Hator: diferenças entre revisões

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Hator era frequentemente representada como uma [[Gado em religião|vaca]], simbolizando seu aspecto maternal e celestial, porém sua forma mais comum era de uma mulher usando um adereço de cabeça formado por chifres de vaca e um disco solar. Também podia ser representada como leoa, cobra ou uma [[Ficus sycomorus|árvore de plátano]]. Deusas de gado similares a Hator foram representadas na [[Arte do Antigo Egito|arte egípcia]] durante o [[Época Tinita|Período Dinástico Precoce]], porém ela só foi aparecer no [[Império Antigo]]. Ela se tornou uma das mais importantes divindades do [[Antigo Egito]] a partir do padronado dos governantes do Império Antigo. Tinha mais templos dedicados ao seu culto do que qualquer outra deusa, com o principal ficando em [[Dendera]] no [[Alto Egito]]. Também era venerada nos templos de seus consortes. Os egípcios a conectavam com terras estrangeiras como a [[Núbia]] e [[Canaã]] e suas valiosas mercadorias, com algumas pessoas dessas áreas adotando sua veneração. No Egito era uma das divindades comumente invocadas em orações particulares e ofertas votivas.
 
Deusas como [[Mut]] e [[Ísis]] invadiram a posição de Hator na ideologia real durante o [[Império Novo]], porém ela continuou como uma das divindades mais amplamente cultuadas. Hator foi cada vez mais sobrepujada por Ísis a partir do [[Terceiro Período Intermediário]], principalmente durante o [[Reino Ptolemaico]], quando os novos governantes [[Mundo greco-romano|greco-romanos]] conectaram suas próprias divindades com as egípcias a fim de solidificar seu poder, combinando os traços de Hator e [[Afrodite]] em Ísis para o tratamento de suas rainhas. Hator ainda assim continuou a ser venerada em alguns locais até a extinção da religião egípcia em meados do século {{séc|IV}}.
 
==Origens==
[[Ficheiroimagem:Narmer Palette smiting side.jpg|thumb|esquerda|upright=1.05|A Paleta de Narmer, c. século {{-séc|XXXI a.C.}}. O rosto de uma mulher com chifres e orelhas de vaca, representando Hator ou Bat, aparece duas vezes no topo e no sinto usado pelo faraó.]]
Imagens de gado apareciam frequentemente na [[Arte do Antigo Egito|arte]] do [[Pré-história do Egito|Período Pré-Dinástico]] (antes de c. {{AC|3100|X}}), assim como imagens de mulheres com braços curvados e para cima semelhantes ao formato dos chifres bovinos. Ambas podem representar [[Panteão egípcio|deusas]] conectadas com o [[Gado em religião|gado]].<ref> {{harvnb|Hassan|1992|p=15}} </ref> Vacas eram veneradas em muitas culturas, incluindo no [[Antigo Egito|Egito]], como símbolos de maternidade e nutrição, pois cuidavam de seus bezerros e supriam os humanos com leite. A Paleta de Gerzeh, uma [[Paleta cosmética|paleta de pedra]] do período [[Cultura Gerzeana|Nacada II]] (c. 3 500–{{AC|3200|X}}), mostra a silhueta de uma cabeça de vaca com chifres curvados para dentro e cercados por estrelas. Ela sugere que a vaca era relacionada com o céu, assim como várias deusas de períodos posteriores que foram representadas dessa maneira: Hator, Mehet-Weret e [[Nut]].<ref> {{harvnb|Lesko|1999|pp=15–17}} </ref>
 
Imagens de gado apareciam frequentemente na [[Arte do Antigo Egito|arte]] do [[PréPeríodo pré-históriadinástico do Egito|Período Pré-Dinástico]] (antes de c. {{AC|3100|X}}), assim como imagens de mulheres com braços curvados e para cima semelhantes ao formato dos chifres bovinos. Ambas podem representar [[Panteão egípcio|deusas]] conectadas com o [[Gado em religião|gado]].<ref> {{harvnbsfn|Hassan|1992|p=15}} </ref> Vacas eram veneradas em muitas culturas, incluindo no [[Antigo Egito|Egito]], como símbolos de maternidade e nutrição, pois cuidavam de seus bezerros e supriam os humanos com leite. A Paleta de Gerzeh, uma [[Paleta cosmética|paleta de pedra]] do período [[Cultura Gerzeana{{lknb|Nacada |II]] (c. 3}} 500–{{AC-nwrap|c.|3500|3200|X}}), mostra a silhueta de uma cabeça de vaca com chifres curvados para dentro e cercados por estrelas. Ela sugere que a vaca era relacionada com o céu, assim como várias deusas de períodos posteriores que foram representadas dessa maneira: Hator, Mehet-Weret e [[Nut]].<ref> {{harvnbsfn|Lesko|1999|pp=15–17}} </ref>
Hator, apesar desses precedentes, só foi ser mencionada ou representada inequivocamente na [[IV dinastia egípcia|Quarta Dinastia]] (c. 2 613–{{AC|2494|X}}) do [[Império Antigo]] (c. 2 686–{{AC|2181|X}}),<ref name=wilkinson244245 > {{harvnb|Wilkinson|1999|pp=244–245}} </ref> porém vários artefatos que se referem a ela podem na verdade datar do [[Época Tinita|Período Dinástico Precoce]] (c. 3 100–{{AC|2686|X}}).<ref> {{harvnb|Gillam|1995|p=214}} </ref> Seus chifres de vaca se curvam para fora, diferentemente de para dentro como aqueles que eram representados no Período Pré-Dinástico, quando Hator claramente aparece. Uma divindade bovina com chifres curvados para dentro aparece na [[Paleta de Narmer]] no início do Período Dinástico Precoce, tanto em cima da paleta quanto no cinto usado pela [[faraó]] [[Narmer]]. O egiptólogo Henry George Fischer sugeriu que essa divindade pode ser [[Bat (deusa)|Bat]], uma deusa que foi depois representada com rosto de mulher e uma antena curvada para dentro, aparentemente refletindo a curvatura dos chifres de vaca.<ref> {{harvnb|Fischer|1962|pp=11–14}} </ref> Por outro lado, a egiptóloga Lana Troy identificou uma passagem dos ''[[Textos das Pirâmides]]'' do fim do Império Antigo que conecta Hator com as vestes do faraó, reminiscente da deusa no cinto de Narmer, sugerindo então que a divindade representada na Paleta de Narmer é Hator e não Bat.<ref name=wilkinson244245 /><ref> {{harvnb|Troy|1986|p=54}} </ref>
 
Hator, apesar desses precedentes, só foi ser mencionada ou representada inequivocamente na [[IV dinastia egípcia|Quarta Dinastia]] ({{nwrap|c. 2 613–{{AC|2613|2494|X}}) do [[Império Antigo]] (c. 2 686–{{AC-nwrap|2181c.|2686|X2160}}),<ref name=wilkinson244245 > {{harvnbsfn|name=Wi245|Wilkinson|1999|pp=244–245}} </ref> porém vários artefatos que se referem a ela podem na verdade datar do [[Época Tinita|Período Dinástico Precoce]] (c. 3 100–{{AC-nwrap|c.|3100|2686|X}}).<ref> {{harvnbsfn|Gillam|1995|p=214}} </ref> Seus chifres de vaca se curvam para fora, diferentemente de para dentro como aqueles que eram representados no Período Pré-Dinástico, quando Hator claramente aparece. Uma divindade bovina com chifres curvados para dentro aparece na [[Paleta de Narmer]] no início do Período Dinástico Precoce, tanto em cima da paleta quanto no cinto usado pela [[faraó]] [[Narmer]]. O egiptólogo Henry George Fischer sugeriu que essa divindade pode ser [[Bat (deusa)|Bat]], uma deusa que foi depois representada com rosto de mulher e uma antena curvada para dentro, aparentemente refletindo a curvatura dos chifres de vaca.<ref> {{harvnbsfn|Fischer|1962|pp=11–14}} </ref> Por outro lado, a egiptóloga Lana Troy identificou uma passagem dos ''[[Textos das Pirâmides]]'' do fim do Império Antigo que conecta Hator com as vestes do faraó, reminiscente da deusa no cinto de Narmer, sugerindo então que a divindade representada na Paleta de Narmer é Hator e não Bat.<ref name=wilkinson244245Wi245 /><ref> {{harvnbsfn|Troy|1986|p=54}} </ref>
Hator rapidamente cresceu em proeminência durante a Quarta Dinastia.<ref name=lesko8183 > {{harvnb|Lesko|1999|pp=81–83}} </ref> Ela suplantou um antigo deus crocodilo que era venerado em [[Dendera]] no [[Alto Egito]] para tornar-se a divindade padroeira da cidade, também rapidamente absorvendo o culto de Bat na região vizinha de Hu, assim as duas deusas se fundiram em uma na época do [[Império Médio]] (c. 2 055–{{AC|1650|X}}).<ref> {{harvnb|Fischer|1962|pp=7, 14–15}} </ref> A teologia ao redor do faraó no Império Antigo, diferentemente de períodos anteriores, focava-se muito no [[Deidade solar|deus do sol]] [[Rá]] como o rei dos deuses e o padroeiro do rei terreno. Hator ascendeu junto com Rá e tornou-se sua esposa mitológica, assim também a mãe divina do faraó.<ref name=lesko8183 />
 
Hator rapidamente cresceu em proeminência durante a Quarta Dinastia.<ref name=lesko8183 > {{harvnbsfn|name=Le83|Lesko|1999|pp=81–83}} </ref> Ela suplantou um antigo deus crocodilo que era venerado em [[Dendera]] no [[Alto Egito]] para tornar-se a divindade padroeira da cidade, também rapidamente absorvendo o culto de Bat na região vizinha de Hu, assim as duas deusas se fundiram em uma na época do [[Império Médio]] (c. 2 055–{{ACnwrap|c.|2055|1650|X}}).<ref> {{harvnbsfn|Fischer|1962|pp=7, 14–15}} </ref> A teologia ao redor do faraó no Império Antigo, diferentemente de períodos anteriores, focava-se muito no [[Deidade solar|deus do sol]] [[Rá]] como o rei dos deuses e o padroeiro do rei terreno. Hator ascendeu junto com Rá e tornou-se sua esposa mitológica, assim também a mãe divina do faraó.<ref name=lesko8183Le83 />
 
==Papéis==
Hator assumiu muitas formas e apareceu em uma variedade de papéis.<ref name=wilkinson77145 > {{harvnbsfn|name=Wi145|Wilkinson|2003|pp=77, 145}} </ref> O egiptólogo Robyn Gillam sugeriu que essas formas diversas surgiram quando a deusa real, padronada pela corte do Império Antigo, absorveu muitas deusas locais que eram veneradas pela população comum, que foram então tratadas como suas manifestações.<ref name=gillam217218 > {{harvnbsfn|Gillam|1995|pp=217–218}} </ref> Textos egípcios muitas vezes falavam das manifestações da deusa como "Sete HatorsHatores",<ref name=wilkinson77145Wi145 /> ou, menos comum, de muito mais HatorsHatores, chegando até a 362.<ref> {{harvnbsfn|Bleeker|1973|pp=71–72}} </ref> Sua diversidade refletia as diversas características que os egípcios associavam com o divino. Mais do que qualquer outra divindade, ela exemplificava a percepção egípcia da [[feminilidade]].<ref> {{harvnbsfn|Troy|1986|pp=53–54}} </ref>
 
===Deusa do céu===
Hator recebeu os [[epíteto]]s "senhora do céu" e "senhora das estrelas", dizendo-se que habitava no céu junto com Rá e outros deuses solares. Os egípcios enxergavam o céu como um corpo de água através do qual o sol navegava, ligando-o com as águas a partir das quais o sol emergiu no início dos tempos, de acordo com seus [[Mitos de criação do Egito Antigo|mitos de criação]]. A deusa mãe cósmica era frequentemente representada como uma vaca. Achava-se que tanto Hator quanto Mehet-Weret eram a vaca que deu à luz ao deus do sol e que o colocou entre seus chifres. Dizia-se que Hator, assim como outras divindades celestiais, dava luz ao deus do sol toda alvorada.<ref> {{harvnbsfn|Bleeker|1973|pp=31–34, 46–47}} </ref>
 
Seu nome [[Língua egípcia|egípcio]] era ''ḥwt-ḥrw'' ou ''ḥwt-ḥr'',<ref> {{harvnbsfn|Graves-Brown|2010|p=130}} </ref><ref> {{harvnbsfn|Billing|2004|p=39}} </ref> normalmente traduzido como "morada de Hórus", mas também pode ser "minha morada no céu".<ref> {{harvnbsfn|Bleeker|1973|pp=25, 48}} </ref> O deus [[Hórus]] representava, entre outras coisas, o sol e o céu. A "morada" pode se referir ao céu em que Hórus vivia, ou o útero da deusa da onde ele, como um deus solar, nascia todos os dias.<ref name=wilkinson140 > {{harvnbsfn|Wilkinson|2003|p=140}} </ref>
 
===Deusa solar===
[[Imagem:GD-EG-Caire-Musée091.JPG|300px|thumb|Escultura de Hator como uma vaca, com todos os seus símbolos, o disco solar, a naja, bem como seu colar e coroa.]]
Hator tinha uma relação complexa com [[Rá]]; em um mito ela era seu [[Olho de Rá|olho]], e considerada sua filha, porém, posteriormente, quando Rá assume o papel de Hórus em relação à monarquia, ela passou a ser considerada sua mãe - papel que teria absorvido a partir de outra deusa-vaca, 'Mht wrt' ("Grande Enchente"), que teria sido mãe de Rá num [[mito de criação]] e o carregado entre seus chifres. Como mãe, dava-o à luz toda manhã no horizonte oriental e, como esposa, o concebia através da união com ele todo dia.<ref name="oxford">''Oxford Guide to Egyptian Mythology'', Donald B. Redford (Editor), p157-161, Berkley Reference, 2003, ISBN 0-425-19096-X</ref>
 
O [[Reino Médio]] foi fundado quando o [[faraó]] do [[Alto Egito]], [[Mentuotepe II]], reconquistou o controle do [[Baixo Egito]], que havia se tornado independente durante o [[Primeiro Período Intermediário]]. Esta reunificação havia sido conseguida através de uma guerra brutal, que duraria vinte e oito anos com muitas vítimas; ao fim dos combates, no entanto, a paz retornou e o reinado do faraó seguinte, [[Mentuotepe III]], foi pacífico, com o Egito retornando novamente à prosperidade. Uma narrativa mitológica (''"O [[Livro da Vaca Celestial]]"''), feita a partir da perspectiva do Baixo Egito, foi desenvolvida neste período, abordando a experiência desta longa guerra. Na narrativa, após a guerra, Rá, que representava o faraó do Alto Egito, não mais era respeitado pelo povo do Baixo Egito, que deixou de obedecer sua autoridade. O mito afirma então que Rá se comunicou através do terceiro olho (''[[Maat]]'') de Hator, contando a ela que algumas pessoas daquele país planejavam assassiná-lo. Hator ficou então tão furiosa com o fato de que as pessoas que ela havia criado poderiam ser tão audaciosas a ponto de planejar isso que se transformou em [[Sacmis]] (deusa da guerra do Alto Egito) para destruí-los. Hator, como Sacmis, se tornou sanguinária e o banho de sangue foi imenso, pois nada podia pará-la. À medida que as mortes continuavam, Rá se deu conta da situação caótica na região e decidiu interromper Sacmis, sedenta de sangue, derramando grande quantidade de [[cerveja]] com cor de sangue sobre o solo para enganá-la. Sacmis então bebeu grande quantidade desta cerveja, imaginando ser sangue, e acabou por se embebedar, voltando à sua forma pacífica, como Hator.
 
===Música, dança e alegria===