Novo Cinema: diferenças entre revisões

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Eram todos defensores do bom cinema, todos reagiam contra a tutela do cinema americano (salvo o de autor), todos defendiam a necessidade de um cinema português também feito por autores. Ser de autores seria a única garantia de ser verdadeiramente português, a sua marca.
 
Extremam-se os ânimos, surgem divergências. Os mais radicais, inspirando-se nas crenças purgatórias de [[Maio 68]] e tal como os seus inspiradores dando por gasto o [[neorrealismo]], agarram-se a princípios fundadores da [[Nouvelle Vague]], estabelecem ''diktats'' de bom gosto tais como o uso da elipse e o do ''off-screen'' enquanto geradores de sentido, motores do belo no cinema. Defendem com unhas e dentes o culto dessas ideias e dizem que os dinheiros do Estado só podem ser aplicados na cultura, nunca no comércio.
Extremam-se os ânimos, surgem divergências.
 
Cerram fileiras e, nos anos do [[PREC]], desde as acesas discussões do ''Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica'' (anos 60), antepassado do ''Sindicato dos Trabalhadores do Filme'', depois intitulado ''Sindicato dos Trabalhadores da Produção do Cinema e da Televisão'' (STPCT), mantêm-se unidos, criam escola e cultivam influências.
Os mais radicais, inspirando-se nas crenças purgatórias de [[Maio 68]] e tal como os seus inspiradores dando por gasto o [[neorrealismo]], agarram-se a princípios fundadores da [[Nouvelle Vague]], estabelecem ''diktats'' de bom gosto tais como o uso da elipse e o do ''off-screen'' enquanto geradores de sentido, motores do belo no cinema. Defendem com unhas e dentes o culto dessas ideias e dizem que os dinheiros do Estado só podem ser aplicados na cultura, nunca no comércio.
 
Cerram fileiras e, nos anos do [[PREC]], desde as acesas discussões do ''Sindicato dos Trabalhadores do Filme'', depois intitulado ''Sindicato dos Trabalhadores da Produção do Cinema e da Televisão'' (STPCT), mantêm-se unidos, criam escola e cultivam influências. [[Alberto Seixas Santos]], realizador ''engagé'', esquerdista imbuído pelos ideais do Maio 68, por um lado e por outro [[João Bénard da Costa]], na [[Fundação Calouste Gulbenkian]], católico progressista, entusiástico cinéfilo, amigo dos realizadores e empenhado benfeitor do cinema português, são figuras centrais no cultivo da ideia, que – com toda a razão e mais alguma – se assume como defensora da integridade do cinema como arte. Nesse esforço de clarificação, restringem por força das circunstâncias o ponto de vista, afincam-se tanto na teoria como na prática, metem-se a escrever História e a mover influências. São eles quem defende que o novo cinema começa com [[Paulo Rocha (cineasta)|Paulo Rocha]] e não com [[José Ernesto de Sousa]], que ele acaba com Alberto Seixas Santos e não com qualquer outra pessoa.
 
Os outros, sentindo-se mais realistas, entendem que o momento impõe outras prioridades e outra lógica. Sem pretenderem subestimar as razões dos que defendem um cinema de autor, de marca nacional, acham que o cinema português não pode divorciar-se do público, alvo falhado do novo cinema. Entendem que novas estratégias terão de ser traçadas, que o cinema português terá de ter o merecido público, que não haverá cinema em Portugal sem uma indústria nacional de cinema. Entendem que, usando as técnicas e os princípios inovadores dos vanguardistas franceses, será possível renovar o cinema português sem pôr de lado os princípios neorrealistas que tinham inspirado a [[Nova Vaga]]. Entre outros, talvez menos aguerridos, erguem-se as vozes de [[José Fonseca e Costa]] e [[António-Pedro Vasconcelos]], rostos de uma prática menos radical no fabrico do cinema, transigindo na incondicional «intransigência» que [[João César Monteiro]] proclamava.
 
As divergências não têm só raiz ideológica. As razões partidárias pesam. A [[Esquerda (política)|esquerda]] cineasta da época ia tomando partido no [[processo revolucionário em curso]] e alinhava em boa parte à esquerda do [[Partido Comunista Português|PCP]] : como no Maio 68, havia independentes, [[maoista]]s e [[trotskista]]s, alguns [[Partido Socialista (Portugal)|PS]], mais à direita do extremo. Nem todos se acantonavam com quem falava em nome do PCP. Os PCs da época criticavam os formalismos e o radicalismo militante. Aceitavam porém outras ousadias, um neorrealismo renovado na ficção, por exemplo, ou, coisa muito mais urgente, a prática de um cinema militante que desse resposta às prioridades da revolução. Era preciso estar-se unidos, mostrar as coisas sem contrariar a teoria, evitar as derivas pequeno-burguesas de certos intelectuais de esquerda e dos [[católico]]s progressistas.
 
Ambas as ousadias resultam. Não sem paradoxo : resultam, cada uma delas, por motivos de significado oposto. Vinga, em termos de reconhecimento internacional, a teoria dos que defendem a prática de um cinema de autor, artesanal e iconoclasta. Vinga, em termos de afluência de público nacional, a ideia dos que arvoram a necessidade um cinema renovador mas que não perca de vista os imperativos que o gosto do público impõe. Concessão ou estratégia?
 
A querela ganha corpo nos anos que hão-de vir e, mantendo-se irredutível, dará origem, mais de uma década depois, a duas associações rivais de realizadores, que só se manifestam quando o rei faz anos, quando alguma ameaça aperta. A divergência não deriva apenas de questões teóricas ou de princípio, mas em boa parte de questões de ordem ética que têm a ver com os métodos que determinam, mediante a decisão de júris nomeados por instituições do Estado, a atribuição de subsídios à produção de filmes.