Atividades da CIA no Brasil

As atividades da CIA no Brasil atingiram seu auge no contexto da Guerra Fria, período histórico em que o mundo esteve polarizado entre Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Estas nações defendiam seus respectivos modelos político-ideológicos: o capitalismo e o socialismo real. Foram interferências diretas e ocultas dos EUA na política interna de uma nação soberana, em tese independente, para favorecer os interesses de empresas estadunidenses.

Papel no golpe de 1964 editar

Com a iminência do golpe militar contra o presidente democraticamente eleito João Goulart, o então presidente estadunidense Lyndon Johnson, de acordo com o conteúdo de uma fita de áudio revelada em 2014,[1] decidiu tomar "cada passo que podemos" para apoiar a derrubada de Goulart, que seguia uma política externa independente (portanto prejudicial aos interesses estadunidenses). Goulart se opôs tanto à Invasão da Baía dos Porcos quanto às ações de Cuba na Crise dos Mísseis, mostrando-se não-alinhado com nenhum dos dois modelos político-ideológicos dominantes da época. Logo antes do golpe, um telegrama enviado por uma estação da CIA em São Paulo previu a ação militar contra o presidente João Goulart durante a semana. O golpe, entretanto, começou na noite seguinte.[2]

O embaixador estadunidense, Lincoln Gordon, em consultas com o presidente Johnson, pediu a preparação secreta da CIA no auxílio aos golpistas, que instalaram uma ditadura militar. Telégrafos enviados por Gordon também confirmam outras medidas de apoio da CIA ao golpe, como a "ajuda para fortalecer forças de resistência", o que incluía "apoio secreto para comícios de rua pró-democracia... e o encorajamento de sentimentos democráticos e anti-comunistas no Congresso, nas forças armadas, em sindicatos e grupos de estudantes amigáveis, igrejas e empresas".[3][4][5][6][7]

Quatro dias antes do golpe, Gordon informou a Washington que poderia "estar pedindo fundos suplementares modestos para outros programas de ação secreta no futuro próximo". Ele também pediu que o governo estadunidense enviasse petroleiros transportando "POL" (sigla para petróleo, óleo e lubrificantes) para facilitar as operações logísticas dos golpistas dentro do Exército e implantasse uma força-tarefa naval para intimidar os partidários de Goulart, além de estar em posição de intervir militarmente a qualquer momento caso o combate se tornasse prolongado.[8]

A força-tarefa naval chegou a sair dos portos, mas não foi utilizada, assim como muitos dos recursos fornecidos pela CIA aos golpistas.

Agentes da CIA editar

No Outono de 1961, exatamente quando João Goulart estava assumindo a presidência, os Estados Unidos começaram expandir um influxo de agentes da CIA e ajuda a funcionários de instâncias no Brasil. Conselheiros de Ajuda de Segurança Pública como Dan Mitrione eram responsáveis por "melhorar" as forças policiais brasileiras. Engle enviou o oficial da CIA, Lauren J. (Jack) Goin, para o Brasil sob a cobertura de "consultor em investigações científica". Antes de vir para o Brasil, Goin tinha criado a primeira equipe consultiva de polícia na Indonésia, que foi fundamental para o golpe apoiado pela CIA, que culminou com a morte documentada de mais de trezentos mil indonésios. Ele também tinha servido com Engle, quando a primeira Equipe Consultiva de Polícia foi criada na Turquia.[9]

Segundo Ivo Acioly Corseuil, chefe do Serviço Federal de Informações e Contrainformação no governo Goulart, o marinheiro José Anselmo dos Santos, líder da Revolta dos Marinheiros de 1964, teria trabalhado para a CIA. Suas acusações são bastante difundidas, mas são criticadas por historiadores recentes que apontam a ausência de evidências para essa versão.[10]

De acordo com documentos oficiais do governo americano, o presidente interino, Temer,[11] foi um informante da embaixada dos EUA no Brasil[12] e foi descrito como um trunfo[13] para os interesses das empresas americanas em vários documentos diplomáticos abertos ao público.[14][15]

Ver também editar

Referências

  1. «National Security Archive Electronic Briefing Book No. 465». The National Security Archive. 2 de abril de 2014. Consultado em 4 de abril de 2015 "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do," President Johnson instructed his aides regarding U.S. support for a coup as the Brazilian military moved against Goulart on March 31, 1964.
  2. Office of the Historian. «192. Telegram From the Army Attaché in Brazil (Walters) to the Department of the Army United States State Department. March 30, 1964. (Foreign Relations, 1964-1968, Volume XXXI, South and Central America; Mexico)». Departamento de Estado dos Estados Unidos. Consultado em 26 de agosto de 2014 
  3. «NSC, Memcon, "Brazil," Top Secret, March 28, 1964» (PDF). The National Security Archive. 28 de março de 1964. Consultado em 4 de abril de 2015 
  4. «U.S. Embassy, Brazil, Memo from Ambassador Gordon, Top Secret, March 29, 1964» (PDF). The National Security Archive. 29 de março de 1964. Consultado em 4 de abril de 2015 
  5. «Joint Chiefs of Staff, Cable, [Military attaché Vernon Walters Report on Coup Preparations], Secret, March 30, 1964» (PDF). The National Security Archive. 30 de março de 1964. Consultado em 4 de abril de 2015 
  6. «White House, Memorandum, "Brazil," Secret, April 1, 1964» (PDF). The National Security Archive. 1 de abril de 1964. Consultado em 4 de abril de 2015 
  7. «White House Audio Tape, President Lyndon B. Johnson discussing the impending coup in Brazil with Undersecretary of State George Ball, March 31, 1964.». The National Security Archive. 31 de março de 1964. Consultado em 4 de abril de 2015 
  8. Phyllis R Parker (1979). Brazil and the Quiet Intervention, 1964. [S.l.]: UT Press. ISBN 978-0-292-72950-6  Political and economic manipulations also proving ineffective, the United States stood ready to back a military takeover of Brazil's constitutional democracy. U.S. operation "Brother Sam" involved shipments of petroleum, a naval task force, and tons of arms and ammunition in preparation for intervention during the 1964 coup. When the Brazilian military gained control without calling on the ready assistance, U.S. policy makers immediately accorded recognition to the new government and set in motion plans for economic support.
  9. A.J. Langguth, Hidden Terrors, New York: Pantheon Books, 1978, pag 51.
  10. Almeida, Anderson da Silva (2010). Todo o leme a bombordo – marinheiros e ditadura civil-militar no Brasil: da rebelião de 1964 à Anistia (PDF) (Dissertação). Niterói: UFF. Consultado em 1 de setembro de 2021 . p. 138.
  11. «Michel Temer fue informante de la CIA en 2006, asegura Wikileaks». Vanguardia (em Spanish). Consultado em 16 de maio de 2016 
  12. Belles, Gil (15 de maio de 2016). «Afirman que Temer fue informante de CIA». Primeira Plana. Consultado em 7 de novembro de 2020. Cópia arquivada em 16 de maio de 2016 
  13. «Dilma Rousseff suspended as senate votes to impeach Brazilian president». the Guardian. 12 de maio de 2016. Consultado em 16 de maio de 2016 
  14. Brazil's acting president used to be US intel informant – WikiLeaks. rt.com (13 May 2016)
  15. «Wikileaks reveals new Brazilian president Michel Temer was informant for US intelligence -- Sott.net». SOTT.net (em inglês). Consultado em 16 de maio de 2016