Alaunt

tipo de cães que habitou a Ásia central e a Europa até o século XVII

O Alano (português brasileiro) ou Alão (português europeu)[1], em inglês: Alaunt, foi um tipo de cães de aspecto molosso, que habitou a Ásia central e a Europa até o século XVII.[2] Era multifuncional, porém utilizado principalmente como cão de presa na caça de grandes animais, como ursos e javalis. Ainda que considerado "extinto", contribuíu na formação de diversas raças modernas.[2]

Alano
Alaunt
Detalhe do retábulo Adoração dos magos de 1423 pelo pintor italiano Gentile da Fabriano
Nome original Alaunt
Outros nomes Alano
Alão
Alangu
País de origem Irã Irão
Características
Rara fotografia de um dos últimos cães do tipo Alão / Alaunt. Portugal, 1905.

História editar

 
Mastim de Persepólis. Estátua de um cão persa, encontrada em Persépolis. Museu Nacional do Irã.

O extinto Alaunt, ou Alão, teria sido originalmente criado e desenvolvido pelas tribos do Alanos, um povo originário do Irã, antiga Pérsia, que vivia na Ossétia, nordeste do Cáucaso, entre o rio Don e o mar Cáspio, eram nômades kavkaz de descendentes indo-iranianos sármatas, que eram conhecidos como soberbos guerreiros, pastores e criadores de cavalos e cães. Os principais ancestrais ou parentes do Alaunt teriam sido os cães do Cáucaso e da Ásia Central, a saber, o Pastor do Cáucaso Aborígene, o Gampr e o poderoso Alabai, mas também os cães de pêlo curto da Índia, Pérsia e Curdistão, à exemplo do milenar Alangu mastiff, o cão Pshdar e o Mastim persa. Os alanos criaram estes cães para o trabalho e desenvolveram diferentes variedades especializadas em tarefas específicas.[2] Juntamente com o povo alano, o cão alaunt se espalhou por quase toda a Europa devido a sua grande utilidade. Compondo então a base genética de muitas raças modernas que foram criadas para funções semelhantes, principalmente como cão de presa. Acredita-se que o cão alano tenha inclusive dado origem aos cães de combate e caça da Molóssia, o molosso do Epiro.

Os alanos forneciam cavalaria para Roma, e em 50 d.C., 5500 guerreiros alanos foram enviados para a Grã-Bretanha para vigiar a Muralha de Adriano.[3] Assim, a genética do cão Alaunt mais plausivelmente deu origem aos cães Pugnaces britânicos (Pugnaces britanniae) como cães de combate e guerra dos quais provavelmente os Mastins ingleses e os Buldogues descendem.

 
Estátua de cão molosso em terracota. Jardins de Boboli, Florença, Itália.

Na década de 370 dC, as invasões dos hunos dividiram os povos alanos em alanos orientais e ocidentais. As tribos Alanas orientais fundiram-se com os Ossetas e outras nações, introduzindo seus cães na composição sanguínea de muitas raças balcânicas, como o cão Pastor-jugoslavo, Metchkar, Qen Ghedje, Hellenikos Poimenikos e outros molossos da região.[4]

Os povos alanos ocidentais juntaram-se aos Vândalos em suas incursões pela Europa e por volta de 410 dC seus cães ferozes estavam influenciando muitas raças na França, Espanha, Portugal, Inglaterra e outros países, espalhando o uso do nome "alaunt", que se tornou sinônimo de um tipo de cão de trabalho, em vez de uma raça específica. Através da criação de vários cães sabujos e lébreus, alguns alaunts tornaram-se cães de caça grande, existindo em uma variedade de tipos, ditados por preferências regionais. Em 1500 dC, a Espanha era conhecida por criar os melhores cães Alaunts e por usá-los para conquistar as américas.[3]

O cão Alano foi "aprimorado" na Espanha, França, Alemanha, Inglaterra e na Itália, dando origem a diversas raças nestes países. Na França foi classificado em três variedades:[5][6][7]

  • Alaunt Veantre (ou Vautre) - ("Alano que chafurda") Seria um meio-sangue sabujo/mastim. Utilizado para perseguir e apresar javalis e ursos.
  • Alaunt Boucherie - ("Alano de açougueiro") Cães de presa tipo mastim, fortes, pesados, robustos e com mordida forte. Utilizados também para combate e como boiadeiros.
  • Alaunt Gentile - ("Alano gentil") Cães esguios de tipo intermediário entre mastim e lebréu. Comum na cor branca.
 
Tumba de Pedro Afonso de Portugal, conde de Barcelos. O túmulo tem uma cena de caça a javalis com cães, possivelmente o extinto cão Alão português.

As três variações do Alão foram descritas no livro sobre caça, famoso esporte da época, intitulado Master of Game, de Edward of Norwich, II Duque de York, escrito por volta de 1410, no seguinte capítulo:

"O Alão e a sua natureza.
Um alão é um cão com forma e natureza para a caça. E os meus alões favoritos são aqueles conhecidos como Gentle. Os outros tipos conhecidos são o Alão Veutreres e os Alões Butcheries.
A variação Gentle deve ter a estrutura e a forma de um galgo, entretanto o que falta de corpo lhe sobra de crânio, que deve ser grande e curto. E apesar de haver alões de todas as cores, a verdadeira tonalidade de um bom alão, e a que é mais comum é a branca com manchas pretas sobre os ouvidos, olhos pequenos e orelhas eretas brancas e afiada acima.
Os homens devem adestrar os alões da melhor maneira possível, e para ser o mais obediente dentre todos os cães, pois ele tem o melhor físico e é mais capacitado para atacar do que qualquer outro animal.
E também comum os alões serem burros (tonto) por natureza e não terem o bom senso como muitos outros cães têm, pois, se um homem incitar o alão a atacar um cavalo, o cão atacará com prazer e morderá o cavalo. Também atacam bois, ovelhas, porcos, e vários outros animais, ou a homens ou a outros cães. Ouve-se falar, inclusive, de casos de alões matando seus mestres.
De qualquer maneira, os alões são mais malvados, mal-intencionados e mais tolos e descerebrados do que qualquer outro tipo de cão.
E ninguém nunca chegou a ver três deles bons e bem treinados. O bom alão deve correr tão rápido como um galgo, e todos os animais que ele pode pegar ele deve manter com suas presas e não deixar escapar. Um alão, de boa natureza, detém mais rápido com sua mordida do que poderiam juntos os três melhores galgos que qualquer homem pode encontrar. E, portanto, ele é o melhor cão para pegar e segurar (submeter) todos os animais e dominá-los rapidamente. E quando ele está bem condicionado e perfeito, os homens afirmam que ele é melhor do que todos os outros cães. Mas é dificílimo encontrar um exemplar perfeito. Um bom alão deve amar seu mestre e seguí-lo, e ajudá-lo em todos os casos, e fazer o que ele ordena. Um bom alão deve ser rápido e resistente para dominar todos os tipos de animais sem cair, e rendê-lo, e não largá-lo, e ser bem condicionado a agir ao comando de seu mestre, e quando ele é tal, os homens têm, como eu já disse, que ele é o melhor que um cão pode ser para dominar todos os tipos de animais.
O outro tipo de alão é o chamado Veutreres. Eles são quase idênticos aos galgos, eles têm uma grande cabeça, grandes lábios e orelhas grandes, e se prestam para ajudar homens na caça do javali, pois é da sua natureza segurar rapidamente, mas caso seja lento (pesado) e falho (defeituoso) e for morto pelo javali ou pelo touro, não será grande perda. E quando eles conseguem ultrapassar uma besta, mordê-la e prendê-la, mas por si mesmos, eles nunca poderiam chegar ao animal a menos que galgos o acompanhem para tornar a besta alcansável.
Outro tipo de alão é o de Butcheries comumente encontrado nas boas cidades, que são chamados de grandes buscadores, que os açougueiros criam para lhes ajudar para trazer os animais que eles compram no interior, pois se um animal que eles levam escapa dos açougueiros, seus cães irão pegá-lo e segurá-lo até que seu dono chegue, e deve ajudá-lo para trazê-lo de novo para a cidade. Eles custam pouco para manter, pois comem os descartes do açougue."

 Master of the Game

Muitos cinólogos defendem a teoria de que os Alanos que não migraram para o Ocidente, continuaram criando a raça, que hoje são os cães nativos da Ossétia, ou seja, os Kazbegi ou Nagazis, Pastores do Cáucaso Aborígenes da região.

O alano contribuiu fortemente para a criação de várias raças modernas de cães molossos, principalmente da península ibérica.[8]

Algumas raças influenciadas pelo Alaunt editar

 
Alano espanhol.

Alano moderno editar

 
British Alaunt, um nova raça pensada para ser a reconstrução do antigo cão Alaunt

Hoje existem grupos de entusiastas engajados em resgatar, mesmo que apenas de maneira conceitual, o lendário cão alano. Um dos projetos mais famosos é o British alaunt, ou Alão britânico, desenvolvido pelo escocês David Brian Plummer, cujo projeto teve continuidade pela Sociedade do Alão Britânico(The British Alaunt Society) após seu falecimento. Em seu projeto de criação, Plummer utilizou cruzamentos entre galgo inglês, bull terrier inglês e bullmastiff inglês, resultando em um tipo de cão similar ao Alaunt Gentile, e que pode ser utilizado como cão de caça e cão de guarda, possuindo como objetivos de seleção a funcionalidade, agregando saúde e temperamento.[9]

Segundo Plummer, o cão alano seria por definição:

Rápido o suficiente para segurar um cervo ferido, corajoso o suficiente para segurar um javali e facilmente capaz de despachar um lobo e também ser um guarda feroz.
— The British Alaunt Society

Ver também editar

Referências

  1. «Significado de Alão.». Dicio - Dicionário Online de Português. Consultado em 22 de Março de 2018 
  2. a b c «Alaunt Breed Information: History, Health, Pictures, and more». www.easypetmd.com (em inglês). Consultado em 23 de março de 2018 
  3. a b Hancock, David (2001). The Mastiffs: The Big Game Hunters - Their History, Development and Future. Charwynne Dog Features. ISBN 0-9527801-2-7
  4. Sfetcu, Nicolae (2014). About Dogs.
  5. «Alaunt». Molosserdogs.com. Arquivado do original em 7 de outubro de 2017 
  6. «Alaunt Gentil | Natural History». retrieverman.net (em inglês). Consultado em 23 de março de 2018 
  7. «The Alaunt Veantre». The Alaunt. Consultado em 23 de março de 2018 
  8. «Alaunt Breed Information: History, Health, Pictures, and more». www.easypetmd.com (em inglês). Consultado em 25 de março de 2018 
  9. «A volta do Alano - O lendário caçador - Bandog Brasil». Bandog Brasil. 28 de março de 2016 

Ligações externas editar

  • Clube do British alaunt
  • The Master of Game, por Eduardo de Norwich, 2.º Duque de Iorque; ISBN-13: 978-0812219371; CHAPTER XVI OF ALAUNTES AND OF THEIR NATURE.
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