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[[Imagem:Eugène Delacroix - La liberté guidant le peuple.jpg|thumb|350px|''A Liberdade Guiando o Povo'', de [[Delacroix]] (1830): uma personificação da liberdade.]]
'''Liberdade''' ([[Latim]]: ''Libertas'') é, em geral, a condição daquele que é livre; capacidade de agir de si mesmo; [[autodeterminação]]; [[independência]]; [[autonomia]]. <ref>{{Citar livro|url=http://worldcat.org/oclc/847534652|título=Dicionário básico de filosofia|ultimo=Japiassú, Hilton.|data=2008|editora=Jorge Zahar Editor|oclc=847534652}}</ref> Pode ser compreendida sob uma perspectiva que denota a ausência de [[submissão]] e de [[servidão]]., Ouprópria sobda outra[[liberdade perspectivapolítica]], quemas étambém apode [[autonomia]]se relacionar ecom a espontaneidadequestão defilosófica umdo [[sujeitoLivre-arbítrio|livre arbítrio]]. Se opõe à concepção de mundo [[razãoDeterminismo|racionaldeterminista]].
 
== Filosofia ==
<br />
 
== Considerações filosóficas sobre a Liberdade ==
 
=== Guy Debord ===
No livro [[A Sociedade do Espetáculo]], [[Guy Debord]] (1931-1994), ao criticar a [[sociedade de consumo]] e o [[mercado]], afirma que a liberdade de escolha é uma liberdade ilusória, pois escolher é sempre escolher entre duas ou mais coisas prontas, isto é, predeterminadas por outros. Uma sociedade como a capitalista, onde a única liberdade que existe socialmente é a liberdade de escolher qual mercadoria consumir, impede que os indivíduos sejam livres na sua vida cotidiana. A vida cotidiana, na sociedade capitalista, se divide em tempo de trabalho (que é não livre, submetido à [[hierarquia]] de administradores e às exigências de [[lucro]] impostas pelo mercado) e tempo de lazer (onde os indivíduos têm uma liberdade domesticada que é escolher entre coisas que foram feitas sem liberdade durante o tempo de trabalho da sociedade). Assim, a sociedade da mercadoria faz da passividade (escolher, consumir) a liberdade ilusória que se deve buscar a todo o custo, enquanto que, de fato, como seres ativos, práticos (no trabalho, na produção), somos não livres.
 
=== Espinoza ===
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Diretamente associada à ideia de liberdade está a noção de [[responsabilidade]], vez que o ato de ser livre implica assumir o conjunto dos nossos atos e saber responder por eles.
 
=== Étienne de La Boétie ===
O filósofo [[Étienne de La Boétie]], em seu ''[[Discurso da Servidão Voluntária|Discurso sobre a Servidão Voluntária]],'' trata especificamente da [[liberdade política]], que se dá em meio aos outros humanos e não algo estritamente individual. A liberdade é natural,  assim como a vontade de defendê-la<ref name=":0">{{citar livro|título=Discursos sobre a Servidão Voluntária|ultimo=La Boétie|primeiro=Étienne de|editora=Cultura Brasil, LCC|ano=2006}}</ref> - de modo que um exército de homens livres está muito mais disposto a vencer uma guerra que um exército de servos<ref name=":0" />, já que os servos não possuem nenhuma motivação para vencer tal combate. Como os homens são livres e iguais<ref name=":0" />, qualquer divisão na sociedade a transforma em uma sociedade de [[servidão]]<ref name=":0" /> e, diferentemente de [[Jean-Jacques Rousseau|Jean Jacques Rousseau]], La Boétie não presume que tais sociedades nunca tenham existido, mas afirma que evidentemente as sociedades eram livres antes de sua divisão, ou seja, antes do nascimento do Estado<ref>CLASTRES, Pierre. Liberdade, Mau Encontro, Inominável''.'' In: LA BOÉTIE, Étienne de. '''Discurso da servidão voluntária.''' São Paulo: Brasiliense, 1999. pp. 109-123.</ref>. Por essa razão, La Boétie pode ser considerado um precursor do pensamento [[Anarquismo|anarquista]].
 
O caráter natural da liberdade é tão pujante que, de fato, nem mesmo os animais suportam a servidão sem protestar, como La Boétie descreve no seguinte trecho:
 
''“Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais: viva a liberdade! Muitos deles morrem quando os apanham.'' [...] ''O que quer dizer o elefante que, depois de se defender até mais não poder, sentindo-se impotente e prestes a ser apanhado, espeta as presas nas árvores e as quebra, assim mostrando o grande desejo que tem de continuar livre como nasceu? Assim dá a entender que deseja negociar com os caçadores, dando-lhes os dentes para que o soltem, entregando-lhes o marfim em penhor da liberdade.”'' <ref name=":0" />
 
Então, como é possível que a maioria se curve e obedeça de bom grado à poucas pessoas ou até a apenas uma pessoa? Na verdade, La Boétie não responde o porquê em primeiro lugar houve a divisão da sociedade, mas responde a como esse tirano se mantém no poder e  dá três razões para isso:
 
# o hábito - as pessoas não tem lembrança alguma da liberdade pois já nascem em servidão, e mesmo que os humanos sejam naturalmente livres, também está na natureza a tendência a adquirir certos costumes. Essa “mudança de natureza” humana é o precursor do que poderíamos chamar de alienação, conceito que seria desenvolvido séculos depois por [[Georg Wilhelm Friedrich Hegel|Hegel]].
# a covardia derivada de uma “ilusão” acerca do tirano - os súditos se encantam de tal maneira, “manietados e entorpecidos” pelos “teatros, jogos, farsas, espetáculos, feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas” que perdem qualquer força ou energia.
# a própria estrutura hierárquica do poder - as poucas pessoas que cercam o tirano e são de sua confiança são dominadas por ele e dominam as demais, o que para La Boétie é como estender “ambas as mãos” <ref name=":0" /> à servidão, afastar-se definitivamente da liberdade. O autor explica melhor a dinâmica no seguinte trecho: ''“Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros.”'' <ref name=":0" />
 
O poder do tirano em última instância está sempre em seus súditos: o povo voluntariamente nega sua liberdade e transfere poder para o tirano. Sem a liberdade, nem  mesmo as posses são aprazíveis, porque nada é definitivamente nosso - e ao tirano não resta muita coisa, pois até mesmo a amizade é impossível a ele. Para La Boétie, existe uma maneira de escapar da servidão, que é simplesmente cessando de desejá-la, como explicita na seguinte passagem:  
 
''“o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermo-nos dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.”''
 
Portanto, a liberdade é alcançada através de um simples ato de vontade: não é necessária ousadia, guerra ou combate.
 
=== Leibniz ===
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A liberdade humana revela-se na [[angústia]]. O homem angustia-se diante de sua condenação à liberdade. O homem só não é livre para não ser livre: está condenado a fazer escolhas - e a responsabilidade de suas escolhas é tão opressiva que surgem escapatórias através das atitudes e [[paradigma]]s de má-fé, onde o homem aliena-se de sua própria liberdade, mentindo para si mesmo através de condutas e [[ideologia]]s que o isentem da responsabilidade sobre as próprias decisões.
 
== Política ==
<br />
 
=== Guy Debord ===
No livro [[A Sociedade do Espetáculo]], [[Guy Debord]] (1931-1994), ao criticar a [[sociedade de consumo]] e o [[mercado]], afirma que a liberdade de escolha é uma liberdade ilusória, pois escolher é sempre escolher entre duas ou mais coisas prontas, isto é, predeterminadas por outros. Uma sociedade como a capitalista, onde a única liberdade que existe socialmente é a liberdade de escolher qual mercadoria consumir, impede que os indivíduos sejam livres na sua vida cotidiana. A vida cotidiana, na sociedade capitalista, se divide em tempo de trabalho (que é não livre, submetido à [[hierarquia]] de administradores e às exigências de [[lucro]] impostas pelo mercado) e tempo de lazer (onde os indivíduos têm uma liberdade domesticada que é escolher entre coisas que foram feitas sem liberdade durante o tempo de trabalho da sociedade). Assim, a sociedade da mercadoria faz da passividade (escolher, consumir) a liberdade ilusória que se deve buscar a todo o custo, enquanto que, de fato, como seres ativos, práticos (no trabalho, na produção), somos não livres.
 
=== Étienne de La Boétie ===
O filósofo [[Étienne de La Boétie]], em seu ''[[Discurso da Servidão Voluntária|Discurso sobre a Servidão Voluntária]],'' trata especificamente da [[liberdade política]], que se dá em meio aos outros humanos e não algo estritamente individual. A liberdade é natural,  assim como a vontade de defendê-la<ref name=":0">{{citar livro|título=Discursos sobre a Servidão Voluntária|ultimo=La Boétie|primeiro=Étienne de|editora=Cultura Brasil, LCC|ano=2006}}</ref> - de modo que um exército de homens livres está muito mais disposto a vencer uma guerra que um exército de servos<ref name=":0" />, já que os servos não possuem nenhuma motivação para vencer tal combate. Como os homens são livres e iguais<ref name=":0" />, qualquer divisão na sociedade a transforma em uma sociedade de [[servidão]]<ref name=":0" /> e, diferentemente de [[Jean-Jacques Rousseau|Jean Jacques Rousseau]], La Boétie não presume que tais sociedades nunca tenham existido, mas afirma que evidentemente as sociedades eram livres antes de sua divisão, ou seja, antes do nascimento do Estado<ref>CLASTRES, Pierre. Liberdade, Mau Encontro, Inominável''.'' In: LA BOÉTIE, Étienne de. '''Discurso da servidão voluntária.''' São Paulo: Brasiliense, 1999. pp. 109-123.</ref>. Por essa razão, La Boétie pode ser considerado um precursor do pensamento [[Anarquismo|anarquista]].
 
O caráter natural da liberdade é tão pujante que, de fato, nem mesmo os animais suportam a servidão sem protestar, como La Boétie descreve no seguinte trecho:
 
''“Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais: viva a liberdade! Muitos deles morrem quando os apanham.'' [...] ''O que quer dizer o elefante que, depois de se defender até mais não poder, sentindo-se impotente e prestes a ser apanhado, espeta as presas nas árvores e as quebra, assim mostrando o grande desejo que tem de continuar livre como nasceu? Assim dá a entender que deseja negociar com os caçadores, dando-lhes os dentes para que o soltem, entregando-lhes o marfim em penhor da liberdade.”'' <ref name=":0" />
 
Então, como é possível que a maioria se curve e obedeça de bom grado à poucas pessoas ou até a apenas uma pessoa? Na verdade, La Boétie não responde o porquê em primeiro lugar houve a divisão da sociedade, mas responde a como esse tirano se mantém no poder e  dá três razões para isso:
 
# o hábito - as pessoas não tem lembrança alguma da liberdade pois já nascem em servidão, e mesmo que os humanos sejam naturalmente livres, também está na natureza a tendência a adquirir certos costumes. Essa “mudança de natureza” humana é o precursor do que poderíamos chamar de alienação, conceito que seria desenvolvido séculos depois por [[Georg Wilhelm Friedrich Hegel|Hegel]].
# a covardia derivada de uma “ilusão” acerca do tirano - os súditos se encantam de tal maneira, “manietados e entorpecidos” pelos “teatros, jogos, farsas, espetáculos, feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas” que perdem qualquer força ou energia.
# a própria estrutura hierárquica do poder - as poucas pessoas que cercam o tirano e são de sua confiança são dominadas por ele e dominam as demais, o que para La Boétie é como estender “ambas as mãos” <ref name=":0" /> à servidão, afastar-se definitivamente da liberdade. O autor explica melhor a dinâmica no seguinte trecho: ''“Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros.”'' <ref name=":0" />
 
O poder do tirano em última instância está sempre em seus súditos: o povo voluntariamente nega sua liberdade e transfere poder para o tirano. Sem a liberdade, nem  mesmo as posses são aprazíveis, porque nada é definitivamente nosso - e ao tirano não resta muita coisa, pois até mesmo a amizade é impossível a ele. Para La Boétie, existe uma maneira de escapar da servidão, que é simplesmente cessando de desejá-la, como explicita na seguinte passagem:  
 
''“o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermo-nos dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.”''
 
Portanto, a liberdade é alcançada através de um simples ato de vontade: não é necessária ousadia, guerra ou combate.
 
{{Referências}}