Peregrino (Roma Antiga): diferenças entre revisões

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Não havia lei alguma que impedisse a tortura dos peregrinos nos interrogatórios oficiais. Assim, estes eram sujeitos a uma justiça sumária, incluindo a execução, a critério do [[governador romano]]. Ao menos na teoria, os cidadãos romanos não podiam ser torturados e podiam insistir a ser julgados por uma audiência da corte do governador. Isto implicava que o governador agia como juiz, aconselhado por um consílio (''consilium'') de altos oficiais, bem como o direito do defendido a ter conselharia legal. Os cidadãos romanos também gozavam de uma salvaguarda importante: o direito a apelar uma sentença penal, especialmente se se tratava de uma [[pena de morte]], diretamente ao [[Imperador romano|imperador]].<ref>Burton (1987) 431</ref>
 
Com referência ao direito civil, os peregrinos estavam sujeitos às leis e tribunais das suas cividades (''[[civitas]]''; (uma circunscrição administrativa, similar a um condado, baseado nos territórios tribais pre-romanos). Por outro lado, os casos que envolviam cidadãos romanos eram adjudicados à corte do governador, segundo a regulamentação elaborada do direito civil romano.<ref>Burton (1987) 433</ref> Isto outorgou aos cidadãos uma vantagem substancial nas disputas com os peregrinos, especialmente sobre terras, pois o direito romano sempre prevalecia sobre as leis locais se ambas entravam em conflito. Além disso, os vereditos do governador estavam com frequência influenciados pelo status social das partes (e, com frequência, por suborno), mais que pela jurisprudência.<ref>Burton (1987) 432</ref>
 
Na esfera fiscal, os peregrinos estavam sujeitos a impostos diretos (''tributum''): estavam obrigados a pagar um [[poll tax|imposto per capita]] anual (''tributum capete''), uma fonte importante de renda para o Império. Os cidadãos romanos ficavam isentos deste imposto.<ref>Burton (1987) 427</ref> Como se esperaria duma economia agrária, a renda mais importante era o imposto predial (''tributum soli''), que era pago pela maior parte das terras provinciais. Novamente, a terra na península Itálica ficava isenta deste imposto, bem como a terra propriedade dos colonos romanos (''coloniae'') fora da península Itálica.<ref>Hassall (1987) 690</ref>
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==Autoridades locais==
Cada [[Província romana|província]] do [[Império Romano]] estava dividida em três tipos de autoridades locais: [[colônias romanas|colônias (''coloniae'', originalmente fundadas por veteranos legionários retirados), [[município romano|municípios]] (''municipia''; cidades com "direitos latinos", uma sorte de pseudo-cidadania) e cividade peregrinas (''civitates peregrinae''), as autoridades locais dos peregrinos.<ref>Hassall (1987) 689</ref>
 
As ''Civitatescividade peregrinae''peregrinas estavam baseadas nos territórios das [[Cidade-Estado|cidades-Estado]] pré-romanas do [[Mediterrâneo]] ou tribos nativas (a noroeste da [[Europa]] e as províncias do [[Danúbio]]), exceto as terras confiscadas pelos romanos após a conquista da província para prover terras aos veteranos legionários ou tornar-se estados imperiais.
 
Embora o governador provincial tivesse um poder absoluto para intervir nos assuntos da ''civitas''cividade, na prática, as ''civitates''cividade eram predominantemente autônomas, em parte devido a que o governador operava com uma burocracia mínima e simplesmente não tinha os recursos para uma gestão detalhada das ''civitates''cividades.<ref>Burton (1987) 426, 434</ref> As ''civitates''cividades coletavam e enviavam os seus ''tributum'' anuais (impostos per capita e predial) e realizaram os serviços requeridos, tais como manter as [[Calçada romana|calçadas]] que cruzavam o seu território. Portanto, a administração central provincial permitiu-lhes cuidar dos seus assuntos.
 
As ''civitatescividades peregrinae''peregrinas eram com frequência governadas pelos descendentes das aristocracias que as tinham dominado quando ainda eram entidades independentes, antes da conquista, embora muitos destes pudessem ter sofrido uma grande diminuição dos seus territórios durante o período de invasão.<ref>Mattingly (2006) 454</ref> Estas elites dominariam o conselho ''civitas''cividade e as magistraturas executivas, que estariam baseadas em instituições tradicionais. Eles decidiriam as disputas em conformidade com o direito consuetudinário tribal. Se à povoação principal de uma ''civitas''cividade era outorgado o status de ''municipium'', aos líderes eleitos de tal ''civitas''cividade e ao seu conselho inteiro (que podia estar composto de até 100 homens) era concedida automaticamente a cidadania.<ref>Hassall (1987) 694</ref>
 
Os romanos contavam com as elites nativas para manter as suas ''civitates''cividades em ordem e submissas. Eles asseguravam a lealdade destas elites concedendo-lhes favores substanciais: mercês de terras, cidadania e até mesmo a inscrição na classe alta na sociedade romana, a [[Senado romano|classe senatorial]], para aqueles que cumpriam com o limiar mínimo de propriedades.<ref>Hassall (1987) 692</ref> Estes privilegiados afiançaram ainda mais a riqueza e o poder das aristocracias nativas, a expensas das massas e dos seus concidadãos peregrinos.
 
==Propriedade da terra==
O [[Império Romano]] foi maiormente uma economia agrícola: mais de 80% da sua população vivia e trabalhava na terra.<ref>Mattingly (2006) 356</ref> Portanto, os direitos sobre o uso da terra e do seu produto foram o determinante mais importante da riqueza. A conquista romana e o Estado provavelmente levassem a um grande decaimento da situação econômica do camponês peregrino médio, em favor do Estado romano, os terratenentes romanos e as elites nativas leais ao Império. O Império Romano era uma sociedade com enormes disparidades na riqueza, com uma classe senatorial possuidora de uma proporção significativa de todas as terras no império, em forma de grandes ''latifundia'' (latifúndios), com frequência em várias províncias. Assim, por exemplo, [[Plínio, o Jovem]] declarava numa das suas cartas que durante o governo de [[Nero]] (54-68), a metade de toda a [[África (província romana)|Africa proconsularis]] (na atual [[Tunísia]]) era da posse de seis terratenentes privados.<ref>Thompson (1987) 556</ref> De fato, a classe senatorial, que era hereditária, foi em si parcialmente definida pela riqueza, pois qualquer pessoa alheia a tal classe que desejar somar-se a ela devia ter abundantes títulos de propriedade.
 
De conformidade com o [[direito romano]], as terras que tivessem pertencido a um povo vencido (''dediticii'') tornavam-se em propriedade do Estado romano. Uma parte destas terras seria assinada a colonos romanos. Algumas seriam vendidas aos grandes terratenentes romanos com o fim de arrecadar fundos para o tesouro imperial.<ref name=ref_duplicada_1>Duncan-Jones (1994) 48</ref> Algumas mantar-se-iam como "terras propriedade do Estado (''[[ager publicus]]'') que na prática eram geridas como bens imperiais. O restante seria devolvido à ''civitas''cividade que as possuía originariamente, mas não necessariamente retornavam à sua estrutura de propriedade prévia. Grande parte das terras pode ter sido confiscada aos membros das elites nativas que se opuseram aos invasores romanos e, como contrapartida, foram concedidas aos que os apoiaram. A estes últimos teria-se concedido assim mesmo terras que alguma vez tinham sido comunais.<ref>Mattingly (1987) 353-4</ref>
 
A proporção da terra em cada [[Província romana|província]] confiscada pelos romanos após a sua conquista é desconhecida. Porém, existem alguns indícios. Egito é a província melhor documentada, devido à sobrevivência de papiros nas condições secas do deserto. Ali, provavelmente, um terço das terras foram ''ager publicus''.<ref name=ref_duplicada_1 /> Da evidência disponível, pode-se concluir que, entre bens imperiais, terra assinada aos ''coloniae'' e terra vendida a terratenentes romanos privados, os peregrinos de província teriam perdido a propriedade de mais da metade das suas terras como resultado da conquista romana. Ainda, os colonos romanos teriam obtido habitualmente as melhores terras.