Marco Polo: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Linha 70:
=== Narrativa ===
[[Imagem:Marco Polo traveling.JPG|thumb|esquerda|Uma [[Miniatura (iluminura)|miniatura]] do ''Il Milione'']]
O livro começa com um prefácio descrevendo o pai e o tio de Marco viajando para [[Bolğar]] onde o Príncipe [[Berke]] vivia. Um ano depois, eles vão para [[Ukek]]{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=cap. 2|name=YuleCH2}} e seguem para [[Bucara]]. Lá, um enviado do [[Levante (Mediterrâneo)|Levante]] convida-os para conhecer [[Kublai Khan]], que nunca tinha conhecido os europeus.{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=cap. 3}} Em 1266, eles chegam nas instalações de Kublai Khan em [[Cambalique]], atualmente [[Beijing]], [[China]]. Kublai recebeu os irmãos de bom grado e perguntou-os sobre o sistema político e legal da Europa.{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=cap. 5}} Ele também indagou sobre o Papa e a Igreja de Roma.{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=cap. 6}} Após responderem as perguntas o governante os encarregou de levaram uma carta para o Papa, requisitando que trouxessem cristãos familiarizados com as [[artes liberais]] (gramática, retórica, lógica, geometria, aritmética, música e astronomia). Kublai Khan requisitou que os enviados trouxessem de volta óleo da lamparina deque ardia perpetuamente no [[Santo Sepulcro]] em Jerusalém.{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=cap. 7}}<ref name="Yerasimos">Yerasimos, Stéphane. "Sob os Olhos do Ocidente". In: Braga Júnior, Elói et al. (eds.). ''Marco Polo: O Livro das Maravilhas''. L&PM Editores, 1999, pp. 11-41</ref>
 
A longa ''[[sede vacante]]'' após a morte do [[Papa Clemente IV]] em 1268 e a suspensão das eleições do seu sucessor atrasaram os Polos de cumprirem as requisições de Kublai. Eles seguiram as sugestões de Teobaldo Visconti, o embaixador papal do reino do [[Egito]], e retornaram para Veneza em 1269 ou 1270 a fim de esperarem a nomeação do novo Papa, o que permitiu que Marco visse seu pai pela primeira vez, com a idade de quinze ou dezesseis anos.{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=cap. 9|name=YuleCH9}}
Linha 76:
[[Imagem:Marco Polo, Il Milione, Chapter CXXIII and CXXIV Cropped.jpg|thumb|Uma página do ''Il Milione'', de um manuscrito provavelmente datado entre 1298-1299]]
 
Em 1271, Niccolò, Maffeo e Marco Polo embarcaram em uma nova viagem para cumprirem as requisições de Kublai. Navegaram até o [[Acre (Israel)|Acre]], na atual [[Israel]], e foram de camelos até o porto persa de [[Hormuz (Irã)|Hormuz]]. De lá os Polos queriam navegar até a China, mas os navios que eles possuíam não eram capazes de navegaremnavegar em mar aberto, então eles continuaram por terra através da [[Rota da Seda]] até chegarem em [[Shangdu]], perto da atual [[Zhangjiakou]]. Durante uma parte da viagem, os Polos se juntaram a uma caravana de mercadores viajantes a qual tinham se deparado no meio do caminho. Infelizmente, o grupo foi atacado por bandidos, que se aproveitaram de uma tempestade de areia para surpreendê-los. Os Polos conseguiram lutar e escapar por uma cidade vizinha, mas muitos membros da caravana foram mortos ou escravizados.<ref>Zelenyj, Alexander, ''Marco Polo: Overland to China'', Crabtree Publishing Company (2005) Capítulo: Along the Silk Road. ISBN 978-0778724537</ref> Três anos e meio depois de deixarem Veneza, quando Marco tinha 21 anos de idade, os Polos foram recebidos por Kublai em seu palácio.<ref name="WB"/> A data exata da chegada deles é incerta, mas acadêmicos estimam que foi entre 1271 e 1275.{{nota de rodapé|O monge tibetano e confidente de Kublai Khan, Drogön Chögyal Phagpa, menciona em seus diários que um amigo estrangeiro de Kublai Khan chegou para visita-lo em 1271, possivelmente sendo um dos Polos ou ainda o próprio Marco Polo, embora nenhum nome éseja fornecido. Se esse não é o caso, uma data mais provável para a chegada deles é 1275 (ou 1274, de acordo com o pesquisador acadêmico japonês Matsuo Otagi). {{sfn|Britannica|2002|p=571|name=Britannica571}} }} Logo que chegaram, os Polos apresentaram o óleo sagrado de Jerusalém e as cartas papais ao seu patrono.<ref name="Britannica571"/>
 
Marco sabia quatro idiomas, e sua família tinha acumulado um grande conhecimento e experiência a qual foi útil para Kublai. É possível que ele tenha sido nomeado um oficial governamental;<ref name="WB"/> Marco se autodescreve no texto como governador de uma cidade por três anos, embora suas atribuições não sejam descritas,<ref name="Yerasimos"/> e ele escreveu sobre muitas visitas imperiais às províncias do leste e do sul da China, além de ao extremo sul asiático e a atual [[Myanmar]].<ref>{{citation|url=http://web.soas.ac.uk/burma/pdf/Polo.pdf|arquivourl=https://web.archive.org/web/20090219141709/http://web.soas.ac.uk/burma/pdf/Polo.pdf|arquivodata=19 de fevereiro de 2009|título=The Travels of Marco Polo, The Venetian (1298)|formato=PDF|acessodata=21 de fevereiro de 2013|autor=W. Marsden|editor=Thomas Wright|ano=2004|access-date=22 de março de 2017|title=Cópia arquivada|archiveurl=https://web.archive.org/web/20090219141709/http://web.soas.ac.uk/burma/pdf/Polo.pdf#}}</ref> Bastante respeitados e solicitados pela corte mongol, Kublai Khan decidiu recusar a solicitação dos Polos de saírem da China. ElesKublai já era idoso, e eles começaram a ficar preocupados se retornariam para a casa são e salvos, acreditando que se o Kublai morresse, os seus inimigos poderiam se voltar contra eles por causa da relação próxima que mantinham com o governante.{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=vol. 3 cap. 8|p=281}} No texto é feita uma menção aos barões de Kublai se tornando invejosos dos Polo. Porém, no restante do livro Marco se retrata e à família sempre sendo cumulados de atenção e privilégios, tanto pelo imperador como pelos seus barões e delegados, mas a descrição que faz das suas próprias atividades oficiais é sempre muito vaga, sendo difícil extrair fatos exatos sobre a sua carreira.<ref name="Yerasimos"/>

Em 1292, [[Arghun Khan]], o sobrinho-neto de Kublai e governante do [[Ilcanato]] da Pérsia, mandou representantes para a China em busca de uma potencial esposa, e eles pediram para que os Polos os acompanhassem, então foi lhes permitido retornarem para a Pérsia com o comité de casamento, a qual partiu da China no mesmo ano de [[Quanzhou|Zaitun]] (região sul), numa frota de catorze [[Junco (barco)|juncos]]. O comité navegou até o porto de [[Singapura]],{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=vol. 3 cap. 8|p=281}} viajando pelo norte da [[Sumatra]],{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=vol. 3 cap. 9|p=286}} passando ao oeste no porto de [[Point Pedro]] no [[Reino de Jafanapatão]], como também no [[Império Pandia]].{{sfn|Yule|Cordier|1923|loc=vol. 3 cap. 21|p=373}} Eventualmente os Polos cruzaram o [[Mar Arábico]] rumo a [[Ormuz]]. A viagem de dois anos foi bastante perigosa, sendo que das seiscentas pessoas (não incluindo a tripulação) apenas dezoito sobreviveram (contando os três Polos).<ref>Boyle, J. A. (1971). Marco Polo and his Description of the World. ''History Today''. Vol. 21, No. 11. </ref> Os Polos deixaram a comissão de casamento depois de alcançarem Ormuz e viajaram por terra até o porto de [[Trebizonda]], no [[Mar Negro]].<ref name="WB"/>
 
=== O papel de Rusticiano ===
O acadêmico britânico Ronald Latham pontuou que ''O Livro das Maravilhas'' foi de fato um colaboração entre Marco e o escritor profissional de romances [[Rusticiano de Pisa]], entre 1298 e 1299.<ref name="Latham pages 7">Latham, Ronald "introdução" páginas 7–20 das ''Viagens de Marco Polo'', Londres: Folio Society, 1958 página 11.</ref> Latham também argumenta que Rusticiano talvez tenha glamourizado os ditos de Marco Polo, adicionando elementos fantásticos a fim de colocar o livro entre os mais vendidos.<ref name="Latham pages 7">Latham, Ronald "introdução" páginas 7–20 das ''Viagens de Marco Polo'', Londres: Folio Society, 1958 página 11.</ref> O acadêmico italiano Luigi Foscolo Benedetto tinha demonstrado anteriormente que o livro foi escrito no mesmo "estilo literário" outras vezes usados nos trabalhos de Rusticiano, e que algumas passagens no livro fora feitas exatamente com as mesmas palavras ou com ligeiras modificações em relação aos escritos do romancista italiano. Por exemplo, o primeiro trecho da introdução do ''Livro das Maravilhas'' dirigido aos "imperadores e reis, duques e marqueses" foi diretamente copiado de um [[Matéria da Bretanha|romance Arturiano]] o qual De Pisa tinha escrito alguns anos antes, e o conteúdo do segundo encontro entre Marco Polo e Kublai Khan nas cartas da corte é praticamente o mesmo que o da chegada de [[Tristão]] a corte de [[Rei Artur]] em [[Camelot]] nesse mesmo livro Arturiano.<ref>Latham, Ronald "Introdução" páginas 7–20 das ''Viagens de Marco Polo'', Londres: Folio Society, 1958 páginas 11–12.</ref> Latham acredita que muitos elementos do livro, com as lendas do [[Oriente Médio]] e menções de maravilhas exóticas provêm do trabalho de Rusticiano, a qual estava descrevendo o que os europeus medievais esperariam achar em um livro de viagens.<ref>Latham, Ronald "Introduction" pages 7–20 from The Travels of Marco Polo, London: Folio Society, 1958 page 12.</ref>
 
=== Autenticidade e veracidade ===
[[Imagem:Marco Polo - costume tartare.jpg|miniaturadaimagem|esquerda|Marco Polo usando uma vestimenta [[Tártaros|tártara]], data de impressão desconhecida]]
Desde a sua publicação, o livro circulou amplamente em manuscritos,<ref name="Yerasimos"/> mas foi recebido muitas vezes com ceticismo.<ref name="chang"/><ref name="Yerasimos"/> Algumas pessoas da Idade Média acharam que o livro era simplesmente um romance ou uma fábula, devido aos seus relatos que narravam sobre uma civilização chinesa sofisticada, diferindo muito quando comparado com os relatos de outros viajantes, como de [[Giovanni da Pian del Carpine]] e [[Guilherme de Rubruck]], os quais descreveram os orientais como "bárbaros" que pertenciam a "algum outro mundo".<ref name="chang">{{citar web|url= http://www.history.ac.uk/reviews/review/1667#f2 |título=Marco Polo Was in China: New Evidence from Currencies, Salts and Revenues |autor =Na Chang |obra=Reviews in History }}</ref> Dúvidas também apareceram séculos depois das narrativas de Marco na China, por exemplo por não ter citado a [[Grande Muralha da China]], e em particular pelas dificuldades em encontrar os lugares anos qualquais ele alegou estar.<ref name="haw1">{{citar livro|url=https://books.google.com/books?id=DSfvfr8VQSEC&pg=PA1#v=onepage&q&f=false |título=Marco Polo's China: A Venetian in the Realm of Khubilai Khan |primeiro = Stephen G. |último =Haw |página=1 |publicado=Routledge| isbn=9781134275427}}</ref><ref>{{citar livro|url=https://books.google.com/books?id=DSfvfr8VQSEC&pg=PA123#v=onepage&q&f=false |título=Marco Polo's China: A Venetian in the Realm of Khubilai Khan |primeiro = Stephen G. |último =Haw |páginas=83–123 |publicado=Routledge| isbn=9781134275427}}</ref> Muitos questionaram se Marco visitou as regiões que ele mencionou no seu itinerário, se ele tinha se apropriado das narrativas do seu pai e do seu tio ou ainda de outros viajantes, e alguns duvidaram se Marco até mesmo alcançou a China, ou se ele alcançou, talvez nunca tenha ido para [[Cambalique]] (Beijing).<ref name="haw1"/>
 
Entretanto, numa revisão recente de Stéphane Yerasimos, um dos maiores polistas do mundo, diz que não cabe questionar sua presença na China. O pesquisador alega que os estudos recentes comprovaram a existência da maioria dos lugares, e a realidade de muitos dos fatos narrados. Mas também já foi bem documentada a presença de erros e invenções no seu texto. Muitos eventos são mal localizados cronologicamente, nomes são frequentemente deturpados, e certos eventos certamente não transcorreram como ele diz, sendo desmentidos por outros registros históricos confiáveis. Em uma ocasião ele chega a inventar a conquista de uma cidade — até então inexpugnável, o que teria enfurecido Kublai — depois que os venezianos ensinaram aos tártaros a construção das [[catapulta]]s. Lançando pesadas pedras sobre a cidade, seus habitantes, horrorizados diante do poder da arma desconhecida, teriam se rendido ao imperador. A comparação com registros confiáveis mostra que os Polo não podem ter estado presentes nesta batalha, e muito menos terem colaborado ativamente para sua conquista. Há inclusive menção a eventos que ocorreram durante sua prisão em Gênova. Seja como for, há inequivocamente uma grande dose de verdade em sua narrativa, embora a real origem das suas informações seja em parte incerta.<ref name="Yerasimos"/>
 
Entretanto deveDeve ser pontuado que os relatos de Marco sobre a China são mais acurados e detalhados que a de outros viajantes do período. Marco Polo até mesmo refutou as 'maravilhosas' fábulas e lendas fornecidas por narrativas de outros europeus, e apesar de alguns exageros e erros, as descrições de Marco contém menos equívocos se comparado com outras obras. Em muitos casos é devidamente esclarecido (a maior parte na primeira parte antes de atingir a China, como a menção aos milagres cristãos) sobre o que ele tinha escutado ao invés do que ele tinha visto. Seus relatos não seguem os mesmos erros encontrados em outras narrativas como as do viajante [[Tânger|tangerino]] [[ibne Batuta]], que confundiu o [[Rio Amarelo]] com o [[Grande Canal da China]], e pensou que a porcelana era feita de carvão.<ref>{{citar livro|url=https://books.google.com/books?id=DSfvfr8VQSEC&pg=PA67#v=onepage&q&f=false |título=Marco Polo's China: A Venetian in the Realm of Khubilai Khan |primeiro = Stephen G. |último =Haw |páginas=66–67 |publicado=Routledge| isbn=9781134275427}}</ref>
 
Estudos modernos mostraram que detalhes fornecidos no livro de Marco Polo, como as moedas utilizadas, são acurados e únicos. Tais descrições detalhadas não são encontradas em qualquer fonte não chinesa, e sua precisão é reforçada por evidências arqueológicas e como também de registros compilados depois da saída de Marco da China, porém os relatos em si posteriormente tiveram que ser obtidos por segunda mão.<ref>Francis Woodman Cleaves (1976). "A Chinese Source Bearing on Marco Polo's Departure from China and a Persian Source on his Arrival in Persia". Harvard Journal of Asiatic Studies. 36: 181–203.</ref> Outas descrições também foram verificadas; por exemplo, quando visitou [[Zhenjiang]] em [[Jiangsu]], China, Marco Polo notou que um grande número de [[Igreja|igrejas cristãs]] tinham sido construídas ali. Sua alegação é confirmada por um texto chinês explicando como um [[Sogdiana|sogdiano]], chamado Mar-Sargis de [[Samarcanda]], fundou seis [[Nestorianismo|igrejas cristãs nestorianas]] em [[Hangzhou]] durante a segunda metade do {{séc|XIII}}.<ref>Emmerick, R. E. (2003) "Iranian Settlement East of the Pamirs", in Ehsan Yarshater, ''The Cambridge History of Iran, Vol III: The Seleucid, Parthian, and Sasanian Periods'', Cambridge: Cambridge University Press, pp 275.</ref> Sua história da princesa [[Kököchin]] ser mandada para a Pérsia para casar com Īl-khān também é confirmada por fontes independentes tanto na Pérsia quanto na China.<ref>Francis Woodman Cleaves (1976). "A Chinese Source Bearing on Marco Polo's Departure from China and a Persian Source on his Arrival in Persia". Harvard Journal of Asiatic Studies. 36: 181–203. JSTOR 2718743.</ref>