Usina hidrelétrica: diferenças entre revisões

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Os programas oficiais de compensação ambiental em regra são pouco eficientes e a inundação muitas vezes provoca graves danos diretos e indiretos à [[biodiversidade]] regional.<ref name="International"/> Uma revisão da bibliografia sobre os impactos sobre a biodiversidade das usinas em nível mundial concluiu que eles são geralmente subestimados, em particular nas regiões tropicais, e devido à escassez de estudos específicos, os impactos reais tendem a ser dissimulados e os legisladores e responsáveis tendem a tomar decisões inadequadas e adotar estratégias de manejo ineficientes.<ref>Branquinho, Amanda & Brito, Daniel. [http://revistas.unisinos.br/index.php/neotropical/article/view/nbc.2016.112.07 "Impact of dams on global biodiversity: A scientometric analysis"]. In: ''Neotropical Biology and Conservation'', 2016; 11 (2) </ref> Para as populações removidas ou afetadas negativamente de outras formas a construção de uma grande barragem frequentemente significa desemprego, problemas de saúde, pobreza, marginalização, insegurança e perda de raízes e patrimônios culturais, além de desencadear impactos negativos na economia regional tradicional. Raramente essas populações recebem a devida compensação pelos seus prejuízos. Os programas de reassentamento geralmente são morosos e complicados e seus resultados são insatisfatórios para os afetados.<ref name="Cernea"/> Em todo o mundo de 40 a 80 milhões de pessoas já foram removidas de seus locais de habitação contra sua vontade nos últimos 60 anos, e a maioria delas jamais recuperou seu antigo nível de vida. Povos indígenas e comunidades tradicionais são os mais prejudicados. A remoção forçada não é o único aspecto a considerar. Junto com as barragens vêm estradas, canais, linhas de transmissão da energia, projetos de irrigação e outros, que têm impactado negativamente milhões de outras pessoas, prejudicando seu acesso à água, a fontes de alimento e a outros recursos naturais. De 400 a 800 milhões de pessoas em todo o mundo já foram prejudicadas pelas múltiplas interferências nos sistemas hidrológicos regionais causadas pelas barragens.<ref>International Rivers. [https://www.internationalrivers.org/human-impacts-of-dams ''Human Impacts of Dams'']</ref> Frequentemente a construção de usinas envolve violações de [[direitos humanos]] e aumento nas desigualdades sociais.<ref>Juss, Satvinder ''et al''. [https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18804/GDHeE_Scabin%3B%20Poppovic.%20The%20environmental%20and%20social%20impacts%20of%20dams.pdf?sequence=1&isAllowed=y "The environmental and social impacts of dams"]. Law Schools Global League – Human Rights and Infrastructure Projects Group — Common Paper. Istanbul, 2014</ref>
[[File:Balbina Dam-5.jpg|thumb|left|Troncos de árvores não removidas no lago da Usina de Balbina.]]
 
As barragens também causam efeitos negativos muito distantes do seu local, especialmente pelas alterações no regime de vazão dos rios e pelas alterações na qualidade e temperatura da água a jusante, ameaçando a conservação de [[mata ciliar|matas ciliares]] ao longo dos rios, modificando os ecossistemas aquáticos e interferindo em sistemas de [[irrigação]] e abastecimento de água. Bloqueando as inundações periódicas naturais, fica impedida a fertilização natural das terras contíguas aos leitos fluviais, e, por consequência, afeta a agricultura e a oferta alimentos de grandes regiões. Os danos ambientais do represamento muitas vezes podem ser vastos e imprevisíveis.<ref name="McCartney"/> As bacias são altas emissoras de gases estufa, especialmente se localizadas em zonas tropicais e se a área inundada é vasta, devido à decomposição de matéria orgânica residual (troncos, folhas e material no solo) após a inundação. Bacias que não são limpas adequadamente antes da inundação emitem mais gases por longos períodos do que plantas produtoras de energia equivalente baseadas em [[combustíveis fósseis]].<ref>Faria, Felipe A M de ''et al''. [https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/10/12/124019/meta "Estimating greenhouse gas emissions from future Amazonian hydroelectric reservoirs"]. In: ''Environmental Research Letters'', 2015; 10 (12) </ref><ref>Fearnside, Philip M. & Pueyo, Salvador. [https://www.nature.com/articles/nclimate1540.epdf?referrer_access_token=EnkjVdDL44kD0MG-qq3kqtRgN0jAjWel9jnR3ZoTv0P_GRwOZUvGoIx30fxe4Be2dvP0TCnmelzG86WiPpfSFwYWnugsOinNp2m6QCiJTHiDEp6dWTlJ95eLrNoY9qJkP3k80RIVG435nFIPhwTtA_cpckMRIEPJDGHYe3yBPOEEmMQjlGHSIC75SpY1UleHp4Az0-a6ZabYGCLFN1GpMoW8CTiavngFK8Y4wbXzfdDrr8cgSTYxOMXdkOIHCHkS0WAQkrKLjoRuhIHHJpIuovtymJ68mD8YNiXUYAn2W_X4r6YndDZkAvB0wzw1boEseevrGf3CBSdA2kQxrjlpYuiFBN2k_7cqtpPQ0_Csct06u5OItdaNd0oSBHH-KOGLmE4odUOfEal16p6cLWUWmfmhXMkVFVRcDZOIzOJzhwHjc2qpXivotouSPMfJjeIe&tracking_referrer=news.mongabay.com "Greenhouse-gas emissions from tropical dams"]. In: ''Nature Climate Change'', 2012, 2 </ref> Projetos mal planejados também significam baixa eficiência e altos custos. É um exemplo clássico a [[Usina Hidrelétrica de Balbina|Usina de Balbina]], no estado do Amazonas. Implantada em uma região de planície, alagou 2360 km<sup>2</sup> de floresta tropical para produzir apenas 112,2 MW de energia. A floresta não foi removida antes do alagamento, perdendo-se uma vasta quantidade de madeira aproveitável, e sua decomposição acidificou e desoxigenou a água do reservatório, corroendo as turbinas, além de emitir desde sua construção dez vezes mais gases estufa do que uma [[usina termelétrica]] de potência equivalente, num total de 3 milhões de toneladas de carbono por ano. Pela escassa declividade do terreno, foram formadas várias áreas de água permanentemente estagnada. Um terço da população existente da etnia indígena [[Waimiri]]-[[Atroari]], que ali vivia, teve de ser realocada.<ref>Fearnside, Philip M. Brazil's [https://link.springer.com/article/10.1007%2FBF01867675 "Balbina Dam: Environment versus the legacy of the Pharaohs in Amazonia"]. In: ''Environmental Management'', 1989; 13 (4):401–423</ref><ref>Lourenço, Luana. [http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2007-11-02/usina-de-balbina-e-dez-vezes-pior-para-efeito-estufa-que-termeletrica-estima-pesquisador "Usina de Balbina é dez vezes pior para efeito estufa que termelétrica, estima pesquisador"]. ''Agência Brasil'', 02/11/2007</ref>
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A construção de pequenas usinas vem sendo incentivada e vem ganhando impulso, pois por algum tempo gera emprego e desenvolvimento local e é vista geralmente como de baixo impacto ambiental.<ref name="Midzic">Midzic-Kurtagic, Sanda ''et al.'' "Environmental impact assessment of small hydropower plants". In: ''24th International Conference on Efficiency, Cost, Optimization, Simulation and Environmental Impact of Energy Systems''. Novi Sad, Serbia, 2011</ref> Em todo o mundo existem cerca de 83 mil plantas, e milhares de outras estão em projeto.<ref name="Opperman"/> Contudo, o fato é que os efeitos globais das plantas pequenas são muito mal conhecidos, pois os estudos são bastante escassos neste tópico, e sua implantação em larga escala, sem um bom conhecimento sobre seus efeitos, tem o potencial de representar uma grande ameça pelos impactos cumulativos.<ref name="Benejam">Benejam, Lluís ''et al''. [https://www.researchgate.net/publication/269727208_Ecological_impacts_of_small_hydropower_plants_on_headwater_stream_fish_From_individual_to_community_effects "Ecological impacts of small hydropower plants on headwater stream fish: From individual to community effects"]. In: ''Ecology of Freshwater Fish'', 2016; 25 (2):295–306</ref><ref name="Salisbury">Salisbury, Claire. [https://news.mongabay.com/2018/03/small-hydropower-a-big-global-issue-overlooked-by-science-and-policy/ "Small hydropower a big global issue overlooked by science and policy"]. ''Mongabay'', 13/03/2018 </ref> Por outro lado, diversos trabalhos têm surgido recentemente analisando casos específicos, questionando as alegadas vantagens das usinas de pequena escala. Vários impactos são registrados já ao longo do processo de construção, como desmatamento, modificação na paisagem pela abertura de estradas e acessos, perturbação da rotina das comunidades afetadas pelo contínuo trânsito de materiais e equipamentos, levantamento de nuvens de poeira, produção de muito ruído, fumaça, lixo e resíduos industriais, alteração da qualidade da água do rio, bloqueios temporários no fluxo, morte de muitos animais, possíveis contaminações da água e solo pelo derramamento acidental de óleos, combustíveis e outras substâncias tóxicas. Isso depende muito da competência das construtoras e sua adequação às normas legais, bem como da fiscalização oficial, e muitos desses problemas são temporários. A ocorrência desse tipo de problemas, naturalmente, se verifica também na construção de grandes usinas, em escala muito maior.<ref name="Midzic"/>
[[File:Veazie Dam Removal (9353217918).jpg|thumb|Demolição do reservatório da Usina Veazie no rio Penobscot.]]
 
Outros impactos de pequenas usinas são permanentes. Uma revisão da bibliografia indicou que os principais são relacionados à criação de obstáculos nas correntes, a modificações no volume de fluxo e no nível da água e a variações na disponibilidade de alimentos para as espécies aquáticas e as dependentes das aquáticas. Esses impactos se potencializam com a construção de várias plantas no mesmo rio, uma solução comum em áreas de montanha.<ref name="Midzic"/> Uma análise de 116 pequenas usinas construídas na Suíça mostrou que elas produziram prejuízos significativos para o deslocamento de espécies migratórias e provocaram uma dramática redução na vazão das correntes durante a maior parte do ano, prejudicando a biodiversidade e a disponibilidade de água. Também foi apontado que elas prejudicaram a beleza cênica das paisagens. O benefício em termos de produção energética foi muito pequeno, atendendo a menos de 1% do consumo nacional. Outros exemplos são ilustrativos. Duas pequenas usinas construídas no rio Elwha nos Estados Unidos provocaram o desaparecimento de 99% da população dos salmões que reproduziam neste rio, levando o governo a decidir pela sua demolição e criação de um plano de repovoamento, a um custo de 350 milhões de dólares. Três usinas no rio Penobscot, que produziam juntas apenas 18 MW, também foram demolidas devido ao desaparecimento de espécies nativas.<ref name="Opperman">Opperman, Jeff. [https://www.forbes.com/sites/jeffopperman/2018/08/10/the-unexpectedly-large-impacts-of-small-hydropower/#6eba75557b9d "The Unexpectedly Large Impacts Of Small Hydropower"]. ''Forbes'', 10/08/2018</ref> Uma pesquisa sobre 16 usinas na bacia do rio Ter na Catalunha apontou declínio na biodiversidade, declínio na qualidade e quantidade dos [[habitat]]s e níveis de água mais baixos.<ref name="Benejam"/> Um estudo analisando os efeitos da construção de cinco usinas no mesmo rio Xiangxi, na China, encontrou mudanças na velocidade e nível da água e impactos difusos em todas as 4656 espécies de invertebrados estudados, especialmente em termos de redução na abundância geral e nos predadores e filtradores em particular.<ref>Xiaocheng, Fu ''et al.'' [https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1872203208600190 "Impacts of small hydropower plants on macroinvertebrate communities"]. In: ''Acta Ecologica Sinica'', 2008; 28 (1):45-52</ref> Três estudos recentes conduzidos na Espanha, China e Noruega concluíram que as usinas pequenas produzem impactos negativos no ambiente proporcionalmente maiores que as grandes usinas para cada MW produzido, e a energia custa cerca de 15% mais para ser gerada.<ref name="Opperman"/> Segundo David Kaplan, chefe de um grupo de pesquisa da [[Universidade da Flórida]], as pequenas usinas podem causar um impacto proporcionalmente até dez vezes maior dosdo que as grandes. Isso se agrava porque o licenciamento ambiental desses projetos em muitos países é pouco exigente ou é inexistente, e sua pequenabaixa produtividade energética impõe a grande multiplicação das plantas para suprir a demanda.<ref name="Salisbury"/>
[[Ficheiro:Itaipu Aerea.jpg|thumb|Usina de Itaipu.]]
 
Também por muito tempo as hidrelétricas foram divulgadas pelos governos e companhias como fontes de energia barata, mas isso não corresponde bem aos fatos. Especialmente as grandes usinas têm um custo real que em regra ultrapassa em muito as estimativas oficiais, geralmente levam muito mais tempo para construir do que o previsto, e segundo a Comissão Mundial de Represas, no melhor dos casos as grandes represas são apenas marginalmente viáveis em termos econômicos.<ref>International Rivers. [https://www.internationalrivers.org/economic-impacts-of-dams ''Economic Impacts of Dams''].</ref> Uma revisão da bibliografia publicada em 2014 indicou que em países emergentes o balanço é negativo, inclusive gerando [[inflação]] e alto endividamento público. Cerca de metade das usinas estudadas tiveram um custo tão alto a ponto de serem dadas como perdidas. No Brasil, a construção de [[Usina Hidrelétrica de Itaipu|Itaipu]] prejudicou as finanças nacionais por três décadas, e a despeito da sua importância central no sistema energético do país, economicamente ela provavelmente nunca pagará seus custos de construção e manutenção.<ref>Ansar, Atif ''et al''. [https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2406852 "Should We Build More Large Dams? The Actual Costs of Hydropower Megaproject Development"]. In: ''Energy Policy'', 2014; 69:43-56</ref><ref name="Flyvbjerg"/> A [[Usina de Belo Monte]] também é um caso de megaprojeto em que os custos provavelmente ultrapassarão os benefícios,<ref name="Flyvbjerg">Flyvbjerg, Bent & Ansar, Atif. [https://www.theguardian.com/sustainable-business/hydroelectric-dams-emerging-economies-oxford-research "Hydroelectric dams are doing more harm than good to emerging economies"]. ''The Guardian'', 07/04/2014 </ref> além de estar envolvida em uma grande controvérsia desde o início por uma série de irregularidades em sua construção, omissão de dados relevantes, violação de direitos humanos e prejuízos múltiplos causados à comunidade e ambiente regionais.<ref>Prates, Camila Dellagnese & Almeida,
Jalcione. [http://www.ufrgs.br/temas/artigos/2015_Gianezini_e_Libardoni.pdf "Controvérsias tecnocientíficas no licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte: a tecnociência sob a agência do Direito"]. In: Gianezini, K. & Libardoni, J. P. (orgs.). ''Estudos contemporâneos em Ciências Jurídicas e Sociais'', vol. III. Editora CRV, 2015, pp. 187-209</ref><ref> Sullivan, Zoe. [https://pt.mongabay.com/2017/02/brasil-desprovido-barragem-belo-monte-devastadora-as-culturas-indigenas/ "Brasil desprovido: a barragem de Belo Monte é devastadora para as culturas indígenas"]. ''Mongabay'', 15/02/2017</ref>