Escola Clássica do Direito Penal: diferenças entre revisões

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O Iluminismo trouxe diversas contestações em relação ao poder absoluto exercido pelos monarcas, os quais impunham sua vontade frente a um conjunto de súditos que não eram concebidos como sujeitos de direito. Além disso, também foi realizada uma crítica a respeito da ligação estreita que havia entre o Estado absolutista e a [[Igreja Católica]] e que permitia que os princípios morais religiosos ditassem e fundamentassem as normas jurídicas e a atuação arbitrária do [[governante]], o que podia ser verificado de maneira contundente no Direito Penal. Isso porque, uma vez que o delito era identificado com o cometimento de um pecado religioso, a pena, por consequência, era vista como uma forma de expiação da culpa moral do criminoso, a quem deveria ser afligido um mal em decorrência de sua conduta considerada pecaminosa e injusta.
 
Assim, começaram a surgir pensadores que objetivavam estabelecer determinados princípios capazes de limitar o poder do Estado de impor-se sobre os indivíduos, com base nos ideais de racionalidade humana e de separação entre o [[Direito]] e a [[religião]]. Esses princípios caracterizavam-se como os direitos individuais dos cidadãos, que segundo a perspectiva do [[jusnaturalismo]], decorriam de uma razão humana universal e imutável e deveriam ser “descobertos” pelos legisladores para serem positivados, de maneira que constituíssem “um sistema de normas jurídicas anterior e superior ao Estado, contestando, dessa forma, a legitimidade da tirania estatal”.<ref>Cezar Roberto Bittencourt, “Tratado de Direito Penal: Volume 1”, p. 108, Saraiva Jur, 2018</ref> A adoção dessa perspectiva filosófica fundamentou a defesa de um Estado liberal, pautado na separação de poderes e no princípio da legalidade. A [[laicidade]] do Estado implicava naa necessidade de um novo arcabouço teórico para a legitimação do poder de punir (e do monopólio estatal deste), que deveria então ser construído racionalmente.
 
A transformação do Estado diante do Iluminismo está imbricada a uma mudança de concepção de pessoa, que se deu a partir de uma emancipação do sujeito em relação ao próprio Estado, na qual ele passa da condição de mero objeto das deliberações absolutas do monarca para a condição de sujeito de direitos, dotado de [[dignidade]] e, principalmente, de [[racionalidade]]. De acordo com uma visão antropocêntrica de mundo, o homem é considerado como capaz de se autodeterminar a partir da tomada de decisões após um processo de pensamento racional; ou seja, considera-se que existe uma liberdade de escolha por parte do indivíduo, não sendo ele determinado previamente por qualquer fator externo à sua própria consciência. O livre-arbítrio do homem tornaria suas ações plenamente passíveis da atribuição de [[responsabilidade]] e [[culpabilidade]]. Sob o ponto de vista do [[contratualismo]], por exemplo, tendo como pressuposto que o Estado foi formado a partir de um pacto social que “postula um consenso entre os homens racionais acerca da moralidade”,<ref>Cezar Roberto Bittencourt, “Tratado de Direito Penal: Volume 1”, p. 109, Saraiva Jur, 2018</ref> entende-se que é necessária uma vontade individual livre que contrarie esses valores estabelecidos coletivamente para que uma responsabilização penal possa ser justificadamente aplicada pelo Estado.
 
Essa concepção desemboca na argumentação da aplicação da pena como um mecanismo de prevenção da [[criminalidade]], uma vez que a ideia do homem como um ser racional implica naa noção de que a pena deve atuar como um fator de coação psicológica, funcionando como uma razão que pode motivar o indivíduo a não praticar um delito. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “o pressuposto antropológico supõe um indivíduo que a todo momento pode comparar, calculadamente, vantagens e desvantagens da realização do delito e da imposição da pena. A pena, conclui-se, apoia a razão do sujeito na luta contra os impulsos ou motivos que o pressionam a favor do [[delito]] e exerce uma coerção psicológica ante os motivos contrários ao ditame do [[Direito]]”.<ref>Cezar Roberto Bittencourt, “Tratado de Direito Penal: Volume 1”, p. 154, Saraiva Jur, 2018</ref>
 
== Fins da pena na Escola Clássica ==
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Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “a ineficácia das concepções clássicas relativamente à diminuição da [[criminalidade]]”, “o descrédito das doutrinas espiritualistas e [[metafísicas]] e a difusão da filosofia [[positivista]]” e a “aplicação dos métodos de observação ao estudo do homem, especialmente em relação ao aspecto psíquico” foram fatores responsáveis por determinar a decadência do pensamento clássico na Ciência do [[Direito Penal]] e, simultaneamente, o surgimento da Escola Positivista.<ref>Cezar Roberto Bittencourt, “Tratado de Direito Penal: Volume 1”, p. 113-114, Saraiva Jur, 2018</ref>
 
A partir da metade do [[séc. XIX]], o pensamento positivista começa a ganhar força no campo da filosofia, com a proposta de aplicação do método empírico das [[ciências naturais]] no estudo dos fenômenos sociais, dentre eles a criminalidade. Surge, então, uma preocupação especial com o desenvolvimento de soluções efetivas para o crime, diante de uma primazia dos interesses coletivos frente às questões individuais, o que implica em uma crítica ao “abstrato individualismo” da Escola Clássica, que centralizava o debate na fundamentação da pena a partir da existência do [[livre-arbítrio]] do homem.<ref>Cezar Roberto Bittencourt, “Tratado de Direito Penal: Volume 1”, p. 113, Saraiva Jur, 2018</ref> Os positivistas se colocam como contestadores de uma metodologia científica puramente especulativa, baseada em conceitos metafísicos como o da liberdade de escolha individual e o de responsabilização moral, diante da perspectiva de que o mais importante era defender a sociedade de indivíduos considerados anormais e perigosos.
 
Para a Escola Positivista, a abordagem dos clássicos sobre a criminalidade, caracterizada pelo foco no aspecto jurídico do delito, mostrava-se insuficiente e limitada, sendo essencial a incorporação dos ensinamentos de outras ciências, como a [[Biologia]], a [[Psicologia]] e a [[Antropologia]], de tal forma que “a consideração jurídica do delito fosse substituída por uma [[sociologia]] ou [[antropologia]] do delinquente, chegando, assim, ao verdadeiro nascimento da [[Criminologia]], independente da dogmática jurídica”.<ref>Cezar Roberto Bittencourt, “Tratado de Direito Penal: Volume 1”, p. 113, Saraiva Jur, 2018</ref> Contestava-se, desse modo, o fato de a Escola Clássica não conceber o delito como um fenômeno social, e ao invés disso buscar simplesmente elaborar conceitos metafísicos que pudessem estabelecer parâmetros jurídicos abstratos de responsabilização penal. Antonio Luis Chaves Camargo traduz essa crítica nos seguintes termos: “A abstração do método [[racionalista]], aplicado através da [[lógica formal]], levou a dogmática jurídico-penal, neste período, ao mundo abstrato das ideias, não conseguindo respostas convincentes aos problemas que lhe eram apresentados”. <ref>Antonio Luís Chaves Camargo, “Sistema de penas, dogmática jurídico-penal e política criminal”, p. 144, Editora Cultural Paulista, 2002</ref>