Luta armada contra a ditadura militar brasileira: diferenças entre revisões

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Russel Hammond (discussão | contribs)
Adicionadas informações acerca das operações de bandeira falsa perpetradas por paramilitares da extrema-direita, que fomentaram o recrudescimento da ditadura e a consequente escalada da repressão contra a luta armada de esquerda no país.
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A '''luta armada no Brasil''' foi uma série de ações promovidas por diversos grupos de esquerda, especialmente entre 1968 e 1972, durante a [[Ditadura militar no Brasil (1964–1985)|ditadura militar]]. Embora tenha assumido um caráter de resistência ao regime, os grupos mais proeminentes que integraram a luta armada não tinhatinham como objetivo o retorno à ordem democrática anterior ao [[golpe militar de 1964|golpe militar]], mas sim a realização de uma [[revolução socialista]] no Brasil, inspirando-se na [[Revolução Chinesa]] e na [[Revolução Cubana]]. Apesar de algumas iniciativasações realizadas entre 1965 e 1967, o confrontamento aprofundou-se após a proclamação do [[Ato Institucional nº 5]] (AI-5) em 1968. Come, com o fechamentoacirramento totaldo autoritarismo do regime militar, diversas organizações se convenceram de que somente o recurso às armas poderia derrubar a ditadura militar. Neste cenário, lançaram-se à luta armada dezenas de organizações, das quais destacaram-se a [[Ação Libertadora Nacional]] (ALN), o [[Comando de Libertação Nacional]] (COLINA), o [[Movimento Revolucionário 8 de Outubro]] (MR-8), o [[Partido Comunista do Brasil]] (PCdoB), a [[Vanguarda Popular Revolucionária]] (VPR) e a [[VAR-Palmares|Vanguarda Armada Revolucionária Palmares]] (VAR-Palmares).
 
Embora almejassem iniciar a guerrilha rural, as organizações revolucionárias se notabilizaram por suas ações urbanas:. vistasVistas como atos de propaganda armada da revolução, estas ações — que incluíam assaltos a agências bancárias e a carros pagadores, roubos de armamentos do Exército e, posteriormente, o sequestro de embaixadores e diplomatas paracom objetivo de trocá-los por presos políticos — serviam para arrecadar fundos para desencadear a guerrilha no campo e sustentar a infraestrutura clandestina destas organizações.
 
A guerrilha urbana, qualificada como [[terrorismo]] pelo governo ditatorial e pela grande imprensa do país, inicialmente surpreendeu o aparelho repressivo do Estado, que, no entanto, não tardou em aperfeiçoar-se e profissionalizar-se no combate àsaos guerrilhasguerrilheiros. Para isso, oso altosalto comandoscomando militaresmilitar iniciaraminiciou a construção de uma estrutura policial e burocrática calcada na espionagem, na coleta de informações, em operações policiais voltadas à captura e ao interrogatório dosde opositores políticos do regime eatravés nodo uso sistemático da [[tortura]].
 
A despeito de seu sucesso inicial, as organizações revolucionárias foram caminhando para um crescente isolamento social, que piorou muito após a escalada repressiva. As ações armadas nas cidades duraram pouco tempo. De todas as organizações envolvidas na luta armada, apenas o PCdoB conseguiu promover efetivamente a guerrilha rural. O desmantelamento da [[guerrilha do Araguaia]] em 1974 marcou a desarticulação total da luta armada no Brasil, ao custo de centenas de mortos, exilados e desaparecidos pela ditadura.
 
A despeito de seu sucesso inicial, as organizações revolucionárias foram caminhando para um crescente isolamento social, que piorou muito após a escalada repressiva e a campanha de desinformação perpetrada por alguns setores da ditadura, que chegaram a realizar [[Operação de bandeira falsa|atentados terroristas de bandeira falsa]] contra civis e militares, que foram efetuados por paramilitares ligados à autoridades do próprio governo federal, com a finalidade de erodir o apoio popular aos revoltosos e justificar o aprofundamento do autoritarismo. As ações armadas nas cidades duraram pouco tempo. De todas as organizações envolvidas na luta armada, apenas o PCdoB conseguiu promover efetivamente a guerrilha rural. O desmantelamento da [[guerrilha do Araguaia]] em 1974 marcou a desarticulação total da luta armada no Brasil, ao custo de centenas de mortos, exilados e desaparecidos peladurante a ditadura.
== Contexto ==
 
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Fracassadas as tentativas insurrecionais, os nacionalistas e os ex-militares subalternos partiram para o projeto guerrilheiro. Pretendiam lançar cinco frentes de combate: uma na divisa de Minas Gerais com Espírito Santo, na serra do Caparaó, que teria dois comandos, em pontos diferentes; as outras no Mato Grosso; no Rio de Janeiro; na fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina; e uma quinta, no sul do Maranhão. Segundo o plano, Brizola entraria no país pelo Rio Grande do Sul com a eclosão das cinco frentes guerrilheiras. Em razão de problemas diversos, apenas a frente da serra do Caparaó chegou a ser preparada, e com um único comando, ao invés dos dois previstos.{{Sfn|Ridenti|1993|p=215}} Grupos de militantes do MNR, quase exclusivamente ex-subalternos das Forças Armadas, foram chegando à região no final de 1966, compondo uma coluna de 14 integrantes, chefiados por [[Amadeu Felipe da Luz Ferreira]]. Entre março e abril de 1967, a [[guerrilha do Caparaó]] terminou sem dar um tiro, com a prisão de seus membros por uma patrulha policial mineira.{{Sfn|Napolitano|2014|p=125-126}}
 
De acordo com arquivos do [[Superior Tribunal Militar]] revelados após a redemocratização, foi neste período que um grupo de [[extrema-direita]] ligado à membros das forças armadas passou a executar [[Operação de bandeira falsa|operações de bandeira falsa]] com a finalidade de manipular a opinião pública e justificar o recrudescimento do autoritarismo e da repressão por parte do regime ditatorial.<ref name="ElPais">{{citar web|url=https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/02/politica/1538488463_222527.html|titulo=Atentados de direita fomentaram AI-5|publicado=[[El País Brasil]] |data=2 de outubro de 2018|acessodata=20 de agosto de 2019}}</ref> Formado por policiais da antiga [[Força Pública]] (como era chamada à época a [[Polícia Militar de São Paulo]]), o grupo promoveu 14 atentados a bomba, furtou dinamites de pedreiras e armas da própria corporação, além de praticar pelo menos um assalto a banco, plenamente esclarecido. Os alvos principais dos atentados foram justamente os órgãos que depois centralizariam a repressão contra a esquerda em São Paulo: o [[II Exército]], o [[Dops]] e o QG da Força Pública. O grupo explodiu também bombas na [[Bovespa]], no oleoduto de Utinga, em prédios onde funcionavam os setores de alistamento da Força Pública, em varas criminais da capital paulista e em pontilhões e trilhos que davam acesso à estrada de ferro que ligava o litoral e os subúrbios da região metropolitana ao centro da capital. O general Silvio Corrêa de Andrade, diretor da Polícia Federal em São Paulo na época, chegou a sustentar publicamente que o governo não tinha dúvidas de que a esquerda estava por trás de todas essas atividades.<ref name="ElPais"></ref>
O ato de maior impacto da incipiente luta armada brasileira foi realizado em 25 de julho de 1966: uma bomba foi colocada no aeroporto de Guararapes, em Recife, visando atingir o então candidato à Presidência, [[Artur da Costa e Silva]]. A bomba matou duas pessoas e feriu mais de dez, mas não atingiu o alvo. O atentado, à época atribuído ao PCBR, foi na verdade obra de [[Alípio de Freitas]], da AP.{{Sfn|Napolitano|2014|p=125}} Membro da comissão militar e dirigente nacional da AP, Alípio encontrava-se em Recife em meados de 1966, quando se anunciou a visita de Costa e Silva, e decidiu realizar a ação por conta própria. Morreram no atentado o almirante [[Nelson Gomes Fernandes]] e o jornalista [[Edson Régis de Carvalho]].{{Sfn|Gorender|2014|p=125-126}} O resultado da ação — que ficou conhecida como [[Atentado do Aeroporto dos Guararapes]] — foi a suspensão imediata, pela direção da AP, de qualquer envolvimento da organização em atos de guerrilha urbana. Convertida ao maoísmo, a AP passou a defender a guerra de guerrilhas no campo, sem realizar ações nas cidades.{{Sfn|Ridenti|1993|p=58}}
 
OEntretanto o ato de maior impacto darelacionado à incipiente luta armada brasileira foi realizado em 25 de julho de 1966: uma bomba foi colocada no aeroporto de Guararapes, em Recife, visando atingir o então ministro da Guerra e candidato à Presidência, [[Artur da Costa e Silva]]. A bomba matou duas pessoas e feriu mais de dez, mas não atingiu o alvo. O atentado, à época atribuído ao PCBR, foiteria na verdadesido obra de [[Alípio de Freitas]], da AP.,{{Sfn|Napolitano|2014|p=125}} muito embora o mesmo tenha negado qualquer envolvimento com o caso mesmo após a anistia.<ref>{{citar web|url=http://www.unicap.br/webjornalismo/estilhacosdaverdade/site/?p=24|titulo=O padre guerreiro - Projeto estilhaços da verdade|publicado=[[Universidade Católica de Pernambuco]] |acessodata=20/08/2019}}</ref> Membro da comissão militar e dirigente nacional da AP, Alípio encontrava-se em Recife em meados de 1966, quando se anunciou a visita de Costa e Silva, e decidiuteria decidido realizar a ação por conta própria. Morreram no atentado o almirante [[Nelson Gomes Fernandes]] e o jornalista [[Edson Régis de Carvalho]].{{Sfn|Gorender|2014|p=125-126}} O resultado da ação — que ficou conhecida como [[Atentado do Aeroporto dos Guararapes]] — foi a suspensão imediata, pela direção da AP, de qualquer envolvimento da organização em atos de guerrilha urbana. Convertida ao maoísmo, a AP passou a defender a guerra de guerrilhas no campo, sem realizar ações nas cidades.{{Sfn|Ridenti|1993|p=58}}
[[Imagem:Marighella-veja.jpeg|miniatura|Marighella em capa da revista ''[[Veja]]''. Edição de 20 de novembro de 1968.]]
Em dezembro de 1967, o primeiro assalto promovido por um grupo armado foi realizado pela ALN. Os guerrilheiros interceptaram um carro transportador de dinheiro, no bairro paulistano de Santo Amaro, à altura da estátua de Borba Gato. No comando pessoal da ação, Marighella recolheu imediatamente o dinheiro do assalto. Seguiram-se a esse outros assaltos a agências bancárias e carros pagadores, além da apreensão de explosivos utilizados em construção civil. Os assaltos chamavam a atenção pela quantidade e pelo ''modus operandi'' dos assaltantes. Até 1967, os assaltos a agências bancárias raramente passavam de dois por ano em São Paulo e os criminosos espoliavam os caixas e os clientes, ao passo que os guerrilheiros tinha como objetivo os cofres das agências. Inicialmente, os guerrilheiros não se identificavam, para que a polícia pensasse estar lidando com criminosos comuns e as organizações armadas pudessem acumular maior poder de fogo.{{Sfn|Gorender|2014|p=109-110}} Somente em 13 novembro de 1968 é que as autoridades irão descobrir os responsáveis pelos assaltos de "novo estilo". Na ocasião, um carro pagador do Instituto de Previdência do Estado da Guanabara (IPEG) foi interceptado por três homens armados, que se apoderaram de 120 mil cruzeiros novos. À tarde, um sargento reconheceu o carro no qual os guerrilheiros haviam realizado o assalto em um posto de gasolina. Avisados pelo sargento, os policiais prenderam o motorista, que submetido à tortura, deu informações sobre a autoria daquele ato, revelando inclusive o nome de Marighella. A partir desse momento, jornais e revistas passaram a publicar longas matérias sobre o líder comunista e chefe dos assaltos de autoria até então desconhecida.{{Sfn|Gorender|2014|p=110-111}} Antes disso, porém, a ALN já havia reivindicado um atentado à bomba ocorrido em março de 1968 no Consulado dos EUA em São Paulo, tornando pública a existência de um projeto de luta armada para derrubar o regime.{{Sfn|Napolitano|2014|p=94}}