Reino do Dongo: diferenças entre revisões
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'''Reino do Dongo''', '''Andongo''' ({{langx|kmb|''Ndongo''}}) ou '''Angola''' ({{lang|kmb|''Ngola''}}) foi o [[Estado]] pré-[[Colonização portuguesa da África|colonial]] [[África|africano]] na atual [[Angola]], criado pelos [[ambundos]], e cujo nome inspirou o nome do atual país. Estava ao sul do [[Reino do Congo]], entre os rios Dande e [[Rio Cuanza|Cuanza]], a leste de [[Reino da Matamba|Matamba]] e [[Reino Lunda|Lunda]], ao norte de Quissama e a oeste do [[oceano Atlântico]]. Foi liderado por um rei, cujo título era [[Angola quiluanje (título)|Angola quiluanje]] ({{lang|kmb|''ngola a kiluanje''}}). Pouco se sabe sobre o reino no início do [[século XVI]]. "Angola" foi listada entre os títulos dos [[Manicongo|reis do Congo]] em 1535, pelo que é provável que estivesse subordinada ao Congo. As suas próprias tradições orais, recolhidas no final do século XVI, nomeadamente pelo jesuíta [[Baltasar Barreira]], descreviam o fundador do reino, [[Angola Quiluanje Quiassamba|Angola Quiluanji]], também conhecido por Angola Inene, como um migrante do Congo, chefe de um grupo étnico de [[Língua quimbundo|língua Quimbundo]].
== Estrutura Social e Política ==
A região de [[Língua quimbundo|língua Quimbundo]] era conhecida como a terra dos [[Ambundos]] e, de acordo com relatos do final do [[século XVI]], era dividida em 736 pequenas unidades políticas governadas por sobas. Esses sobas e seus territórios (chamados ''murinda'') eram agrupamentos compactos de aldeias (''senzala'' ou ''libatas'', provavelmente seguindo o termo divata em [[Língua congo|Quicongo]]) em torno de uma pequena cidade central (''mbanza'').
Essas unidades políticas eram frequentemente agrupadas em unidades maiores chamadas [[Canda (Reino do Congo)|candas]] e, às vezes, províncias. Reinos maiores podem ter surgido em épocas anteriores, mas no século XVI, a maioria dessas regiões havia sido unidas pelos governantes do Reino do Dongo. A capital de Dongo, Kabasa ([[Caculo Cabaça]]), localizada no planalto próximo à atual [[N'dalatando]]. Esta era uma cidade grande, com cerca de 50.000 habitantes em seu distrito densamente povoado.
O rei do Dongo e os líderes das várias províncias governavam com um conselho de nobres poderosos, os macota, e tinham uma administração chefiada pelo tendala, uma figura judicial, e o ngolambole, um líder militar. No próprio Ndongo, o governante tinha um grupo ainda maior de burocratas, incluindo um contramestre chamado quilunda e outro oficial semelhante chamado mwene kudya.
A estrutura social estava ancorada nos ana murinda (f''ilhos da murinda)'' ou plebeus livres. Além dos plebeus, havia dois grupos servis - os ijiko (sing., ''Kijiko''), plebeus não-livres que estavam permanentemente ligados à terra como servos e os abika (sing., ''Mubika'') ou escravos vendáveis.
== História ==
=== Formação do Reino ===
O Reino do Dongo era um estados tributário do [[Reino do Congo]], juntamente com vários outros pequenos reinos ao redor mesmo. O Reino de [[Ambundos|Ambundo]] no sul e o [[Reino de Cacongo|Cacongo]] no norte sempre estiveram em conflito, mas o Congo conseguiu cobrar tributos desses estados desde antes da colonização pelos portugueses.
=== Independência ===
Em 1518 o Reino de Dongo enviou uma embaixada a [[Reino de Portugal|Portugal]] pedindo missionários e reconhecimento como estado independente do Congo. Uma missão portuguesa chegou ao Dongo em 1520, mas disputas locais e talvez a pressão do Congo forçaram o missionários para retirar. O manicongo [[Afonso I do Congo|Afonso I]] levou os missionários para o Congo e deixou o seu próprios padres no Dongo.
Por volta de 1556, Dongo enviou outra missão a Portugal em busca de assistência militar e oferecendo-se para ter os líderes e o povo batizados, embora os oficiais portugueses na época não tivessem certeza da devoção religiosa. Em 1901, o historiador E.G. Ravenstein afirmou que esta missão foi o resultado de uma guerra entre Congo e Dongo, na qual o Dongo venceu e reivindicou sua independência, que também foi reivindicada pelo historiador Jan Vansina em 1966 e depois por outros, mas isso parece ter sido uma leitura errada das verdadeiras origens. O Dongo pode ter visto a missão como uma espécie de declaração de independência, já que a resposta do Congo à missão de 1518 sugere que ainda mantinha controle suficiente para evitar que fosse um movimento independentista.
A segunda missão portuguesa chegou à foz do rio Cuanza em 1560, chefiada por [[Paulo Dias de Novais]], neto do famoso explorador [[Bartolomeu Dias]], e incluindo vários padres jesuítas, incluindo Francisco de Gouveia. Esta missão também falhou e Dias de Novais regressou a Portugal em 1564, deixando Gouveia para trás.
[[Ficheiro:Paulo Dias de Novais, 1º capitão-governador de Angola.jpg|miniaturadaimagem|191x191px|[[Paulo Dias de Novais]] foi o primeiro governador da [[África Ocidental Portuguesa|Angola Portuguesa]] e estabeleceu as primeiras relações com o Reino do Dongo. ]]
=== Relações e guerras contra os portugueses ===
Na altura da terceira missão em 1571, o [[Lista de monarcas de Portugal|rei de Portugal]] [[Sebastião I de Portugal|Sebastião I]] tinha decidido encarregar Dias de Novais da conquista e subjugação do "Reino de Angola", autorizando-o a governar a região, trazer colonos, e construir fortes.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com/books?id=S42CypbRTlQC&pg=PA82|título=Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas, 1585-1660|ultimo=Heywood|primeiro=Linda M.|ultimo2=Thornton|primeiro2=John K.|data=2007-09-10|editora=Cambridge University Press|lingua=en}}</ref> Dias de Novais chegou a Luanda por acordo com o rei [[Álvaro I do Congo]] em retribuição pela ajuda de Portugal contra os [[Jagas]]. Quilongo, o rei de Angola, renovou as relações com Portugal em 1578.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com/books?id=hXFkAAAAcAAJ&q=%22anna+xinga%22+dongo&pg=PA241|título=NUOVO DIZIONARIO SCIENTIFICO E CURIOSO SACRO-PROFANO DI GIANFRANCESCO PIVATI DOTTORE DELLE LEGGI.: CONTENENTE A-B. TOMO PRIMO|ultimo=Pivati|primeiro=Giovanni Francesco|data=1746|editora=Per Benedetto Milocco|lingua=it}}</ref> Incapaz de conquistar qualquer território por conta própria, Dias de Novais fez alianças com o Congo e o Dongo, servindo como um exército mercenário.
Em 1579, mercadores portugueses que se estabeleceram no Congo, liderados por Francisco Barbuda, avisaram a [[Quilombo Quiacasenda]] que Portugal pretendia apoderar-se do seu país. Agindo com base nesta ameaça e inteligencia, Njinga Ndambi enganou as forças portuguesas para uma emboscada e massacrou-as em sua capital.
A guerra que se seguiu testemunhou uma invasão do Congo, que foi derrotada por pouco tempo em 1580, e uma ofensiva portuguesa no [[rio Cuanza]], resultando na fundação de seu forte em Massangano em 1582. Vários sobas mudaram sua aliança para Portugal e logo muitos dos províncias costeiras foram unidas à colônia. Em 1590, os portugueses decidiram atacar o núcleo do Dongo e enviaram um exército contra a Cabaça. Dongo, no entanto, recentemente selou uma aliança com a vizinha [[Reino da Matamba|Matamba]], e as forças portuguesas foram esmagadas. Após esta derrota, o Dongo fez uma contra-ofensiva e muitos dos ex-sobas pró-portugueses regressaram ao lado do reino. Entretanto Portugal conseguiu reter grande parte das terras que ganhou nas guerras anteriores e, em 1599, Portugal e o Dongo formalizaram sua fronteira.
=== '''Período Imbangala''' ===
Durante o início do [[século XVII]], uma paz armada foi mantida entre Portugal e o Dongo. Os portugueses continuaram a sua expansão ao longo do Cuanza, fundando o presidio de [[Cambambe]] em 1602, e tentaram, sempre que possível, interferir na política do reino, especialmente no que se referia ao ténue domínio do Dongo sobre Kisama e outras terras a sul do [[Rio Cuanza]]. No decurso das suas actividades na região sul do Cuanza os portugueses entraram em contacto com os [[Imbangalas|Imbangala]], um grupo desenraizado de invasores nómades que assolavam o país. Em 1615, o governador provisório de Angola [[Bento Banha Cardoso]] encorajou alguns Imbangala a cruzar o rio e entrar ao serviço dos portugueses, e com a ajuda deles expandiu a colônia ao longo do [[Rio Lualaba|rio Lukala]], ao norte de Dongo.
Em 1617, o novo governador [[Luís Mendes de Vasconcelos]], após rejeitar o uso de tropas Imbangala, comprometeu-se com a aliança e iniciou campanhas agressivas contra o Dongo. Graças à ajuda dos Imbangala comandados por Kasanje, Kasa e outros, ele conseguiu invadir Dongo, saquear a capital e forçar o Rei [[Angola Ambandi]] a se refugiar na ilha de Kindonga no rio Cuanza. Milhares de súditos do Dongo foram feitos prisioneiros e Mendes de Vasconcelos tentou, sem sucesso, criar um governo fantoche para permitir o domínio português.
Os sucessores de Mendes de Vasconcelos, como [[João Correia de Sousa]] tentaram fazer as paz com Dongo, e, em 1621, Angola Ambandi enviou a sua irmã, [[Ana de Sousa|Ginga Ambandi]], a Luanda para negociar em seu nome. Ela negociou um tratado de paz no qual Portugal concordou em retirar seu forte avançado de [[Ambaca]] no Lukala, que serviu de base para a invasão do Dongo, devolvendo um grande número de ijiko cativos para Dongo e forçando os bandos de Imbangala que ainda devastavam o Dongo para sair. Em troca, Angola Ambandi deixaria a ilha e se restabeleceria na capital e se tornaria vassalo português, pagando 100 escravos por ano como tributo.
No entanto, João Correia de Sousa envolveu-se numa guerra desastrosa com o Congo e na sequência foi expulso da colónia por cidadãos irados. O seu sucessor temporário, o bispo, não conseguiu executar o tratado, cabendo então ao novo governador, [[Fernão de Sousa]], resolver a questão aquando da sua vinda em 1624.
=== Reinado de Ginga ===
[[Ficheiro:Ann Zingha.jpg|miniaturadaimagem|246x246px|[[Ana de Sousa|Ginga Ambande]] (Ana de Sousa) foi a mais importante monarca do Reino do Dongo. ]]
O fracasso de Portugal em honrar o tratado afetou [[Angola Ambandi]] e, em desespero, ele cometeu suicídio, deixando o país nas mãos de sua irmã [[Ana de Sousa|Ginga]], que serviria como regente de seu filho menor, então sob custódia protetora do líder da imbangala, Kaza, que deixou o serviço português e se juntou ao Dongo. Ginga, no entanto, serviu apenas por um breve período como regente, mandou assassinar o filho e ascender ao trono como rainha gobernante (Angola). Algumas fontes europeias a chamam de Anna Xinga. <ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com/books?id=hXFkAAAAcAAJ&q=%22anna+xinga%22+dongo&pg=PA241|título=NUOVO DIZIONARIO SCIENTIFICO E CURIOSO SACRO-PROFANO DI GIANFRANCESCO PIVATI DOTTORE DELLE LEGGI.: CONTENENTE A-B. TOMO PRIMO|ultimo=Pivati|primeiro=Giovanni Francesco|data=1746|editora=Per Benedetto Milocco|lingua=it}}</ref><ref>{{Citar web |url=http://dx.doi.org/10.1163/2451-9537_cmrii_com_26698 |titulo=Naukeurige beschrijvinge van ... |acessodata=2021-04-28 |website=Christian-Muslim Relations 1500 - 1900}}</ref>
O Padre Giovanni aproveitou a oportunidade para reabrir as negociações com Ginga, cuja legitimidade foi questionada. Ele se recusou a devolver o Ijiko e insistiu que Ginga primeiro reconhecesse a soberania portuguesa. Embora a rainha estivesse preparada para fazer isso, ela não deixaria a ilha até que seu controle total fosse restabelecido e o Ijiko retornasse. Quando os portugueses se recusaram, Ginga os encorajou a fugir e entrar em seu serviço. A disputa sobre o Ijiko levou à guerra em 1626, e o exército de Sousa conseguiu expulsar Ginga de Kidonga, mas não capturá-la.
Sousa se sentiu confiante o suficiente neste ponto para declarar ao Dongo, e convocou alguns sobas que a apoiaram para reeleger como novo rei [[Hari a Kiluanji]], senhor da fortaleza rochosa de Mpungo a Ndongo (ou Pungo Andongo) em 1626, mas ele morreu na epidemia de varíola que eclodiu em consequência da guerra, sendo substituído por [[Angola Hari|Filipe Hari a Ngola]].
Ginga se recusou a reconhecer Hari a Ngola alegando que ele era de origem escrava e não era elegível para reinar. Ela reocupou Kindonga e começou a mobilizar o apoio de todos os sobas que se opunham a Hari Angola e ao domínio português, levando a uma segunda guerra com Portugal. O exército de Sousa derrotou Ginga novamente em 1628, mais uma vez forçando-a a se refugiar nas ilhas. Ginga escapou por pouco da captura, em um ponto tendo que descer na Baixa de [[Cassange]] em cordas com apenas algumas centenas de seus seguidores restantes.
Desesperada, Ginga juntou suas forças com o bando Imbangala de Kasanje, que a forçou a aceitar uma posição humilhante como esposa e desistir de seus trajes reais. No entanto, ela conseguiu conquistar um de seus apoiadores, posteriormente-o como Ginga Mona (ou filho de Nzinga) e reconstruindo seu exército. Com este apoio, Ginga moveu-se para o norte e capturou o [[Reino da Matamba|Reino de Matamba]] que se tornou sua base, mesmo enquanto enviava um destacamento para reocupar as Ilhas Kindonga, agora sagradas porque os restos mortais de seu irmão estavam ali enterrados.
Nesse ponto, a história de Ginga passa a ser a de [[Reino da Matamba|Matamba]], e sua trajetória pode ser acompanhada naquele reino.
=== Vassalagem Portuguesa ===
[[Angola Hari|Hari Angola]] ou Dom Filipe I serviu lealmente aos portugueses nas décadas seguintes, mesmo quando os portugueses fizeram uma paz em separado com Ginga em 1639. As suas tropas eram o maior componente do exército que os portugueses usaram para fazer conquistas e consolidar o seu domínio na área dos Dembos ao norte. Quando os [[Invasões holandesas no Brasil|holandeses invadiram o Brasil]], Filipe serviu contra eles, formando o grosso das forças que defendiam a colônia de alcatra de [[Massangano (Angola)|Massangano]], embora tenha sofrido uma derrota esmagadora nas mãos do exército de Ginga com seus aliados holandeses em 1647 na [[Batalha de Combi]].
Após a expulsão dos holandeses Filipe começou a sentir que os portugueses não lhe estavam a dar o devido valor. Ele se envolveu em disputas com eles sobre seus subordinados e jurisdição, mesmo enquanto suas forças marcharam em guerras desastrosas em Kisama e os [[Dembos]]. Seu filho e sucessor ficou igualmente desapontado, especialmente após o tratado português com Ndongo que reconheceu Ginga como rainha do [[Reino do Dongo|Dongo]] e [[Reino da Matamba|Matamba]] em 1657, deixando-o se sentindo desonrado como único governante de Pungo a Dongo. Em 1670, portanto, ele se revoltou e, após um longo cerco, sua fortaleza caiu para o exército português em 1671, encerrando efetivamente o Dongo como um reino independente.
== Ver também ==
* [[Lista de reis de Angola]]
* [[Reino da Matamba]]
== Bibliografia ==
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