João VI de Portugal: diferenças entre revisões

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{{Artigo principal|[[Transferência da corte portuguesa para o Brasil]]}}
 
No fim de 1806 a situação internacional se aproximava de um ponto crítico. A França decretara o [[Bloqueio Continental]], pretendendo isolar a Inglaterra dos seus aliados e romper sua rede comercial. Ao mesmo tempo, a invasão do Reino de Portugal e a deposição do seu monarca pareciam iminentes, e uma defesa armada era considerada inútil, diante da força do inimigo. Apesar das suas divergências, o partido inglês e o partido francês concordavam que acima de tudo deveriam ser preservadas a soberania e independência da monarquia e a segurança pessoal de D. João e seus herdeiros, símbolos do Estado e a própria razão de ser do regime [[absolutista]]. Assim, em meados de 1807 ressurgiu a ideia da transferência da família real e da corte para o Brasil, que já havia sido cogitada em outras épocas de crise. Naquele contexto, a provável perda de Portugal foi vista como um mal menor, pois era uma opinião consensual que era o Brasil e suas riquezas que constituíam o esteio da monarquia, e de lá se poderia eventualmente agir para uma futura reconquista da Metrópole.<ref name="Crise"/>
 
Na mesma altura foram assinados os tratados de [[Tratados de Tilsit|Tilsit]], entre a França e [[Rússia]], e de [[Tratado de Fontainebleau (1807)|Fontainebleau]], entre a França e Espanha, onde definiu-se a conquista e partilha de Portugal. O destino do reino estava traçado. D. João tentou desesperadamente ganhar tempo e até o último momento simulou uma submissão voluntária à França, chegando a sugerir ao rei inglês a declaração de uma guerra fictícia à Inglaterra. O Bloqueio Continental não foi seguido em todos os seus termos e estabeleceu-se com a Inglaterra [[Convenção Secreta sobre a Transferência da Monarquia Portuguesa para o Brasil|uma convenção secreta]], em que Portugal receberia ajuda para uma eventual fuga da família real. O acordo era sumamente vantajoso para os ingleses, que, preservando de uma deposição certa o governo legítimo, que sempre lhe fora simpático, manteria sua influência sobre o país, continuando a tirar grandes lucros no comércio com o império transcontinental português. A Portugal cabia escolher entre a obediência à França ou à Inglaterra, mas o ministério hesitava, ameaçando Portugal de uma guerra não apenas contra uma potência, mas contra duas, pois considerava-se certo que nada deteria a França em seu plano expansionista, e também parecia certo que se o país se alinhasse a ela a Inglaterra o invadiria e lhe tomaria também a colônia brasileira. Logo os eventos se precipitaram: em outubro de 1807 chegaram informações de que um exército composto de franceses e espanhóis se aproximava, em 1º de novembro foi conhecido na corte que Napoleão divulgara uma notícia dizendo que a [[Casa de Bragança]] em dois meses deixaria de reinar, e em 6 de novembro a esquadra inglesa entrou no porto de Lisboa com uma força de sete mil homens, com ordens de ou escoltar a família real para o Brasil ou, se o governo se rendesse aos franceses, atacar e conquistar a cidade. Depois de angustiada ponderação, pressionado por todos os lados, D. João decidiu aceitar a proteção inglesa e partir para o Brasil.<ref name="Andrade"/><ref name="Crise"/><ref>Valuguera, Alfonso B. de Mendoza Y Gómez de. "Carlismo y miguelismo". In: Gómez, Hipólito de la Torre & Vicente, António Pedro. ''España y Portugal. Estudios de Historia Contemporánea''. Editorial Complutense, 1998, pp. 13-14</ref><ref>Pedreira e Costa, pp. 174-176</ref>
 
[[File:Autor não identificado - Embarque da Família Real Portuguesa.jpg|thumb|left|270px|Embarque da família real para o Brasil no [[porto de Belém]]. [[Museu Histórico e Diplomático]]]]
O exército invasor, comandado por [[Jean-Andoche Junot]], iniciara seu avanço, mas chegou às portas da capital somente em 30 de novembro de 1807.<ref name="Schwarcz"/> Tendo enfrentado várias dificuldades no caminho, esta milícia estava alquebrada e faminta, suas fardas estavam em farrapos e os soldados, em sua maioria novatos inexperientes, mal conseguiam carregar suas armas. Alan Manchester descreveu-os dizendo que "sem cavalaria, artilharia, cartuchos, sapatos ou comida, cambaleando de fadiga, a tropa mais parecia a evacuação de um hospital do que um exército marchando triunfalmente para a conquista de um reino", e por isso acredita-se que uma resistência poderia ter sido bem sucedida, mas o governo não estava a par da situação do inimigo, e de qualquer modo já era tarde para eles.<ref>[[Laurentino Gomes|Gomes, Laurentino]]. ''[[1808 (livro)|1808]]''. São Paulo: Planeta, 2007, pp. 52-53;</ref> D. João, acompanhado de toda a família real e grande séquito de nobres, prelados, funcionários de Estado e criados, bem como volumosa bagagem onde se incluía valioso acervo de arte, os arquivos de Estado e o tesouro real, já partira, deixando o país sob a responsabilidade de um [[Conselho de Regência de 1807|Conselho de Regência]]. A ideia de uma mudança da sede da corte para a [[América]] como ato [[geopolítico]] já existia em Portugal há muito tempo, e de fato alguns meses antes já haviam sido feitos alguns preparativos para a eventualidade, mas neste momento a fuga teve de ser realizada às pressas, debaixo de chuvas que deixaram as ruas um lamaçal, e causou enorme tumulto em Lisboa, em meio a uma população atônita e revoltada, que não podia acreditar que seu príncipe a abandonava. Na confusão foram esquecidas no cais inúmeras malas e pertences, os caixotes com toda a prataria das igrejas, que foi confiscada e fundida pelos franceses, e o precioso acervo de sessenta mil volumes da [[Biblioteca Nacional de Portugal|Biblioteca Real]], que foi no entanto salvo e enviado ao Brasil mais tarde.<ref>[http://multirio.rio.rj.gov.br/historia/modulo02/embarque.html ''O Embarque e a Viagem da Corte'']. Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro</ref><ref>Pedreira e Costa, pp. 185-186</ref><ref>Gomes, pp. 64-71</ref> No relato de [[José Acúrsio das Neves]], a partida causou profunda comoção no príncipe regente:
 
::"Queria falar e não podia; queria mover-se e, convulso, não acertava a dar um passo; caminhava sobre um abismo, e apresentava-se-lhe à imaginação um futuro tenebroso e tão incerto como o oceano a que ia entregar-se. Pátria, capital, reino, vassalos, tudo ia abandonar repentinamente, com poucas esperanças de tornar a pôr-lhes os olhos, e tudo eram espinhos que lhe atravessavam o coração".<ref>Pedreira e Costa, p. 186</ref>
 
Para explicar-se ao povo, D. João mandara afixar cartazes pelas ruas afirmando que a partida fora inevitável, a despeito de todos os esforços feitos para assegurar a integridade e a paz do reino; recomendando calma a todos, ordenou que não resistissem aos invasores para que não se derramasse sangue em vão. Em virtude da pressa, no mesmo navio que o príncipe, seguiram sua mãe, a rainha [[D. Maria I]], e os seus herdeiros, D. Pedro (mais tarde [[Pedro I do Brasil|D. Pedro I do Brasil]]) e [[Miguel I de Portugal|D. Miguel]], uma decisão imprudente, dados os perigos de uma viagem transatlântica naquela época, pondo em risco a sucessão da Coroa caso naufragassem, enquanto que Dona Carlota e as infantas iam em dois outros barcos.<ref>Gomes, pp. 64-70</ref> O número de pessoas embarcadas é muito controverso; no {{séc|XIX}} falava-se em até 30 mil emigrados;<ref>Bortoloti, Marcelo. [http://veja.abril.com.br/200607/p_114.shtml "Controvérsias na corte"] {{Wayback|url=http://veja.abril.com.br/200607/p_114.shtml# |date=20120214143046 }}. In: ''Revista Veja'', Edição 2013, 20 de junho de 2007</ref> estimativas mais recentes oscilam de quinhentas a quinze mil, mas a esquadra, composta por quinze embarcações, de fato só podia levar de doze a quinze mil pessoas, estando neste número inclusos os tripulantes. Porém, há vários relatos a respeito da superlotação dos navios. Segundo Pedreira e Costa, levando em conta todas as variáveis, é mais provável que tenham sido de quatro a sete mil pessoas, excluindo tripulantes. Muitas famílias foram separadas, e mesmo altos dignitários não encontraram uma colocação nos navios, ficando para trás.<ref name="Pedreira 1"/><ref>Gomes, pp. 72-74</ref>
 
A viagem não foi nada tranquila; logo de início enfrentaram uma tormenta que obrigou a um considerável desvio na rota, vários navios estavam em precária condição, a superlotação impunha situações humilhantes para a nobreza, a maioria teve de dormir amontoada, sob vento e chuva, nos tombadilhos; a higiene era péssima, surgindo até uma epidemia de piolhos, muitos não haviam conseguido trazer mudas de roupa, várias pessoas adoeceram, os mantimentos e a água eram escassos e foram racionados. O ânimo de todos azedou e iniciaram murmurações, e a frota, atravessando um denso nevoeiro em que se perdeu contato visual entre os navios e, em seguida, sendo fustigada por outra tempestade que danificou seriamente vários barcos, acabou por se dispersar na altura da [[Ilha da Madeira]]. Logo depois o príncipe mudou seus planos, e por sua ordem o grupo de navios que ainda o acompanhava se dirigiu para [[Salvador (Bahia)|Salvador]], provavelmente por uma razão política — agradar os habitantes da primeira capital da colônia, que já haviam dado vários sinais de descontentamento com a perda do antigo status —, enquanto os navios restantes seguiam para o [[Rio de Janeiro (cidade)|Rio de Janeiro]], como era o plano original.<ref name="Pedreira 1">Pedreira e Costa, pp. 186-194</ref><ref>Gomes, pp. 74-100</ref>
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Ao longo de sua permanência no Brasil D. João formalizaria a criação de um grande número de instituições e serviços públicos e fomentaria a economia, a cultura, as artes e outras áreas da vida nacional. Estruturou a administração pública incorporando muitos brasileiros aos quadros funcionais, autorizou a instalação da [[imprensa]] e de manufaturas, introduziu novas culturas agrícolas, proibiu a [[Inquisição]], melhorou estradas, criou diversas aulas, escolas e academias públicas, e incentivou a fundação de sociedades científicas e culturais.<ref name="Varela"/><ref name="Taunay"/><ref name="Mariz"/><ref name="Fernandes & Fernandes Junior, p. 39"/> Todas essas medidas foram tomadas a princípio pela necessidade prática de se administrar um grande império em um território antes desprovido desses recursos, pois a ideia predominante era a de que o Brasil permaneceria como uma colônia, visto que se esperava um retorno da corte para a antiga Metrópole assim que a situação política europeia se normalizasse. Entretanto, esses avanços se tornaram a base da futura autonomia do Brasil.<ref name="Loyola">Loyola, Leandro. [http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81336-6014-506,00.html "A nova história de Dom João VI"]. In: ''Revista Época'', nº 506, 30/01/2008</ref><ref name="Bandeira" />
[[Ficheiro:Declaração de guerra feita por D. João a Napoleão Bonaparte e todos os seus vassalo.jpg|miniaturadaimagem|270px|Declaração de guerra feita por D. João contra Napoleão Bonaparte, 1808.]]
[[File:LargeBattleofOportobyBeaume edit.jpg|thumb|O marechal francês [[Nicolas Jean de Dieu Soult|Jean de Dieu Soult]] no [[cerco do Porto]] de 1809.|270px]]
 
Isso não quer dizer que tudo fosse amenidades e progresso. Houve sérias crises políticas, que iniciaram antes mesmo de sua chegada, das quais uma das mais dramáticas foi a chamada [[Guerra Peninsular]], que se desenvolveu entre 1807 e 1814, iniciada em função da ameaça napoleônica. O Conselho de Regência estabelecido na Metrópole não pôde resistir à invasão francesa e foi dissolvido por Junot em 1º de fevereiro de 1808,. criandoAs emsuas seutropas, lugarfamintas ume conselhomal militarequipadas, esaquearam instalandoLisboa, francesescausando namuita administraçãodestruição. deOs todasalimentos assumiram, provínciaso evalor da polícia.moeda Umadespencou, reaçãoe nãoas secasas fezde esperar,câmbio e grandeso massascomércio popularesfecharam. reorganizaramNapoleão impôs a administraçãocobrança criandode juntasuma locais,indenização reunidasde em100 duasmilhões juntasde geraisfrancos sediadas(que nonunca Farofoi paga), e norequisitou Porto,parte quedos reivindicaramsoldados poderesportugueses regenciaispara sobrereforçar todoas Portugal.tropas Foifrancesas solicitadana ajuda britânicaAlemanha, queonde sobacabariam osendo comandodizimados. doJunot [[Arthurtambém Wellesley,criou 1.ºum Duqueconselho militar de Wellington|duquegoverno, instalou franceses na administração de Wellington]]todas expulsouas osprovíncias invasorese emda agosto.polícia, Eme 2fez devárias janeirodemonstrações de 1809força ana Regência foicapital, reorganizadadesnecessárias, quando seque definiua asconquista funçõesse ecompletara poderessem dosresistência, governadoresmas provinciaisque eultrajaram ainda mais o Erárioorgulho portuguêsnacional foi subordinadoferido aodos presidenteportugueses. doOs Realprotestos Erário,foram nomeadoreprimidos nocom Brasilviolência. EmUma marçoreação ogeral nortenão dese Portugalfez sofreuesperar. novaPor invasãoum francesalado, repelidaum prontamentegrande pelasnúmero forçasde doportugueses generalse britânicoescondeu [[Williamem Carrpontos Beresford|Williamermos Beresford]]do interior, queou foifugiu responsávelpara tambémo porestrangeiro, umaespecialmente reorganizaçãoa doInglaterra, exércitomas português,a reforçadomaioria porhavia inglesesperdido eseus porbens popularesnos locais.<ref>Silva,saques pp.e 197-203</ref>nos Noconfiscos, mesmochegando ano"carente ade [[invasãotudo, daquase Guiananus", Francesa|Guianacomo Francesareferiu foio invadida]]embaixador português em represáliaLondres. àNa invasãocapital depermaneceram Portugal.<ref>[http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=248&sid=48&tpl=printerviewapenas ''Caiena:cerca mapade do20 comércio'']mil {{Wayback|url=http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=248&sid=48&tpl=printerviewpessoas, |date=20131203060435quase }}.todas Opassando Arquivo Nacionalfome e areduzidas Históriaà Luso-Brasileiraindigência.<ref>Gomes, 26/11/2004pp. 269-273</ref>
[[Imagem:Battle of the Pyrenees, July 28th 1813 - Fonds Ancely - B315556101 A HEATH 035.jpg|thumb|270px|[[Batalha dos Pirenéus|Batalha dos Pirineus]] de 1813, um dos eventos finais da Guerra Peninsular]]
 
De outro lado, uma multidão aguerrida iniciou a resistência. Em poucos dias motins espocavam em vários pontos do país, e grandes massas populares reorganizaram a administração criando juntas locais, reunidas em duas juntas gerais sediadas no Faro e no Porto, que reivindicaram poderes regenciais sobre todo Portugal. Foi solicitada ajuda britânica, que sob o comando do [[Arthur Wellesley, 1.º Duque de Wellington|futuro duque de Wellington]] expulsou os invasores em agosto. Em 2 de janeiro de 1809 a Regência foi reorganizada, quando se definiu as funções e poderes dos governadores provinciais e o Erário português foi subordinado ao presidente do Real Erário, nomeado no Brasil. Em março o norte de Portugal sofreu nova invasão francesa, repelida prontamente pelas forças do general britânico [[William Carr Beresford|William Beresford]], que foi responsável também por uma reorganização do exército português, reforçado por ingleses e por populares locais.<ref>Silva, pp. 197-203</ref> No mesmo ano a [[invasão da Guiana Francesa|Guiana Francesa foi invadida]] em represália à invasão de Portugal.<ref>[http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=248&sid=48&tpl=printerview ''Caiena: mapa do comércio''] {{Wayback|url=http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=248&sid=48&tpl=printerview |date=20131203060435 }}. O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira, 26/11/2004</ref>
Mas a situação em Portugal se tornava perigosa, por outros motivos. A limitada autoridade conferida aos governadores provinciais desencadeou protestos, alegando-se que ela não permitia uma eficiente defesa contra o inimigo externo e nem mesmo o controle da agitada população residente, que a esta altura havia produzido a anarquia, ameaçando a conservação da autoridade régia sobre a Metrópole e clamando pela restauração do ''[[status quo]]'' anterior à invasão, descontente por agora estar numa posição de "colônia". Temia-se que Portugal pudesse acabar se rebelando contra o rei distante. Assim, procedeu-se à imposição da censura à imprensa e às sociedades secretas, para coibir a circulação de ideias potencialmente sediciosas, e os antigos membros do partido francês foram postos sob suspeita, como D. [[Pedro José de Almeida Portugal|Pedro de Almeida Portugal]], [[marquês de Alorna]], o qual, acusado de "francesismo" e de atos de [[lesa-majestade]], foi banido e despojado de todos os seus títulos e privilégios. Por causa da pressão, em 30 de agosto de 1809 a Regência passou por nova reforma, ampliando os poderes dos governadores. Não obstante, os governadores escolheram um novo responsável pelo Erário, contrariando as ordens reais. Esta crise exigia providências corretivas duras, mas sua aplicação era dificultada pelo esvaziamento do Tesouro, pela distância e pelo entendimento de que em tal situação era necessário evitar medidas impopulares, e a tensão entre Metrópole e colônia permaneceria sempre alta. Um dos efeitos desse contexto foi uma significativa migração de portugueses para o Brasil, onde esperavam desfrutar de privilégios negados em Portugal, chegando ao ponto de suscitar comentários irônicos de funcionários reais, dizendo que se fosse permitido, Portugal todo se mudaria para o Brasil. Ao mesmo tempo, os ingleses aproveitaram as fraquezas da administração para ampliar incisivamente sua influência política em Portugal, que não pôde ser obstaculizada devido à total dependência do reino da proteção britânica. Uma terceira invasão francesa ocorreu em 1810 e o combate à França com a participação de forças portuguesas, na continuidade da [[Guerra Peninsular]], ainda se estenderia até 1814.<ref>Silva, pp. 203-228</ref>
 
Mas a situação em Portugal se tornava perigosa, por outros motivos. A limitada autoridade conferida aos governadores provinciais desencadeou protestos, alegando-se que ela não permitia uma eficiente defesa contra o inimigo externo e nem mesmo o controle da agitada população residenteremanescente, que a esta altura havia produzido a anarquia, ameaçando a conservação da autoridade régia sobre a Metrópole e clamando pela restauração do ''[[status quo]]'' anterior à invasão, descontente por agora estar numa posição de "colônia". Temia-se que Portugal pudesse acabar se rebelando contra o rei distante. Assim, procedeu-se à imposição da censura à imprensa e às sociedades secretas, para coibir a circulação de ideias potencialmente sediciosas, e os antigos membros do partido francês foram postos sob suspeita, como D. [[Pedro José de Almeida Portugal|Pedro de Almeida Portugal]], [[marquês de Alorna]], o qual, acusado de "francesismo" e de atos de [[lesa-majestade]], foi banido e despojado de todos os seus títulos e privilégios. Por causa da pressão, em 30 de agosto de 1809 a Regência passou por nova reforma, ampliando os poderes dos governadores. Não obstante, os governadores escolheram um novo responsável pelo Erário, contrariando as ordens reais. Esta crise exigia providências corretivas duras, mas sua aplicação era dificultada pelo esvaziamento do Tesouro, pela distância e pelo entendimento de que em tal situação era necessário evitar medidas impopulares, e a tensão entre Metrópole e colônia permaneceria sempre alta. Um dos efeitos desse contexto foi uma significativa migração de portugueses para o Brasil, onde esperavam desfrutar de privilégios negados em Portugal, chegando ao ponto de suscitar comentários irônicos de funcionários reais, dizendo que se fosse permitido, Portugal todo se mudaria para o Brasil. Ao mesmo tempo, os ingleses aproveitaram as fraquezas da administração para ampliar incisivamente sua influência política em Portugal, que não pôde ser obstaculizada devido à total dependência do reino da proteção britânica. Uma terceira invasão francesa ocorreu em 1810 e o combate à França com a participação de forças portuguesas, na continuidade da [[Guerra Peninsular]], ainda se estenderia até 1814.<ref>Silva, pp. 203name="silva203-228<"/ref>
Na área econômica os problemas também foram grandes, a começar com o penoso acordo comercial de 1810 imposto pela Inglaterra, que inundou o mercado de aquém e além-mar com quinquilharias inúteis e prejudicou as exportações e a criação de novas indústrias;<ref>Lima, Oliveira. [http://www.consciencia.org/relacoes-comerciais-do-brasil.os-tratados-de-1810-d.joao-vi-no-brasil-oliveira-lima ''D. João VI no Brasil - 1808-1821''] {{Wayback|url=http://www.consciencia.org/relacoes-comerciais-do-brasil.os-tratados-de-1810-d.joao-vi-no-brasil-oliveira-lima |date=20110807015758 }}. Vol. I. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues, 1908. Edição online</ref><ref>Gomes, pp. 186-190</ref> o [[deficit público]] se multiplicou por vinte e a corrupção grassava à solta nas instituições, incluindo o primeiro [[Banco do Brasil]], que acabou falindo. Além disso a corte era extravagante e perdulária, acumulava privilégios sobre privilégios e sustentava uma legião de sicofantas e aventureiros. O cônsul britânico [[James Henderson]] observou que poucas cortes europeias eram tão grandes como a portuguesa. Diz [[Laurentino Gomes]] que D. João distribuiu mais títulos hereditários durante os primeiros oito anos de sua estada no Brasil do que foram outorgados em todos os trezentos anos anteriores da [[história de Portugal]], sem contar mais de cinco mil insígnias e comendas de [[Ordens honoríficas de Portugal|ordens honoríficas]].<ref>Gomes, pp. 169-177</ref><ref name="Lima, cap. XVIII"/>
[[Imagem:Battle of the Pyrenees, July 28th 1813 - Fonds Ancely - B315556101 A HEATH 035.jpg|thumb|left|270px|[[Batalha dos Pirenéus|Batalha dos Pirineus]] de 1813, um dos eventos finais da Guerra Peninsular]]
 
Esta crise exigia providências corretivas duras, mas sua aplicação era dificultada pelo esvaziamento do Tesouro, pela distância e pelo entendimento de que em tal situação era necessário evitar medidas impopulares, e a tensão entre Metrópole e colônia permaneceria sempre alta. Um dos efeitos desse contexto foi uma significativa migração de portugueses para o Brasil, onde esperavam desfrutar de privilégios negados em Portugal, chegando ao ponto de suscitar comentários irônicos de funcionários reais, dizendo que se fosse permitido, Portugal todo se mudaria para o Brasil. Ao mesmo tempo, os ingleses aproveitaram as fraquezas da administração para ampliar incisivamente sua influência política em Portugal, que não pôde ser obstaculizada devido à total dependência do reino da proteção britânica. Uma terceira invasão francesa ocorreu em 1810 e o combate à França com a participação de forças portuguesas, na continuidade da Guerra Peninsular, ainda se estenderia até 1814.<ref name="silva203-228">Silva, pp. 203-228</ref> A guerra e a transferência da corte cobraram um preço altíssimo da Metrópole: a economia ficou à beira do total colapso, a sociedade se desorganizou, e entre 1807 e 1814 Portugal perdeu um sexto da população, morta nos campos de batalha, por fome ou doenças, ou fugitiva.<ref>Gomes, p. 273</ref>
 
NaNo área econômicaBrasil os problemas econômicos também foram grandes, a começar com o penoso acordo comercial de 1810 imposto pela Inglaterra, que inundou o mercado de aquém e além-mar com quinquilharias inúteis e prejudicou as exportações e a criação de novas indústrias;<ref>Lima, Oliveira. [http://www.consciencia.org/relacoes-comerciais-do-brasil.os-tratados-de-1810-d.joao-vi-no-brasil-oliveira-lima ''D. João VI no Brasil - 1808-1821''] {{Wayback|url=http://www.consciencia.org/relacoes-comerciais-do-brasil.os-tratados-de-1810-d.joao-vi-no-brasil-oliveira-lima |date=20110807015758 }}. Vol. I. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues, 1908. Edição online</ref><ref>Gomes, pp. 186-190</ref> o [[deficit público]] se multiplicou por vinte e a corrupção grassava à solta nas instituições, incluindo o primeiro [[Banco do Brasil]], que acabou falindo. Além disso a corte era extravagante e perdulária, acumulava privilégios sobre privilégios e sustentava uma legião de sicofantas[[sicofanta]]s e aventureiros. O cônsul britânico [[James Henderson]] observou que poucas cortes europeias eram tão grandes como a portuguesa. Diz [[Laurentino Gomes]] que D. João distribuiu mais títulos hereditários durante os primeiros oito anos de sua estada no Brasil do que foram outorgados em todos os trezentos anos anteriores da [[história de Portugal]], sem contar mais de cinco mil insígnias e comendas de [[Ordens honoríficas de Portugal|ordens honoríficas]].<ref>Gomes, pp. 169-177</ref><ref name="Lima, cap. XVIII"/>
 
Quando Napoleão foi apeado do poder, em 1815, as potências europeias instalaram o [[Congresso de Viena]] para reorganizar o mapa político do velho continente. Portugal participou das negociações, mas diante das maquinações inglesas contrárias aos interesses da Casa de Bragança, o regente foi aconselhado a permanecer no Brasil pelo [[conde de Palmela]], embaixador português junto ao Congresso, e pelo poderoso [[príncipe de Talleyrand]], a fim de estreitar os laços entre Metrópole e colônia, sugerindo-se inclusive a elevação da colônia à condição de reino unido a Portugal. O representante inglês também acabou concordando com a ideia, que resultou na efetiva criação do [[Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves]] em 16 de dezembro de 1815, instituição jurídica rapidamente reconhecida por outras nações.<ref name="Bandeira">Bandeira, Moniz. ''Casa da Torre de Garcia d'Avila''. Editora Record, 2000, pp. 423-425</ref>