Usuária:Sarah Pereira Marcelino/Memória histórica: diferenças entre revisões

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''Lembrar de Incluir as discussões do Bevernage sobre História, memória e Justiça de Estado (2019) (nota mental do Igor, não reparem kkk).''
 
=== Relações entre História e Memória ===
== Diferentes nuances ==
 
A história é a forma científica da memória coletiva. Esta não é apenas o conjunto das coisas que haviam no passado, mas a construção de discursos e narrativas criados pelos historiadores. Diante disso, o conhecimento da história não seria plausível caso não houvessem vestígios e permanências entre passado e presente, colocadas na forma de traços e monumentos. Os monumentos são uma herança do passado, uma forma de presentificar a existência, de forma consciente ou não, das sociedades históricas. Nesse sentido, destaca-se a diferença existente entre um monumento e um documento, sendo este um produto das relações de poder sociais. Por isso, na concepção de [[Jacques Le Goff]], todo o documento deve ser analisado enquanto um monumento para ser recuperado pela memória coletiva e usado como elemento essencial à ciência histórica, ciente de sua historicidade. Dessa forma, a diferenciação básica entre documento e monumento é o que subentende a separação entre a memória e a ciência histórica.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
A crítica documental tem seu início na Idade Média, instituída por uma tomada de consciência linguística utilizada como ferramenta na busca pela autenticidade dos documentos. Nos séculos XVII e XVIII a investigação de [[Lorenzo Valla]], datada de 1440, no ''Discurso sobre a falsa e enganadora doação de Constantino''{{Sfn|Ginzburg|2002|p=64}} fora considerada um modelo inicial de crítica científica.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}} No {{séc|XIX}}, a ênfase foi sobre o contexto e particularidades de produção da obra.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=66}} O documento questionado por Valla se referia a doação de um terço das terras do [[Império Romano]] de [[Constantino]] para a [[igreja católica]], em gratidão ao [[Papa Silvestre I|papa Silvestre]] por uma suposta cura direcionada ao imperador.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=64}} O autor rejeita tal doação tanto de um ponto de vista psicológico quanto pautado nos anacronismos e contradições presentes na obra e suas configurações textuais.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=67}} A falsificação fora desvendada em um processo de construção narrativa antipapal, pois o protetor de Valla, [[Afonso de Aragão (1481-1500)|Afonso de Aragão]] estava sendo confrontado pelo [[papa Eugênio IV]], que se posicionava contra a posse daquele sobre o trono de [[Nápoles]].{{Sfn|Ginzburg|2002|p=64}} O consenso dos intelectuais da posteridade chegaram a conclusão de que o documento fora escrito no {{séc|VIII}}, indicando as pretensões papais ao [[Poder temporal|poder temporal.]]{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}} Ainda assim, na análise do contexto de produção do documento, destaca-se que durante a produção de Valla, a discussão sobre a autenticidade documental já estava em voga.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}}
 
Na análise proposta por [[Carlo Ginzburg]], a auto interpretação de Valla sobre sua obra discorria sobre o direito canônico e a teologia em parâmetros tensos, trabalhando a retórica como ferramenta textual.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=66}} Em publicações posteriores à do documento original, como em 1518 pelo humanista [[Ulrich von Hutten]], o texto assumiu um caráter de manifesto político que denunciava os anseios da igreja em relação ao poder.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}} Nesse sentido, no {{séc|XIX}}, com as preocupações metodológicas direcionadas às ciências humanas, as investigações de Valla são resgatadas para questionar a noção de objeto comprobatório (prova) da historiografia [[Positivismo|positivista]], tendo em vista a problematização linguística e a identificação dos argumentos retóricos na escrita da história.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=68}} Valla, influenciado por [[Quintiliano]], que se nutria de bases aristotélicas, identificou na doação de Constantino um conteúdo que poderia ser refutado por outros documentos da época e uma cronologia duvidosa, subentendendo fatos históricos posteriores a escrita do documento.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=73}} Diante disso, Lorenzo Valla vai contra a definição [[retórica]] [[Cícero|ciceroniana]], que destaca o convencimento emotivo e baixa importância das análises de prova como base do quesito oratório.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=75}} Valla reivindica a complexidade de se escrever história e a importância dos detalhes e da investigação factual, dando ênfase à questão metodológica em se escrever história. Assim, a investigação dessa complexidade, a importância de de se descobrir a verdade imersa na arte retórica, teria dado origem a História.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=76}}
 
Durante o contexto [[Humanismo|humanístico]] se construiu uma preocupação com o caráter da língua. Essa construção surge do anseio em atingir um [[latim]] puro, limpo da influência do que os humanistas definiam como “barbarismos”. Dessa forma, o {{séc|XV}} trouxe a percepção da historicidade da língua e as modificações que ela sofre com o tempo. {{Sfn|Ginzburg|2002|p=77}} Assim, imerso em um contexto de distanciamento temporal, Valla somou as considerações de sua investigação linguística à herança de Quintiliano sobre a reflexão dos eventos cronológicos como base para entender a falsidade dos documentos.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=76-78}} '''[Acho que exagerei falando da doação de Constantino em três parágrafos, mas acho melhor sobrar do que faltar. Preciso trabalhar meu poder de síntese, eu sei. Não me matem <3 - Dany]'''
 
O documento assumiu diferentes significações ao longo da história e se caracterizou por muito tempo como ferramenta de ensino ou prova de um acontecimento, até ser amplamente utilizado no campo jurídico francês durante o {{séc|XVII}} e como testemunho histórico no {{séc|XIX}}. No {{séc|XVII}}, com a publicação de De re diplomatica de Don [[Jean Mabillon]], germinam as ideias que se tornarão as bases da história científica, dando sentido ao que se tornaria um processo de crítica documental. Nesse sentido, já durante os oitocentos, a [[Positivismo|Escola Positivista]] propõe o documento escrito como fundamento e prova dos eventos históricos, reivindicando a neutralidade do historiador e sustentando que os “documentos falam por si”. Há, no entanto, durante todo o {{séc|XIX}}, uma confusão de significados entre os termos ‘monumento’ e ‘documento’, comumente tratados como sinônimos.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
Já no {{séc|XX}}, a primeira geração dos [[Escola dos Annales|Annales]], de [[Lucien Febvre]] e [[Marc Bloch]] alertam para a importância de exprimir a história dos documentos escritos, assim como de outros registros humanos. Diante disso, a memória coletiva afasta os documentos de registros heroicos, estatais, políticos e institucionais, para se aproximar de uma documentação de massa, visando a parcela social que constituem a base da pirâmide hierárquica antes estabelecida. É nesse contexto que nasce o computador e, com ele, a história quantitativa, contribuindo para uma nova unidade de informação, em que os números, inseridos em perspectiva histórica, principalmente pelos historiadores da economia, não se projetam apenas como um valor objetivo, mas com um significado relativo decorrente de sua existência em uma sequência ou série que os suporta.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
A diferenciação entre documento e monumento foi sentida por diferentes autores, como [[Paul Zumthor]], que constatou a verticalidade dos monumentos, percebendo-os como utilizados pelo poder, e [[Michel Foucault]], que não relega aos documentos o estatuto de memória, observando certo nível de elaboração e condução externa. A história, antes da revolução documental, trabalhava com a memorização dos monumentos do passado, dando aos acontecimentos pretéritos um caráter de verdade documental e comprobatória. Após a reconfiguração, a história transforma documentos em monumentos, admitindo-os em seus conjuntos e circunstâncias. '''[Coloco um exemplo ou não precisa aprofundar tanto? - Dany]''' Nesse sentido, coloca-se que a própria escolha do documento pelo historiador é suficiente para que este não seja entendido como uma verdade explícita, considerando-se que a ação de escolha pode carregar significados resultantes de determinada história, época ou sociedade, mesmo que seja de forma consciente ou não. Diante tal perspectiva, defende-se que os documentos não podem ser estudados mediante um único espectro, mas em múltiplas visões, abordando seu viés econômico, social, jurídico, político, cultural, espiritual, ou seja, as condições de sua produção, e, acima de tudo, sua utilização como um instrumento de poder.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
==== Proximidades e afastamentos ====
 
Na perspectiva de [[Pierre Nora]], a memória verdadeira é aquela vivida no presente pela sociedade, esboçada na herança tradicional e não nos vestígios de uma memória transportada pela história.{{sfn|Nora|1993| p=8}} Para vários autores, a memória só se explica pelo presente, e reafirma-se por meio do destaque de um conjunto de lembranças direcionadas à determinado grupo. Diante disso, reflete-se sobre o porquê da memória retirar do passado “apenas alguns dos elementos que possam lhe dar uma forma ordenada e sem contradições”.{{sfn|Motta|2003| p=182}}
 
Diferente da noção de memória verdadeira, a memória contemporânea não é mais espontânea, deixa de ser coletiva e globalizante para se tornar um dever individual e subjetivo.{{sfn|Nora|1993| p=14}} Assim, a memória se torna um acumulado de registros do grande apanhado de informações que não se conseguiria lembrar, constituindo-se no evento que o autor chamou de “materialização da história”.{{sfn|Nora|1993| p=15}}
 
Nesse sentido, a grande produção arquivística na contemporaneidade está ligada ao registro de uma memória que não mais se vive e se difere em grande medida da herança tradicional. Assim, como resultado, com o passar do tempo, menos a memória é vivida no interior e mais ela precisa de âncoras externas para ser representada.{{sfn|Nora|1993|p=13-14}} Nesse processo, a memória muda de sentido, pois o arquivo é a projeção voluntária e organizada de uma memória perdida.{{sfn|Nora|1993|p=16}}
 
Diante desse contexto, projeta-se que a transformação no conceito de memória resultou diretamente na apropriação da psicologia individual e de uma valorização da identidade do eu, exemplificada no surgimento demandas de memórias particulares que anseiam por sua própria história.{{sfn|Nora|1993|p=17}}
 
Em suma, a memória verdadeira expressada por Nora consistia em um passado que poderia ser ressuscitado por meio da retrospecção, enquanto que a visão contemporânea de memória surge diante a descontinuidade entre presente e passado e na demonstração desse distanciamento.{{sfn|Nora|1993|P=18}} Assim, a memória verdadeira, portanto, mutável e passível de manipulação, abre espaço à história, para a reconstrução de uma relação que já não existe mais, trabalhando de forma crítica direcionada à memória.{{sfn|Nora|1993|p=9}} Nesse sentido, a história, por meio da crítica, do método e da teoria, realizaria uma interpretação do passado, destacando os processos e conflitos, para além dos consensos existentes. Tal postura desembocaria, portanto, não na glorificação do passado, mas na deslegitimação de um passado construído pela memória.{{sfn|Motta|2003|p=183}}
 
'''Incorporar:''' {{citar periódico|url=http://www.pgedf.ufpr.br/memoria%20e%20identidadesocial%20A%20capraro%202.pdf|titulo=Memória e identidade social| sobrenome=Pollack|nome=Michael|data=1992|acessodata=04-10-2019|número=10|volume=5|periódico=Estudos Históricos|local= Rio de Janeiro|páginas=200-212|ref=harv}}
 
==== Historiadores e Memorialistas ====
 
A função da história se diferencia da função do historiador, pois o saber histórico não é isento de [[historicidade]]. Nesse sentido, o historiador, ao mesmo tempo que escreve sobre a história, também faz parte dela, contando com todos os seus posicionamentos e suas impressões de mundo.{{Sfn|Bauer|Nicolazzi|2016|p=818}} Diante disso, a função social da história não implica a institucionalidade ou o reconhecimento social dos agentes que a praticam, mas a função social do historiador passa, necessariamente, pelo recorte oficial da profissão, legitimada por parâmetros específicos, como diplomas, autoridade conferida pela comunidade científica, procedimentos teóricos e metodológicos que instituem a prática, entre outras questões.{{Sfn|Bauer|Nicolazzi|2016|p=819}}
 
É tarefa do historiador “lutar contra o esquecimento e a denegação, lutar, em suma, contra a mentira, mas sem cair em uma definição dogmática de verdade.”{{Sfn|Gagnebin|2006| p=44}}
 
=== Diferentes nuances ===
 
=== Memória Coletiva ===
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=== Escrita de si e subjetividades ===
[[Ficheiro:Mosaico de Mnemósine (37852061952).jpg|alt=|miniaturadaimagem|300x300px|Mosaico de parece com representação de Mnemosine, deusa Grega da memória]]
 
== Relações entre História e Memória ==
 
A história é a forma científica da memória coletiva. Esta não é apenas o conjunto das coisas que haviam no passado, mas a construção de discursos e narrativas criados pelos historiadores. Diante disso, o conhecimento da história não seria plausível caso não houvessem vestígios e permanências entre passado e presente, colocadas na forma de traços e monumentos. Os monumentos são uma herança do passado, uma forma de presentificar a existência, de forma consciente ou não, das sociedades históricas. Nesse sentido, destaca-se a diferença existente entre um monumento e um documento, sendo este um produto das relações de poder sociais. Por isso, na concepção de [[Jacques Le Goff]], todo o documento deve ser analisado enquanto um monumento para ser recuperado pela memória coletiva e usado como elemento essencial à ciência histórica, ciente de sua historicidade. Dessa forma, a diferenciação básica entre documento e monumento é o que subentende a separação entre a memória e a ciência histórica.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
A crítica documental tem seu início na Idade Média, instituída por uma tomada de consciência linguística utilizada como ferramenta na busca pela autenticidade dos documentos. Nos séculos XVII e XVIII a investigação de [[Lorenzo Valla]], datada de 1440, no ''Discurso sobre a falsa e enganadora doação de Constantino''{{Sfn|Ginzburg|2002|p=64}} fora considerada um modelo inicial de crítica científica.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}} No {{séc|XIX}}, a ênfase foi sobre o contexto e particularidades de produção da obra.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=66}} O documento questionado por Valla se referia a doação de um terço das terras do [[Império Romano]] de [[Constantino]] para a [[igreja católica]], em gratidão ao [[Papa Silvestre I|papa Silvestre]] por uma suposta cura direcionada ao imperador.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=64}} O autor rejeita tal doação tanto de um ponto de vista psicológico quanto pautado nos anacronismos e contradições presentes na obra e suas configurações textuais.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=67}} A falsificação fora desvendada em um processo de construção narrativa antipapal, pois o protetor de Valla, [[Afonso de Aragão (1481-1500)|Afonso de Aragão]] estava sendo confrontado pelo [[papa Eugênio IV]], que se posicionava contra a posse daquele sobre o trono de [[Nápoles]].{{Sfn|Ginzburg|2002|p=64}} O consenso dos intelectuais da posteridade chegaram a conclusão de que o documento fora escrito no {{séc|VIII}}, indicando as pretensões papais ao [[Poder temporal|poder temporal.]]{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}} Ainda assim, na análise do contexto de produção do documento, destaca-se que durante a produção de Valla, a discussão sobre a autenticidade documental já estava em voga.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}}
 
Na análise proposta por [[Carlo Ginzburg]], a auto interpretação de Valla sobre sua obra discorria sobre o direito canônico e a teologia em parâmetros tensos, trabalhando a retórica como ferramenta textual.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=66}} Em publicações posteriores à do documento original, como em 1518 pelo humanista [[Ulrich von Hutten]], o texto assumiu um caráter de manifesto político que denunciava os anseios da igreja em relação ao poder.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=65}} Nesse sentido, no {{séc|XIX}}, com as preocupações metodológicas direcionadas às ciências humanas, as investigações de Valla são resgatadas para questionar a noção de objeto comprobatório (prova) da historiografia [[Positivismo|positivista]], tendo em vista a problematização linguística e a identificação dos argumentos retóricos na escrita da história.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=68}} Valla, influenciado por [[Quintiliano]], que se nutria de bases aristotélicas, identificou na doação de Constantino um conteúdo que poderia ser refutado por outros documentos da época e uma cronologia duvidosa, subentendendo fatos históricos posteriores a escrita do documento.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=73}} Diante disso, Lorenzo Valla vai contra a definição [[retórica]] [[Cícero|ciceroniana]], que destaca o convencimento emotivo e baixa importância das análises de prova como base do quesito oratório.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=75}} Valla reivindica a complexidade de se escrever história e a importância dos detalhes e da investigação factual, dando ênfase à questão metodológica em se escrever história. Assim, a investigação dessa complexidade, a importância de de se descobrir a verdade imersa na arte retórica, teria dado origem a História.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=76}}
 
Durante o contexto [[Humanismo|humanístico]] se construiu uma preocupação com o caráter da língua. Essa construção surge do anseio em atingir um [[latim]] puro, limpo da influência do que os humanistas definiam como “barbarismos”. Dessa forma, o {{séc|XV}} trouxe a percepção da historicidade da língua e as modificações que ela sofre com o tempo. {{Sfn|Ginzburg|2002|p=77}} Assim, imerso em um contexto de distanciamento temporal, Valla somou as considerações de sua investigação linguística à herança de Quintiliano sobre a reflexão dos eventos cronológicos como base para entender a falsidade dos documentos.{{Sfn|Ginzburg|2002|p=76-78}} '''[Acho que exagerei falando da doação de Constantino em três parágrafos, mas acho melhor sobrar do que faltar. Preciso trabalhar meu poder de síntese, eu sei. Não me matem <3 - Dany]'''
 
O documento assumiu diferentes significações ao longo da história e se caracterizou por muito tempo como ferramenta de ensino ou prova de um acontecimento, até ser amplamente utilizado no campo jurídico francês durante o {{séc|XVII}} e como testemunho histórico no {{séc|XIX}}. No {{séc|XVII}}, com a publicação de De re diplomatica de Don [[Jean Mabillon]], germinam as ideias que se tornarão as bases da história científica, dando sentido ao que se tornaria um processo de crítica documental. Nesse sentido, já durante os oitocentos, a [[Positivismo|Escola Positivista]] propõe o documento escrito como fundamento e prova dos eventos históricos, reivindicando a neutralidade do historiador e sustentando que os “documentos falam por si”. Há, no entanto, durante todo o {{séc|XIX}}, uma confusão de significados entre os termos ‘monumento’ e ‘documento’, comumente tratados como sinônimos.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
Já no {{séc|XX}}, a primeira geração dos [[Escola dos Annales|Annales]], de [[Lucien Febvre]] e [[Marc Bloch]] alertam para a importância de exprimir a história dos documentos escritos, assim como de outros registros humanos. Diante disso, a memória coletiva afasta os documentos de registros heroicos, estatais, políticos e institucionais, para se aproximar de uma documentação de massa, visando a parcela social que constituem a base da pirâmide hierárquica antes estabelecida. É nesse contexto que nasce o computador e, com ele, a história quantitativa, contribuindo para uma nova unidade de informação, em que os números, inseridos em perspectiva histórica, principalmente pelos historiadores da economia, não se projetam apenas como um valor objetivo, mas com um significado relativo decorrente de sua existência em uma sequência ou série que os suporta.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
A diferenciação entre documento e monumento foi sentida por diferentes autores, como [[Paul Zumthor]], que constatou a verticalidade dos monumentos, percebendo-os como utilizados pelo poder, e [[Michel Foucault]], que não relega aos documentos o estatuto de memória, observando certo nível de elaboração e condução externa. A história, antes da revolução documental, trabalhava com a memorização dos monumentos do passado, dando aos acontecimentos pretéritos um caráter de verdade documental e comprobatória. Após a reconfiguração, a história transforma documentos em monumentos, admitindo-os em seus conjuntos e circunstâncias. '''[Coloco um exemplo ou não precisa aprofundar tanto? - Dany]''' Nesse sentido, coloca-se que a própria escolha do documento pelo historiador é suficiente para que este não seja entendido como uma verdade explícita, considerando-se que a ação de escolha pode carregar significados resultantes de determinada história, época ou sociedade, mesmo que seja de forma consciente ou não. Diante tal perspectiva, defende-se que os documentos não podem ser estudados mediante um único espectro, mas em múltiplas visões, abordando seu viés econômico, social, jurídico, político, cultural, espiritual, ou seja, as condições de sua produção, e, acima de tudo, sua utilização como um instrumento de poder.{{Sfn|Le Goff|1996}}
 
=== Proximidades e afastamentos ===
 
Na perspectiva de [[Pierre Nora]], a memória verdadeira é aquela vivida no presente pela sociedade, esboçada na herança tradicional e não nos vestígios de uma memória transportada pela história.{{sfn|Nora|1993| p=8}} Para vários autores, a memória só se explica pelo presente, e reafirma-se por meio do destaque de um conjunto de lembranças direcionadas à determinado grupo. Diante disso, reflete-se sobre o porquê da memória retirar do passado “apenas alguns dos elementos que possam lhe dar uma forma ordenada e sem contradições”.{{sfn|Motta|2003| p=182}}
 
Diferente da noção de memória verdadeira, a memória contemporânea não é mais espontânea, deixa de ser coletiva e globalizante para se tornar um dever individual e subjetivo.{{sfn|Nora|1993| p=14}} Assim, a memória se torna um acumulado de registros do grande apanhado de informações que não se conseguiria lembrar, constituindo-se no evento que o autor chamou de “materialização da história”.{{sfn|Nora|1993| p=15}}
 
Nesse sentido, a grande produção arquivística na contemporaneidade está ligada ao registro de uma memória que não mais se vive e se difere em grande medida da herança tradicional. Assim, como resultado, com o passar do tempo, menos a memória é vivida no interior e mais ela precisa de âncoras externas para ser representada.{{sfn|Nora|1993|p=13-14}} Nesse processo, a memória muda de sentido, pois o arquivo é a projeção voluntária e organizada de uma memória perdida.{{sfn|Nora|1993|p=16}}
 
Diante desse contexto, projeta-se que a transformação no conceito de memória resultou diretamente na apropriação da psicologia individual e de uma valorização da identidade do eu, exemplificada no surgimento demandas de memórias particulares que anseiam por sua própria história.{{sfn|Nora|1993|p=17}}
 
Em suma, a memória verdadeira expressada por Nora consistia em um passado que poderia ser ressuscitado por meio da retrospecção, enquanto que a visão contemporânea de memória surge diante a descontinuidade entre presente e passado e na demonstração desse distanciamento.{{sfn|Nora|1993|P=18}} Assim, a memória verdadeira, portanto, mutável e passível de manipulação, abre espaço à história, para a reconstrução de uma relação que já não existe mais, trabalhando de forma crítica direcionada à memória.{{sfn|Nora|1993|p=9}} Nesse sentido, a história, por meio da crítica, do método e da teoria, realizaria uma interpretação do passado, destacando os processos e conflitos, para além dos consensos existentes. Tal postura desembocaria, portanto, não na glorificação do passado, mas na deslegitimação de um passado construído pela memória.{{sfn|Motta|2003|p=183}}
 
'''Incorporar:''' {{citar periódico|url=http://www.pgedf.ufpr.br/memoria%20e%20identidadesocial%20A%20capraro%202.pdf|titulo=Memória e identidade social| sobrenome=Pollack|nome=Michael|data=1992|acessodata=04-10-2019|número=10|volume=5|periódico=Estudos Históricos|local= Rio de Janeiro|páginas=200-212|ref=harv}}
 
=== Historiadores e Memorialistas ===
 
A função da história se diferencia da função do historiador, pois o saber histórico não é isento de [[historicidade]]. Nesse sentido, o historiador, ao mesmo tempo que escreve sobre a história, também faz parte dela, contando com todos os seus posicionamentos e suas impressões de mundo.{{Sfn|Bauer|Nicolazzi|2016|p=818}} Diante disso, a função social da história não implica a institucionalidade ou o reconhecimento social dos agentes que a praticam, mas a função social do historiador passa, necessariamente, pelo recorte oficial da profissão, legitimada por parâmetros específicos, como diplomas, autoridade conferida pela comunidade científica, procedimentos teóricos e metodológicos que instituem a prática, entre outras questões.{{Sfn|Bauer|Nicolazzi|2016|p=819}}
 
É tarefa do historiador “lutar contra o esquecimento e a denegação, lutar, em suma, contra a mentira, mas sem cair em uma definição dogmática de verdade.”{{Sfn|Gagnebin|2006| p=44}}
 
=== História Oral e Memória ===
 
== Olhares fora da Europa [ acho que vcs devem incorporar esses temas ao eixo central. Se possível pensem em um eixo cronológico. Como as discussões sobre memória surgiram. Pode começar com a Grécia antiga mesmo, - Flávia] ==
<br />
=== Os Griot's no continente africano e a "memória" viva ===