Noite Sangrenta: diferenças entre revisões
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=== Revolta ===
[[Ficheiro:O catraio governamental - O Século Cómico (11Out1920).png|miniaturadaimagem|344x344px|''O catraio governamental'', ilustração da autoria de Rocha Vieira, publicado n'''[[O Século Cómico]]'', satirizando o governo de António Granjo em 1920. "''Será milagre se não encalhar. Os escolhos sucedem-se e assim será mais um catraio que vai à vela... para o fundo.''" Os rochedos dizem "Greves", "Politiquice" e "Parlamento".]]
Pedindo a demissão do [[31.º governo republicano (Portugal)|31.º Governo Republicano]], liderado por António Granjo, que havia sido alvo de uma intensa campanha de ódio na imprensa radical desde a sua nomeação, circulando nas forças militares o rumor de que o seu governo pretendia ceder
Sem o apoio de nenhum ramo das forças militares ou a cooperação dos restantes partidos, ao meio-dia, António Granjo viu-se obrigado a apresentar a sua demissão a António José de Almeida, que, face às circunstâncias em que se encontravam, a aceitou, recusando no entanto entregar o poder ao coronel Manuel Maria Coelho numa sessão realizada durante a mesma tarde com a Junta Revolucionária, composta pelo coronel Nobre da Veiga, primeiro-tenente Serrão Machado, capitão Camilo de Oliveira e os civis [[Alberto da Veiga Simões|Veiga Simões]], Afonso de Macedo e Jacinto Simões.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com/books?id=NxsNlwEACAAJ&dq=antonio+granjo&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjEyc7fhNrzAhXNyaQKHY42DUYQ6AF6BAgGEAE|título=António Granjo: república e liberdade|ultimo=Leal|primeiro=Ernesto Castro|ultimo2=Nunes|primeiro2=Teresa|data=2012|editora=Assembleia da República|lingua=pt}}</ref>
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{{Quote2|"Mandem-me fuzilar, mandem-me prender, mandem-me exilar, mas eu não me desonro."|autor=António José de Almeida}}
Sem a nomeação de um governo executivo que apaziguasse as exigências das forças militares, durante a tarde desse mesmo dia, receando pela sua vida, o presidente do Ministério demissionário saiu pelas traseiras de sua casa, situada na Avenida João Crisóstomo, em direcção à casa do capitão e político [[Francisco da Cunha Leal]], seu amigo e opositor partidário, a quem pediu abrigo no intuito de conseguir apelar aos seus amigos políticos, ligados ao golpe, o cessar de todas as incursões militares.<ref>{{Citar web |ultimo=Almeida Fernandes |primeiro=Jorge |url=https://www.publico.pt/2010/09/10/jornal/depois-veio--a-noite-infame-20092509 |titulo=Depois veio a noite infame |data=10-09-2010 |acessodata=2021-10-20 |website=Público |lingua=pt}}</ref><ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=Y3qtHmOhsycC&q=Matem-me,+que+matam+um+bom+republicano&dq=Matem-me,+que+matam+um+bom+republicano&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjVqp7yg9rzAhV07OAKHbuyAOUQ6AF6BAgIEAI|título=Cinzas imortais na morte de Antonio Granjo|ultimo=Castro|primeiro=Rodrigo de|data=1922|editora=Tipografia Lusitania|lingua=pt-BR}}</ref><ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=MBokAQAAIAAJ&q=Francisco+da+Cunha+Leal+noite+sangrenta&dq=Francisco+da+Cunha+Leal+noite+sangrenta&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiFmdb8hNrzAhUHHuwKHbZcDnEQ6AF6BAgJEAI|título=Os militares no poder: uma análise histórico-política do liberalismo à revisão constitucional de 1959|ultimo=Caeiro|primeiro=Joaquim Manuel Croca|data=1997|editora=Hugin Editores|lingua=pt-BR}}</ref>▼
▲Sem a nomeação de um governo executivo que apaziguasse as exigências das forças militares, durante a tarde desse mesmo dia, receando pela sua vida, o presidente do Ministério demissionário saiu pelas traseiras de sua casa, situada na Avenida João Crisóstomo, em direcção à casa do capitão e político [[Francisco da Cunha Leal]], seu opositor partidário, a quem pediu abrigo no intuito de conseguir apelar aos seus amigos políticos, ligados ao golpe, o cessar de todas as incursões militares.<ref>{{Citar web |ultimo=Almeida Fernandes |primeiro=Jorge |url=https://www.publico.pt/2010/09/10/jornal/depois-veio--a-noite-infame-20092509 |titulo=Depois veio a noite infame |data=10-09-2010 |acessodata=2021-10-20 |website=Público |lingua=pt}}</ref><ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=Y3qtHmOhsycC&q=Matem-me,+que+matam+um+bom+republicano&dq=Matem-me,+que+matam+um+bom+republicano&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjVqp7yg9rzAhV07OAKHbuyAOUQ6AF6BAgIEAI|título=Cinzas imortais na morte de Antonio Granjo|ultimo=Castro|primeiro=Rodrigo de|data=1922|editora=Tipografia Lusitania|lingua=pt-BR}}</ref><ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=MBokAQAAIAAJ&q=Francisco+da+Cunha+Leal+noite+sangrenta&dq=Francisco+da+Cunha+Leal+noite+sangrenta&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiFmdb8hNrzAhUHHuwKHbZcDnEQ6AF6BAgJEAI|título=Os militares no poder: uma análise histórico-política do liberalismo à revisão constitucional de 1959|ultimo=Caeiro|primeiro=Joaquim Manuel Croca|data=1997|editora=Hugin Editores|lingua=pt-BR}}</ref>
=== A Camioneta Fantasma ===
Com o decorrer do dia, começaram-se a realizar os preparativos que originaram a Noite Sangrenta de 1921, tendo o [[Cabo (militar)|cabo]] [[Abel Olímpio]], conhecido como o "''Dente de Ouro''", sido encarregue de conduzir a infame "C''amioneta Fantasma''" (à época escrito ''Camionette-Fantasma''), cuja missão consistia em recolher determinadas figuras de estado, consideradas pelos revoltosos como traidores dos ideais [[Republicanismo|republicanos]].<ref>{{Citar web |ultimo=Ribeiro |primeiro=Luís |url=https://visao.sapo.pt/historia/2021-10-20-quando-a-camioneta-fantasma-assombrou-lisboa-a-noite-sangrenta-foi-ha-100-anos/ |titulo=Quando a camioneta-fantasma assombrou Lisboa: A Noite Sangrenta foi há 100 anos |data=2021-10-20 |acessodata=2021-10-21 |website=Visão |lingua=pt-PT}}</ref>
Durante o fim de tarde, vários soldados da GNR, marinheiros e civis armados dirigiram-se para a casa de Francisco da Cunha Leal, numa tentativa de o coagir a entregar António Granjo. Temendo pela vida do primeiro-ministro demissionário
[[Ficheiro:Camioneta Fantasma de 1921.jpg|miniaturadaimagem|Artigo e fotografia sobre a Camioneta Fantasma que participou na Noite Sangrenta, "''[[Illustração Portuguesa|Ilustração Portuguesa]]''" (12 de outubro de 1921)]]
[[Ficheiro:Arsenal-da-Marinha-em-1866.jpg|miniaturadaimagem|Arsenal da Marinha (1866), actual Avenida da Ribeira das Naus, Lisboa]]
Pelas onze horas da noite, [[José Carlos da Maia]], oficial, ex-[[Ministério da Marinha (Portugal)|Ministro da Marinha]] e antigo [[Governador de Macau]], já retirado da vida política desde [[1918]], tornou-se no próximo alvo do grupo liderado por Abel Olímpio, que se dirigiu às imediações do [[Museu Nacional de Arte Antiga|Museu das Janelas Verdes]], batendo de porta em porta em busca da sua residência. Arrancado dos braços da mulher, [[Berta Maia]], que desesperadamente apelou misericórdia pela sua vida, enquanto também segurava o seu filho com poucos meses de idade, foi levado para o Arsenal da Marinha e recebido pela multidão com a mesma violência que António Granjo e Francisco da Cunha Leal haviam sido horas antes. Acusado de ser responsável pelo desterro dos marinheiros para África durante o [[Sidonismo]], levou uma [[Coronha|coronhada]] na cabeça pelo cabo Serafim dos Anjos, que posteriormente desertou para [[Montevidéu]], sendo pouco depois José Carlos da Maia morto a tiro enquanto tentava escapar.<ref name=":1">{{Citar web |ultimo= |url=https://www.natgeo.pt/historia/2021/02/a-noite-sangrenta-o-que-aconteceu-em-portugal-no-ano-de-1921 |titulo=A "Noite Sangrenta": o que aconteceu em Portugal no ano de 1921 |data=2021-02-05 |acessodata=2021-10-21 |website=National Geographic |lingua=pt-pt}}</ref>
Momentos antes, enquanto José Carlos da Maia era então conduzido para o Arsenal, dois elementos do grupo de Abel Olímpio,
Horas depois, pelas duas da manhã, a camioneta fantasma dirigiu-se à Rua José Estêvão, onde residia [[António Machado Santos]], almirante, herói da Implantação da República e ex-[[Lista de ministros das Subsistências e dos Abastecimentos de Portugal|secretário de Estado das Subsistências e Transportes]] e de [[Anexo:Lista de ministros da Administração Interna de Portugal|Estado do Interior]], que resistiu à sua detenção quando Abel Olímpio, de [[carabina]] em punho, entrou no quarto do almirante que dormia, sendo depois ordenado que se vestisse e forçado, sob ameaça de uma
[[Ficheiro:Ilustraçao portuguesa.jpg|miniaturadaimagem|Capa em homenagem às vítimas mortais da Noite Sangrenta (António Granjo, Machados Santos e José Carlos da Maia) na revista ''[[Illustração Portuguesa|Ilustração Portuguesa]]'' (29 de outubro de 1921)]]
Sem a infame camioneta fantasma, o sargento Heitor Gilman decidiu mesmo assim continuar com a execução daqueles que considerava traidores
Pela mesma hora, uma outra camioneta foi encarregue de continuar a conspiração, seguindo para [[Oeiras (Portugal)|Oeiras]] e [[Cascais]], onde residiam outras figuras procuradas pelas forças revoltosas, como [[Fidelino de Figueiredo]], deputado, ex-chefe de Gabinete do [[Ministério da Instrução Pública|Ministro da Instrução Pública]]
De modo a conter os eventos sangrentos e após tomar conhecimento de que o seu nome também constava na lista de políticos a abater, durante a mesma noite, o presidente da República António José de Almeida entregou, relutantemente, a posse do governo a Manuel Maria Coelho.
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== Consequências ==
[[Ficheiro:Manuel Maria Coelho - fototipia publicada originalmente na revista «Archivo Democratico», 1910.png|miniaturadaimagem|Retrato de [[Manuel Maria Coelho]], publicado na revista ''Archivo Democratico (''1910).]]
Nomeado após o golpe militar, o [[32.º governo republicano (Portugal)|32.º governo republicano]] liderado por Manuel Maria Coelho, que exercia os cargos de presidente do Ministério, Ministro do Interior e provisoriamente Ministro das Colónias e Ministro do Trabalho, era composto por [[António Arez]] como Ministro da Justiça e dos Cultos, [[Francisco António Correira]] como Ministro das Finanças, [[José Cortês dos Santos]] como [[Ministério da Guerra (Portugal)|Ministro da Guerra]], [[Francisco Luís Ramos]] como Ministro da Marinha, [[Alberto da Veiga Simões]] como [[Ministério dos Negócios Estrangeiros (Portugal)|Ministro dos Negócios Estrangeiros]], [[António Pires de Carvalho]] como Ministro do Comércio e das Comunicações, [[Carlos Maia Pinto]] como [[Ministério das Colónias|Ministro das Colónias]], [[Manuel de Lacerda de Almeida]] como [[Ministério da Instrução Pública|Ministro da Instrução Pública]], [[Alfredo Azevedo e Sousa]] como Ministro do Trabalho e [[Antão de Carvalho]] como Ministro da Agricultura, tendo ainda [[Vasco Guedes de Vasconcelos]], [[Vítor Macedo Pinto]], [[José Eduardo de Carvalho Crato]] e [[António Alberto Torres Garcia]] sido primeiramente nomeados, para as pastas do Ministério da Justiça, Marinha, Colónias e Instrução Pública, respectivamente, sem que no entanto tenham tomado posse.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=7NyLiZYBXbcC&pg=PT102&dq=Manuel+Maria+Coelho+governo&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwi4__-ngNzzAhUcSvEDHVWOCasQ6AF6BAgGEAI|título=Leonardo Coimbra e a I República: percurso político e social de um filósofo|ultimo=Fava|primeiro=Fernando Mendonça|data=2008-01-01|editora=Imprensa da Universidade de Coimbra|lingua=pt}}</ref
Apesar dos eventos trágicos da Noite Sangrenta terem sido desencadeados pela revolta militar, Manuel Maria Coelho e os restantes membros do seu governo, sempre negaram qualquer responsabilidade sobre os homicídios, chegando mesmo a afirmar que a revolta era de carácter puramente militar, sem interesse partidário, e como tal condenavam as acções oportunistas e homicidas dos revoltosos, tendo ainda incumbido Reis Júnior, chefe interino da Polícia de Segurança do Estado (PSE), de apurar os factos e os nomes dos envolvidos no prazo de dois dias, no entanto sem sucesso.<ref name=":1" />
Devido à revolta e indignação da população portuguesa, após os eventos da Noite Sangrenta de 1921 terem sido noticiados, nos dias seguintes ao golpe uma forte onda de oposição se elevou contra o regime de Manuel Maria Coelho, conhecido como Governo Outubrista, sendo este alvo de vários ataques na imprensa. Sem forma de manter o seu regime, a [[5 de novembro]] do mesmo ano, vários membros do governo demitiram-se, sendo nomeado o [[33.º governo republicano (Portugal)|33.º governo republicano]], liderado por Carlos Maia Pinto. Integrando ainda alguns membros do regime anterior, em dezembro desse mesmo ano uma vez mais o regime foi exonerado, prolongando-se a instabilidade política no país.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=QyOtCwAAQBAJ&pg=PA1921&dq=Manuel+Maria+Coelho+governo&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwi4__-ngNzzAhUcSvEDHVWOCasQ6AF6BAgKEAI|título=Comunicação e educação republicanas 1910-2010|ultimo=Peixinho|primeiro=Ana Teresa|ultimo2=Santos|primeiro2=Clara Almeida|data=2011-10-01|editora=Imprensa da Universidade de Coimbra / Coimbra University Press|lingua=pt}}</ref> Consequentemente, Francisco da Cunha Leal, que havia sobrevivido aos ataques da Noite Sangrenta, tornou-se presidente do Ministério do [[34.º governo republicano (Portugal)|34.º governo republicano]].▼
▲Devido à revolta e indignação da população portuguesa, após os eventos da Noite Sangrenta de 1921 terem sido noticiados, nos dias seguintes ao golpe uma forte onda de oposição se elevou contra o regime de Manuel Maria Coelho, conhecido como Governo Outubrista, sendo este alvo de vários ataques na imprensa. Sem forma de manter o seu regime, a [[5 de novembro]] do mesmo ano, vários membros do governo demitiram-se, sendo nomeado o [[33.º governo republicano (Portugal)|33.º governo republicano]], liderado por Carlos Maia Pinto. Integrando ainda alguns membros do regime anterior, em dezembro desse mesmo ano uma vez mais o regime foi exonerado, prolongando-se a instabilidade política no país.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=QyOtCwAAQBAJ&pg=PA1921&dq=Manuel+Maria+Coelho+governo&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwi4__-ngNzzAhUcSvEDHVWOCasQ6AF6BAgKEAI|título=Comunicação e educação republicanas 1910-2010|ultimo=Peixinho|primeiro=Ana Teresa|ultimo2=Santos|primeiro2=Clara Almeida|data=2011-10-01|editora=Imprensa da Universidade de Coimbra / Coimbra University Press|lingua=pt}}</ref> Consequentemente, Francisco da Cunha Leal, que havia sobrevivido aos ataques da Noite Sangrenta, tornou-se presidente do Ministério do [[34.º governo republicano (Portugal)|34.º governo republicano]], tendo ordenado a prisão de vários oficiais na [[Forte de São Julião da Barra|Torre de São Julião da Barra]].
{{Quote2|"O sangue correu pela inconsciência da turba — a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda à solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama."|autor=Francisco Cunha Leal}}
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Imediatamente após o golpe, surgiram várias versões na imprensa sobre quem teria realmente criado a "lista de abate" e transmitido essas ordens aos militares, apontando-se o dedo a várias facções radicais, como o [[movimento da Formiga Branca]], uma força militarizada e [[Carbonária Portuguesa|carbonária]] do [[Partido Democrático (Portugal)|Partido Democrático]], a própria direita republicana, que procurava culpabilizar a esquerda e enfraquecê-la, ou até aos movimentos monárquicos e próximos do clero, como a Acção Monárquica Legitimista Internacional, que procurava provocar uma guerra interna nos partidos republicanos e assim restabelecer a [[Monarquia de Portugal|monarquia em Portugal]], sendo no entanto o único nome, do conhecimento público, associado à execução das ordens no campo das operações o do cabo [[Abel Olímpio]].
Tendo começado a investigação dos crimes poucos dias após estes terem ocorrido, Barbosa Viana, director da Polícia de Segurança do Estado (PSE), lançou-se na busca da "pista monárquica" e no possível envolvimento do padre Maximiliano Lima, conhecido de Abel Olímpio, contudo devido ao envolvimento daquela força policial nos eventos da Noite Sangrenta, com a nomeação do governo de António Maria da Silva, em 1922, a investigação passou para a alçada da Polícia de Defesa Social (PDS), mais tarde renomeada como Polícia Preventiva e de Segurança do Estado (PPSE), passando a organização a incorporar competências de vigilância secreta
Levada a cabo a instrução dos casos por Alexandrino de Albuquerque, subdirector da [[Polícia de Investigação Criminal]] (PIC), nomeado por imposição das famílias das vítimas,<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=OCxSAQAAMAAJ&q=Alexandrino+Albuquerque+1922+juiz&dq=Alexandrino+Albuquerque+1922+juiz&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiG7Z2fxtzzAhUc7eAKHd-2AXQQ6AF6BAgLEAI|título=António Xavier Correia Barreto: biografia de um Presidente do Senado|ultimo=Pinto|primeiro=Paulo Mendes|data=2002|editora=Assembleia da República|lingua=pt-BR}}</ref> e mais dois juízes, vários julgamentos foram realizados pelo [[Tribunais Militares Especiais (Portugal)|Tribunal Militar Extraordinário]] entre 1922 e 1923, tendo o primeiro tido lugar a [[8 de dezembro]] de [[1922]], sendo condenados no Tribunal Militar de [[Campo de Santa Clara|Santa Clara]] os três polícias que prenderam João Tamagnini Barbosa em Oeiras.
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=== Crimes de Sangue ===
[[Ficheiro:Carmona.jpg|miniaturadaimagem|Fotografia de [[Óscar Carmona|António Óscar de Fragoso Carmona]], da autoria de [[Manuel Alves de San Payo]]]]
Em abril de 1923, indiciados pelo [[Promotor de justiça|promotor de Justiça]] [[Óscar Carmona|António Óscar Carmona]], dezenas de oficiais, constando na lista de acusados o nome de Abel Olímpio, começaram a ser julgados pela autoria dos [[Homicídio|crimes de sangue]] ocorridos durante a noite de 19 de outubro de 1921.<ref>{{Citar web |url=http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=178691_05&pagfis=13125&url=http://memoria.bn.br/docreader# |titulo=O País: Notícias de Portugal (edição de 1 de maio de 1923) |data=1923 |acessodata= |website=O Paiz}}</ref> Defendidos pelos advogados Francisco Vieira, [[Cunha e Costa]], [[Amílcar Ramada Curto]], Alfredo Nordeste, Tavares da Silva, Caetano Pereira, Gomes Motta, Milheiro Fernandes, Amâncio Alpoim e muitos outros, foram apresentadas dezenas de testemunhas abonatórias com altas patentes militares assim como a tese de defesa de que os oficiais apenas cumpriam ordens superiores, desconhecendo o propósito homicida da sua missão.<ref>{{Citar web |url=http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=178691_05&pagfis=13125&url=http://memoria.bn.br/docreader# |titulo=O Paiz: Notícias de Portugal (edição de 12 de maio de 1923) |data=1923 |acessodata= |website=O Paiz}}</ref> Todos os acusados negaram a autoria dos homicídios, atribuindo a culpa a outros oficiais ausentes e até mesmo presentes na sala de audiências, gerando-se várias acusações entre os próprios réus.<ref>{{Citar web |url=http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=178691_05&pagfis=13125&url=http://memoria.bn.br/docreader# |titulo=O Paiz: Notícias de Portugal (edição de 4 de junho de 1923) |data=1923 |acessodata= |website=O Paiz}}</ref>
{{Quote2|"Foste tu que mandaste matar o meu marido! Foste tu que não atendeste às súplicas de uma mãe com um filhinho de seis meses ao colo! Lembra-te marinheiro que disseste na minha presença: Esta senhora é a única que me pode acusar. Eu não quero a tua morte, quero o teu remorso! Porque não falas? Porque não dizes os nomes dos teus cúmplices? (...) Confio que o Tribunal saberá fazer justiça!"|autor=Depoimento de Berta da Maia no Tribunal, acusando Abel Olímpio pela morte de José Carlos da Maia}}
Contra-interrogados com [[Ciência forense|provas forenses]] de [[balística]] e o relato de centenas de testemunhas e familiares das vítimas, após várias audiências, durante o dia [[31 de maio]] os réus fizeram as suas últimas declarações, terminando a sessão somente às oito horas e meia da noite, sendo o júri recolhido para a sala das deliberações. Aguardando a sentença, os réus foram para os calabouços, enquanto uma multidão de populares e familiares das vítimas afluiu ao exterior do Tribunal de Santa Clara. Temendo-se que se pudesse gerar uma rebelião popular, o governador civil mandou encerrar todos os estacionamentos comerciais nas proximidades do tribunal e reforçar o policiamento no local. Durante o resto da noite, os réus passaram longas horas
Após treze horas de deliberações, somente às nove e meia da manha do dia [[1 de junho]], o júri apresentou a sua decisão, sendo esta entregue ao juiz Ribeiro Castanho que redigiu a sentença. Aberta a sessão da leitura da sentença ao meio dia e meio, foram:
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Após a leitura da sentença, os condenados foram para o [[forte de Sacavém]], à excepção de Heitor Gilman que foi assistido no antigo [[Hospital Militar Principal|Hospital Militar da Estrela]], e posteriormente levado para o [[Forte de Nossa Senhora da Graça|forte de Elvas]]. Anos mais tarde, todos os réus condenados às penas mais pesadas recorreram das suas sentenças, assim como Benjamin Pereira, que continuou a defender a sua inocência.<ref>{{Citar web |url=http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1923/N903/N903_item1/P14.html |titulo=Ilustração Portuguesa: 2.ª série, n.º 903, 9 de Junho de 1923 |data=1923 |acessodata=2021-10-22 |website=Hemeroteca Digital}}</ref>
{{Quote2|Desprezo-me por ser português! Fui condenado por obedecer a superiores meus. Mas, vamos a saber: quem são os criminosos? Sim, as famílias das vítimas hão de saber quem são os verdadeiros assassinos!"|autor=Depoimento de Abel Olímpio no Tribunal, após a leitura da sentença}}
Anos mais tarde, [[Berta Maia|Berta da Maia]], viúva do capitão José Carlos da Maia, visitou Abel Olímpio na prisão de Coimbra, com o intuito de descobrir os nomes dos mandantes da conspiração.<ref>{{citar periódico |titulo=José Carlos da Maia: Marinheiro, Maçon e Revolucionário |data=2010 |jornal=Revista de Cultura: Edição Internacional - Portugal e China: Duas Revoluções, Dois Centenários I |ultimo=Mendonça Fava |primeiro=Fernando |edicao=nº 36}}</ref> Fruto das suas visitas e do seu trabalho de investigação privada, tentou sem sucesso reabrir o caso nos tribunais e escreveu a obra "''As minhas entrevistas com Abel Olímpio, «O Dente de Ouro»: páginas para a história da morte vil de Carlos da Maia, republicano combatente de 5 de Outubro''" (1928), onde reforçava a teoria de uma conspiração levada a cabo pela ala monárquica e de direita conservadora,<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.pt/books?id=yYAYAQAAIAAJ&q=O+Dente+de+Ouro%C2%BB:+p%C3%A1ginas+para+a+hist%C3%B3ria+da+morte+vil+de+Carlos+da+Maia&dq=O+Dente+de+Ouro%C2%BB:+p%C3%A1ginas+para+a+hist%C3%B3ria+da+morte+vil+de+Carlos+da+Maia&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiji4Xppt7zAhUIqxoKHcIdCLYQ6AF6BAgLEAI|título=Ocidente: revista portuguesa de cultura|data=1969|lingua=pt-BR}}</ref> tendo Abel Olímpio lhe confessado e depois negado que havia sido aliciado pelo padre Maximiliano Lima, director do jornal ''[[A Época (jornal)|A Época]].''<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.com/books?id=QoRGGwAACAAJ&dq=O+Dente+de+Ouro%C2%BB:+p%C3%A1ginas+para+a+hist%C3%B3ria+da+morte+vil+de+Carlos+da+Maia&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwibo_PppN7zAhUeSvEDHTI-BjwQ6AF6BAgGEAE|título=As minhas entrevistas com Abel Olimpio "O dente de Ouro": paginas para historia da morte vil de Carlos da Maia, republicano combatente de 5 de octubro|ultimo=Maia|primeiro=Berta|data=1929|editora=Oficinas Fernandes|lingua=pt}}</ref> Gerando-se bastante polémica após a obra ser publicada, Berta da Maia tornou-se no alvo de uma campanha [[Difamação|difamatória]] pela imprensa de direita, que a acusava de estar ao serviço da [[Maçonaria]].<ref>{{Citar periódico |url=https://journals.openedition.org/lerhistoria/1402?lang=es |titulo=A Marinha e a República |data=2010-10-15 |acessodata=2021-10-22 |jornal=Ler História |número=59 |ultimo=Freire |primeiro=João |paginas=227–247 |lingua=pt |doi=10.4000/lerhistoria.1402 |issn=0870-6182}}</ref> Não se apurando a cadeia de comando, os responsáveis pelo plano ou conspiração que envolveu a camioneta fantasma nunca foram julgados.<ref>{{Citar web |ultimo=Polónio |primeiro=Rui |url=https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/noite-sangrenta-foi-ha-100-anos-ate-hoje-nao-se-sabe-quem-foram-os-mandantes-14237729.html |titulo=Noite Sangrenta foi há 100 anos. Mandantes nunca foram identificados |data=2021-10-20 |acessodata= |website=TSF Rádio Notícias |lingua=pt}}</ref>
=== Oficiais do Arsenal da Marinha ===
Poucos dias após a sentença dos oficiais que integraram a conspiração da camioneta fantasma, a [[15 de junho]] de 1923 começou o julgamento dos oficiais da Marinha que estiveram presentes no Arsenal das Ribeiras das Naus, durante a noite dos crimes, acusados de não terem tomado as previdências necessárias para travar a prática desses mesmos homicídios.<ref>{{Citar web |url=http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05740.004.00952#!8 |titulo=Diário de Lisboa: A Noite Sangrenta - O Julgamento dos Oficiais que estavam no Arsenal (edição de 16 de Junho de 1923) |data=1923 |acessodata= |website=Casa Comum}}</ref> Acusados, o contra-almirante Luiz da Câmara Leme, os capitães Francisco Luiz Ramos, José Júlio dos Santos e João Augusto Madeira, tenente José Luiz, Manoel Gonçalves e António Augusto Moreira (referido também como de Almeida em alguns periódicos), primeiro sargento Lino dos Santos e segundo sargento Paulo Dias Gigante, explicaram que ou não tinham tido conhecimento dos eventos que decorriam no Arsenal durante a Noite Sangrenta ou quando
{{Quote2|"Estou convencido de que se tivessem sido tomadas medidas de precaução com 10 ou 20 homens no túnel do Arsenal, de baioneta armada, a morte de Granjo não se teria dado. Bastaria a tentativa de mandar dar um ou dois tiros para o ar para que toda aquela gente fugisse. Pois nem mesmo essa tentativa se fez! (...) A obrigação dos chefes é intervir quando se passam factos anormais. (...) A verdade é esta: se mais ninguém morreu no largo do Pelourinho foi porque mais gente para lá não foi levada!"|autor=Depoimento de António Óscar Carmona no Tribunal}}
A [[29 de junho]], foi lida a sentença, sendo:
* absolvidos: Manoel Gonçalves, António Augusto Moreira, José Júlio dos Santos, José Luiz, Paulo Dias Gigante e Lino dos Santos;
* e condenados: Luiz da Câmara Leme (a 10 dias de prisão disciplinar) e Francisco Luiz Ramos (a 18 meses de prisão em presídio naval, à qual foi deduzido o tempo cumprido de prisão preventiva, sendo-lhe aplicado uma pena de 8 meses e 24 dias ou em alternativa 13 meses e 6 dias em [[Estabelecimento Prisional Militar|presídio militar]]), que recorreram às sentenças aplicadas.<ref>{{Citar web |url=http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05740.004.00963#!8 |titulo=Diário de Lisboa: Os Crimes do Arsenal - São condenados dois oficiais |data=1923 |acessodata= |website=Casa Comum}}</ref>
== Adaptações ao teatro e televisão ==
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