Ferdinand de Saussure: diferenças entre revisões

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Visto ser a língua um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tão somente da presença simultânea de outros, dois fatores são necessários para a existência de um valor: eles são sempre constituídos por uma coisa ''dessemelhante'', suscetível de ser ''trocada'' por outra cujo valor resta determinar; por coisas ''semelhantes'' que se podem ''comparar'' com aquela cujo valor está em causa. Dessarte, para determinar o que vale a moeda de cinco francos, cumpre saber: que se pode trocá-la por uma quantidade determinada de uma coisa diferente, por exemplo, pão; que se pode compará-la com um valor semelhante do mesmo sistema, por exemplo uma moeda de um franco, ou uma moeda de algum outro sistema (um dólar etc.). Do mesmo modo, uma palavra pode ser trocada por algo semelhante: uma ideia; além disso, pode ser comparada com algo da mesma natureza: uma outra palavra. Seu valor não estará então fixado, enquanto nos limitarmos a comprovar que pode ser "trocada" por este ou aquele conceito, isto é, que tem esta ou aquela significação; falta ainda compará-la com os valores semelhantes, com as palavras que se lhe podem opor. Seu conteúdo só é verdadeiramente determinado pelo concurso do que existe fora dela. Fazendo parte de um sistema, está não só revestida de uma significação como também, e sobretudo, de um valor, e isso é coisa muito diferente.
 
Alguns exemplos mostrarão que é de fato assim. O português ''carneiro'' ou o francês ''mouton'' podem ter a mesma significação que o inglês ''sheep'', mas não o mesmo valor, isso por várias razões, em particular porque, ao falar de uma porção de carne preparada e servida à mesa, o inglês diz ''mutton'' e não ''sheep''. A diferença de valor entre ''sheep'' e ''mouton'' ou ''carneiro'' se deve a que o primeiro tem a seu lado um segundo termo , o que não ocorre com a palavra francesa ou portuguesa.
 
No interior de uma mesma língua, todas as palavras que exprimem ideias vizinhas se limitam reciprocamente: sinônimos como ''recear,'' ''temer'', ''ter medo'' só tem valor próprio pela oposição; se ''recear'' não existisse, todo seu conteúdo iria para os seus concorrentes. Inversamente, existem termos que se enriquecem pelo contato com outros. Assim, o valor de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia; nem sequer da palavra que significa "sol" se pode fixar imediatamente o valor sem levar em conta o que lhe existe em redor; línguas há em que é possível dizer "sentar-se ao sol".
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Se a parte conceitual do valor é constituída unicamente por relações e diferenças com os outros termos da língua, pode-se dizer o mesmo da sua parte material. O que importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras, pois são elas que levam a significação.
 
Ademais, é impossível que o som, elemento material, pertença por si à língua. Ele não é, para ela, mais que uma coisa secundária, matéria que põe em jogo. Todos os valores convencionais apresentam esse caráter de não se confundir com o elemento tangível que lhes serve de suporte. Assim, não é o metal da moeda que lhe fixa o valor; um escudo, que vale nominalmente cinco francos, contém apenas a metade dessa importância em prata; valerá mais ou menos com esta ou aquela efígie, mais ou menos aquém ou além de uma fronteira política. Isso é ainda mais verdadeiro no que respeita ao significante linguístico; em sua essência, este não é de modo algum fônico; é incorpóreo, constituído, não por sua substância material, mas unicamente palaspelas diferenças que separam sua imagem acústica de todas as outras.
 
Esse princípio é tão essencial que se aplica a todos os elementos materiais da língua, inclusive os fonemas. Cada idioma compõe suas palavras com base num sistema de elementos sonoros cada um dos quais forma uma unidade claramente delimitada e cujo número está perfeitamente determinado. Mas o que os caracteriza não é , como se poderia crer, sua qualidade própria e positiva, mas simplesmente o fato de não se confundirem entre si. Os fonemas são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e negativas. Prova-o a margem de ação de que gozam os falantes para a pronunciação, contanto que os sons continuem sendo distintos uns dos outros.