Fiódor Dostoiévski: diferenças entre revisões
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{{Imagem múltipla|align = right |image1=Mikhail Andreyevich Dostoyevsky.jpg|image2=Maria Fyodorovna Dostoyevskaya.jpg|footer=Pai e mãe de Dostoiévski| footer_align=left| width=100}}
Fiódor Dostoiévski, filho de Mikhail Dostoiévski e Maria Dostoevskaia,{{sfn | FRANK | 1976| pp=6-14}} nasceu em [[Moscou]] no dia 30 de outubro de 1821.{{sfn| Morson| 2017|p=1}}{{sfn| Mochulsky | 1971|p=4}}{{sfn| Grossman | 1975|p=4}} Ao contrário de outros grandes escritores russos da época - como [[Nikolai Gogol|Gogol]], [[Ivan Turgueniev|Turgueniev]] e [[Liev Tolstói|Tolstoi]] -, seus pais não eram abastados financeiramente:{{sfn | FRANK | 1976| p=6}} seu pai era médico militar e sua mãe dona de casa - a profissão de médico era
Além da educação religiosa no [[Igreja Ortodoxa|cristianismo ortodoxo]],{{sfn | FRANK | 1976| p=43}} Dostoiévski e seus irmãos estudavam literatura e outros estudos de [[Ciências humanas|humanidades]] desde muito cedo, sempre por influência dos pais.{{sfn | FRANK | 1976| p=558}}
Os pais de Dostoiévski morreram quando o escritor ainda era muito jovem: a mãe
=== Início da carreira literária ===
[[Imagem:Trutovsky 004.jpg|thumb|esquerda|150px|Fiódor Dostoiévski<br><small>Por Kostyantyn Trutovsky, 1847</small>]]
Na Academia Militar de Engenharia de [[São Petersburgo]], além das matérias militares essenciais e de engenharia, Dostoiévski também estudou a obra de [[Victor Hugo]], [[Honoré de Balzac]], [[George Sand]] e [[Eugène Sue]], uma vez que a academia tinha um bom programa de literatura, focado principalmente na produção francesa.{{sfn | FRANK | 1976| p=93}}
A partir de agosto de 1841, Dostoiévski passou a morar fora da escola de engenharia, dividindo apartamentos com conhecidos{{sfn | FRANK | 1976| p=113}} e com o irmão Andrei.{{sfn | FRANK | 1976| p=115}} Nesta época escreveu - segundo relatos de um seu conhecido com o qual dividia o apartamento - partes de duas peças românticas, as quais não sobreviveram ao tempo e cujos títulos eram
Em 1845
Nesta época,{{sfn | FRANK | 1976| p=240}} desde que terminou o curso na academia militar até sua prisão, Dostoiévski entrou em contato com alguns grupos da [[Intelligentsia]] russa, sendo os principais
{{quote2|''Mais do que um sósia, era o seu duplo, o desdobramento dêle mesmo.''|autor=Dostoiévski''{{sfn | Dostoiévski| 1960-1961|loc=v.9| p=240}}}}
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==== Detenção, julgamento e falsa execução ====
[[Imagem:B pokrovsky kazn 1849.jpg|thumb|direita|A falsa execução do Círculo Petrashevski]]
Dostoiévski foi detido na noite de 22-23 de abril de 1849 por participar do [[Círculo Petrashevski]] sob acusação de conspirar contra o [[czar]] [[Nicolau I da Rússia|Nicolau I]].{{sfn | FRANK | 1983 | p=3}}<ref name="Brit"/> O czar mostrou-se, depois das [[revoluções de 1848]] na [[Europa]], vigoroso contra qualquer organização clandestina que pudesse pôr em risco seu reinado.{{sfn | FRANK | 1983 | pp=3-4}}<ref name="Brit"/> Apesar
Por conta do processo, Dostoiévski passou oito meses na [[Fortaleza de São Pedro e São Paulo]], onde trabalhou escrevendo várias notas para diferentes obras.<ref>Pisma, I:124; July 18, 1849. Trad. Frank, 1983, p.25</ref> As notas não sobreviveram e a única obra concluída desta época foi [[O Pequeno Herói]].{{sfn | FRANK | 1983 | p=25169}} Nestes oito meses continuaram as investigações do Círculo Petrashevski, as quais foram finalizadas apenas em 17 de setembro de 1849, quando foram enviadas ao czar, o qual ordenou a abertura de um tribunal misto (civil e militar) para julgar, sob leis militares, 28 acusados. Destes, 15, incluindo Dostoiévski, foram condenados no dia 16 de novembro à pena de morte por fuzilamento.
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Após diversos recursos, Nicolau I perdoou muitos dos sentenciados à morte. Dostoiévski foi então condenado a oito anos de trabalhos forçados, pena reduzida para quatro anos seguida de serviço militar por tempo indeterminado.{{sfn | FRANK | 1983 | pp=49-51}} Mesmo assim, em 22 de dezembro os prisioneiros foram transferidos e levados ao lugar da suposta execução, a Praça Semenovski, onde suas sentenças de morte foram lidas publicamente.{{sfn | FRANK | 1983 | pp=51-55}} Três membros do grupo - Petrashevski, Mombelli e Grigoriev - foram amarrados aos postes em frente ao pelotão de fuzilamento. Dostoiévski era um dos três próximos {{sfn | FRANK | 1983 | p=55}} e neste momento de aguardo disse a Nikolai Spetchniev, o qual se encontrava atrás: -"Nós estaremos com Cristo", o revolucionário respondeu -"Um pouco de poeira".{{sfn | FRANK | 1983 | p=58}}
Antes do comando para o fuzilamento, entretanto, chegou uma ordem do czar para que a pena fosse comutada para prisão com trabalhos forçados. Soube-se, depois, que a ordem havia sido assinada
{{quote2|''- Nós estaremos com Cristo. - Um pouco de poeira.|autor=Dostoiévski, Spechniev.''{{sfn | FRANK | 1983 | p=58}}}}
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==== Sibéria ====
[[Imagem:Evening - Applying handcuffs.PNG|thumb|esquerda|300px|''Prisioneiros em [[Katorga]]''<br><small>Por Aleksander Sochaczewski</small>]]
Dostoiévski foi primeiramente enviado a uma prisão localizada em [[Tobolsk]], onde os presos eram
Dostoiévski foi, então, encaminhado para uma prisão em [[Omsk]], centro administrativo da [[Sibéria]], onde cumpriu por quatro anos a sentença de trabalhos forçados. Esta prisão estava em
Um dos fatos que tiveram mais impacto em Dostoiévski
Foi na prisão da Sibéria que Dostoiévski sofreu seu primeiro ataque de [[epilepsia]], doença que o acompanharia pelo resto da vida e que também atinge vários de seus personagens, como o Príncipe Míchkin de [[O Idiota]], Kiríllov de [[Os Demônios]] e Smerdiákov de [[Os Irmãos Karamazov]]. As cartas que Dostoiévski enviou ao irmão deixam claro que os ataques epilépticos iniciaram na Sibéria, em que pese ele já ter apresentado problemas nervosos antes disso.{{sfn | FRANK | 1983 | pp=80-81}}
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==== Exército e primeiro casamento ====
[[Imagem:Maria Dostoevskaya.jpg|thumb|150px|Maria Dostoevskaya (1824-1864)]]
Após libertado da prisão de [[Omsk]], Dostoiévski foi mandado para cumprir pena servindo no exército russo
Neste período, apaixonou-se por Maria Dmitriévna, mulher casada e mãe de um filho chamado Pável Issáiev (Pasha), do qual Dostoiévski era tutor.{{sfn | FRANK | 1983 | p=183}} Ela sofria de [[tuberculose]].{{sfn | FRANK | 1986 | p=15}} Quando Maria Dmitriévna mudou-se com seu marido e filho para [[Kuinetsk]], ambos trocaram cartas semanalmente e uma destas cartas ainda sobrevive.{{sfn | FRANK | 1983 | p=201}} Em agosto de 1855, morreu Alexander Ivanovich Isaev, marido de Maria Dmitriévna,{{sfn | FRANK | 1983 | p=203}} e como em novembro de 1855 Dostoiévski foi promovido,{{sfn | FRANK | 1983 | p=203}} ele pediu a amada em casamento. Não sem muitas idas e vindas (inclusive um caso com outro homem),{{sfn | FRANK | 1983 | pp=200-219}} Maria Dmitriévna
Na noite de núpcias, Dostoiévski sofreu uma violenta crise de [[epilepsia]], quando recebeu pela primeira o diagnóstico médico de tal doença.{{sfn | FRANK | 1983 | pp=215-216}} Aproximadamente um ano depois, em
Já no início de 1859, Dostoiévski conseguiu ser dispensado do exército para tratar da saúde, sob a condição de não residir nem em [[São Petersburgo]], nem em [[Moscou]]. Escolheu mudar-se para [[Tver]], meio caminho entre as duas cidades proibidas. No início de julho de 1859
==== A conversão de Dostoiévski ====
[[Imagem:Image dost 01.jpg|thumb|esquerda|150px|Dostoiévski em uniforme (1858)]]
Por ''conversão de Dostoiévski'' entende-se a mudança radical de convicções [[Existência|existenciais]], [[Religião|religiosas]], [[Moral|morais]] e [[política]]s pelas quais
Segundo o próprio Dostoiévski, o momento exato da conversão foi durante as festividades de [[Páscoa]] do segundo ano que passara na [[Sibéria]]: após assistir a uma extremamente violenta, e para ele insuportável, festividade dos [[Servidão na Rússia|servos]] na prisão, Dostoiévski lembrou-se do caso do [[Servidão|servo]] Marei (servo de seu pai), o qual teria ocorrido quando ele ainda era criança.
Colocando de forma mais completa o significado da citada conversão, pode-se dizer que Dostoiévski começou com uma crença [[Socialismo|socialista]] ingênua de que poderia liderar os servos como um igual - crença que sustinha antes da condenação -, passou por uma posição de extrema repulsa em relação aos servos da prisão - causada pelo fato
=== Carreira literária pós-exílio ===
==== Regresso e contexto sociopolítico ====
[[Imagem:Zar Alexander II.jpg|thumb|200px|[[Alexandre II da Rússia|Alexandre II]], czar da Rússia]]
O reinício de Dostoiévski como escritor ocorre, de fato, antes mesmo de ser liberado do exército, isto é, logo após começar a receber seu ordenado como oficial (março de 1857) e de ser restituído de seus direitos
No final de dezembro de 1859, regressou finalmente com sua família (
A situação política que encontrou em São Petersburgo não foi conflituosa: uma vez que os impulsos revolucionários dos literatos e de Dostoiévski tinham como principal finalidade a libertação dos [[Servidão na Rússia|servos]] da Rússia e na medida em que [[Alexandre II da Rússia|Alexandre II]], [[czar]] que assumiu o trono em 1855,{{sfn | FRANK | 1986 | p=20}} estava determinado a libertá-los, tanto a [[Intelligentsia|Inteligência Russa]] como Dostoiévski estavam favoráveis ao czar.{{sfn | FRANK | 1986 | p=6}} No caso de Dostoiévski, também sabemos que sua conversão, a qual o
Na época do retorno de Dostoiévski a São Petersburgo, isto é, no início dos
==== O reinício em São Petersburgo ====
[[Imagem:Mikhail Dostoyevsky.jpg|thumb|200px|esquerda|Mikhail Dostoiévski, irmão de Fiódor Dostoiévski, ca. 1864]]
A primeira obra publicada por Dostoiévski após seu retorno a [[São Petersburgo]] foi a autobiográfica e de enorme sucesso [[Recordações da Casa dos Mortos]],
Em 8 de julho de 1860, Mikhail, irmão de Dostoiévski, foi autorizado a publicar a revista literária [[Tempo (revista russa)|Tempo]] (''Vremia''), da qual seria editor juntamente com Dostoiévski,
Desde a autorização para a publicação de ''Tempo'', enquanto Mikhail terminava os preparos burocráticos para publicação da revista, Dostoiévski escrevia seu primeiro romance pós-Sibéria, o romance em folhetim [[Humilhados e Ofendidos]], o qual também foi agraciado com grande sucesso.<ref name="Brit"/> O romance começou a ser publicado desde o primeiro volume de ''Tempo'', em janeiro de 1861, continuando por vários dos seus números.{{sfn | FRANK | 1986 | p=110}} Esse romance, segundo Joseph Frank, teria inaugurado um estilo melodramático que Dostoiévski usaria mais tarde em suas grandes obras.{{sfn | FRANK | 1986 | p=7}} Segundo Frank, portanto, nesta época Dostoiévski
Em 7 de junho de 1862, partiu Dostoiévski para sua primeira viagem pela Europa (Alemanha, Bélgica, França e Inglaterra).{{sfn | FRANK | 1986 | p=180,186}} Nesta viagem, ele jogou roleta pela primeira vez, adquirindo um vício que o acompanharia por quase toda a vida, apesar de praticado apenas durante viagens.{{sfn | FRANK | 1986 | p=183}} Também foi nesta viagem que Dostoiévski visitou o [[The Crystal Palace|Palácio de Cristal]], símbolo dos avanços tecnológicos europeus, o qual
Em maio de 1863, a autorização de funcionamento da revista foi cancelada pelo governo, sob falsa acusação de apoio à revolta polonesa.{{sfn | FRANK | 1986 | pp=,197,199,210-212}} Então, em abril de 1864, Dostoiévski e seu irmão Mikhail iniciaram a edição de uma segunda revista literária, a [[Época (revista russa)|Época]] (''Epokha''), seguindo a mesma orientação política e editorial que sua antecessora
==== As grandes obras I: ''Notas do Subterrâneo'', ''Crime e Castigo'' e ''O Jogador'' ====
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[[Notas do Subterrâneo]], texto que abre o período das grandes obras de Dostoiévski, foi escrito em um momento extremamente difícil para o autor, uma vez que a saúde de sua esposa, Maria Dmitrievna, por conta de sua tuberculose, havia piorado muito, vindo ela a falecer em 12 de abril de 1864.{{sfn | FRANK | 1986 | pp=295,297}} Se não bastasse a morte da esposa, Dostoiévski perdeu seu irmão Milkhail logo em seguida, no dia 9 de julho de 1864.{{sfn | FRANK | 1986 | p=348}} Em ''Notas do Subterrâneo'', Dostoiévski retratou a necessidade humana insuperável de liberdade, podendo ele fazer qualquer coisa para mantê-la, inclusive o masoquismo.{{sfn | FRANK | 1986 | p=298}} Nesta época, também escreveu alguns artigos e o conto [[O Crocodilo]],{{sfn | FRANK | 1986 | p=351}} texto inacabado que compôs o último número da revista [[Época (revista russa)|Época]], que fechou por problemas financeiros em março de 1865.{{sfn | FRANK | 1986 | pp=348-361}}{{sfn | FRANK | 1995 | p=9}}
Após o fechamento da ''Época'', da morte da primeira mulher e do seu irmão (sempre ao seu lado na edição das revistas), Dostoiévski entrou em uma nova fase de sua vida: ele não mais procurou se inserir no agitado movimento político/literário russo, mas, ao contrário, se isolou a fim de escrever seus romances de forma mais tranquila.{{sfn | FRANK | 1995| p=3}} Apesar de afastado das obrigações burocráticas e sociais das revistas,
Planejado inicialmente para ser um simples conto, [[Crime e Castigo]] se tornou um romance de peso, uma das obras mais importantes do autor.{{sfn | FRANK | 1995| p=42}} Seus primeiros dois capítulos foram publicados, respectivamente, nos números de janeiro e fevereiro de 1865 da revista ''O Mensageiro Russo'', adquirindo grande fama e muita crítica.{{sfn | FRANK | 1995| p=42}} Um curioso fato, que teria aumentado em muito o interesse geral pela obra, foi o assassinato de um agiota e seu criado visando o roubo do seu apartamento, cometido por um estudante chamado A.M. Danilov em 12 de janeiro de 1866. Este episódio era muito semelhante ao enredo do romance de Dostoiévski{{sfn | FRANK | 1995| p=45}} e o sucesso dos dois primeiros capítulos trouxe à revista ''O Mensageiro Russo'' nada menos que 500 novos assinantes.{{sfn | FRANK | 1995| p=46}} Esse fato, entretanto, não aliviou a tensão entre o escritor e seus editores, os quais continuaram demandando diversas correções dos textos apresentados
A contratada como estenógrafa foi Anna Grigorievna Snitkina (futura Anna Dostoievskaia){{sfn | FRANK | 1995| p=59}} com quem Dostoiévski se casou pela segunda vez,{{sfn | FRANK | 1995| p=152}} quando Anna tinha vinte anos.{{sfn | FRANK | 1995| p=193}} Não
Após o casamento, para fugir da pressão dos credores, entre outros problemas, o casal resolveu viajar pela Europa e
{{quote2|''Finalmente robei seus últimos pertences e os perdi no jogo.|autor=Dostoiévski.''{{sfn | FRANK| 1995 | p=207}}}}
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[[Imagem:Dostoevskij 1872.jpg|thumb|200px|esquerda|''Retrato de Fiódor Dostoiévski''<br><small>Por Vassilij Grigorovič Perov, 1872</small>]]
Nos meses de outubro e novembro de 1867, Dostoiévski já estava elaborando rascunhos para sua próxima grande obra, ''[[O Idiota]]''.{{sfn | FRANK| 1995| p=261}} A história da composição deste romance está bem registrada nos três cadernos de notas deixados pelo escritor,
Já na primeira semana de dezembro de 1869, Dostoiévski terminou de escrever o conto
Em 26 de setembro de 1870, enquanto escrevia ''Os Demônios'', nasceu a segunda filha do casal, Liubov, {{sfn | FRANK| 1995| p=368}} e em 8 de junho de 1871,{{sfn | FRANK| 2003| p=14}} com o livro ainda pela metade, Dostoiévski retornou à Rússia.{{sfn | FRANK| 1995| p=413}} Na viagem de retorno apostou pela última vez na roleta.{{sfn | FRANK| 1995| p=425}} Já em [[São Petersburgo]], onde residiu após o retorno, nasceu, no dia 16 de julho de 1871, o terceiro filho
Outra atividade editorial de Dostoiévski foi seu envolvimento com a revista russa ''O cidadão'', da qual se tornou editor em 1 de janeiro de 1873.{{sfn | FRANK| 2003| p=37}} Nesta revista escreveu sua famosa coluna [[Diário de um escritor]],{{sfn | FRANK| 2003| p=38}} a qual se tornaria uma publicação separada. Durante as atividades de editoração, no início de 1874, Dostoiévski começou a adoecer, início do que seria sua [[Enfisema|
Dostoiévski retornou a Staraia já melhor de saúde no dia 1 agosto de 1873, iniciando imediatamente seus trabalhos em ''[[O Adolescente]]'',{{sfn | FRANK| 2003| p=130}} obra que publicou na popular revista ''Notas da Pátria'',{{sfn | FRANK| 2003| pp=140-141}} tendo a última parte do romance sido publicada no inverno de 1875.{{sfn | FRANK| 2003| p=199}} A obra não foi bem recebida nem pela crítica da época nem pela atual.{{sfn | FRANK| 2003| pp=171-172}}
A fim de gerenciar a retomada do ''Diário de um Escritor'' (de 1876 a 1877),{{sfn | FRANK| 2003| p=254}} agora de forma autônoma,{{sfn | FRANK| 2003| pp=200,202,254-281}} Dostoiévski e sua família voltaram para São Petersburgo em meados de setembro de 1875.{{sfn | FRANK| 2003| p=205}} Sua nova publicação chegou a ser o periódico mais influente até então visto na Rússia{{sfn | FRANK| 2003| p=253}} e com o qual Dostoiévski alcançou uma fama nunca antes experimentada.{{sfn | FRANK| 2003| pp=215-224,233}} Também
{{quote2|''Se alguém me provar que Cristo está fora da verdade, e que na realidade a verdade está fora de Cristo, então eu preferiria ficar com Cristo a ficar com a verdade.|autor=Dostoiévski.''{{sfn | Dostoiévski | 1928-1959| |loc=Pisma, I:142; 20.02.1854|}}}}
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=== Obra prima e morte ===
[[Imagem:Dostoyevsky on his Bier, Kramskoy.jpg|thumb|direita|150px|''Dostoiévski em seu leito de morte'' <small>Por I. N. Kramskoy</small>]]
Pouco antes de começar a escrever sua obra
Os primeiros rascunhos de ''Os Irmãos Karamazov'' foram escritos em abril de 1878{{sfn | FRANK | 2003| p=390}} e a publicação de sua primeira parcela ocorreu no dia 1 de fevereiro de 1879 pela revista "O mensageiro russo",{{sfn | FRANK | 2003| pp=361,407}}
Fatos marcantes desta época foram
Após três dias de cama, porém sem dor, morreu em 28 de janeiro de 1881{{sfn | FRANK | 2003| p=740}} de uma hemorragia pulmonar associada com [[enfisema]].{{sfn | FRANK | 2003| pp=740,742}} Uma procissão fúnebre foi organizada com representantes de diversos grupos sociais,
{{quote2|''[...] tomai sôbre vossos ombros os pecados humanos, e tornai-vos responsáveis por êles.|autor=Dostoiévski.''{{sfn | Dostoiévski| 1960-1961|loc=v.7| p=729}}}}
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* '''[[Jesus Cristo]]''' — Provavelmente a maior influência nos trabalhos de Dostoiévski foi a pessoa, o símbolo, de Cristo tal como contado pela [[Bíblia]] e através da interpretação [[Igreja Ortodoxa|ortodoxa]]. Dostoiévski nunca deixou de ser cristão e teve intenso contato com o texto bíblico na prisão, onde apenas este texto era permitido.{{sfn| FRANK | 1983 | p=77}} Comentando um de seus textos, afrmou que o que ele queria dizer era a "impossibilidade de se viver sem Cristo".{{sfn| FRANK | 2003| p=222}} Além do mais, muitas de suas obras contêm reflexões sobre o cristianismo e inclusive apologia, como é o caso de [[O Idiota]], o tipo cristão perfeito,{{sfn| FRANK | 1995 | pp=256-275}} o mito do [[O Grande Inquisidor|Grande Inquisidor]] em [[Os Irmãos Karamazov]], entre outros.
* '''[[Victor Hugo]]''' — Dostoiévski conhecia muito bem as obras de
* '''[[Friedrich Schiller]]''' — Dostoiévski entrou em contato com
* '''[[Liev Tolstói|Tolstói]]''' — Dostoiévski considerava Tolstói um grande escritor, ao ponto de desejar escrever um imenso romance (''A vida de um grande pecador'') para fazer frente a sua obra prima, [[Guerra e Paz]].{{sfn | FRANK| 1995| pp=365-381}} Dostoiévski também
* '''[[Alexandre Pushkin|Pushkin]]''' — Um vez que
* '''[[Ivan Turgueniev|Turgueniev]]''' — A controvérsia entre Dostoiévski e
* '''[[Grigori Gradovski|Gradovski]]''' — Gradovski, apesar de aceitar a tese dostoievskiana de que a ''inteligentsia'' russa não se aproximava do povo para aprender com ele, mas para
* '''[[Nikolai Gogol]]''' —
=== Temas ===
Joseph Frank considera que o tema mais característico e marcante das obras de Dostoiévski é a descrição das
Neste sentido ainda, no período pós-siberiano, o tema recorrente de Dostoiévski foi aquele por ele mesmo chamado de "conflito entre ideias e coração"{{sfn | FRANK | 1983 | p=169}} ou entre razão e fé cristã.{{sfn | FRANK | 2003 | p=567}} Este tema foi nomeado por Joseph Frank de "crítica da ideologia" e explicado como a contraposição entre as ideias europeias da época, principalmente o socialismo, e a moral cristã ortodoxa
Dostoiévski tinha por tema, diferentemente dos outros escritores que descreviam o círculo da família moldados na tradição e nas "belas formas", o caos familiar, a humilhação, o sadismo, o masoquismo, a ganância, a doença, etc.<ref name="Brit"/> Essencialmente um escritor de mitos (e às vezes comparado por isso a [[Herman Melville]]), criou um trabalho com uma enorme vitalidade e de um poder quase hipnótico, caracterizado por cenas febris e dramáticas, onde os personagens apresentam comportamento escandaloso, e atmosferas explosivas, envolvidas em diálogos socráticos apaixonados, a busca de [[Deus]], do mal e do sofrimento dos inocentes.<ref name="Brit"/>
[[Reinhold Niebuhr]] atribui a Dostoiévski um "universalimo ético" pelo qual o escritor defenderia e pregaria o destino da Rússia como o lugar de onde partiria o reino do bem e da justiça na
=== Estilo e estética ===
Ao contrário do estilo utilizado na prosa da época, Dostoiévski não se fixava muito em uma descrição fotográfica dos personagens e do ambiente em que estavam, concentrando-se mais no enredo. Este fato teria contribuído, segundo Joseph Frank, para a má recepção por parte da crítica da época de muitos textos de Dostoiévski.{{sfn | FRANK | 1983 | p=267}} Este estilo - grande atenção para os elementos do enredo em prol da descrição fotográfica - utilizou Dostoiévski em todos os seus grandes romances, fato que trouxe uma certa homogeneidade estilística a estas obras. Os elementos comuns foram
Estudiosos como [[Mikhail Bakhtin]] têm caracterizado o trabalho de Dostoiévski como diferente do de outros romancistas, pois ele parece não aspirar por uma visão única e vai além da descrição sob diferentes ângulos, caracterizando-o como romance [[Polifonia (linguística)|polifônico]]. Dostoiévski
Em relação ao [[narrador]], segundo Joseph Frank, a partir de [[Crime e Castigo]] Dostoiévski
O próprio Dostoiévski
{{quote2|''O que é mais belo, Shakespeare ou botas, Rafael ou petróleo?|autor=Dostoiévski.''{{sfn| Dostoiévski | 1972-1980 |loc=v.10| p=372}}}}
Linha 224:
* Tipo [[Dom Quixote]]
São cristãos humildes e modestos. Neste tipo enquadram-se: [[Príncipe Michkin|''Príncipe Michkin'']], ''Sonia Marmeládova'', ''Aliocha Karamazov'', ''Aliocha Valkovski'', ''Coronel Rostanev'' ([[Aldeia de Stiepantchikov e Seus Habitantes]]) e ''Aleksei Valkovski'' ([[Humilhados e Ofendidos]]).{{sfn| FRANK | 1986 | pp=12,128}}{{sfn| FRANK | 2003| pp=280,300}} Dostoiévski trabalhou o tipo ''Dom Quixote'' mais ampla e detalhadamente através do ''Príncipe Michkin'' em [[O Idiota]].{{sfn| FRANK | 1995 | pp=256-275}}
O tipo ''Dom Quixote'' é para Dostoiévski o mais perfeito exemplo moral de cristão.{{sfn| FRANK | 1995 | p=274}} Uma tal comparação entre ''Dom Quixote'' e [[Cristo]] não ocorre pela primeira vez com Dostoiévski: também [[Søren Kierkegaard|Kierkegaard]], [[Ivan Turgueniev|Turgueniev]], o próprio [[Cervantes]] com ''Dom Quixote'', [[Charles Dickens]] com [[Pickwick]], e [[Voltaire]] com ''[[Pangloss]]'' estabeleceram tais paralelos.{{sfn | BROCA| 1960| p=XVI e XVII}}{{sfn| FRANK | 1995 | p=274}}{{sfn| FRANK | 1995 | p=288}} Diferentemente do que ocorre com ''Dom Quixote'', ''Sr. Pickwick'' e ''Pangloss'', entretanto, Dostoiévski não utiliza a comédia para conseguir a identificação do leitor com seu personagem, ele utiliza a idiotia ou inocência: o ''Príncipe Michkin'' é um inocente idiota.{{sfn| FRANK | 1995 | p=288}}
* Tipo [[Cleópatra]].
São cínicos e libertinos. Neste tipo enquadram-se ''Cleópatra'' (''Notas do Subterrâneo''), ''Svidrigáilov'' (''Crime e Castigo''), ''Fiódor Karamazov'' ''(Irmãos Karamazov''), ''Stavroguin'' (''Os Demônios''), ''Príncipe Valkorski'' (''Humilhados e Ofendidos'').{{sfn| FRANK | 1986 | p=87}}{{sfn| FRANK | 2003| p=288}} O tipo ''Cleópatra'' ilustra o sadismo amoroso e erótico.{{sfn| FRANK | 1995 | p=489}}
* Tipo [[Homem do subsolo]]
Neste tipo enquadram-se [[Homem do subsolo]] (''Notas do Subterrânero''){{sfn| FRANK | 2003| p=350}}, [[Mr. Golyadkin]] (''O Duplo''),{{sfn| FRANK | 1986 | pp=3,275,292}} ''Jovem esposa'' (''Uma Criatura Gentil'').{{sfn| FRANK | 2003| p=350}} O tipo ''Homem do subsolo'' caracteriza o sofredor em busca de ser amado, busca que se transforma em perversão ([[sadismo]]), por causa do egoísmo e da impossibilidade de amar.{{sfn| FRANK | 2003| p=350}}
*Tipo [[Niilismo|Niilista]]
Neste tipo são retratados principalmente jovens com ideias europeias revolucionárias, possuindo como princípio máximo de ação o interesse próprio - princípio sistematizado sob o título de [[Utilitarismo]]
*Tipo [[Podkolióssin]]
Neste tipo enquadram-se as pessoas absolutamente comuns. Dostoiévski reconhece como antecessores deste tipo tanto ''Podkolióssin'' de [[Nikolai Gogol|Gogol]] como ''Georges Dandin'' de [[Molière]]. Em ''O Idiota'' são exemplos deste tipos os personagens: ''Varvára Ardaliónovna Ptítsina'', ''Sr. Ptítsin'' e ''Gavrìl Ardaliónovitch''.{{sfn| DOSTOIÉVSKI | 1960| p=264-267}}
== Posição política ==
=== Niilismo ===
{{VT|Movimento niilista russo}}
No final de 1862 a posição de Dostoiévski, e de sua revista ''Tempo'', por conta dos constantes ataques aos radicais niilistas, já fora entendida por um colaborador, Pomialovski, como reacionária. A esta "acusação"
Segundo Joseph Frank, pode-se dizer que a matriz teórica dos niilistas russos era uma mistura de
=== Relação entre Intelligentsia e povo ===
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=== Nacionalismo e imperialismo ===
{{VT|Nacionalismo|Imperialismo}}
Embora criticasse a servidão, Dostoiévski era cético quanto à criação de uma Constituição, acreditando ser um conceito não relacionado à história da Rússia. Ele descreveu isso como um mero "governo de cavalheiros" e acreditava que "uma Constituição simplesmente escravizaria o povo". Ele defendeu mudanças sociais, por exemplo, o fim do sistema feudal e o enfraquecimento das divisões entre o campesinato e as classes abastadas. Seu ideal era uma Rússia utópica e cristianizada, de forma que "se todos fossem cristãos ativos, nenhum questionamento social surgiria ... Se fossem cristãos, tudo se resolveria".<ref>{{Citar livro|url=https://www.worldcat.org/oclc/62349008|título=The Dostoevsky encyclopedia|ultimo=A.|primeiro=Lantz, K.|data=2004|editora=Greenwood Press|local=Westport, Conn.|isbn=9780313303845|oclc=62349008}}</ref>
Dostoiévski acreditava no povo russo. Era [[nacionalismo|nacionalista]] uma vez que, para ele, a palavra nova adviria da Rússia para o mundo.{{sfn | Drucker| 2006| pp=193-213}} Neste sentido, era contra os defensores da independência cultural da [[Ucrânia]]), em outras palavras, era [[Imperialismo|imperialista]]{{sfn | FRANK | 2003| p=220}} e apoiava o [[czar]] (apesar de sempre ter sido a favor da liberação dos [[Servidão na Rússia|servos]], v. seção acima [[Fiódor Dostoiévski#Detenção, julgamento e falsa execução|Detenção, julgamento e falsa execução]]).{{sfn | FRANK | 2003| p=234}}
O seu nacionalismo não o torna apenas contrário à causa ucraniana, mas, também, contrário a qualquer causa que, em sua perspectiva, possa ser contra a nação imperial russa, como é o caso da causa [[judeu|judaica]].{{sfn | FRANK | 2003| p=301}} Sua posição em relação aos judeus não foi sempre contrária: a revista ''Tempo'', da qual era editor, defendeu mais de uma vez a causa judaica em nome do amor cristão.{{sfn | FRANK | 2003| p=302}} Esta dicotomia
Sua alternativa à estruturação racional da sociedade, ao [[niilismo]],
=== Conservadorismo ===
{{VT|Conservadorismo}}
O local de melhor apreensão da posição política de Dostoiévski é o mito [[O Grande Inquisidor]] (parte da obra [[Os Irmãos Karamazov]]), onde o escritor se coloca, ao mesmo tempo, contra as ideias [[Socialismo|socialistas]], mais especificamente contra o [[socialismo científico]] (posição que o fez ser visto como conservador){{sfn | FRANK | 2003| p=509}}
{{quote2|''Quando se tornaram criminosos, inventaram a justiça e promulgaram para si mesmos códigos a fim de mantê-la, e para a execução dos códigos, usavam a guilhotina.|autor=Dostoiévski.''{{sfn| Dostoiévski | 1972-1980 |loc=v.25| p=116}}}}
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{{VT|Existencialismo}}
[[Jean-Paul Sartre]] classifica Dostoiévski como o ponto de partida do movimento filosófico conhecido como [[existencialismo]], pelos questionamentos apresentados no livro [[Os Irmãos Karamazov]]: "
Já [[Albert Camus]] tem as [[Notas do Subterrâneo]] e personagens como ''Raskolnikov'' ([[Crime e Castigo]]), e ''Kirillov'' ([[Os Demônios]]) como referência,{{sfn | Sartre| 2002|p=xi}} lugares onde Dostoiévski defende a liberdade como uma necessidade
; Nietzsche
{{VT|Friedrich Nietzsche}}
Friedrich Nietzsche referiu-se a Dostoiévski como "o único psicólogo, diga-se de passagem, do qual tive algo a aprender: ele está entre os mais belos golpes de sorte de minha vida, mais até do que [[Stendhal]]."{{sfn | Nietzsche| 2006| p=95}}. Um ano antes de sofrer seu colapso mental (1888), Nietzsche escreveu: “Conheço apenas um único psicólogo que viveu num mundo onde o Cristianismo é possível, onde um Cristo pode surgir a qualquer instante… É
=== Psicanálise ===
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=== Religião ===
[[Imagem:The Body of the Dead Christ in the Tomb, and a detail, by Hans Holbein the Younger.jpg|thumb|direita|200px|<small>Cristo morto no sepulcro''por [[Hans Holbein, o Jovem]]</small>]]
Dostoiévski também tem exercido grande influência no [[Cristianismo]], incluindo [[Igreja Ortodoxa Russa]], [[Igreja Católica]] e [[Igreja Anglicana]]. O [[Papa Francisco]] ressaltou que as pessoas devem "ler e reler Dostoiévski",{{sfn | Oddo| 2016}} e a [[Lumen fidei|encíclica papal Lumen fidei]], de 2013, incorpora trechos de [[O Idiota]] escolhidos pelo [[Papa Bento XVI]], a saber: "Na sua obra ''O Idiota'', Fiódor Mikhailovich Dostoiévski faz o protagonista - o príncipe
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=== Outros ===
[[Albert Einstein]] escreveu: "Dostoiévski oferece-me mais do que qualquer cientista, mais do que [[Gauss]]" ("o mais influente dos matemáticos"), descrevendo também o russo como "grande escritor religioso" que explora "o mistério da existência espiritual".{{sfn | Vucinich| 2001| p=181}}
{{quote2|Eram noites
=== Obras influenciadas por Dostoiévski ===
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