Villa romana da Quinta de Marim: diferenças entre revisões

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Os vestígios arqueológicos encontrados na ''villa'' apontam para uma ocupação desde o Século II até aos finais do Século IV ou princípios do Século V.<ref name=PA:QM3/> O mausoléu terá sido construído no período alto-imperial romano, enquanto que o templo remonta ao Século IV.<ref name=PA:QM3/> Por seu turno, a zona industrial terá sido utilizada apenas entre o fim do Século II e a primeira metade do Século III.<ref name=PA:QM1/>
 
[[File:Facas romanas da Quinta de Marim - Archeologo Portugues I 1895.png|thumb|left|Facas romanas, descobertas por Santos Rocha em 1895 na Quinta de Marim.]]
===Redescoberta===
Na segunda metade do Século XIX iniciaram-se as primeiras escavações arqueológicas na zona da Quinta de Marim, devido à presença de sepulturas antigas na propriedade de João Lúcio Pereira.<ref name=ArqPorI:1A/> O primeiro arqueólogo a trabalhar no sítio foi [[Estácio da Veiga]], tendo encontrado uma cave para azeite (''cella olearia'') ou vinho (''cella vinaria''), ainda com os vestígios de três grandes contentores de cerâmica (''[[:es:dolium|dolia]]''), que encaixavam em concavidades circulares no solo, com cerca de um metro de diâmetro.<ref name=ArqPorI:1A/> No entanto, durante as escavações foi destruída uma sepultura de inumação e o pavimento de mosaico de um pequeno edifício.<ref name=ArqPorI:1A/> Em 1895, o arqueólogo [[António dos Santos Rocha]] também esteve no local,<ref name=PA:QM3/> tendo investigado o edifício, que o descreveu como tendo uma forma rectangular, alongada no sentido de Este a Oeste, e tinha uma escadaria do lado Sul, devido à diferente cota dos terrenos.<ref name=ArqPorI:1A/> As paredes foram construídas em alvenaria comum muito endurecida, com um emboço nos lados interiores de cal, areia e pequenas pedras, estriado de forma profundo, e que foi depois coberto com uma camada de cal e areia que encaixava nas estrias do emboço.<ref name=ArqPorI:1A/> Por seu turno, o pavimento tinha um leito composto por uma argamassa de areia e cal misturada com fragmentos de cascalhos de cerâmica, encimado apenas pela argamassa.<ref name=ArqPorI:1A/> Santos Rocha descobriu vários fragmentos de cerâmica, incluindo contentores como ''dolias'' e ânforas, e de vasos e de uma [[pátera]] em barro fino, e [[tégula]]s e [[Ímbrice|ímbrice]]s.<ref name=ArqPorI:1A/> Recolheu igualmente fragmentos de placas de mármore, e restos de alimentação misturados com carvões e cinzas, como ossos de cabrito e de bovídeo, e conchas de moluscos, principalmente ostras.<ref name=ArqPorI:1A/>
 
[[File:Facas romanas da Quinta de Marim - Archeologo Portugues I 1895.png|thumb|left|Facas romanas, descobertas por Santos Rocha em 1895 na Quinta de Marim.]]
Iniciou depois as escavações na zona a Norte do edifício, que ainda não tinha sido investigada por Estácio da Veiga, tendo encontrado parte dos alicerces de outra estrutura romana e muitos restos de construção como argamassa, telhas e tijolos, prova que aquele imóvel foi demolido pelos habitantes para aproveitar as pedras.<ref name=ArqPorI:1A/> Descobriu igualmente as bases de várias colunas entre os alicerces do edifício, e partes de paredes com pinturas murais em [[fresco]], algumas lisas e outras ainda com vestígios de decoração, em tons brancos, amarelos, azuis castanhos e vermelhos.<ref name=ArqPorI:1A/> As paredes tinham um emboço de cal e areia, coberto de forma superficial por uma camada de cal muito fina, e alguns dos fragmentos tinham um ressalto com cerca de 4,5 cm, que formaria provavelmente uma espécie de moldura para as pinturas murais.<ref name=ArqPorI:1A/> Naquela zona encontrou igualmente muitos fragmentos de cerâmica fina e de cozinha.<ref name=ArqPorI:1A/> Num dos lados havia uma interrupção nos alicerces, indicando uma abertura, que num dos lados ainda apresentava uma grande pedra aparelhada.<ref name=ArqPorI:1A/> Neste local foi encontrado outro depósito de restos de cozinha, composto por carvão, cinzas e vários objectos queimados, vestígios de ostras e de outros mariscos, ossos de boi e de cabrito, parte de uma fina taça de vidro muito fino, e três facas de ferro já muito oxidadas,do tipo ''culter coquinaris''.<ref name=ArqPorI:1A/> A presença de um grande número de vestígios de ostras, que também foi encontrada noutros sítios arqueológicos, demonstra a preferência que os cidadãos romanos tinham por aquele molusco.<ref name=ArqPorI:1A/> Também foram recolhidos fragmentos de vários vasos de barro, dos quais um estava ornamentado, e outro mais simples, que depois de parcialmente restaurado ficou com uma forma semelhante aos encontrados em [[Sítio Classificado dos Montes de Santa Olaia e Ferrestelo|Santa Olaia]].<ref name=ArqPorI:1A/> As peças de cerâmica mais simples, que chegam a partilhar algumas características com a originária do [[Neolítico]], indicam que mesmo durante o período romano prosseguiram formas mais primitivas de fabrico.<ref name=ArqPorI:1A>{{citar web|titulo=Notícia de algumas estações romanas e árabes do Algarve: 1. Antiguidades de Marim (Olhão)|pagina=113-116| autor=[[António dos Santos Rocha|ROCHA, António dos Santos]]|jornal=O Archeologo Português|numero=Volume I|data=Maio de 1895|volume=1.ª Série|publicado=Museu Ethnologico Português|local= Lisboa|via=Direcção-Geral do Património Cultural|url=http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_1/volume_1/estacoes_algarve1.pdf|acessodata=1 de Novembro de 2019}}</ref>
 
[[File:Vaso romano da Quinta de Marim - Archeologo Portugues I 1895.png|thumb|Vaso encontrado numa sepultura por Santos Rocha.]]
A cerca de cem metros de distância das ruínas anteriores, no sentido Noroeste, existia uma necrópole de pequenas dimensões, onde Santos Rocha investigou quatro sepulturas.<ref name=ArqPorI:1B/> Estas tinham sido todas escavadas na marga calcária, estando a cerca de 0,30 a 0,80 m debaixo do nível do solo, eram de forma geralmente rectantangular ou trapezoidal, orientada no sentido de Noroeste para Sudeste.<ref name=ArqPorI:1B/> Tinham uma profundidade média de 0,5 m, e uma delas tinha 1,95 a 2 m de comprimento, e cerca de 0,50 a 0,60 m de largura.<ref name=ArqPorI:1B/> Três estavam cobertas por lajes, enquanto que a quarta tinha sido tapada por quatro cipos funerários pertencentes a outras sepulturas, e por uma mistura de tijolos e fragmentos de laje cimentada com cal e areia, tendo esta cobertura 2,35 m de comprimento e 1,05 m de largura máxima.<ref name=ArqPorI:1B/> Duas sepulturas não tinham sido revestidas no interior, enquanto que a terceira tinha as suas paredes totalmente forradas com pedra, tijolo e argamassa.<ref name=ArqPorI:1B/> A última sepultura, que tinha a cobertura diferente, tinha três das suas paredes revestidas com uma mistura igual à anterior, enquanto que a face Noroeste era suportada por um cipo cravado em cutelo, cujo lado com inscrições estava virado para dentro.<ref name=ArqPorI:1B/> Nenhuma das sepulturas tinha um fundo revestido, embora três delas apresentassem um ressalto onde se apoiava a cabeça do cadáver, que na quarta foi substituído por um tipo de almofada em cal e areia.<ref name=ArqPorI:1B/> Cada uma das sepulturas apresentava pelo menos um esqueleto, em posição horizontal, com a cabeça virada para Noroeste, mas duas delas continham igualmente ossos desordenados aos pés do cadáver, muito provavelmente devido a enterros anteriores na mesma sepultura.<ref name=ArqPorI:1B/> Esta reutilização do mesmo jazigo verificou-se noutros locais em Portugal, como no [[Sítio Classificado dos Montes de Santa Olaia e Ferrestelo|Ferrestelo]], e no estrangeiro, como em [[Micenas]], na [[Grécia Antiga|Grécia]].<ref name=ArqPorI:1B/> Além dos restos osteológicos, que estavam em mau estado, os únicos vestígios encontrados nas sepulturas foram nove pregos muito enferrujados, e um vaso de barro esbranquiçado, de forma semelhante a uma [[Âmbula (Roma Antiga)|âmbula]], e que provavelmente serviria para guardar unguento ou perfume.<ref name=ArqPorI:1B/> Quanto aos cipos em si, um apresentava duas inscrições, sendo a da esquerda: D M S PATRICIA VIXIT ANNIS XI D III, traduzida por Santos Rocha como «''Consagrado aos deuses Manes. Patricia viveu 11 anos e 4 dias.''», enquanto que a da direita era D M S PATRICIVS VIXIT ANNIS XCIII M III D XIIII PISPI, traduzida como «''Consagrado aos deuses Manes. Patricio viveu 93 anos, 3 meses e 14 dias. Jaz sepultado a expensas públicas''».<ref name=ArqPorI:1B/> Santos Rocha considerou as últimas quatro letras como uma abreviatura de ''Publica Impensa Sepultus Iacet'', embora [[José Leite de Vasconcelos]] tenha avançado com uma interpretação diferente, podendo as primeiras três letras ter sido ''(P)ius (I)n (S)uos'' (piedoso para com os seus), não tendo sido possível fazer uma leitura definitiva das duas últimas letras devido ao estado de degradação do cipo.<ref name=ArqPorI:1B/> Um outro cipo também continha duas inscrições, sendo a da esquerda D M S DIONYSIANVS VIXIT ANN XXXV IIII D V DINITL TTBL, sendo as duas primeiras frases traduzidas como «''Consagrado aos deuses Manes. Dionysiano viveu 39 anos e 5 dias''».<ref name=ArqPorI:1B/> As frases restantes foram analisadas por [[Emil Hübner]], que as interpretou como (D)ic (V)iator (D)ei (I)nferi (N)e (I)nvideant (T)ibi (L)ocum (T)itulum (T)erra (L)evem (B)oni (L)ibenter, mas também avançou a teoria que tinham sido mal escritas de origem, querendo o artista provavelmente dizer (P)ius (I)n (S)uos (S)it TIBI (T)erra (L)evis.<ref name=ArqPorI:1B/> A segunda inscrição era D M S MARITIMA VIXIT ANN XXV D V DINITL TTBL, «''Consagrado aos deuses Manes. Maritima viveu 25 anos e 5 dias''», terminando de forma igual à anterior.<ref name=ArqPorI:1B>{{citar web|titulo=Notícia de algumas estações romanas e arabes do Algarve: 1. Antiguidades de Marim (Olhão)|pagina=193-212| autor=[[António dos Santos Rocha|ROCHA, António dos Santos]]|jornal=O Archeologo Português|numero=Volume I|data=Agosto de 1895|volume=1.ª Série|publicado=Museu Ethnologico Português|local= Lisboa|via=Direcção-Geral do Património Cultural|url=http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_1/volume_1/estacoes_algarve2.pdf|acessodata=16 de Novembro de 2019}}</ref>
 
Nestas duas fases de escavações foram encontradas o edifício residencial, as termas, zonas para armazenamento, um mausoléu e várias necrópoles.<ref name=PA:QM3/> Na Década de 1980, foram feitos trabalhos arqueológicos na parte produtiva, coordenadas pelo arqueólogo Carlos Tavares da Silva.<ref name=PA:QM1/> Nessa década, também foi encontrada uma pedra funerária romana junto da ponte antiga, durante a construção de uma ponte.<ref name=PA:QM2/>