Portugalidade: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Pcosta7780 (discussão | contribs)
Pcosta7780 (discussão | contribs)
Linha 13:
De acordo com o investigador Vítor de Sousa, o conceito de portugalidade decorre de uma lógica do [[Estado Novo (Portugal)|Estado Novo]], desenvolvida nos anos 50-60 do século XX <ref name=":1">{{Citar web |ultimo=Língua portuguesa |primeiro=Ciberdúvidas |url=https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/portugalidade/5188 |titulo=Portugalidade, pergunta-resposta |lingua=pt-PT}}</ref>, em que o luso-tropicalismo estava em pleno desenvolvimento, e que visava que as ex-colónias portuguesas fossem vistas pela [[ONU]] não como territórios autónomos, mas como parte integrante de [[Portugal]], por isso se denominando “[[Província ultramarina|províncias ultramarinas]]”.
 
Esta perspetiva, defendida por Vítor de Sousa<ref name=":2">{{Citar web |ultimo=Vítor |primeiro=Sousa|url=http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/cecs_ebooks/issue/view/229 |titulo= Da ‘portugalidade à lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref> e corroborada por Valentim Alexandre<ref name=":3">{{Citar web |ultimo=Valentim|primeiro=Alexandre|titulo= Contra o vento. Portugal, o Império e a maré anticolonial (1945-1960)|lingua=pt-PT}}</ref>, contraria a perspetiva de J. [[Josué Pinharanda Gomes|Pinharanda Gomes]], um dos cultores da denominada “Filosofia Portuguesa”, que atribui a origem da “portugalidade” a António Sardinha, numa altura em que a hispanidade era hegemónica, e que “designava […] a acção portuguesa na história do mundo”<ref name=":4">{{Citar web |ultimo= Gomes |primeiro= J. P. |titulo= O pensamento nacionalista do século XX |lingua=pt-PT}}</ref>. O facto é que, segundo Vítor de Sousa<ref name=":2">{{Citar web |ultimo=Vítor |primeiro=Sousa|url=http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/cecs_ebooks/issue/view/229 |titulo= Da ‘portugalidade à lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref>, Sardinha nunca se referiu, especificamente, à existência de qualquer “portugalidade” pelo que afirmar que o autor terá sido o primeiro a utilizar o termo configura um erro. Mais a mais, para além de ter estado exilado em Espanha, defendia o pan-hispanismo, que era constituído por dois elementos estruturais: o espanholismo e o lusitanismo<ref name=":5">{{Citar web |ultimo= António |primeiro= Sardinha |titulo= O pan-hispanismo |lingua=pt-PT}}</ref>. Vítor de Sousa também não valida o pensamento de [[Onésimo Teotónio Almeida]], que atribui a cunhagem da “portugalidade” a partir da “açorianidade”, termo utilizado pela primeira vez em 1932, por Vitorino Nemésio, que a desenvolveu a partir da hispanidade, para designar “a mundividência” que lhe está associada<ref name=":6">{{Citar web |ultimo= Onésimo Teotónio|primeiro=Almeida| titulo= Açores, Açorianos, Açorianidade. Um espaço cultural |lingua=pt-PT}}</ref>. Na mesma linha, também contesta o que preconiza [[José Fernandes Fafe]], para quem, a partir do par [[aristotélico]] essência/acidente, a portugalidade seria a essência de Portugal e os acontecimentos da história portuguesa, o acidente <ref name=":7">{{Citar web|ultimo= Fafe|primeiro= J. F. |titulo= Recuperação da portugalidade |lingua=pt-PT}}</ref> o que, desde logo, se desvia da lógica das [[Ciências sociais|Ciências Sociais]] e Humanas, tendentes a desconstruir essências. Na mesma senda, está António Quadros, com uma visão teleológica da “portugalidade’ ou as abordagens a partir da mitologia “portuguesa” de [[Vítor Adrião]]<ref name=":8">{{Citar web |ultimo= Vítor Manuel|primeiro=Adrião|titulo= Introdução à Portugalidade – Flos Sanctorum Portucalis |lingua=pt-PT}}</ref>, ou à “portugalidade” esotérica, de [[Sérgio Francllim]] <ref name=":9">{{Citar web |ultimo= Sérgio|primeiro=Franclim |titulo= A Mitologia Portuguesa, segundo a História Iniciática de Portugal |lingua=pt-PT}}</ref>.
 
== Contexto histórico-político ==
 
Uma proposta de ideário para a portugalidade foi então feita em 1969 por António Ferronha, que escreveu aquele que se pode considerar como o livro-âncora sobre o assunto, já que se tratava de um manual de um curso para futuros formadores de “portugalidade”, ministrado em Angola pelo autor, a angolanos, transmitindo-lhes as noções básicas de “portugalidade”, consubstanciando a propaganda do regime. Associava a “portugalidade” às ex-colónias/províncias portuguesas, reportando-se aos Descobrimentos, num claro alinhamento ideológico à política então vigente do [[Estado Novo (Portugal)|Estado Novo]]. Daí que fale na portugalidade enquanto “consciência da [[Luso/Tropicalidade]]”<ref name=":10">{{Citar web |ultimo=António|primeiro= Ferronha |titulo= Ideário de Portugalidade. Consciência da Luso/Tropicalidade |lingua=pt-PT}}</ref> e que valida a teoria de Vítor de Sousa<ref name=":2">{{Citar web |ultimo=Vítor |primeiro=Sousa|url=http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/cecs_ebooks/issue/view/229 |titulo= Da ‘portugalidade à lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref>. Para este autor, que viu premiada esta tese, em 2016, com o Prémio [[Mário Quartim Graça]] pela [[Casa da Améria Latina]] em Ciências Sociais e Humanas, "a 'portugalidade' está sempre, em sentido semiótico, a reativar o luso-tropicalismo e não ajuda a esbater os constrangimentos na relação de Portugal com o 'outro' da colonização", o que acontece "mesmo que se tente retirar a 'portugalidade' da esfera nacionalista em que foi cunhada<ref name=":2">{{Citar web |ultimo=Vítor |primeiro=Sousa|url=http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/cecs_ebooks/issue/view/229 |titulo= Da ‘portugalidade à lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref> <ref name=":13">{{Citar web |ultimo=Vítor |primeiro=Sousa|url= https://www.rchunitau.com.br/index.php/rch/article/view/744/395?fbclid=IwAR0yh8CVn9t0jWOLd0s7yMHkk0NWvi2eGB8ofIqtzW0wAaZ23WA0C2f69Qo |titulo= As marcas do luso-tropicalismo nas intervenções do Presidente da República português (2016-2021) |lingua=pt-PT}}</ref>. Na recensão que foi feita ao livro de Vítor de Sousa (Da 'portugalidade' à lusofonia) na Revista [[JN História]], assinala-se que “a herança da ‘portugalidade’ é, assim, como que uma espécie de interculturalidade ao contrário, decorrente da tentativa de o Estado Novo com ela pretender desenvolver uma homogeneidade artificial portuguesa dominante”. Ideias como esta, que, por exemplo, já tinham sido de algum modo intuídas por Eduardo Lourenço, ganham aqui o que lhes faltava – a solidez da sistematização e o rigor conceptual – e constituem, graças ao esforço de Vítor de Sousa, ferramenta essencial para enfrentar um tempo em que o espetro do nacionalismo populista paira sobre nós, apoiado em falsos sonhos de grandeza que muitos entendem ser factuais<ref name=":14">{{Citar web |ultimo=Pedro Olavo|primeiro=Simões|url= https://www.academia.edu/35996780/_Portugalidade_-_a_inimiga_persistente_da_lusofonia?fbclid=IwAR39IQspR96uS0FeQc3dU9-Qzhw_5KJTApSTKMiROFlOV_odB0WqALmk2p0 |titulo= “Portugalidade” – a inimiga persistente da lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref>. Segundo a tese do autor, como se pode ler no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, “estamos perante uma obra de grande densidade e dimensão que pretende de certa forma desconstruir determinadas epistemologias e genealogias eurocêntricas (…), em que a análise histórico-cultural, particularmente de ex-impérios, se reorganiza com alicerces diferentes dos tradicionais, de antagonismos lineares e duais, que intentam perpetuar a supremacia de uma estrutura cultural e histórica no quadro pós-colonial”<ref name=":15">{{Citar web |ultimo= Língua portuguesa |primeiro= Ciberdúvidas|url= https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/atualidades/montra/livros/da-portugalidade-a-lusofonia/215|titulo= Da Portugalidade à Lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref>.
 
“Portugalidade” – e o autor usa sempre aspas, quase como que vincando tratar-se de algo que não existe – acaba por ser hoje, “mesmo que se tente retirar a ‘portugalidade’ da esfera nacionalista em que foi cunhada”, uma forma de perpetuar outros conceitos falaciosos e datados, com o lusotropicalismo à cabeça, constituindo um entrave à normalização do relacionamento entre o ex-colonizador e os ex-colonizados<ref name=":13">{{Citar web |ultimo=Vítor |primeiro=Sousa|url= https://www.rchunitau.com.br/index.php/rch/article/view/744/395?fbclid=IwAR0yh8CVn9t0jWOLd0s7yMHkk0NWvi2eGB8ofIqtzW0wAaZ23WA0C2f69Qo |titulo= As marcas do luso-tropicalismo nas intervenções do Presidente da República português (2016-2021) |lingua=pt-PT}}</ref>, ou, como descreve Vítor de Sousa, “o ‘outro’ da colonização”<ref name=":14">{{Citar web |ultimo=Pedro Olavo|primeiro=Simões|url= https://www.academia.edu/35996780/_Portugalidade_-_a_inimiga_persistente_da_lusofonia?fbclid=IwAR39IQspR96uS0FeQc3dU9-Qzhw_5KJTApSTKMiROFlOV_odB0WqALmk2p0 |titulo= “Portugalidade” – a inimiga persistente da lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref>. O objetivo desta obra é revelar os labirintos subjacente à lusofonia, em que a “interculturalidade deve ser apanágio das relações sociais”<ref name=":15">{{Citar web |ultimo= Língua portuguesa |primeiro= Ciberdúvidas|url= https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/atualidades/montra/livros/da-portugalidade-a-lusofonia/215|titulo= Da Portugalidade à Lusofonia |lingua=pt-PT}}</ref>.