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A Nação portuguesa encontrou no mar a causa primeira da sua consolidação, deve aos oceanos o motivo da sua expansão universalista e vai ter de continuar a retirar deles a força e a identidade que a forjou e temperou, ao longo de quase nove séculos de existência. O mar poderá ser também um potenciador pujante da economia portuguesa, mas é, igualmente, merecedor de atenções de segurança colectiva, incluindo a da população, dos bens e do ambiente. Estes pontos constituem um conjunto de razões, historicamente concatenadas, em que vale a pena reflectir. É uma reflexão que merece seguramente dimensões vastas, profundidade e abertura, pelo interesse prospectivo de que se reveste. Contudo, por motivos evidentes, apenas serão aqui afloradas com o intuito de estimular o seu estudo. Na fase de formação de Portugal, no século xii, a população do reino em nascimento é apontada, normalmente, como essencialmente agrária, com franjas dedicadas à pesca e ao comércio e, como tal, sem distinção do seu vizinho que justificasse o traçado da fronteira a Leste. Trata-se de um conceito que, sem suscitar uma oposição frontal, merece uma interpretação clarificadora.
 
 
De facto, o mar começou, mesmo antes dessa altura, a exercer os seus efeitos sobre as gentes do futuro Condado Portucalense. As que se dedicavam à agricultura perceberam que é perto da costa e dos rios que se encontram as melhores condições de clima para essa actividade, devido às temperaturas amenas que o mar propicia e à humidade e à chuva transportadas pelos ventos marítimos que sopram quase todo o ano. Na verdade, a superfície do mar mantém uma temperatura normalmente acima dos 15ºC, o que evita frios intensos na faixa costeira, inibidores de muitas culturas. São factos que mesmo para a população do arado constituíram motivo de atracção pela proximidade do mar. Este deu também origem a uma comunidade de pescadores que cedo descobriu a importância do alimento que podia retirar das águas, assim como motivou os mercadores a instalarem-se perto dele e, sobretudo, nas áreas dos portos mais abrigados.
 
No início, o pequeno território apenas dispunha na Foz do Douro de um porto frequentado por embarcações provenientes de paragens distantes, mas depois, com o avanço da reconquista cristã, as fozes do Tejo e do Sado e a baía de Lagos juntaram-se ao Douro, na múltipla função de locais de refúgio do mau tempo, fontes de apoio logístico e entrepostos de trocas comerciais. Isto é, o território que viria a ser Portugal e que fora referido em 561 por Lucrécio, Bispo de Braga, no concílio realizado nessa cidade, como “no próprio extremo do mundo” e “nas regiões mais longínquas da província da Hispânia”, teve o seu isolamento de finisterra quebrado pelo contacto com marinheiros de outros povos que por aqui iam passando, tais como os Fenícios, sobretudo no Sul, Gregos, Romanos, Normandos, Árabes, Genoveses, etc.
Apesar destes factores que influenciaram positivamente o tropismo das populações pela faixa costeira, outra circunstância houve que teve sinal negativo. Foi a insegurança provocada pelas incursões de navios das mais diversas origens, que praticavam actos violentos, aproveitando as sempre abertas portas da fachada atlântica. A atenuação desta dificuldade começou a ser conseguida com a reconquista cristã, pela utilização, de D. Afonso Henriques a D. Afonso III, dos navios dos Cruzados que acompanharam a progressão militar portuguesa para Sul e apoiaram as conquistas de Lisboa, Alcácer, Silves, etc., até ao final da tomada do Algarve, em 1249. Curiosamente, esta conjunção de esforços, no mar e em terra, facilitou o avanço mais rápido dos Cristãos na faixa costeira do que no interior da Península, onde o último baluarte muçulmano, Córdova, só cairia 242 anos depois daquela data.
Pode-se, assim, atribuir valor ao mar na génese da Nação portuguesa pela forte atracção que exerceu sobre as populações agrícolas, concentradas junto à costa, pelas actividades de pesca e de comércio que possibilitou, pela quebra de isolamento que originou, pelo desenvolvimento cultural que induziu e pelo favorecimento que fez ao avanço da reconquista cristã.
O mar ficou, pois, como marca original, genética, indelével, no país acabado de criar, Portugal, referido, na expressão feliz de Oliveira Martins, como “um anfiteatro levantado em frente do Atlântico, que é uma arena.
A vastidão do circo desafia e provoca tentações nos espectadores, arrastando-os afinal à laboriosa empresa das navegações…”
Para essa empresa muitas causas poderão ter contribuído, mas nenhuma terá sido, certamente, tão forte como a localização geográfica, directamente apoiada na curiosidade científica e na coragem dos Portugueses de então.
O ‘anfiteatro’ português, isolado no finisterra da Euro-Ásia, dispunha de um horizonte difícil no seu lado tardoz. Difícil pela distância agreste a percorrer até aos principais centros urbanos do Continente e, mais difícil ainda, “quando à Europa humilhada o castelhano impõe a lei com a espada e o mosquete”, repetindo Oliveira Martins. Aparentemente entalados entre a espada castelhana e a parede do mar, os Portugueses não se furtaram a enfrentar com coragem bem sucedida o aço toledano, quando necessário, mas, por opção estratégica, decidiram derrubar os obstáculos do mar, provenientes de lendas de caudal crescente, desde a fonte bíblica até aos fantasmas medievais, mas formados igualmente pelas barreiras da ignorância técnica e científica e pelo desconhecimento do que estaria para além do mar de que havia notícia.
A ‘parede’ que nos separava do mar foi também ajudada a demolir pelas condições meteorológicas do nosso território, com realce para o regime de ventos, assim como pela característica morfologia da costa. Sem dúvida que os ventos de Noroeste que na Primavera e no Verão sopram bonançosos, durante a manhã, e, por vezes fortes, à tarde, em toda a costa continental, a conhecida nortada, são como que um convite para velejar com proa nos quadrantes de Sul. É como, saídas as barras dos portos, deixar-se ir na corrente do vento. Se percorrermos as listas de datas de largada das expedições marítimas dos nossos antepassados, será evidente que era a partir de Março que os navios saíam em faina, barra fora.
Por outro lado, a costa continental portuguesa é limpa de baixios, é batida por uma água mexida, às vezes dura, própria para marinheiros viris, mas tem carácter leal porque não esconde escolhos ou recifes traiçoeiros.
Os portos e abrigos do lado Oeste não são muito numerosos, mas a qualidade náutica do estuário do Tejo e o abrigo da baía de Lagos compensam o reduzido recorte da costa. Podemos dizer, hoje, que a orientação da costa e a dos ventos, em metade do ano, as águas de fundos irrestritos e a vontade corajosa e curiosa de ‘conquistar a distância’ formaram a rampa de lançamento da nossa expansão multi-continental.
Porém, a coragem de partir implicava também a ousadia de ser capaz de voltar. Mas, como voltar, se à vinda o vento soprava quase sempre contrário e, quando pudesse ser a favor, no Inverno, crescia frequentemente a tempestuoso, capaz de ensacar os navios e de os atirar para cima de terra? A curiosidade técnica e a estrutura científica criada pelos Portugueses deram a resposta.
Entenda-se que o marinheiro de qualquer época é, por adaptação profissional, muito curioso. A curiosidade é bem marcada quando procura nos navios e embarcações dos outros aquilo que é diferente no seu. Ciumento do que vê melhor em navio estranho, mas orgulhoso daquilo em que o seu possa ser superior, procura apreender tanto as diferenças de material, como as técnicas e os procedimentos. Não admira, por isso, que a frequência dos nossos portos por navios estrangeiros nos tenha trazido as novidades que iam aparecendo na construção naval, como, por exemplo, o leme central montado no cadaste, usado muito cedo no Báltico e na China em substituição do leme de esparrela (steering oar), ou as velas triangulares (hoje chamadas de latinas), empregues no Mediterrâneo e que permitiam aos navios de casco de boa finura, ou boa relação comprimento / boca, navegar até um ângulo limite de 40º a 50º entre o eixo do navio e a linha do vento. Eram os caravos ou caravelas (do árabe qarib).
A posição de Portugal favoreceu esses contactos com regularidade por ser quase o promontório finisterra da Europa, que era preciso dobrar entre o Norte e o Sul.
Por outro lado, é uma situação que lhe confere um clima de influência atlântica e mediterrânea, capaz de proporcionar muitas noites de céu limpo convidativas ao estudo dos astros e que tem um regime de ventos que, sabiamente aproveitados, permitiu, mesmo às grandes naus de pano redondo, ir e voltar sempre a favor do vento.
De facto, uma das grandes descobertas dos Portugueses foi a circulação do vento em torno dos anticiclones do Atlântico Norte e do Atlântico Sul. A Norte, era como se, por altura dos Açores, se situasse o centro de uma enorme corrente circulatória de vento no sentido dos ponteiros do relógio que, uma vez apanhada a Norte do Equador, permitia, descrevendo uma enorme rota, quase circunferência, chegar a Portugal, navegando sempre com o vento nos sectores da popa dos navios.
Os vastos conhecimentos científicos e as técnicas desenvolvidas em várias áreas do saber, a organização estabelecida, ligando cientistas, financeiros, comerciantes, marinheiros, militares, população e elites dirigentes, bem como a posição geográfica lançaram-nos mar a dentro a descobrir os caminhos para juntar oceanos, culturas e gentes. O mar da nossa geografia marcou-nos com um carácter próprio, granjeou-nos prestígio em todo o mundo, deu-nos grandeza e algum ouro e levou o Português, raça e língua, a mais três continentes fora do de berço.
Curiosamente, Portugal sentiu e viveu a importância do mar de forma muito mais marcante entre duas revoluções, a de 1383 e a de 1974, que claramente assinalaram as fases de ascensão e de declínio da maritimidade portuguesa.
Esta, a de profunda queda, pode encontrar uma explicação, apenas muito parcial, na independência dos territórios ultramarinos de expressão portuguesa e na necessária adesão à União Europeia (UE). De facto, outros factores de grande importância deveriam ter impedido uma tão brusca e gravosa recessão. É que, embora por motivos diferentes dos de ontem, o mar tem hoje e terá seguramente amanhã um valor de dimensão vital para o País, se for convenientemente utilizado.
É uma mais valia assinalável em três aspectos: na afirmação da identidade nacional, capaz de distinguir marcadamente a Nação portuguesa no seio de uma Europa sem fronteiras e de um generalizado processo de descaracterização de culturas; na contribuição para a economia nacional como um dos seus pilares fundamentais; e na segurança e defesa nacional, correlacionada com a dos nossos aliados.
Sobre a primeira questão, interessa ter presente que a soberania tradicional do Estado-Nação português, tal como de outros estados-nações, está a sofrer um acelerado processo de mudança, devido à transferência para a UE de poderes de decisão, legislativos, judiciais e monetários e também por força da inevitável globalização, para a qual, de resto, os Portugueses deram forte contributo ao ligarem, no século XVI, pela primeira vez, os oceanos. Acresce ainda a estes processos o facto de a enorme força da informação global simultânea, do turismo e das migrações, entre outros factores, poderem ser descaracterizadores da cultura nacional.
A compensação para estes processos tem de ser encontrada na valorização dos factores de identidade nacional, com realce para a História, a Língua, a Cultura e a Geografia. Em todos, note-se, está omnipresente o mar. Ele é, realmente, uma presença constante para todos os Portugueses que em esmagadora maioria o têm perto de casa, na faixa litoral do Continente e nas onze ilhas atlânticas e ainda o podem ver, mais a Sul, a partir do paraíso ecológico das Ilhas Selvagens. É também o meio físico que constitui o elo de ligação do nosso território, profundamente disperso num amplo triângulo atlântico. Ao mesmo tempo, confere-nos centralidade atlântica capaz de compensar a posição de periferia continental e estabelece uma via de comunicação com o resto do Mundo onde se encontram muitos dos amigos e aliados, incluindo 190 milhões de pessoas que falam o Português. O mar deve, por isso, funcionar como marcador indelével do nosso carácter, como aglutinante da nossa identidade colectiva e como potenciador do amor próprio e do orgulho dos Portugueses.
Esta importância, geoestratégica para o Estado e moral para a Nação, continua-se no campo económico pelo valor actual e potencial das riquezas que o mar contém em si e pelas actividades que viabiliza, directamente, no seu espaço físico tridimensional e, indirectamente, nas proximidades das suas margens. Em termos genéricos, o mar forma as grandes vias de comunicação usadas pelos transportes marítimos; acolhe, nos portos, actividades comerciais, industriais e de serviços muito diversificadas; origina a necessidade de indústrias de reparação e de construção naval e outras de tecnologia oceânica; produz, dentro de si, animais marinhos, de forma natural ou forçada, usados na alimentação; tem um fundo de onde se podem extrair combustíveis fósseis e minérios de metais, como o manganês, o zinco, o cobre, o cobalto, etc.; disponibiliza a sua água salgada para a produção de água potável e de sais minerais, sobretudo o cloreto de sódio; contém uma vasta diversidade de produtos genéticos para uso comercial e industrial, incluindo o farmacêutico; é uma fonte de energias renováveis, através das ondas, das correntes, das marés, do vento e da massa térmica que transporta; propicia inúmeras actividades de lazer aquáticas, razão de ser do turismo marítimo; atrai, pela sua beleza, fluxos turísticos para a zona costeira e constitui, por fim, elemento de inesgotável interesse científico e cultural.
Portugal, Continental e Insular, porque exerce soberania e jurisdição sobre três enorme áreas de mar que totalizam 1 830 milhares de quilómetros quadrados, ou seja, vinte vezes a superfície da sua componente terrestre, tem a possibilidade de desenvolver todas essas actividades económicas e científicas, embora com potenciais diversos e com prazos diferenciados.
De entre elas, o turismo, nas suas duas componentes de linha de costa e oceânico, apresenta, simultaneamente, o maior valor económico actual e encerra a capacidade de crescimento mais significativa. De facto, o da faixa litoral corresponde a 90% do total nacional e é, só por si, responsável por 10% do PIB. O turismo oceânico tem ainda reduzido peso, mas pode desenvolver se fortemente, pelo aproveitamento mais intenso das condições naturais e das crescentes infra-estruturas, nas actividades de cruzeiros, vela de recreio, regatas, surf, windsurf e kite-surf, remo, canoagem, pesca desportiva, observação de mamíferos, peixes e aves marinhas em santuários, mergulho, pesca submarina, arqueologia turística marítima, etc.
A posição geográfica de Portugal, junto às principais rotas de navegação, entre o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste, a característica profundidade das suas águas e a ausência de obstáculos à navegação nas zonas costeiras são factores que podem contribuir para o desenvolvimento do transporte marítimo e dos serviços portuários, sobretudo no Continente. São, contudo, actividades que têm estado em declínio nas últimas décadas, em contra-ciclo com o que se passa no mundo, apesar de a nossa costa dispor de portos magníficos, como o de Sines, com condições para poder ser um dos maiores, senão o maior da Europa, capaz de acolher os maiores navios de transporte de mercadorias. Para passageiros, existem, nas três parcelas do território, infra-estruturas portuárias e pontos de interesse turístico, no mar e em terra, capazes de justificarem uma forte actividade de visitas. Os navios de cruzeiro frequentam cada vez mais os nossos portos e correspondem a um mercado em forte expansão. Mais uma vez a posição geográfica foi pródiga em boas condições.
Outro sector capaz de gerar riqueza é o da construção e da reparação naval, também ele beneficiando da proximidade das rotas de navegação e da existência do melhor estaleiro de reparações da Europa, em Setúbal, e de um bom estaleiro de construção em Viana do Castelo, para além de outras infra-estruturas técnicas de menor dimensão.
Estas são parte de um todo a exigir reformas de redimensionamento, de renovação técnica e de inovação tecnológica e científica.
Os hábitos ancestrais de convivência com o mar fizeram dos Portugueses grandes apreciadores de peixe, de tal forma que o seu consumo é cerca de o triplo da média, per capita, na UE. Contudo, o excesso de capturas praticado nas nossa águas, sobretudo num passado recente, levou à diminuição das populações piscícolas e à consequente redução das capturas. Por isso, Portugal importa mais de metade do peixe que consome. É previsível que as medidas restritivas da pesca possam ajudar a recuperar a fauna marítima, nalguma medida. No entanto, é no campo da aquacultura que reside a possibilidade de um aumento sustentado da produção de peixe.
O fundo dos mares portugueses não parece ser rico em hidrocarbonetos, pelo menos a fazer fé na prospecção e pesquisa petrolíferas feitas até hoje. Estas investigações confirmam a existência de petróleo, mas nunca foram identificadas quantidades que justificassem a sua exploração. No entanto, as condições naturais do nosso mar fazem admitir a probabilidade de se encontrarem significativas quantidades de hidratos de metano, sobretudo a partir dos 1 000 metros de profundidade.
Entre as energias renováveis susceptíveis de serem aproveitadas por nós, a das ondas é a de maior potencial, face à contínua agitação na costa ocidental do Continente e da generalidade do mar das Ilhas. É um recurso prospectivo da ordem dos 15GW/ano, no Continente e de cerca de 6GW/ano, nos Arquipélagos, com interesse crescente, que está a ser objecto de investigação científica com boas esperanças.
Os oceanos, incluindo a parte que nos respeita, têm uma enorme potencialidade para a biotecnologia, ou seja, a utilização de organismos vivos para produzir ou modificar produtos, nomeadamente, microorganismos para fins específicos. Trata-se de um vasto acervo de substâncias e produtos para uso em medicina, agricultura, aquacultura, saneamento, etc., que encontram nas fontes termais de profundidade locais privilegiados para a sua obtenção.
Assim, também na área da produção de riqueza, o mar constitui uma impressionante fonte de recursos naturais para o País, certamente a mais importante de todas. A sua exploração requer uma visão integradora que percorra transversalmente todas as actividades, a articular num verdadeiro cluster. É um forte desafio para o futuro, a encarar como as ‘Novas Descobertas’, pelas gerações de hoje.
Trata-se, contudo, de um repto que exige, desde o início, a satisfação de um pressuposto essencial, traduzido na imperativa gestão integrada do Oceano de forma ecologicamente sustentável. É, de facto, uma condição que a não ser convenientemente entendida e praticada com rigor por todos os agentes, públicos e privados, com capacidade de intervenção no sistema marítimo, conduziria não só à impossibilidade de desenvolvimento da economia marítima, como tornaria inviável a que já existe.
Na verdade, não é imaginável incrementar, nem sequer manter, o turismo de cariz marítimo, a produção piscícola, a extracção de produtos de biotecnologia e a qualidade de vida nas zonas costeiras, se o ecossistema marinho não for bem preservado. E há até que contar, neste aspecto, com o vício adquirido pela nossa população, ao longo de gerações, de lançar no mar os subprodutos da sua actividade, habituada à grande capacidade de assimilação das profundas e dinâmicas águas do Oceano que a posição geográfica de Portugal nos pôs à porta.
Este mau hábito, a pressão urbana, o desenvolvimento das infra-estruturas da orla costeira e o funcionamento das indústrias marítimas colocam cada vez mais exigências e dificuldades à manutenção da linha de costa e do Oceano, que é já vítima, em termos de saúde e de produtividade, de práticas passadas pouco cuidadosas, não planeadas, não integradas, nem cientificamente investigadas. Estas são precauções a tomar para não seguirmos o exemplo negativo de muitas partes do mundo, envolvidas numa espiral descendente de degradação do mar.
A investigação e as ciências do mar são essenciais à protecção ambiental do oceano e tornam-se igualmente indispensáveis à exploração económica e ao seu uso para fins de segurança e de defesa. É uma necessidade evidente, se atentarmos na circunstância de o oceano continuar a ser razoavelmente desconhecido, apesar de usado desde longa data. Faz-se mesmo a comparação dos 5% a 7% do fundo dos oceanos cobertos por imagens ópticas ou acústicas com o disponível conhecimento integral da superfície da Lua…
Hoje, tal como no passado histórico, não pode haver investigação científica nem desenvolvimento das economias baseadas no ambiente marinho sem liberdade do uso do mar e sem a interdição desse espaço a actividades condenadas pela lei internacional. Para isso, cada estado costeiro de per si estende a autoridade soberana, ou apenas a jurisdição, as áreas da sua competência, da mesma forma que os estados, enquanto comunidade global, procuram velar pelo cumprimento da lei internacional no alto mar, ou seja, no grande espaço não sujeito a qualquer vínculo de um só estado. Além disso, o mar pode também ser palco de conflitos violentos entre estados, originados por disputas de interesses cujo objecto tanto pode radicar nele como em terra.
Existe, pois, a necessidade de os estados costeiros preservarem a sua segurança e defesa contra riscos e ameaças configuráveis no mar. Aqueles e estas têm, com os tempos, vindo a tornar-se mais amplos, imprevisíveis e intensos, mesmo fora dos quadros de conflito, como, por exemplo, o terrorismo, a pirataria, o tráfico de armas, de drogas e de pessoas, a imigração clandestina, o derrame acidental ou intencional de substâncias perigosas, etc. Também as ameaças clássicas impõem a necessidade de serem dissuadidas ou contrariadas pela força, o que leva os estados a considerarem, isoladamente ou em alianças, o estabelecimento de uma componente marítima da sua defesa.
Portugal não pode constituir excepção, por ser um estado soberano, quase arquipelágico, detentor de vastas áreas marítimas de grande importância geoestratégica e económica e ainda por ter a responsabilidade de uma longa linha de fronteira marítima da UE. Precisa, por isso, de exercer autoridade no mar, em missões de paz diárias, fazendo cumprir a sua lei e também a internacional, e de proteger os utilizadores do mar dos efeitos agressivos do ambiente marinho, assim como tem necessidade de estar preparado para, isoladamente, ou como membro das alianças que integra, defender os interesses que lhe são próprios, dentro das suas alargadas fronteiras de defesa.
Ao seguir-se, assim, o percurso histórico de Portugal, desenhado a partir da posição geográfica de finisterra, verificamos que o mar esteve presente, de forma marcante, na estruturação inicial do país, como elemento aglutinante das suas gentes, como meio de rotura do isolamento comercial e técnico-científico a que a geografia continental o obrigava e como factor de mais valias estratégicas da reconquista cristã. Depois, a posição de frente atlântica do território, a morfologia da costa, a opção estratégica do mar, a sabedoria, a organização e a coragem das suas gentes constituíram a plataforma de lançamento para a gesta dos descobrimentos. O Mar, transformado por nós em Oceano, foi caminho de expansão, de encontro de culturas e de engrandecimento do Povo que não quis caber no ‘berço em que nasceu’.
Hoje, o Mar-Oceano assume nova importância vital para a Nação ao oferecer-lhe a marca de identidade que a distingue numa região e num mundo em homogeneização e ao proporcionar-lhe recursos económicos inesgotáveis.
O Mar foi, é e será generoso para os Portugueses, mas exige deles uma contrapartida importante. A de ser protegido contra novas e velhas ameaças, provenientes quer de prevaricadores compulsivos, quer de cidadãos ignorantes do ambiente.
Foi nessa linha de rumo que o Mar da nossa geografia ligou o passado de Portugal ao seu presente e vai, se nós quisermos, ser a ponte oceânica para um futuro de boa esperança.
Portugal, finisterra a sudoeste do continente euro-asiático, deve à sua posição os traços que mais o distinguem na Península Ibérica, onde está inserido e de que é parte integrante, pelas suas estruturas geológica e oro-hidrográfica. O mar, que o enfrenta a Oeste e a Sul, serviu-lhe sempre de via de ligação humana e de comércio, primeiro com o ocidente europeu, séculos depois na sua expansão pelos Novos Mundos, aventura em que foi pioneiro e de que restam, ainda, na sua soberania, os arquipélagos dos Açores e da Madeira. A grande parcela do território português, no canto sudoeste da Europa, é bem, como dizia Orlando Ribeiro, “mediterrânea por natureza, atlântica por posição”. Mas o País não se confina a estes escassos 89 000km2: prolonga-se por cerca de 1 100 milhas para ocidente e um total de mais de 3 000km2, diferentemente repartidos pelas nove ilhas açorianas e pelas duas principais madeirenses (únicas habitadas), o que confere toda a legitimidade à expressão de Adriano Moreira ao falar da “maritimidade e continentalidade” de Portugal.