Navio dos Loucos: diferenças entre revisões

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O '''''Navio dos Loucos''''' ou '''''A Nave dos Loucos''''' ou, ainda, '''''A Nau dos Insensatos''''' é uma [[pintura]] do artista [[Brabante|brabantino]] [[Hieronymus Bosch]] ([[1450]] — [[1516]]), executada em [[pintura a óleo|óleo]] sobre madeira, com 58 cmx 33&nbsp;cm. Faz parte do acervo do [[Museu do Louvre]], em [[Paris]], onde chegou em [[1918]] e é exibida com o título de ''La Nef des fous''.<ref name="MM">L. Cirlot (dir.), ''Museo del Louvre II'', Col. «Museos del Mundo», Tomo 4, Espasa, 2007. ISBN 978-84-674-3807-9, p. 163.</ref> Como as demais obras do autor, carece de uma datação precisa. Alguns especialistas indicam que seja de [[1503]]-[[Segundo milénio a.C.|1506]] (Wundram indica, simplemente, que é posterior a [[1490]]).<ref>Wundram, M., "El Prerrenacimiento", em ''Los maestros de la pintura occidental'', Taschen, 2005, p. 136. ISBN 3-8228-4744-5</ref> De todo modo, parece claro que se trata de uma obra tardia de Bosch.<ref name=ref_duplicada_1>Wundram, ''op. cit.''</ref>
 
== A cena ==
Um barco, sobrecarregado de ocupantes que estão se banqueteando com comida e vinho, forma o centro do quadro. Está à deriva e já está muito longe do continente. Seu mastro não tem velas, é uma árvore [[caducifólia]] de cuja copa uma face demoníaca espreita. Em vez de remo, um dos ocupantes do barco segura uma colher de madeira na água. Um [[bobo]] se senta bem acima e de costas para a cena. Ele parece desinteressado, talvez entediado, como se ele, um bobo, fosse menos tolo do que as pessoas que passam o tempo no barco de maneira viciosa e blasfema. Um pequeno grupo se diverte, tentando pegar com a boca, sem usar as mãos, um espécie de pão que está pendurado. Algumas pessoas nuas estão na água, onde um passageiro, ao fundo, vomita. Em meio à folhagem, uma coruja, símbolo da [[sabedoria]]. <ref>[https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-a-coruja-e-simbolo-de-sabedoria/ Por que a coruja é símbolo de sabedoria?] ''Superinteressante,'' 14 de fevereiro de 2020.</ref> No mastro, uma bandeira com um [[crescente]], interpretado como símbolo [[muçulmano]] - e portanto, não cristão - ou como uma alusão aos lunáticos, ou seja, aos loucos, condenados a vagar em um navio sem rumo.
 
== Contexto da obra ==
A obra critica, de forma [[alegoria|alegórica]], os costumes da sociedade da época: ao devassidão edesregramento ados profanidadecostumes presentespresente em todos os grupos sociais (incluindo o [[clero]], como se pode ver, em primeiro plano, na pintura), o jogo e o álcool. Os protagonistas são uma [[monja]] [[franciscana]] e um [[goliardo]] que se encontram tão distraídosdivertem, tentando fincar os dentes numno pedaço de comidapão pendurado por um fio, que nem reparam que ladrões lhes vão roubar o que está sobre a mesa. Há que reparar também no rosto que se encontra no meio da árvore, que provavelmente representa o [[diabo]]. Uma das verdades sobre esta obra é de que os três religiosos presentes na obra são Simão, Pedro e Jesova's, três cardeais muito importantes naquela época.
 
A pintura, tal como a conhecemos hoje, é parte de um [[tríptico]] que foi cortado em várias partes. A ''Nave dos Loucos'' correspondia a um dos painéis do [[retábulo]] e atualmente tem cerca de dois terços do comprimento original. O terço inferior do painel pertence à [[Universidade Yale]] e é chamado ''Alegoria da Intemperança''. O outro painel remanescente, que manteve aproximadamente o seu comprimento total, é a ''Morte do Avarento'', e se encontra na ''[[National Gallery of Art]]'', [[Washington, DC]]. Os dois painéis, juntos, representariam os dois extremos, prodigalidade e avareza, condenando e caricaturando ambos. ''O Caixeiro-viajante'' (ou ''O Vagabundo'' ou ''O Filho Pródigo'') foi pintado atrás do painel direito do tríptico. O painel central, se existia, é desconhecido.
 
A obra de Bosch situa-se entre os [[século XV|séculos XV]] e [[século XVI|XVI]], época de profunda crise religiosa e social. A [[pintura flamenga]] é fiel à tradição religiosa. Na ItaliaItáia emergiam os princípios do [[Renascimento]], a partir do descobrimento da [[perspectiva]] e odo conhecimento da [[anatomia]], enquanto nos [[Países Baixos]] ainda se conservava uma [[estética]] ligada às tradições [[arte medieval|medievais]], conforme atesta a obra de Bosch, marcada pela eterna luta entre o Bem e o Mal.
 
== O tema ==
''A nave dos loucos'' é um tema recorrente nas tradições de Flandres no [[século XV]]. De fato, a obra de Bosch encontra suas fontes também na literatura do período. Em [[1494]], foi publicado na [[Basileia]] ao poema obrasatírico satíricamoral alemã ''A nave dos tolos'' (''Stultifera Navis'' ou ''Das Narrenschiff''), escrita porde [[Sebastian Brant]]. Em sua simbólica nave, Brant acolhe loucos de todastodo astipo categoriaspara e promoveapresentar um desfile das fraquezas humanas. Uma dasde suas estrofes diz: «É melhor seguir sendo laico do que comportar-se mal dentro das ordens». Há muitas semelhanças entre o livro e a representação pictórica de Bosch, e é bem possível que o pintor se tenha baseado no poema. Segundo Louis Desmonts, <ref>Desmonts, Louis. "Deux primitifs neerlandais au Musée du Louvre". In ''ApudGazette de Beaux-Arts'', 1919, p.&nbsp;1, ''apud'' [[Michel Foucault]], ''História da Loucura na Idade Clássica''.</ref>), em "Dois primitivos holandeses no Museu do Louvre", o quadro era parte de uma série de pinturas que ilustravam os cantos principais do poema de Brant (''Gazette de Beaux-Arts'', 1919, p.&nbsp;1).<ref name= MM /> NaNo obra de Brantpoema, um grupo de loucos embarca em uma nave para Narragonien, a terra prometida dos insanos, e, antes do naufrágio, chegam a Schlaraffenland, a terra da riqueza.
 
Também há semelhanças notáveis com o ''[[Elogio da loucura]]'', de [[Erasmo]]. De fato, a [[metáfora]] da barca era uma das mais frequentes na [[Idade Média]]. Encontra-e se encontra igualmente em ''Die blau schuÿte'' ("A barca azul"), de Jacob van Oestvoren.
 
APortanto, a relação que Bosch estableceestabelece entre «vício» e «locuraloucura» é, portanto, uma constante na literatura do [[século XV]]. ONesse quadro, o artista adverte de forma burlesca sobre a perda dos valores eclesiásticos, a corrupção do clero<ref name= MM /> e a negligência dos homens no tocante à religião, no ocaso da Idade Média. Como escreve [[Michel Foucault|Foucault]] em sua ''História da Loucura na Idade Clássica'' (1964), as diversas formas plásticas e literárias nos mostram que, desde o século XV, a face da [[loucura]] tem assombrado a imaginação do homem ocidental.
 
=== Reconstituição do tríptico de Bosch ===
[[File:Triptyque du vagabond (reconstitution).jpg|thumb|left|Reconstituição parcial do tríptico <br />'''Painel esquerdo''' : ''O Navio dos Loucos'' e ''Alegoria da Intemperança''. <br />'''Painel direito''': ''Morte do Avarento''.<br /> '''[[Tondo]] abaixo''': ''O Caixeiro-viajante'' (possivel parte exterior do tríptico)]]
 
O estudo [[dendrocronologia|dendrocronológico]] datou a madeira dos paineis de 1491, e suspeita-se que a pintura tenha sido uma resposta de Bosch ao ''Das Narrenschiff'', de [[Sebastian Brant]], ou mesmo às ilustrações da primeira edição de 1493. Outra possível fonte para a alegoria do navio é ''Le Pèlerinage de l'âme'', poema de Guillaume de Deguileville (1295 - c. 1358), que foi impresso, em holandês, no ano de 1486 (logo após [[William Caxton]] reimprimiu-o, com o título ''A Peregrinação da Alma'', em 1483). <ref>Walter Bosing: ''Heronymus Bosch Between Heaven and Hell'' (Londres, 1994), reimpresso como ''Bosch The Complete Paintings'' ([[Taschen]], 1994), pp. 29–30</ref>
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