Francisco Félix de Sousa: diferenças entre revisões

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'''Francisco Félix de Sousa''' ([[Salvador (Bahia)|Salvador]], 4 de outubro de [[1754]] — [[Ouidah|Uidá]], [[Benim]], 4/8 de maio de [[1849]]) foi o maior [[tráfico de escravos|traficante de escravos]] [[brasil]]eiro e '''Chachá''' da atual cidade de [[Ouidah|Uidá]] no [[Benim]]. É uma figura histórica controversa, tanto pelo poder e riqueza que obteve, quanto pelas suas origens, pois era, provavelmente, um [[mulato]]<ref name="veja1832">{{citar web |url=http://veja.abril.com.br/101203/p_114.html |publicado=[[Veja]] |autor=OLTRAMANI, Alexandre |título=Veja, edição 1832 |data=10 de dezembro de 2003 |acessodata=30 de agosto de 2008}}</ref> ou [[mestiço]]<ref>{{citar web |url=http://www.tesisenxarxa.net/TESIS_UV/AVAILABLE/TDX-0127105-131719//garcia.pdf |publicado=Tesisenxarxa.net |formato=PDF |obra= |autor=Dolores Cantus. Fernando Poo |título=Una Aventura Colonial Española en el África Occidental |língua= |ano=1778-1900 |página= 195 |acessodata=30 de agosto de 2008}}</ref> indefinido.<ref name="silva">[[Alberto da Costa e Silva|SILVA, Alberto da Costa e]]. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/EdUERJ, 2004</ref>
[[Imagem:Francisco Félix de Souza.jpg|thumb|250px|<center>Francisco Félix de Souza</center>]]
 
== Biografia ==
Seus descendentes registraram em seu túmulo que ele nasceu em 4 de outubro de [[1754]].<ref name="retornados">{{citar web |url=http://www.osretornados.globolog.com.br/archive_2008_04_07_3.html |publicado=Osretornados.globolog.com.br |obra= |autor= |título=Os Retornados - O Brasil na África |data= |acessodata=20 de agosto de 2008}}</ref> Entretanto, outros dizem que ele nasceu em [[1771]].<ref name="veja1832"/> Certa somente é a data de sua morte: 8 de maio de [[1849]].<ref name="silva"/>
 
Era filho de um [[Portugueses|português]] traficante de [[escravo]]s e de uma índia.<ref>[http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/poderoso-chefao-474588.shtml O Poderoso Chefão - Guia do Estudante]</ref> Aos 17 anos foi [[alforria]]do.<ref name="veja1832"/> Entretanto, seus descendentes o retratam atualmente como se fosse muito [[branco]] e louro.<ref name="retornados"/> O mais provável é que tenha sido um [[mestiço]] indefinido.<ref name="silva"/>
 
Conforme contado pela sua família, Francisco Félix estabeleceu-se em [[1788]] no atual [[Benim]].<ref name="desouza">{{citar web |url=http://www.cartasdafrica.com/familias/desouza.htm |publicado=Cartasdafrica.com |obra= |autor= |título=De Souza - Benim |língua= |data= |acessodata=20 de agosto de 2008}}</ref> Entretanto, é mais provável que Francisco Félix tenha se estabelecido definitivamente na [[África]] em [[1800]], depois de várias viagens, a primeira entre [[1792]] e [[1795]].<ref name="law">{{citar web |url=http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br/media/topoi2a1.pdf |publicado=[[Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro]] |formato=PDF |autor=LAW, Robin |título=A carreira de Francisco Félix de Souza na África Ocidental |ano=1800-1849) |acessodata=30 de agosto de 2008}}</ref>
 
O litoral da [[baía de Benin]] e seus arredores era, nesta época, uma das regiões mais densamente povoadas da África e conhecida internacionalmente como "[[Costa dos escravos|Costa dos Escravos]]", devido ser este o seu principal produto de [[exportação]]. O rei da cidade de [[Abomey]], também chamada de [[Daomé|Abomé]], localizada no interior, dominava a região da [[baía de Benim]], embora lá houvesse vários fortes de feitorias[[feitoria]]s europeias, entre os quais a já antiga fortaleza portuguesa de [[fortaleza de São João Baptista de Ajudá|São João Baptista de Ajudá]], localizada na atual cidade de [[Ouidah|Uidá]].
 
Pela estrutura econômica do reino de [[Daomé]], o rei era dono de toda a terra e detinha o [[monopólio]] de todo o comércio podendo conceder concessões aos comerciantes. Nesta época, praticamente oos únicoúnicos produtos exportadoexportados era escravos[[escravo]]s, o que também acontecia nos reinos vizinhos.
 
Francisco Félix começou a negociar na região atuando como traficante de escravos, a mesma profissão que tinha sido exercida por seu pai. Entretanto, como chegou na [[África]] praticamente em estado de miséria, alguns relatos dizem que entrou no negócio de tráfico de escravos levado pelo seu sogro Comalangã, régulo da ilha de Glidji, na localidade de Popó, e pai de sua primeira esposa, Jijibu ou Djidgiabu.<ref name="silva"/>
 
Tudo indica que não teve inicialmente sucesso nos negócios, pois em [[1803]] empregou-se na [[Fortaleza de São João Baptista de Ajudá]] como [[escrivão]] e [[contador]]. Em [[1804]], seu irmão [[Jacinto José de Sousa]] partiu do [[Brasil]] para assumir o cargo de Comandante desta mesma [[fortaleza de São João Baptista de Ajudá|fortaleza]] em que ele trabalhava, mas isto foi apenas coincidência.<ref name="law"/>
 
Em [[1805]], seu irmão morreu e ele assumiu, sem autorização do governo português, o cargo de 16.º Director da [[Fortaleza de São João Baptista de Ajudá]], em exercício até 1818 e em definitivo até 1844, e desde 7 de Setembro de 1822 até esse ano sob a soberania do [[Império do Brasil]].<ref name="desouza"/><ref name="law"/> Depois de algum tempo abandonou a função, pois obteve autorização real para comerciar, incluindo traficar escravos que eram comprados diretamente do rei de [[Daomé]], [[Adandozan]]. Os escravos eram pagos com búzios[[búzio]]s (uma forma de [[moeda]] local) ou, como ficou comum depois de certa época, com mercadorias importadas da [[Europa]] (tecidos de algodão, veludos, damascos, lãs e sedas, armas de fogo, pólvora, contaria, facas, catanas, manilhas, vasilhame de cobre e latão) ou das Américas (tabaco baiano, cachaça, rum).<ref name="silva"/> Mesmo depois da [[Independência do Brasil]], os produtos manufaturados europeus eram contrabandeados do Brasil, uma vez que a Coroa portuguesa não permitia que tais itens fossem transportados em navios brasileiros.
 
Quando já estava muito rico, Francisco Félix afrontou o rei [[Adandozan]] por não ter recebido os escravos pelos quais pagara adiantadamente com mercadorias. Caiu em desgraça perante o rei e foi preso quando visitava a cidade de [[Daomé|Abomei]], capital de [[Daomé]]. O poder do rei de [[Daomé]] sobre os súditos era total: era comum a morte em sacrifícios humanos, a execução de centenas de [[prisioneiros de guerra]] ou a venda de milhares como escravos para as [[Américas]]. Entretanto, a tradição de sua família conta que o branco era a cor da morte e matar um branco, mesmo um mulato, era tabu. O rei [[Adandozan]] ordenou então que Francisco Félix fosse imergido em tonéis de [[índigo]] para que ficasse azul-escuro e nunca mais usasse a cor da pele para afrontar o rei.<ref name="silva"/>
 
Nesta época, conheceu [[Guezô|Guapê]], um meio-irmão do rei [[Adandozan]], tornou-se seu amigo e, com sua influência, conseguiu ser libertado ou fugiu de [[Daomé|Abomé]] para Popó Pequeno,<ref name="law"/> terra de seu primeiro sogro, Comalangã. Francisco Félix e [[Guezô|Guapê]] fizeram um pacto ''[[vodu]]'' de sangue<ref name="silva"/> e começaram a conspirar para depor o rei [[Adandozan]]. Francisco Félix contrabandeou armas e munições para [[Guezô|Guapê]] que, em [[1820]],<ref name="desouza"/> derrubou [[Adandozan]] do poder e tornou-se rei de [[Daomé]], assumindo o nome de [[Guezô]].
 
O rei [[Guezô]] concedeu-lhe, em [[1821]], o cargo de primeiro conselheiro<ref name="viallard">{{citar web |url=http://revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17_23_8.pdf |publicado=Revues-plurielles.org |formato=PDF |obra= |autor=VIALLARD, Monique |título=La communauté afro-brésilienne du Golfe du Bénin |língua= |data= |acessodata=30 de agosto de 2008}}</ref> e o título de '''Chachá'''.<ref>{{citar web |url=http://www.cartasdafrica.com/paises/gana.htm |publicado=Cartasdafrica.com |obra= |autor= |título=Gana |língua= |data= |acessodata=20 de agosto de 2008}}</ref> A origem do nome do título é desconhecida. Possivelmente era seu apelido,<ref name="law"/> originado do modo com que Francisco Félix costumava apressar os negócios dizendo "já, já".<ref name="silva"/> Não é correto que o título de Chachá conferisse poderes de vice-rei e "chefe dos brancos". Estes poderes eram conferidos com o título de Yovogan que esteve com um daomeano chamado Dagba durante a maior parte da vida de Francisco Félix em [[Ouidah|Uidá]]. Um estrangeiro que chegasse na cidade tinha que falar com o Yovogan antes de se encontrar com o Chachá.<ref name="law"/> Francisco Félix, como todo traficante rico do reino, tinha o título de "cabeceira" do reino e a obrigação de fornecer soldados armados para o rei. Portanto, suas atividades eram mais comerciais do que políticas.<ref name="law"/>
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O rei [[Guezô]] concedeu-lhe também o total controle do comércio exterior do reino de [[Abomé]].<ref name="retornados"/> Atuava como agente do rei, gozando do privilégio real da primeira opção: "os outros comerciantes só podiam transacionar com aquilo que ele não desejava".<ref name="law"/> Devido ao grande crescimento do tráfico de escravos para o Brasil que ocorria na época, Francisco Félix acumulou uma fortuna gigantesca. Além do virtual monopólio do comércio de escravos sediado em [[Ouidah|Uidá]], também exportava azeite de dendê, noz-cola e outros produtos do reino. Importava tecidos, tabaco, aguardente, armas de fogo, pólvora e utensílios de metal, produtos utilizados no escambo para aquisição de escravos.<ref name="silva"/> Teve vários sócios no Brasil como o banqueiro Pereira Marinho, que recebeu os seus filhos que viajaram para estudar. O [[conde de Joinville]] considerava-o um dos três homens mais ricos de seu tempo.<ref name="desouza"/>
 
Depois da [[Independência do Brasil]], ofereceu, em nome do rei [[Guezô]], o [[protetorado]] do reino de [[Daomé]] e a posse da [[fortaleza de São João Baptista de Ajudá]] ao imperador [[D. Pedro I]] do Brasil<ref name="silva2">{{citar web |url=http://www.javeriana.edu.co/Genetica/Libros%20America%20Negra/AmericaNegra9.pdf |publicado=Javeriana.edu.co |formato=PDF |autor=SILVA, Alberto da Costa e |título=Brasil, Africa y el Atlántico en el Siglo XIX |língua= |obra=America Negra, Bogotá: Pontifícia Universidad Javeariana |data=Junho de 1995 |página=151 |acessodata=30 de agosto de 2008}}</ref> O acordo não prosperou e, a partir de então, Francisco Félix vai passar a dizer-se cidadão português, talvez porque isto lhe conferia vantagens jurídicas, oriundas de acordos internacionais, quando seus navios eram apresados pela frota britânica.<ref name="law"/>
 
Quando os ex-escravos alforriados no Brasil ou seus descendentes voltavam para o [[Benim]], encontravam em Francisco Félix um ponto de referência da [[cultura afro-brasileira]] na região. Ao mesmo tempo, Francisco Félix agia como um protetor local daqueles que, contraditoriamente, poderiam ter sido enviados por ele como escravos para o Brasil. Assim, em torno da rica residência do traficante de escravos formou-se um bairro de [[Agudás]] (descendentes de escravos do Brasil que retornaram para [[África]]), atualmente chamado Brasil (em francês, Brésil, em língua [[fon]], Blezin).<ref name="silva"/>
 
Por volta de [[1845]], Francisco Félix estava arruinado e devendo dinheiro ao rei. A causa mais provável do seu declínio foram os enormes prejuízos que a frota britânica causava ao passar a apreender seus [[Navio negreiro|navios negreiros]]. Com seu empobrecimento, o rei [[Guezô]] deixou de considerá-lo como o único agente real para o comércio exterior, mas ainda o manteve como um funcionário coletor de taxas por escravo exportado e emprestava dinheiro para ele.<ref name="law"/> Nesse mesmo ano foi o 2.º Governador da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá até à sua morte a 4/8 de Maio de 1849.
 
Seus descendentes contam que morreu com 94 anos.<ref name="desouza"/> Deixou viúvas 53 mulheres, mais de 80 filhos homens e 2 mil escravos. O rei [[Guezô]] concedeu-lhe um funeral de grande chefe daomeano, no qual, apesar dos protestos de seus filhos, houve até a oferenda de [[Sacrifício humano|sacrifícios humanos]], honra conferida somente aos enterros reais.<ref name="law"/> Foi enterrado no mesmo quarto onde dormia e seu túmulo é até hoje reverenciado pelos seus descendentes e pelos [[Agudás]].<ref name="desouza"/>
 
Alguns de seus filhos homens mais velhos estudaram no Brasil, alguns dos mais novos em Portugal.<ref name="silva"/> Depois de uma disputa feroz entre os três filhos mais ricos, um deles, Isidoro Félix de Sousa, foi escolhido pelo rei [[Guezô]] para sucedê-lo com o título de Chachá II,<ref name="law"/> que então passou a ser hereditário, o qual em 1851 foi o 26.º Governador Subalterno da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá, cargo que ocupou até 8 de maio de 1858 tendo, nesse mesmo ano, seu filho Francisco Félix de Sousa, Chachá III, sido nomeado 29.º Governador. Os seus descendentes, a família Souza, têm até hoje uma grande importância política e social em [[Benim]], sendo líderes da comunidade de [[Agudás]]. Também podem ser encontrados descendentes em toda a região do centro-oeste africano, especialmente no país vizinho [[Togo]].<ref>{{citar web |url=http://www.schaumloeffel.net/ghana/lula/Infos_sobre_os_Tabom_e_durbar.pdf |publicado=Schaumloeffel.net |formato=PDF |obra= |autor=SCHAUMLOEFFEL, Marco Aurélio |título=Informações sobre os Tabom e o Durbar por eles organizado |língua= |data= |acessodata=30 de agosto de 2008}}</ref> Um descendente direto, Honoré Feliciano Julião Francisco de Souza, é o oitavo Chachá, um [[título de nobreza]] sem poder político, mas que confere grande prestígio social. Nos dias de festas da comunidade dos [[Agudás]], Chachá VIII comparece paramentado com vestes reais e acompanhado de nobres e rainhas locais. Cada novo Chachá assume o título com uma visita obrigatória ao rei de [[Daomé]], hoje sem poder político, mas ainda reverenciado como líder religioso. Nesta visita são reforçados os antigos laços de união entre a família Souza e a família real do [[Daomé]].<ref>{{citar web |url=http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702000000300009&tlng=en&lng=en&nrm=iso |publicado=Scielo.br |obra= |autor= |título=Agudás — de africanos no Brasil a ‘brasileiros’ na África |data= |acessodata=20 de agosto de 2008}}</ref>
 
== Trívia ==
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* Foi tema de um [[documentário]] de Joana Cunha Ferreira (Filmes do Tejo, Portugal), que se debruça essencialmente sobre a forma como sua memória é ainda vivida por seus descendentes em [[Benim]].
* É personagem do romance ''Escravos'', do [[togo]]lense [[Kangni Alem]], traduzido para o português e publicado em 2011.
 
== Bibliografia ==
* [https://books.google.com.br/books?id=p6ezTRkCN6IC&pg=PT239&lpg=PT239&dq=%22A+Porta+do+n%C3%A3o+retorno%22&source=bl&ots=Xr8HX8uo5k&sig=ZjZgLF6N0FJstALvlYg1rzF23A0&hl=pt-BR&sa=X&ved=0CCwQ6AEwAzgKahUKEwiR7Mn42Y3HAhVMHR4KHSfUBI4#v=onepage&q=%22A%20Porta%20do%20n%C3%A3o%20retorno%22&f=false Até Lá Abaixo Por TIAGO CARRASCO]
== Referências ==
{{reflist|2}}
 
== Ver também ==
* [[Agudás]]
* [[Tabom]]
*[[Ghezo]]
* [[Escravidão no Brasil]]
* [[Escravidão na África]]
* [[Ghezo]]
* [[Tabom]]
 
== Bibliografia ==
* [https://books.google.com.br/books?id=p6ezTRkCN6IC&pg=PT239&lpg=PT239&dq=%22A+Porta+do+n%C3%A3o+retorno%22&source=bl&ots=Xr8HX8uo5k&sig=ZjZgLF6N0FJstALvlYg1rzF23A0&hl=pt-BR&sa=X&ved=0CCwQ6AEwAzgKahUKEwiR7Mn42Y3HAhVMHR4KHSfUBI4#v=onepage&q=%22A%20Porta%20do%20n%C3%A3o%20retorno%22&f=false Até Lá Abaixo Por TIAGO CARRASCO]
 
== {{Referências =|col=3}}
 
== Ligações externas ==
* [http://www.osretornados.globolog.com.br/archive_2008_04_07_3.html Os Retornados - O Brasil na África] (visitado em 20 de agosto de 2008) - Fotos do túmulo e dos descendentes de Francisco Félix de Sousa com suas reminiscências e tradições.
 
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