas pela [[história oral|História Oral]] para as análises no campo.{{Sfn|Araujo|SILVA|2012}} Se observa também uma ênfase em estudos sobre a história das culturas políticas no contexto da [[redemocratização]] e o campo do [[Património cultural|patrimônio cultural]] no [[Brasil]].{{Sfn|Rossato|Cunha|2017}}
 
=== Argentina ===
{{Vt|Peronismo|Processo de Reorganização Nacional|Revolução Libertadora (Argentina)}}
[[Ficheiro:Voluntarios registrando la muestra de la Casa por la Identidad.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|Fotos de filhos e netos desaparecidos durante a [[Processo de Reorganização Nacional|última ditadura militar argentina]]]]
Na [[Argentina]], diferentemente de outros países, como o [[História do tempo presente#Brasil|Brasil]], a nomenclatura mais utilizada para denominar a História do Tempotempo Presentepresente é história recente.{{Sfn|Franco|2018}} O campo se constituiu em torno dos debates sobre os principais eventos das últimas décadas do {{séc|XX}} e do início do {{séc|XXI}}, sendo a última [[Revolução Argentina|Ditadura militar]] no país o principal tema analisado pelos pesquisadores.{{Sfn|Franco|2018|140}} Tem-se realizado uma série de discussões em torno dos [[direitos humanos]], da história política e das demandas sociais em torno das marcas deixadas pelo [[Ditadura|governo ditatorial]] no século XX.{{Sfn|Franco|2018|p=141}} Os primeiros estudos na [[Argentina]] em História do Tempotempo Presentepresente começaram ainda na década de 1980 com os [[Ciências sociais|cientistas sociais]]. A entrada mais intensiva dos historiadores aconteceu a partir da [[década de 1990]].{{Sfn|Mudrovcic|2017}}
 
A discussão em torno da História do Tempotempo Presentepresente ganhou espaço principalmente a partir de 1994,{{Sfn|Mudrovcic|2017|p=459}} período de transição política para um regime democrático, impulsionada pelos debates públicos sobre a responsabilidade daqueles que teriam cometido violações aos [[direitos humanos]] na Argentina.{{Sfn|Franco|2018|pp=141-142}} A partir dos anos [[Década de 2000|2000]] houve crescimento de discussões em torno da [[História do tempo presente#Memória|memória]] e das análises históricas referentes à experiência ditatorial no país graças as discussões jurídicas sobre aqueles que teriam atuado como torturadores no período.{{Sfn|Mudrovcic|2017|p=460}} Ao mesmo tempo, houve tentativas de escrita da história recente do país por distintos grupos sociais, como aqueles que destacavam a experiência da [[década de 1970]].{{Sfn|Mudrovcic|2017|p=460}} Durante as primeiras fases da História do Tempotempo Presentepresente na [[Argentina]], muitos [[Historiador|historiadores]] envolveram-se em discussões sobre o engajamento político.{{Sfn|Mudrovcic|2017|p=461}} Essa associação com uma história engajada passaria a se intensificar nas últimas décadas do século XX, com a inserção de historiadores nos debates dedicados ao tema da violência política durante a [[Ditadura militar no Brasil (1964–1985)|ditadura civil-militar]] no país e em articulação com outros campos como a [[história das mulheres]] e a [[micro-história]].{{Sfn|Mudrovcic|2017|p=462}}
 
== Noções fundamentais ==
 
=== Balizas móveis ===
A História do Tempotempo Presentepresente não se refere apenas ao estudo do período recente ou do imediato, confusão gerada pelo próprio termo que designa esse campo de estudos.{{Sfn|Dosse|2012|p=06}} Os problemas de pesquisa, investigações e discussões partem de interesses da atualidade, mas os objetivos e [[Sujeito (filosofia)|sujeitos]] investigados pelos [[Historiador|historiadores]] do tempo presente transitam entre as múltiplas camadas e permanências de passados, assim como de seus usos, conferindo, assim, espessura ao [[presente]].{{Sfn|Rousso|2016|p=17}} Nesse sentido, para o historiador [[François Dosse]], a História do Tempotempo Presentepresente não se baseia apenas em um estudo acerca de um período de [[tempo]] ou de um espaço em específico, no caso, o presente, mas na análise dos fios que compõe esse presente.{{Sfn|Dosse|2012}} O historiador do tempo presente toma como ponto de partida a compreensão que os sujeitos ou objetos de sua pesquisa se situam entre a [[longa duração]] e a dimensão imediata.{{Sfn|Dosse|2012|p=06}} Assim, o presente não é mais interpretado apenas como uma situação de passagem entre o passado e o futuro,{{Sfn|Dosse|2012|p=20}} sendo transformado em uma lacuna ou um instante no qual o historiador busca desacelerar o ritmo do tempo para analisar os fenônemos.{{Sfn|Rousso|2016|p=16}} Tendo isso em vista, costuma-se dizer que o historiador do tempo presente trabalha com a noção de balizas móveis, expressão recorrente nos estudos de perspectiva francesa para indicar que o historiador transita nas dimensões temporais do passado, presente e futuro conforme o caso.{{Sfn|Dosse|2012|p=15}} O historiador é responsável por saber operacionalizar e lidar com jogos temporais constantes.{{Sfn|Delacroix|2018|p=50}}
 
=== Catástrofe ===
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=== Estratos do tempo ===
[[Ficheiro:Rock Layers at Quebrada de las Conchos - Salta Argentina.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|[[Estrato geológico]] em camadas, [[Quebrada das Conchas]], na [[Salta (província)|Província de Salta]], [[Argentina]].]]
Uma das principais questões abordadas pelo campo da História do Tempotempo Presentepresente são os estratos do tempo, metáfora que remete às formações geológicas sedimentadas em tempos e profundidades diferentes. Assim como os sedimentos geológicos, o tempo histórico se transforma e se diferencia em velocidades distintas. Essa noção, empregada pelo historiador [[Reinhart Koselleck]], articula [[tempo]] e [[espaço físico|espaço]] na construção das análises históricas.{{Sfn|Koselleck|2014|p=19}} O tempo histórico, segundo essa interpretação, é constituído por uma série de camadas distintas e que não necessariamente dependem uma da outra, mas atuam em um mesmo espaço e tempo de forma simultânea.{{Sfn|Koselleck|2014|p=19}}
 
A concepção de estratos do tempo seria útil ao historiador do tempo presente por auxiliar na compreensão acerca do próprio presente, que ele busca analisar. Através dessa [[Categorização|categoria de análise]], seria possível ao pesquisador observar as diversas camadas de passado que permeiam o tempo que ele vive, pois o tempo histórico é composto por rupturas e permanências. Um exemplo desta questão é o [[O Processo Civilizador|processo civilizador]]{{Sfn|Elias|1993}} pelo qual a sociedade europeia moderna haveria passado. Ao estudá-lo, segundo essa perspectiva, as noções de como se comportar em determinados ambientes ou inclusive dos modos de se sentar em uma mesa de jantar são vistas como processos que remontariam a [[Idade Moderna]]. A partir de um período ou de um evento é possível observar a permanência de diferentes processos históricos.{{Sfn|Koselleck|2014}}
 
=== Espaço de experiência e horizonte de expectativa ===
Dentro da abordagem da História do Tempotempo Presentepresente, as [[Categorização|categorias]] espaço de experiência e horizonte de expectativa auxiliam na compreensão acerca do que seria o tempo histórico, entendido como diferente do [[Tempo|tempo cronológico]].{{Sfn|Koselleck|2006|p=308}} Para [[Reinhart Koselleck]], é na tensão ou no encontro entre essas duas categorias [[Meta-história|meta-históricas]] que o [[historiador]] localiza o tempo histórico.{{Sfn|Koselleck|2006|p=313}} As distensões entre experiência e expectativa remetem aos processos de interação entre as dimensões temporais denominadas passado, presente e futuro.{{Sfn|Koselleck|2006|p.=16}}
 
A categoria espaço de experiência abarca a dimensão do passado incorporado e significado pelos [[Sujeito (filosofia)|sujeitos]] através de uma relação entre passado e presente.{{Sfn|Koselleck|2006|p=309}} Se a categoria de espaço de experiência está inserida nas relações entre passado e presente, a de horizonte de expectativa faz referência às projeções de possíveis futuros. Nesse sentido, ela se situa no espaço do que ainda não aconteceu, na imaginação orientada por possibilidades infinitas acerca do que poderia acontecer partindo sempre de um hoje. Essa categoria refere-se às relações entre presente e futuro.{{Sfn|Koselleck|2006|p=310}} Instrumentalizadas, espaço de experiência e horizonte de expectativa possibilitam ao historiador transitar entre os estratos do tempo que compõem o presente, permitindo entender a transmissão das recordações, as relações com eventos traumáticos e o crescimento de um futuro aberto a múltiplas possibilidades. Futuro no qual, a partir da hipótese presentista do [[tempo]], desenvolvida por [[François Hartog]], as experiências parecem restringir o olhar frente ao futuro, receosas diante de um horizonte de expectativa amplo e impreciso.{{Sfn|Hartog|2013|p=148}}
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=== Presentificação do passado ===
[[Ficheiro:Museu do Amanhã em sua inauguração 14.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|Visitantes na seção Antropoceno da exposição principal do [[Museu do Amanhã]], montada para que o visitante passe por uma experiência da vida na Terra.]]
O debate acerca da interpretação, desenvolvida em especial por [[Hans Ulrich Gumbrecht]], de que a [[contemporaneidade]] está imersa em uma cultura de presença na media em que há um desejo visível por aproximações com o passado que visem presentificá-lo, torná-lo tangível e material, é um elemento base da História do Tempotempo Presentepresente.{{Sfn|Gumbrecht|2015}} Essa noção está diretamente ligada ao contexto de expansão dos [[meios de comunicação]], aliado aos novos movimentos por desejo de [[História do tempo presente#Memória|memória]]. Com a intensificação do [[Tecnologia|desenvolvimento tecnológico]], a partir da década de 1950, o [[Rádio (telecomunicações)|rádio]] e a [[televisão]] passaram pelo crescimento da cultura do ao vivo e as sociedades ocidentais vieram a se relacionar de outra maneira com esses meios, uma vez que eles passaram a possibilitar formas de deslocamento da realidade sem a necessidade de deslocamento físico.{{Sfn|Gumbrecht|1998}} Elementos desse desejo pelo passado presentificado podem ser sentidos em múltiplas instâncias, como nos jogos de [[futebol]], nos [[Programa de auditório|programas de auditório]] ou, ainda, nos ''[[Reality show|reality show's]].''{{Sfn|Rincón|2006}}
 
A perspectiva de Gumbrecht sobre a produção de presença não deve ser confundida com o presentismo de [[François Hartog]]. Ainda que ambos desenvolvam suas hipóteses tendo o [[presente]] como eixo central, as suas referências e os seus argumentos diferem em vários aspectos.{{sfn|Turin|2016|p=595}} Fundamentada na filosofia de [[Martin Heidegger]],{{sfn|Varella|2007|p=114}} a presença de Gumbrecht diz respeito ao desejo humano [[Ontologia|ontológico]] por uma experiência direta do passado, que, por sua vez, poderia ser presentificado em função de suas qualidades materiais, ou seja, de objeto que ocupa e divide um mesmo espaço com o sujeito que o observa, atingindo a sua sensibilidade de forma imediata.{{sfn|Turin|2016|p=591}}{{sfn|Gumbrecht|2009|p=12-13}} Esta materialidade dos objetos do passado, percebidos enquanto [[Forma (filosofia da linguagem)|forma]] e [[substância]], é definida como o campo não [[Hermenêutica|hermenêutico]], que constitui o cerne da crítica elaborada por Gumbrecht à [[metafísica]] ocidental, acusada de atribuir importância teórica apenas à linguagem presente nos objetos, e não à sua dimensão material.{{sfn|Gumbrecht|2009|p=10}}{{sfn|Gumbrecht|2010|p=35}} Na esteira das discussões da [[teoria da história]] acerca do tempo histórico no [[Idade Moderna|período moderno]], o presentismo de Hartog não adentra em tópicos filosóficos como a hermenêutica, metafísica e ontologia, mas tem por objetivo descrever uma nova forma de experiência do tempo decorrente de um longo processo em que o presente se impõe como instância dominante sobre um futuro esvaziado de expectativas, oferecendo conceitos e instrumentos analíticos para compreender o fenômeno sob um olhar historiográfico.{{sfn|Hartog|2013|p=245}}
 
No caso da História do Tempotempo Presentepresente, a discussão sobre presentificação do passado se refere diretamente a ideia de [[lugares de memória]] ou ainda dos usos políticos e públicos do passado. Em uma sociedade cada vez mais [[Presentismo|presentista]] e acelerada, os seres humanos vivem constantemente sob um sistema de criação de formas de presentificar passados que não se deseja esquecer.{{Sfn|Huyssen|2014}} Alguns exemplos do desejo por tocar o passado seriam [[Museu|museus]], memoriais e [[Documentário|documentários]], que constroem uma possibilidade de transporte sensorial dos indivíduos a contextos já não mais existentes. Ao sentir as emoções que emergem com o contato direto com o passado, o indivíduo presencia fisicamente aquele instante, vivendo-o e experienciando-o como se tivesse ele mesmo vivido.{{Sfn|Gumbrecht|2010}}
 
== Os fatores gravitacionais ==
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[[Ficheiro:North face south tower after plane strike 9-11.jpg|miniaturadaimagem|upright=0.7|Face norte do [[2 World Trade Center]] (torre sul) imediatamente após ser atingida pelo [[Voo United Airlines 175|voo 175 da United Airlines]].|esquerda]]A compreensão da [[historiografia]] atual sobre o significado do termo acontecimento parte do pressuposto de que é através das relações entre narrativa, interiorização e construção que se transformam fatos em acontecimentos. O acontecimento não é algo dado, como o fato ou o evento, mas sim, construído pela sociedade por meio de sua [[Conceito|significação]] e narração.{{Sfn|Nora|1979|p=184}} É possível considerar o acontecimento não apenas como um marco final ou inicial de processos, mas como ambos, pois ele é responsável pela conclusão, ruptura e emergência de novas formas de lidar com o [[tempo]], reorganizando e reinaugurando uma nova forma de lidar com o [[Presente (tempo)|presente]].{{Sfn|Dosse|2013|pp=140-141}}
 
A retomada do termo acontecimento, a partir da segunda metade do {{séc|XX}}, se dá pela expansão midiática e sua relação direta com os eventos traumáticos do século passado, tais como as [[Guerras Mundiais|grandes guerras mundiais]], o [[neocolonialismo]] e as ditaduras militares latino-americanas.{{Sfn|Rousso|2016}} Esses eventos mudaram a compreensão sobre o que seria um acontecimento,{{Sfn|Dosse|2013}} e fizeram com que o termo se tornasse um dos principais fatores gravitacionais da História do Tempotempo Presentepresente.{{Sfn|Rousso|2007}} Contudo, com a virada do {{séc|XXI}}, a problemática em torno do acontecimento se adensou tornando as investigações ainda mais complexas em função das novas tecnologias e de outras maneiras de compartilhamento e troca de informação, frutos da cultura participativa [[virtual]] contemporânea.{{Sfn|Jenkins|Green|Ford|2014|p=24-25}}
 
A partir de tais expansões, eventos que, há algum tempo, teriam passado por um processo de mediação prévia feita pelo [[jornal]] ou pela [[televisão]] entram em cena ao vivo se [[Historicidade|historicizando]] ao mesmo tempo em que ocorrem. Esse foi o caso, por exemplo, do [[11 de Setembro de 2001]], nos [[Estados Unidos]].{{Sfn|Dosse|2013|p=297}} Os processos de significação e construção ocorreram ao mesmo tempo em que trouxeram consigo a possibilidade de múltiplas interpretações. Segundo os estudos de [[François Dosse]], em função da atuação da mídia e da possibilidade de acompanhamento dos atentados ao redor do mundo através do recurso ao vivo, se teria a ideia de uma compreensão imediata desse acontecimento.{{Sfn|Dosse|2013|pp=160-161}} Ao mesmo tempo em que um evento ocorre, movimentos de significação pelos veículos de comunicação e pela sociedade acerca dele são construídos.{{Sfn|Dosse|2013|p=261}}
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[[Ficheiro:ApartheidSignEnglishAfrikaans.jpg|ligação=https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:ApartheidSignEnglishAfrikaans.jpg|upright=1|miniaturadaimagem|<small>Placa do período do [[Apartheid]] na [[África do Sul]], onde se lê: Para uso por pessoas brancas. Estas instalações públicas e suas facilidades são reservadas para uso exclusivo de pessoas brancas. Por ordem do Secretário Provincial.</small>]]
 
A noção de [[Trauma psicológico|trauma]], para a perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente, associa-se à ideia de uma ruptura brusca com a percepção da passagem do tempo. De modo geral, compreender os impactos do trauma na relação dos indivíduos com o [[tempo]] significa considerar que essa experiência se situa no choque entre o sujeito e um acontecimento inesperado.{{Sfn|Dosse|2013|p=131}} A partir desse choque, visto como uma ruptura subjetiva, os [[Indivíduo|indivíduos]], grupos ou [[Sociedade|sociedades]], definem outras formas de lidar com suas projeções de futuro,{{Sfn|Dosse|2013}} com o presente e com a recordação acerca de tal experiência.{{Sfn|Huyssen|2014|p=155}} O trauma, geralmente uma forma de [[violência]] inesperada, é uma repercussão social do fato propriamente dito, prolongando sua presença na [[História do tempo presente#Memória|memória]] individual e [[Memória coletiva|coletiva]].{{Sfn|Knauss|2012|pp=143-144}} O trauma pode ser individual, coletivo ou, ainda, [[Geração|geracional]], reforçando a ideia da experiência violenta e da transmissão dessa vivência.{{Sfn|Sarlo|2007}}
 
A ideia da experiência traumática pressupõe um marco ocorrido no passado, mas que continua no presente,{{Sfn|Albuquerque Junior|2012}} Por esse caráter de ruptura inesperada, ligado à ideia de quebra violenta com a expectativa de vida passada, os traumas podem bloquear a assimilação dos eventos pelos indivíduos e impactar na construção de suas lembranças.{{Sfn|Albuquerque Junior|2012|pp=55-56}} Após experiências consideradas traumáticas coletivas, é possível observar, em vários países, movimentos ligados às demandas sociais e aos desejos de reparação, que se baseiam em um rearranjo no modo de viver com as novas experiências, novos olhares e novas formas de ver o mundo. São exemplos desse novo olhar para o passado, as repercussões sobre a experiência [[Nazismo|nazista]] na [[França]], com o caso do [[França de Vichy|regime de Vichy]], ou, ainda, de [[Israel]], a partir da [[década de 1970]], com as discussões em torno da memória traumática da [[Segunda Guerra Mundial]].{{Sfn|Milgram|2012}}
 
Dentro da perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente, a criação e estudo de [[Lugares de memória|lugares de memórias]] e [[Arquivo|arquivos]] estão relacionadas às discussões sobre trauma Os arquivos são entendidos como construções contemporâneas de promoção da recordação de eventos do passado, presentes nos considerados acervos e [[Documento|documentos]] sensíveis.{{Sfn|Quadrat|2012}} Estes arquivos são revisitados por uma série de indivíduos, atendendo a demandas sociais em momentos de crise, em circunstâncias onde é necessário utilizá-los para superar a ausência de transparência do [[Estado]] em relação aos eventos traumáticos, como por exemplo, na [[Comissão Nacional da Verdade]].{{Sfn|Lafer|2012}} De modo geral, os arquivos publicados possuem um papel no campo do [[direito]], uma função educacional e memorial diante de uma [[sociedade]] cercada pelos traumas que marcaram o {{séc|XX}} e {{séc|XXI}}. Esses documentos são vistos como meio direto para o debate sobre trauma, assim como o uso da [[história oral]], em que se discute sobre a própria ideia de testemunho.{{Sfn|Araujo|SILVA|2012}}
 
=== Testemunho ===
{{VT|Historiografia grega|Se questo è un uomo}}
[[Ficheiro:Bundesarchiv Bild 146-1975-041-07, Paris, Propaganda gegen Juden.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|upright=0.7|Poster de propaganda [[Antissemitismo|antissemita]] em [[Paris]], setembro de 1941.]]O testemunho constitui um dos principais pilares estruturantes da História do Tempotempo Presentepresente, tanto pela abordagem do campo girar sobre temas em que os sujeitos ainda estão vivos, possibilitando o uso de [[História oral|depoimentos]] e da experiência individual, quanto pelas demandas sociais por [[História do tempo presente#Memória|memória]] e os usos públicos do passado.{{Sfn|Rousso|2007}} [[Beatriz Sarlo]] afirma que, para essa perspectiva de estudo, a ideia do testemunho, entendida enquanto um depoimento ou relato, está vinculada ao ato de narrar o passado a partir das experiências de vida.{{Sfn|Sarlo|2007|p=24}} Ao narrar suas vivências, como nos casos do [[Regime de Vichy]], das ditaduras latino-americanas e do [[Holocausto]], que foram casos limites, a testemunha se insere no campo de fala da ausência daqueles que não sobreviveram.{{Sfn|Cardoso|2012}} A utilização do testemunho considera que o sujeito traduz aquilo que lhe foi vivido e apreendido enquanto experiência, transmitindo uma vivência [[Subjetividade|subjetiva]] e parcial sobre os fatos ocorridos.{{Sfn|Sarlo|2007|p=24}}
 
O desenvolvimento da ideia de testemunho na [[História]] esteve associado ao contexto de expansão da prática da [[História oral|História Oral]] e do trabalho com relatos orais a partir da década de 1950. O testemunho já era utilizado como fonte para a escrita de histórias há muito tempo, como demonstram as [[Histórias (Heródoto)|Histórias]] de [[Heródoto]] e a [[História da Guerra do Peloponeso]] de [[Tucídides]].{{Sfn|Ferreira|2000|p=111}} Porém, no {{séc|XIX}}, o testemunho foi deixado de lado em prol de uma objetividade e imparcialidade, visando uma verdade que viria através do distanciamento do [[historiador]] em relação ao seu objeto de estudo.{{Sfn|Fico|2012}} É preciso destacar o papel central da [[Segunda Guerra Mundial]] nesse processo de retomada do testemunho na história. A partir do contexto [[pós-guerra]], em especial da década de 1970, inaugura-se um grande processo de coleta de testemunhos,{{Sfn|Ferreira|2000|p=5}} articulado a emergência das narrativas sobre a guerra e a preocupação sobre a sua história enquanto um elemento central na cultura de guerra e das histórias nacionais. O trabalho direto com o recolhimento de testemunhos nesse período visava também sistematizar os depoimentos de crimes cometidos, principalmente os de ordem [[antissemita]], assumindo um caráter judicial e de movimento por reparação de crimes nunca investigados.{{Sfn|Rousso|2016|pp=255-256}}
 
O uso do testemunho como fonte para a História do Tempotempo Presentepresente está associado à possibilidade de se compreender a experiência dos indivíduos. Seu uso se relaciona a discussão sobre memória e [[História oral|narrativa oral]], em que a fala, o corpo, o modo de dizer e as expressões dos sujeitos dizem respeito aos eventos ocorridos.{{Sfn|Portelli|2016}} Compreender o lugar do testemunho nessa perspectiva significa pensar o próprio espaço ocupado por ele na sociedade, onde a experiência individual de determinados fatos acaba por se tornar um ponto de choque entre [[Historiador|historiadores]] e [[sociedade]].{{Sfn|Sarlo|2007}} Igualmente, o testemunho também é utilizado como autoridade nas demandas sociais por memória, na medida em que o ato de relembrar acaba por ser um mecanismo de reconstrução das [[Identidade|identidades]] individuais ou coletivas.{{Sfn|Sarlo|2007|pp=18-19}}
 
=== Memória ===
A partir da [[década de 1980]], houve uma nova onda de discussão em torno da memória, em especial daquela ligada a ideia de [[violência]] e [[Trauma psicológico|trauma]], que veio a integrar também as discussões da História do Tempotempo Presentepresente.{{Sfn|Rousso|2006|pp=93-94}} O debate em torno do assunto está relacionado aos diferentes modos de lidar com as lembranças, experiências e arquivos dos eventos das últimas décadas, com ênfase nas grandes guerras mundiais, nas [[Descolonização|guerras decoloniais]] e nas ditaduras civil-militares, eventos tidos como catastróFicos.{{Sfn|Rousso|2006|p=94}} A memória é entendida aqui como uma produção ativa do sujeito, partindo de jogos entre passado e presente, e não como [[Memória|a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar informações]].{{Sfn|Ricouer|2000}} Dentro desses debates, na perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente, observa-se que o foco das análises se volta para alguns aspectos, como a [[memória coletiva]], as disputas de memória e o [[História do tempo presente#Esquecimento|esquecimento]].{{Sfn|Rousso|2006}}
 
[[Ficheiro:Centro Popular de la Memoria Rosario.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|Centro Popular da Memória em [[Rosário (Argentina)|Rosário]], Argentina. Na faixa está escrito: Ex-centro clandestino de detenção, tortura e desaparecimento de pessoas, 1976, 1979.]]
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Assim, a memória coletiva está sempre associada aos detalhes do grupo, país ou sociedade a qual ela pertence, construída e significada a partir dessas relações.{{Sfn|Halbwachs|2004|p=103}} Um exemplo desse debate é o caso da memória do [[Holocausto]] e como diferentes nações lidaram com a experiência compartilhada da [[Segunda Guerra Mundial]].{{Sfn|Pinto|2012}} Em meio a essas produções coletivas, surge um outro aspecto sobre a memória relacionado às disputas sociais em torno dela. Essas disputas podem ser visualizadas tanto nas dimensões políticas entre [[Estado]] e sociedade, em especial nas demandas sociais, como entre grupos ditos minoritários e a própria sociedade considerada dominante.{{Sfn|Pollak|1989|p=5}} Esses embates permitiriam observar que a memória é construída a partir das relações sociais, que é partir delas que algo pode ser lembrado ou esquecido. O silenciamento sobre eventos acontecidos acabaria por tornar [[Recalque (psicanálise)|reprimido]] algo futuramente esquecido ou excluído da memória oficial.{{Sfn|Pollak|1989}} Através dessa ideia, a construção de monumentos e arquivos nacionais, que garantiriam a memória coletiva das nações seria vista como um mecanismo que constróe uma narrativa sobre o passado, selecionando aquilo que deve ser lembrado e o que pode ser esquecido.{{Sfn|Assman|2011|p=25}}
 
Uma das discussões mais recentes empreendidas, por exemplo por [[Andreas Huyssen]], no campo da História do Tempotempo Presentepresente relativa à memória gravita em torno do desejo de lembrar e de esquecer. Em uma sociedade cada vez mais conectada, como a do século XXI, e que gera muita informação por minuto, o excesso de lembranças poderia evitar a possibilidade de se olhar para o futuro.{{Sfn|Huyssen|2014|p=174}} Mais que isso, alguns pesquisadores têm alertado para os riscos da chamada [[hipermnésia]] movida pelas tecnológicas de arquivamento e busca de informação.{{Sfn|Assman|2011|pp=15-16}} Nesse sentido, o principal risco colocado está no ato de guardar demais, sem que se pense no que está se guardando. Preservar tudo que for possível acabaria por gerar uma sensação de ausência da própria memória.{{Sfn|Seligmann-Silva|2012|p=114}}
 
=== Esquecimento ===
{{VT|Avós da Praça de Maio}}
[[Ficheiro:2ª Marcha de la Resistencia 9 y 10 diciembre 1982.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|As Mães da Praça de Maio na segunda Marcha da Resistência, ocorrida em 9 e 10 de dezembro de 1982.|esquerda]]
A problemática do esquecimento é um dos tópicos mais retomados nas discussões sobre [[História do tempo presente#Memória|memória]] na perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente. A principal questão em torno do debate sobre esquecimento leva em consideração que a memória está associada a um processo de construção constante, e o esquecimento a um processo natural da humanidade .{{Sfn|Huyssen|2014}} Contudo, ambos os debates não estão dissociados, pois a memória e o esquecimento estão interligados.{{Sfn|Ricouer|2000}} De acordo com a perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente, o desejo ou o processo de esquecimento está relacionado à problemática da memória, ao debate sobre o que vem a ser a memória e ao que se quer lembrar.{{Sfn|Rousso|2006|pp=93-94}} Nesse sentido, o esquecimento está sempre envolvido por um desejo de esquecer, de [[Recalque (psicanálise)|reprimir]], de apagar, mas encontra obstáculos na vontade de lembrar e no desejo de reparar ações do passado.{{Sfn|Fico|2012}}
 
Entre os casos mais recentes discutidos pela História do Tempotempo Presentepresente está o da [[Ditadura Militar na Argentina|ditadura civil-militar na Argentina]] que, desde 1983, envolve uma série de movimentos e organizações sociais, como os protestos das [[Mães da Praça de Maio]], que buscavam evitar o esquecimento da memória dos desaparecidos e das violências do regime.{{Sfn|Huyssen|2014|pp=161}} O caso argentino teria fomentado a criação de instituições, como as Comissões Nacionais da Verdade na América Latina, criadas a partir de demandas sociais, que visam evitar o esquecimento dos traumas recentes destes países e servir de instrumento de luta sobre a memória nacional.{{Sfn|Araujo|2012|pp=145-146}} O caso da [[Argentina]] torna evidente a tensão entre lembrar e esquecer e as consequências desse processo. Enquanto o esquecimento de eventos traumáticos ocorridos no regime militar poderia representar um ponto atrativo aos governantes, a lembrança dos crimes cometidos por uma parcela da sociedade envolvida na luta pelos [[direitos humanos]] busca impedir que os fatos caiam no esquecimento.{{Sfn|Huyssen|2014|p=174}}
 
== As principais críticas ao campo ==
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Desde o {{séc|XIX}}, para ser considerado um bom [[historiador]], era desejável evitar o estudo de períodos mais recentes, pois a proximidade com o contexto estudado guardaria uma série de riscos e problemas que interfeririam na [[Objetividade (filosofia)|objetividade]] da pesquisa do historiador e poderia levar a análises tendenciosas.{{Sfn|Fico|2012|p=87}} O que se colocava nesse período, e que perdura na opinião de alguns historiadores até a atualidade,{{Sfn|Arend|Macedo|2009|p=205}} é que a não observância desse pressuposto [[Metodologia da pesquisa científica|metodológico]] poderia levar ao risco de produzir trabalhos [[Subjetividade|subjetivos]] e, portanto, sem validade [[Ciência|científica]].{{Sfn|Fico|2012|p=86}}
 
Essa compreensão, herdada em parte do [[historicismo]] alemão, vem sendo trabalhada por uma série de pesquisadores direta ou indiretamente inseridos no campo da História do Tempotempo Presentepresente. Para estes historiadores, a noção de distanciamento no [[tempo]] deveria ser relativizada e não associada apenas à relação ao período no qual o historiador vive e o período estudado por ele. O afastamento temporal não seria necessariamente sinônimo de uma análise mais ou menos objetiva.{{Sfn|Fico|2012|p=92}} Para estes historiadores, a distância entre [[pesquisador]] e objeto de estudo seria resultado de um processo de distanciamento criado pelo próprio pesquisador ao reconhecer seus envolvimentos com o que investiga.{{Sfn|Prost|2008|p=90}} Em outras palavras, o que alguns historiadores da História do Tempotempo Presentepresente procuram argumentar é que, apesar dos riscos, o distanciamento temporal não é o fator decisivo ou assegurador de um recuo necessário para as investigações em [[História]].{{Sfn|Prost|2008|pp=89-91}} Nesse sentido, o que se argumenta é que essa proximidade com as fontes e o período analisado poderiam possibilitar ao historiador do tempo presente uma compreensão extra acerca dos processos que está estudando, uma vez que ele mesmo seria contemporâneo do seu objeto de estudo.{{Sfn|Chartier|2006|p=216}}
 
=== O engajamento ===
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A importância do distanciamento temporal em relação ao objeto estudado vigorou por muito tempo na disciplina da [[História]]. O perfil engajado de pesquisador também foi por muito tempo indesejável. A ausência de envolvimento do historiador com o tempo estudado ou com o objeto de análise visava a construção de uma [[Objetividade (filosofia)|objetividade]] e, principalmente, de uma [[Imparcialidade|neutralidade]] da [[História]]. Contudo, a partir da [[Primeira Guerra Mundial]] houve uma inversão nessa ideia de neutralidade, pois alguns historiadores europeus e estadunidenses assumiram papeis sociais nos processos de defesa de seus países na guerra.{{Sfn|Rousso|2016|pp=101-102}} Vários [[Historiador|historiadores]] passaram a se aproximar da [[Idade Contemporânea|história contemporânea]], anteriormente vista como arriscada demais, por tentar explicar eventos muito recentes, justificando e apoiando a atuação de seus países na Primeira Guerra Mundial.{{Sfn|Dumoulin|2017|p=178}} A partir da década de 1910, observa-se uma relativização do veto ao engajamento dos historiadores fruto da discussão acerca de determinadas [[Esquerda e direita (política)|ideologias políticas]] que não teriam necessariamente as fronteiras territoriais como definidoras.{{Sfn|Rousso|2016|p=146}}
 
Os historiadores, no início do {{séc|XX}}, iniciaram um novo processo de engajamento com suas temáticas de pesquisa, confrontando diretamente a ideia de neutralidade do discurso historiográfico. Logo após as [[Guerra mundial|grandes guerras mundiais]], ficou visível o crescimento de propostas que defendiam o envolvimento de pesquisadores em movimentos sociais ou ainda jurídicos, como na condenação de crimes e violações aos [[direitos humanos]] ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial.{{Sfn|Dumoulin|2017}} Essa perspectiva também teve críticos, que não deixaram de alertar sobre os perigos{{Sfn|Hobsbawm|2013|p=183}} ou que defendiam o não envolvimento da disciplina em debates como esse. Muitos pesquisadores da História do Tempotempo Presentepresente frisam que essa negação de participação dos historiadores enquanto profissionais engajados tem como causa a percepção do historiador como um juiz, que parte do passado para chegar a uma verdade absoluta, sem levar em conta que a pesquisa histórica é um trabalho de investigação e interpretação provisória dos fatos. Novos documentos e outras abordagens podem alterar o olhar sob um determinado problema.{{Sfn|Dumoulin|2017|pp=122-123}}
 
No [[Brasil]], os questionamentos sobre o engajamento do historiador e seu envolvimento em pautas sociais aconteceram durante as [[Comissão Nacional da Verdade|Comissões da Verdade]] e, mais recentemente, com a fundação do movimento social denominado Historiadores pela Democracia.{{Sfn|Mattos|Bessone|Mamigonian|2016}} Contudo, apesar das dicotomias, a História do Tempotempo Presentepresente vem se consolidando em um caráter não necessariamente engajado, mas salientando a não-neutralidade da história, uma vez que, a própria seleção de fontes, a escolha de perspectivas e a construção do discurso historiográfico é em si mesmo parcial, permeada de posicionamentos evidentes ou velados.{{Sfn|Prost|2008}}
 
=== O excesso de fontes ===
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[[Ficheiro:Museu da Pessoa fachada.jpg|miniaturadaimagem|upright=1|Nesse projeto colaborativo, criado em 1991, cada pessoa pode, por escolha própria, preservar algo relativo à sua experiência de vida.]]
 
As fontes, para os estudiosos dedicados a História do Tempotempo Presentepresente, se tornam mais acessíveis na medida em que o [[historiador]] é contemporâneo a elas e, por viver em um período próximo, pode evitar a perda de determinados documentos ou objetos de estudo. Porém, esse caráter de proximidade não significa dizer que tais fontes não resguardam outros desafios.{{Sfn|Fico|2012|pp=80-82}} Para alguns pesquisadores, a proximidade temporal ou temática com sua pesquisa lhes possibilitaria ter contato com uma maior abundância de fontes, podendo realizar, inclusive, pesquisas referentes a outras nacionalidades diferentes da sua sem precisar deslocar-se.{{Sfn|Dosse|2012|p=16}} Apesar da compreensão a respeito do que poderia ser considerado uma fonte histórica ter se alargado durante o {{séc|XX}} e da percepção que as fontes são em si mesmas inesgotáveis, alguns historiadores afirmam que a proximidade temporal com as fontes resguarda a sensação de um inesgotável armazém de análises e investigações possíveis ao historiador do tempo presente.{{Sfn|Chartier|2006|p=215}}
 
Nos problemas levantados sobre o excesso de fontes está uma das principais críticas ao campo, uma vez que, o desejo por preservar tudo como fonte pode impedir as relações entre lembrar e esquecer e criar uma sensação de [[hipermnésia]]{{Sfn|Seligmann-Silva|2012|p=114}} nas sociedades contemporâneas. Esse seria o caso das fontes digitais, campo ainda pouco explorado pelos historiadores do tempo presente. Nesse sentido, uma das principais problemáticas enfrentadas pelos historiadores da História do Tempotempo Presentepresente é justamente a eleição, preservação e trabalho com fontes que apesar de serem, em geral, de fácil acesso, trazem o risco de cegar o pesquisador em seu desejo por guardar. Outro ponto fundamental da análise é justamente a proximidade temporal com tais fontes que possibilitaria ao historiador um maior entendimento acerca delas, mas também abriria espaço para problematizações diretamente relacionadas ao próprio contexto no qual o historiador e as fontes se inserem.{{Sfn|Chartier|2006|página=216}}
 
=== Os sujeitos ainda vivos ===
A maioria dos estudos em História do Tempotempo Presentepresente debatem temas que possuem reverberações no [[presente]]. Os sujeitos ainda vivos que atravessaram determinados contextos, ou que estão indiretamente envolvidos neles, representaria, para alguns [[Historiador|historiadores]], um desafio direto ao campo.{{Sfn|Rousso|2016|pp=13-14}} A presença de sujeitos ainda vivos tem um peso nos processos de construção da própria história, podendo significar desafios e muitas vezes situações de enfrentamento entre historiadores e sociedade. Os historiadores poderiam ser vistos como fazedores de defeitos nas recordações alheias.{{Sfn|Albuquerque Junior|2012}} Assim, alguns historiadores são questionados sobre o seu conhecimento de determinado período ser melhor do que o daqueles que viveram na época estudada. {{Sfn|Rousso|2016|pp=13-14}} Essa questão está relacionada com os limites do que pode ser considerado [[História do tempo presente#Memória|memória]] ou [[história]], onde a experiência passa a ser um fator decisivo para grupos que construíram uma determinada visão e vivência sobre um contexto, muitas vezes traumático, que teriam experienciado.{{Sfn|Ferreira|2012|pp=110-111}}
 
As relações dos historiadores com sujeitos ainda vivos não seria apenas de embate e enfrentamento. Para a historiadora [[Marieta de Moraes Ferreira]], a proximidade possibilitaria ao historiador trabalhar com a questão do testemunho e ter acesso a determinadas narrativas, através da [[história oral]], que romperiam, em muitos casos, com os discursos oficiais institucionalizados.{{Sfn|Portelli|2006}} Em outros casos, apenas as narrativas e a experiência destes sujeitos poderiam ser fontes disponíveis para o estudo de determinados contextos. Por isso, a própria ideia de demanda social é fundamental na compreensão do desenvolvimento de tais relações. Com os traumas recentes do {{séc|XX}} e {{séc|XXI}}, por exemplo, novos movimentos ligados a desejos de reparação e por justiça foram sentidos e materializados em instituições como as [[Comissão Nacional da Verdade|Comissões Nacionais da Verdade]], destacadas por [[Carlos Fico]].{{Sfn|Ferreira|2012|pp=102-103}} Movimentos como esse colocam os historiadores no centro da demanda social, uma vez que foram muitas vezes convocados, e criticados, por determinados grupos por se envolverem em situações que dizem respeito a traumas e processos ainda não concluídos na sociedade.{{Sfn|Ferreira|2012}} Ai temos uma outra relação possível, a de historiadores e sociedade trabalhando em conjunto, em um processo de apoio ou de autoridade compartilhada, marco da [[história oral]] e da [[história pública]].{{Sfn|Santhiago|2016}}
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=== Nova História Política e cultura política ===
A emergência da História do Tempotempo Presentepresente esteve associada à renovação da [[História política|História Política]], conhecida como [[Nova história|Nova História Política]], que durante muito tempo ficou centrada em narrativas sobre a [[monarquia]] e os soberanos.{{Sfn|Ferreira|2003|p=05}} Com a emergência da ideia de [[estado-nação]], no {{séc|XIX}}, o campo passou a se voltar, também, às questões administrativas do [[Estado]] e da [[nação]], em especial aos grandes líderes. Em função destas primeiras perspectivas de estudo, o campo foi associado pela [[Escola dos Annales]] ao estudo da curta duração ou ainda da efemeridade, sendo criticado pelo seu caráter oficial em um contexto em que a ideia de documento para a história e a perspectiva de compreensão do social e das [[Mentalidade|mentalidades]] se ampliavam.{{Sfn|Ferreira|2003|pp=05-06}}
 
[[Ficheiro:Diretas Já (4977566482).jpg|esquerda|upright=1.2|miniaturadaimagem|Manifestações populares em frente ao [[Congresso Nacional do Brasil|Congresso Nacional]] durante a eleição de [[Tancredo Neves]] pelo Colégio Eleitoral. Janeiro de 1985. Fotógrafo: Célio Azevedo.]]
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=== Patrimônio cultural e lugares de memória ===
[[Ficheiro:New York - National September 11 Memorial South Pool - April 2012 - 9693C.jpg|upright=1|miniaturadaimagem|Para [[Andreas Huyssen]], o [[Memorial & Museu Nacional do 11 de Setembro|Memorial do 11 de Setembro]], em [[Nova Iorque]], seria um exemplo dos novos debates sobre [[lugares de memória]]. A discussão sobre a construção do monumento se iniciou logo após o ataque às [[World Trade Center (1973–2001)|Torres Gêmeas]], em 2001.]]
Os debates surgidos em torno da concepção de [[Património cultural|patrimônio cultural]] são importantes para a História do Tempotempo Presentepresente tematizar discussões sobre representação e novas formas de políticas de [[História do tempo presente#Memória|memória]].{{Sfn|Gonçalves|2016}} Os grandes eventos que marcaram o {{séc|XX}}, desde o [[Genocídio dos hererós e namaquas|genocídio herero]] até as [[Descolonização|guerras decoloniais]], levaram países ocidentais a novas discussões com ênfase no problema de como eles deveriam lembrar esses eventos, em especial pelo seu caráter traumático.{{Sfn|Hartog|2013|p=194-195}} Mediados tanto pelo engajamento social, que cobraria novos posicionamentos e políticas de reparação, quanto por uma onda no consumo de memória a partir da década de [[Década de 1980|1980]], o patrimônio cultural passou a ser central nessas discussão por seu caráter memorialístico.{{Sfn|Huyssen|2014|p=139}}
 
Nesse mesmo contexto, novas abordagens passaram a ser realizadas e estudiosos se detiveram sob a noção dos [[lugares de memória]], a partir da obra de [[Pierre Nora]], escrita por ocasião do bicentenário da [[Revolução Francesa]]. Os espaços de construção simbólica de representações do passado emergiram em um contexto que se queria evitar o esquecimento.{{Sfn|Nora|1993|p=07}} Esse movimento iniciado no {{séc|XX}} se intensiFicou no adensar de novos eventos, como o [[Ataques de 11 de setembro de 2001|11 de Setembro de 2001]], e também na incorporação de novos atores e movimentos em cena, levando a processos cada vez mais acelerados por construção destes lugares e debates sobre sua banalização.{{Sfn|Huyssen|2013}}
 
Com as novas discussões sobre memória, em especial articulada à ideia das histórias nacionais, o campo do patrimônio cultural vem se renovando constantemente e se tornando central nos debates da História do Tempotempo Presentepresente. A ideia de patrimônio cultural, seja este material ou imaterial, coloca em jogo a definição de o que pode ser considerado como representativo de um determinado contexto para uma [[sociedade]] ou grupo de pessoas.{{Sfn|Gonçalves|2016}} Um patrimônio está sempre ligado a um presente pois pressupõe a escolha de referenciais que constroem uma representação sob um determinado passado, ou, ainda, a respeito de múltiplos estratos de tempo.{{Sfn|Huyssen|2014}} Um dos principais debates dentro do campo do patrimônio cultural está na discussão sobre as [[Ruína|ruínas]] e sua patrimonialização, uma vez que, diferente, por exemplo, de grandes [[Edifício|edifícios]] ou práticas imateriais, elas estariam ligadas a promessas de futuro que não se concretizaram, trazendo consigo um peso [[Nostalgia|nostálgico]] do passado.{{Sfn|Huyssen|2014|p=91}} Um exemplo destas discussões são os debates das últimas décadas relacionadas às lembranças do [[Holocausto]] em regiões marcadas pela perseguição e extermínio de suas populações, como no caso de Israel,{{Sfn|Milgram|2012}} ou ainda nos próprios países que foram centrais nas ações militares do [[nazismo]], e também na fixação dos [[Campos de concentração nazistas|campos de concentração]], como a Alemanha.{{Sfn|Huyssen|2014}} Em ambos os casos, a temática sobre o como lidar com o passado e os usos políticos e públicos dele estariam em crescente debate.{{Sfn|Milgram|2012}}
 
=== Narrativa e usos políticos do passado ===
 
A discussão a respeito das rupturas e permanências dos eventos e acontecimentos é central nos estudos da História do Tempotempo Presentepresente. Um dos principais temas de análise são os usos e narrativas sobre o passado, pois é através deles que é possível realizar uma discussão acerca dos diferentes modos de dar significado e sentido ao passado na atualidade.{{Sfn|Nicolazzi|Bauer|2016|p=832}} Os usos do passado estariam diretamente associados às disputas sociais pela [[História do tempo presente#Memória|memória]] acerca de eventos passados, próximos ou não temporalmente.{{Sfn|Nicolazzi|Bauer|2016|p=831}} Com o crescimento, a partir da década de [[Década de 1980|1980]], das ondas memorialísticas, tiveram lugar novas disputas em torno das narrativas acerca do passado e o crescimento de análises de [[Historiador|historiadores]] preocupados com esses embates.{{Sfn|Nicolazzi|Bauer|2016|p=820}} Os usos do passado e as narrativas sobre ele, na perspectiva da História do Tempotempo Presentepresente, referem-se aos processos de construção narrativa a cerca da [[história]] e da memória, por historiadores ou por públicos diversos. As discussões relativas aos usos do passado estão ligadas diretamente a própria noção de [[História pública|História Pública]].{{Sfn|Santhiago|2016}} Nessa proposta, os usos públicos e políticos do passado articulam também os usos públicos da história por outros [[Indivíduo|indivíduos]] que não os próprios historiadores.{{Sfn|Santhiago|2016|p=24}}
 
[[Ficheiro:MulheresGuerrilheirasTerroristasCartaz.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|upright=1|Cartaz do período da [[Ditadura militar no Brasil (1964–1985)|ditadura civil-militar]].]]
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*[http://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho Revista História Oral]
 
*[http://www.seminariotempopresente.faed.udesc.br/|III Seminário Internacional de História do Tempotempo Presentepresente]
*[https://historiadorespelademocracia.tumblr.com Historiadores pela Democracia]
*[http://www.historiaoral.org.br Associação Brasileira de História Oral]