Luta armada contra a ditadura militar brasileira: diferenças entre revisões

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A [[Lei da Anistia]] aprovada pelo governo anunciava a anistia aos que "cometeram crimes políticos ou conexo com estes", incluindo aos torturadores e agentes da repressão, embora deixasse de fora os militantes da luta armada acusados de homicídio. Estes, porém, acabaram sendo libertados através de outros recursos jurídicos, como revisões de pena e indultos.{{Sfn|Napolitano|2014|p=316}}
 
==Legado e memória==
 
Na segunda metade da década de 1970, cresciam os movimentos de oposição e mesmo parte da elite econômica rompia com a ditadura, criticando a ingerência estatal na economia e a burocracia do regime. Assim, lideranças liberais, políticas e empresariais adensaram um discurso oposicionista e crítico ao regime, chegando a incorporar inclusive elementos do discurso da esquerda moderada, que não advogava a luta armada e nem a radicalização dos movimentos sociais. A partir dessa convergência, criou-se uma memória sobre a ditadura militar que se tornou hegemônica, incorporando elementos do liberalismo e da crítica de esquerda.{{Sfn|Napolitano|2014|p=334}} Nesse discurso, responsabilizam o radicalismo dos reformistas de esquerda como responsável pela queda de João Goulart, e, igualmente, condenam a linha dura militar e os movimentos guerrilheiros de esquerda, culpabilizando-os pela crise que fez o país mergulhar nos chamados "[[anos de chumbo]]". Ao rejeitar os radicalismos de direita e esquerda, essa memória atribuiu responsabilidades morais idênticas para atores politicamente assimétricos, motivados por valores totalmente diferentes, ao mesmo tempo em que construiu um espaço político que incorporou desde setores moderados das Forças Armadas até militantes da esquerda não armada. Essa memória colocou a censura, a tortura e a falta de liberdades civis como consequências do fechamento do regime após o pronunciamento do AI-5, em 1968, considerada como uma resposta da linha dura aos movimentos radicalizados de esquerda e que acabou por vitimar a sociedade civil como um todo. A condenação da linha dura militar e da guerrilha foi o cerne dessa memória que pretendeu reconciliar o Brasil pós-ditadura.{{Sfn|Napolitano|2014|p=336}}
 
Em que pese a incorporação de elementos importantes da cultura de esquerda, a memória hegemônica sobre a ditadura foi construída fundamentalmente sobre bases liberais, tendendo a privilegiar a estabilidade institucional e criticar as alternativas radicais e extrainstitucionais. Ao mesmo tempo em que condenava politicamente os militares da linha dura e os guerrilheiros pelos seus "excessos", também os absolvia, numa tentativa de aplacar as diferenças ideológicas e apagar os traumas gerados pela violência política, propiciando a reconstrução de um espaço político conciliatório e moderado. Essa memória foi institucionalizada pela Lei de Anistia de 1979, que anistiou não somente os presos políticos, mas também seus torturadores.{{Sfn|Napolitano|2014|p=337-338}}
 
A violência do Estado durante a ditadura militar, no entanto, provocou traumas que penetraram na sociedade e deixaram em segundo plano as tensões causadas pela própria guerrilha de esquerda. Mesmo aqueles que não tinham simpatia pela esquerda em armas choraram-se quando os relatos dos sobreviventes da tortura começaram a aparecer durante o processo de transição democrática.{{Sfn|Napolitano|2014|p=338}} A transição brasileira, no entanto, foi longa e tutelada pelos militares, com grande controle sobre o sistema político e altamente institucionalizada na forma de leis e salvaguardas, negociada sobretudo entre os setores da oposição liberal e moderada. Nesse processo, a hegemonia liberal e moderada neutralizou as demandas por justiça da esquerda atingida diretamente pela repressão.{{Sfn|Napolitano|2014|p=342}}
 
Por outro lado, a anistia coincidiu com a recomposição do ambiente político e do sistema partidário, dentro do qual setores antes perseguidos pela ditadura puderam se acomodar e voltar a exercer uma militância mais ou menos tolerada. Assim, o tema da justiça ficou em suspenso, e a prioridade das esquerdas era a derrubada da ditadura e o fortalecimento dos movimentos sociais que emergiam naquele cenário político. Mesmo a literatura de testemunho, que abundou entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, frequentemente escrita por ex-guerrilheiros, serviu para solidificar a memória hegemônica em muitos casos, fazendo uma autocrítica explícita ou velada à luta armada, considerando-a enquanto um capítulo necessário, porém superado, da oposição ao regime militar.{{Sfn|Napolitano|2014|p=343}} Destacam-se, nesse sentido, os livros ''[[Em câmera lenta]]'' (1977), de [[Renato Tapajós]], e ''[[O Que É Isso, Companheiro?]]'' (1979), de [[Fernando Gabeira]].{{Sfn|Filho|2002|p=183-184}} Nesses livros, a denúncia da tortura aparece como pedra angular sobre a qual se constrói a memória dos ex-guerrilheiros sobre a ditadura militar.{{Sfn|Filho|2002|p=186}}
 
{{Referências}}