Arúspice: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Taba1964 (discussão | contribs)
Informações adicionais
Linha 1:
 
Na [[Religião na Roma Antiga|religião de Roma antiga]], um '''arúspice''' ou '''harúspice''' ({{Lang-la|''haruspex''}}, pl. ''haruspices'') era uma pessoa treinada para praticar uma forma de [[adivinhação]] chamada '''haruspício''' ''(haruspicina),'' a inspeção das entranhas (''exta''—daí também [[extispício]] (''extispicium'')) de [[Sacrifício animal|animais sacrificados]], especialmente [[Fígado|fígados]] de [[Ovelha|ovelhas]] e [[Ave de capoeira|aves domésticas]]. A leitura de presságios especificamente do fígado também é conhecida pelo termo grego '''hepatoscopia''' (também '''hepatomancia'''), e sua prática era realizada na Antiga [[Mesopotâmia]].
'''Arúspice''' ({{lang-la|''haruspice''}}) era um [[Religião na Roma Antiga|antigo sacerdote]] [[Roma Antiga|romano]] que adivinhava o [[futuro]] mediante o exame das entranhas das vítimas.<ref>{{citar web |url= https://www.dicio.com.br/aruspice/ |title= arúspice|autor=Dicionário Online de Português |acessodata= 9 setembro de 2018}}</ref>
 
O conceito romano deriva diretamente da [[Mitologia etrusca|religião etrusca]], como um dos três ramos da ''[[Mitologia etrusca|disciplina etrusca]]''. Esses métodos continuaram a ser usados até a [[Idade Média]], especialmente entre [[apóstatas]] cristãos e pagãos, com [[Tomás Becket|Thomas Becket]] aparentemente consultando um harúspice e um [[Quiromancia|quiromante]] antes de uma expedição real contra a [[Bretanha]].<ref>{{Citar livro|url=https://archive.org/details/historyofmagicex02thor|título=A history of magic and experimental science|ultimo=Thorndike|primeiro=Lynn|data=1923|editora=New York, Macmillan|volume=2}}</ref>
{{referências}}
 
Os termos latinos ''[[wiktionary:haruspex|haruspex]]'' e ''haruspicina'' provêm de uma palavra arcaica, ''haru'' apontando a cognatos para "entranhas, intestinos"<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com.br/books?id=ecZ1DwAAQBAJ&pg=PA280|título=Etymological Dictionary of Latin and the other Italic Languages|ultimo=Vaan|primeiro=Michiel de|data=2018-10-31|editora=Leiden · Boston, 2008|lingua=en}}</ref> (''hernia'' = "vísceras protusas" e ''hira'' = "intestino vazio"; [[PIE]] ''[[wiktionary:Appendix:Proto-Indo-European/ǵʰer-|*ǵʰer-]]''<ref>Pokorny, Julius (1959). ''Indogermanisches etymologisches Wörterbuch.'' Vol. II. Bern, Munique: Francke Verlag. [https://archive.org/stream/indogermanisches02pokouoft/indogermanisches02pokouoft#page/443/mode/1up p. 443]</ref>) e a partir da raiz ''[[wiktionary:specio#Latin|spec-]]'' = "observar". O grego ἡπατοσκοπία ''hēpatoskōpia'' vem de ''[[wiktionary:ἧπαρ|hēpar]]'' = "fígado" e ''[[wiktionary:σκοπέω|skop-]] ='' "examinar"''.''
{{esboço-mitologia-romana}}
 
== Antigo Oriente Próximo ==
[[Ficheiro:Divinatory_livers_Louvre_AO19837.jpg|miniaturadaimagem|Modelos de fígado de argila de [[língua acadiana]] escritos em um dialeto local, recuperados do palácio de [[Mari (Síria)|Mari]], datados do século XIX ou XVIII a.C.]]
<blockquote>A disseminação da hepatoscopia é um dos exemplos mais claros de contato cultural no período da orientalização. Deve ter sido um caso de entendimento Leste-Oeste em um nível técnico relativamente alto. A mobilidade de carismáticos migrantes é o pré-requisito natural para essa difusão, o papel internacional de especialistas procurados, que estavam, no que diz respeito à sua arte, no entanto vinculados aos seus pais-professores. Não podemos esperar encontrar muitos vestígios arqueologicamente identificáveis de tais pessoas, exceto alguns exemplos excepcionais.<br />— [[Walter Burkert]]<ref>Burkert, Walter (1992). ''The Orientalizing Revolution: Near Eastern Influence on Greek Culture in the Early Archaic Age''. Londres: Thames & Hudson. p. 51</ref></blockquote>Os mesopotâmicos pensavam que poderiam descobrir a vontade dos deuses examinando as estranhas, em seus formatos, defeitos e sangue.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com.br/books?id=f4kEEAAAQBAJ&pg=PA96|título=Neo-Assyrian and Greek Divination in War: Ancient Warfare Series Volume 3|ultimo=Ulanowski|primeiro=Krzysztof|data=2020-10-20|editora=BRILL|lingua=en}}</ref> A interpretação do fígado era chamada de "um segredo" e "um tesouro", e a prática mântica era rigorosamente controlada pelo estado, que proibia a revelação de oráculos a pessoas não autorizadas e dividia, por exemplo, os sacerdotes que não se conheciam em grupos para servirem a consultas independentes aos reis. Ensinar a arte divinatória a algum estudioso-candidato não oficial era passível de punição. Um sacerdote conhecido como ''[[bārû]]'' (termo que aparece pelo menos desde o III milênio a.C.) era especialmente treinado para interpretar os "sinais" do fígado, o que fazia parte de um ramo maior de estudo dos órgãos, o extispício, chamado ''bārûtu'', "a arte do vidente". Ela foi reunida em séries de mesmo nome ([[Bārûtu]]) nos registros do período babilônico tardio: [[Tabuleta|tabuletas]] canônicas serviam de compêndio interpretativo, e um conjunto delas do I milênio a.C. formava 10 capítulos em cerca de 100 tabuletas.<ref name=":0">{{Citar livro|url=https://books.google.com.br/books?id=5L-LBp2i8uQC&pg=PA26|título=Babylonian Liver Omens: The Chapters Manzāzu, Padānu and Pān Tākalti of the Babylonian Extispicy Series Mainly from Aššurbanipal's Library|ultimo=Koch|primeiro=Ulla Susanne|data=2000|editora=Museum Tusculanum Press|lingua=en}}</ref><ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com.br/books?id=0GdjDwAAQBAJ&pg=PA73|título=Sources of Evil: Studies in Mesopotamian Exorcistic Lore|ultimo=Steinert|primeiro=Ulrike|data=2018-05-03|editora=BRILL|editor-sobrenome=Buylaere, Greta Van; Luukko, Mikko; Schwemer, Daniel; Mertens-Wagschal, Avigail|lingua=en|capitulo=Catalogues, Texts, and Specialists: Some Thoughts on the Aššur Medical Catalogue and Mesopotamian Healing Professions}}</ref> O fígado era dividido em seções, um texto de [[Uruque]] no período babilônico tardio indicava as correspondências delas a um deus, um mês, uma estrela (constelação/planeta), junto a um comentário.<ref name=":0" />
 
Os [[babilônios]] eram famosos pela hepatoscopia. Esta prática é mencionada no [[livro de Ezequiel]] 21:21:<blockquote>Pois o rei de Babilônia permanece na divisão do caminho, no início dos dois caminhos, para usar da adivinhação; ele [[Belomancia|balança as flechas]] cá e lá, consulta os [[Terafim|terafins]], olha no fígado.<ref>{{Citar bíblia|livro=Ezequiel|capítulo=21|verso=21}}</ref><ref>Darshan, Guy (2016). [https://www.academia.edu/19691541/The_Meaning_of_%D7%91%D7%A8%D7%90_Ezek_21_24_and_the_Prophecy_Concerning_Nebuchadnezzar_at_the_Crossroads_Ezek_21_23_29_18_24_ZAW_128_2016_83_95 "The Meaning of bārēʾ (Ez 21,24) and the Prophecy Concerning Nebuchadnezzar at the Crossroads (Ez 21,23-29)"], ''ZAW'', 128. p. 83-95.</ref></blockquote>Um modelo de argila babilônico de fígado de ovelha, datado entre 2050 e 1750 a.C., está conservado no [[Museu Britânico]], e nele são demarcadas seções quadradas e buracos, com textos cuneiformes ao lado da malha indicando significados. Estacas de madeira eram colocadas nos buracos para registrar características do animal sacrificado, e era utilizado para prever o curso da doença de um paciente.<ref>{{Citar web |url=https://collection.sciencemuseumgroup.org.uk/objects/co90484/copy-of-model-of-a-sheeps-liver-original-babylonian-c-2050-1750-bc-divination-object |titulo=Copy of model of a sheep's liver. Original Babylonian, c. 2050-1750 BC. |acessodata=2021-03-31 |website=collection.sciencemuseumgroup.org.uk |publicado=Science Museum Group Collection |lingua=en}}</ref><ref>{{Citar web |ultimo=Hunt |primeiro=Patrick |url=https://web.stanford.edu/group/archaeolog/cgi-bin/archaeolog/2007/09/28/reading-livers-through-reading-literature-hepatoscopy-and-haruspicy-in-iliad-20469-ff-24212-ff-aeneid-460-ff-10-175-ff-cicero-and-pliny-on-divination-among-others/ |titulo=Reading Livers Through Reading Literature: Hepatoscopy and Haruspicy in Iliad 20:469 ff & 24:212 ff, Aeneid 4:60 ff & 10.175 ff, Cicero and Pliny on Divination, among others |data=28 de setembro de 2007 |acessodata=2021-03-31 |website=Studio Michael Shanks |publicado=Stanford University}}</ref><ref>[https://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?partid=1&assetid=32437&objectid=361996 The Liver tablet 92668].</ref>
 
[[Assurbanípal]] gaba de sua sabedoria em uma inscrição famosa na qual, entre outras façanhas, afirma: "Sou capaz de discutir a série 'Se o fígado é a imagem reflexa do céu' com os mais competentes especialistas",<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com.br/books?id=nhsmDwAAQBAJ&pg=PA388&lpg=PA388&dq=%22'If+the+liver+is+a+mirror+image+of+the+sky%22|título=A Companion to Assyria|ultimo=Fincke|primeiro=Jeanette C.|data=2017-06-12|editora=John Wiley & Sons|editor-sobrenome=Eckart|editor-nome=Frahm|lingua=en|capitulo=Assyrian Scholarship and Scribal Culture in Kalḫu and Nineveh}}</ref> e o harúspice-chefe de seu reinado afirmou que os deuses ensinaram ao rei o extispício, "o segredo do Céu e Terra".<ref name=":0" />
 
A tradição assírio-babilônica também foi adotada na [[Mitologia hitita|religião hitita]]. Pelo menos 36 modelos de fígado foram escavados em [[Hatusa]]. Destes, a maioria está inscrita em acadiano, mas alguns exemplos também têm inscrições na [[língua hitita]] nativa, indicando a adoção do haruspício como parte do culto vernáculo nativo.<ref>Quatro espécimes são conhecidos por Güterbock (1987): [[Catalogue des Textes Hittites|CTH]] 547 II, KBo 9 67, KBo 25, KUB 4 72 (VAT 8320 no [[Vorderasiatisches Museum Berlin]]), para os quais ver também [[George Sarton|Sarton, George]] (1952, 1970). ''Ancient Science Through the Golden Age of Greece.'' [https://books.google.ch/books?id=VcoGIKlHuZcC&pg=PA93 p. 93], citando Boissier, Alfred (1935). ''Mantique babylonienne et mantique hittite''.</ref>
 
== Antiga Itália ==
[[Ficheiro:Diagram_of_the_bronze_liver_of_Piacenza.jpg|miniaturadaimagem|Diagrama do fígado de bronze de Piacenza]]
[[Ficheiro:Votive_Relief_of_Haruspex_Caius_Fulvius_Salvis.jpg|miniaturadaimagem|Relevo retratando um harúspice do Templo Romano de Hércules]]
O haruspício romana era uma forma de comunicação com os deuses. Em vez de prever estritamente eventos futuros, esta forma de adivinhação romana permitia aos humanos discernir as atitudes dos deuses e reagir de uma forma que mantivesse a harmonia entre os mundos humano e divino (''pax deorum'').<ref name=":02">Johnston, Sarah Iles (2005). "Divination: Greek and Roman Divination". In: Jones, Lindsay. ''Encyclopedia of Religion'', 2. ed. Vol. 4. p. 2375-2378. Detroit, Michigan: Macmillan Reference USA. Gale eBooks.</ref> Antes de realizar ações importantes, especialmente na batalha, os romanos realizavam sacrifícios de animais para descobrir a vontade dos deuses de acordo com as informações obtidas através da leitura das entranhas dos animais.<ref name=":02" /> As entranhas (principalmente o fígado, mas também os pulmões e o coração) continham um grande número de sinais que indicavam a aprovação ou desaprovação divina. Esses sinais poderiam ser interpretados de acordo com a aparência dos órgãos, por exemplo, se o fígado estava "liso, brilhante e cheio" ou "áspero e encolhido".<ref name=":12">Driediger-Murphy, Lindsay G.; Eidinow, Esther (2019). ''Ancient Divination and Experience''. Oxford: Oxford University Press USA - OSO.</ref>
 
O haruspício na Antiga Itália originou-se com os [[etruscos]]. A evidência textual da adivinhação etrusca vem de uma inscrição etrusca: o epitáfio do sacerdote Laris Pulenas (250–200 a.C.) menciona um livro que ele escreveu sobre o haruspício. Uma coleção de textos sagrados chamada ''Etrusca disciplina'', escrita em etrusco, eram essencialmente guias sobre diferentes formas de adivinhação, incluindo haruspício e [[Auspício|augúrio]].<ref name=":22">MacIntosh, Jean Turfa; Tambe, Ashwini (2013). ''The Etruscan World''. Londres: Taylor & Francis Group. ProQuest Ebook Central.</ref> Além disso, vários artefatos arqueológicos retratam o haruspício etrusco. Inclui-se um espelho de bronze com a imagem de um harúspice vestido com roupas de sacerdote etrusco, segurando um fígado enquanto uma multidão se reúne perto dele. Outro artefato significativo relacionado à prática é o [[Fígado de Placência|Fígado de Piacenza]]. Este modelo de bronze de fígado de ovelha foi encontrado acidentalmente por um fazendeiro em 1877. Nomes de deuses estão gravados na superfície e organizados em diferentes seções.<ref name=":22" /> Artefatos representando haruspícios existem também no antigo mundo romano, como esculturas em relevo em pedra localizadas no [[Fórum de Trajano]].<ref name=":12" />{{referências}}
 
{{DEFAULTSORT:Aruspice}}
[[Categoria:Sacerdotes da Roma Antiga]]
[[Categoria:Artes divinatórias]]
[[Categoria:Mitologia etrusca]]
[[Categoria:Mitologia mesopotâmica]]