Cottinelli Telmo

arquiteto e realizador de cinema português (1897-1948)

José Ângelo Cottinelli Telmo GCC (Lisboa, 13 de Novembro de 1897Cascais, 18 de Setembro de 1948) foi um arquitecto[1] e cineasta português.

José Cottinelli Telmo
Cottinelli Telmo
Cottinelli Telmo na revista Atlantida, n.º 32, 1918
Nome completo José Ângelo Cottinelli Telmo
Nascimento 13 de novembro de 1897
Lisboa
Nacionalidade portuguesa
Morte 18 de setembro de 1948 (50 anos)
Cascais
Ocupação Arquitecto, Cineasta, Pintor, Músico, Poeta, Jornalista e Ferroviário
Cônjuge Maria Luísa Marques Leitão de Barros Cottinelli Telmo (2 filhas)

Figura multifacetada, a sua obra abarcou uma enorme diversidade de áreas, destacando-se não apenas na arquitetura e cinema mas também na escrita, poesia, desenho, música, banda desenhada. Destaca-se no âmbito da cultura portuguesa da primeira metade do século XX, surpreendendo pelo vasto número de iniciativas em que se envolveu. Cottinelli Telmo acreditava que a arquitetura não se baseava numa única disciplina, mas sim na unificação de várias disciplinas artísticas.[2]

Com Carlos Ramos, Cristino da Silva, Jorge Segurado, Pardal Monteiro e Cassiano Branco, pertenceu à geração de pioneiros do modernismo na arquitetura em Portugal. Homem da confiança de Duarte Pacheco, Cottinelli Telmo foi responsável por obras de vulto do período do Estado Novo, nomeadamente pela conceção global e por edificações de grande visibilidade da Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940), e pelo planeamento da expansão da Universidade de Coimbra (1943). Também elaborou o projeto de construção do Campo de Concentração do Tarrafal.[3]

Biografia e obra editar

 
 
A Canção de Lisboa, 1933 (com Beatriz Costa e António Silva)
 
Estação Fluvial Sul e Sueste

Filho de Cristiano da Luz Telmo e Cecília Cottinelli Telmo. O seu pai morre em 1912. Frequenta o Liceu Pedro Nunes (1907-12). Forma-se em Arquitetura na Escola de Belas-Artes de Lisboa (1915-20).[4][5]

Dedica-se desde muito cedo a uma multiplicidade de áreas, do desenho e artes gráficas à escrita ou à música. Realiza capas e ilustrações, faz as suas primeiras obras de banda desenhada, compõe música e dirige a orquestra na festa de estudantes de Belas Artes (Teatro S. Carlos, 1918).[4]

Faz os seus primeiros projetos: Pavilhão de Honra de Portugal (Exposição Internacional, Rio de Janeiro, 1922); Escola Camões, Entroncamento (1923).[4]

Em Abril de 1923 é admitido como Arquiteto na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, para a qual irá realizar numerosos projetos, como os edifícios de passageiros da Estação Ferroviária de Barcelos e de Vila Real de Santo António, a torre de sinalização do Pinhal Novo ou o monumental átrio realizado aquando da remodelação da Estação do Rossio.[5] Mas entre estas obras há que destacar o projeto da inovadora Estação Fluvial Sul e Sueste (ou Estação Ferroviária do Sul e Sueste), situada no Terreiro do Paço e construída entre 1929 e 1931 (durante muito tempo esta estação foi a porta de entrada em Lisboa para quem vinha de barco do Barreiro).[2] A Estação Fluvial Sul e Sueste assinala a "consumação da [sua] abertura ao modernismo internacional". Aqui, as possibilidades construtivas do betão armado, "cuja estrutura tornou livres planta e fachada, eram assumidas plenamente através de uma composição de volumes elementares, da cobertura plana e das grandes superfícies de vidro que evidenciavam a quadrícula rigorosa da estrutura".[6]

Entre 1921 e 1929 dirige a revista infanto-juvenil ABC-zinho, sendo responsável por grande parte do seu conteúdo; faz capas, textos, ilustrações, banda desenhada, de que foi um dos pioneiros em Portugal (foi autor de páginas autónomas onde confluem texto e imagem, colaborando, em muitas outras, como argumentista, com artistas como Carlos Botelho).[7]

Em 1930 participa na I Salão dos Independentes, SNBA, Lisboa. Três anos mais tarde realiza A Canção de Lisboa, o primeiro filme sonoro integralmente português e uma referência da filmografia portuguesa da época, com um elenco que incluía Vasco Santana, Beatriz Costa e António Silva.[8]

Em 1934 é nomeado, pelo Ministro Duarte Pacheco, para integrar a Comissão para as Construções Prisionais; projeta edifícios e obras de remodelação por todo o país (remodelação da prisão de Alcoentre, 1935; Colónia Penal do Tarrafal, Cabo Verde, 1936; etc.). Em 1936 adere à Legião Portuguesa e compõe a música do hino da Mocidade Portuguesa.[4]

Em 1939 é nomeado arquiteto-chefe da Exposição do Mundo Português (1940), marco fundamental de propaganda e consolidação do sistema ideológico do Estado Novo.[9]

 
Pavilhão dos Portugueses no Mundo, Exposição do Mundo Português, 1940

Com a participação de doze arquitetos, dezanove escultores e quarenta e três pintores, a Exposição do Mundo Português ficou indissociavelmente ligada aos principais representantes do modernismo nacional, no domínio da arquitetura e das artes plásticas, podendo nomear-se, por exemplo, Cristino da Silva, Jorge Segurado, Pardal Monteiro, Almada Negreiros, Leopoldo de Almeida, Jorge Barradas, Bernardo Marques, Carlos Botelho (embora de uma outra geração, Raul Lino também participou, projetando o Pavilhão do Brasil). O espírito nacionalista do empreendimento iria marcar decisivamente a evolução da arquitetura em anos subsequentes, com distanciamento das intenções internacionalistas que estavam na base da cultura moderna[10] e regresso a formulações de cariz tradicional e historicista (características do estilo oficial do Estado Novo, frequentemente apelidado Português Suave).[9]

Para além da coordenação geral da exposição, Cottinelli Telmo assumiu o projeto de um dos dois pavilhões de maior visibilidade: o Pavilhão dos Portugueses no Mundo. A poente da grande Praça do Império, concebeu "uma longa fachada cega de 164 metros, de material de estafe em retângulos pré-fabricados regulares […]. Na cimalha do edifício perfilavam-se os brasões da nobreza que desempenhara papel nas navegações e nas conquistas de antanho". Uma torre de 19 metros de altura, encimada por uma estrela reluzindo sobre o escudo antigo de Portugal, rematava o topo sul do pavilhão. De parceria com Leopoldo de Almeida, concebeu o Padrão dos Descobrimentos.[4] [11]

 
Cidade Universitária de Coimbra
 
Escadaria monumental de acesso à Cidade Universitária de Coimbra
 
Edifício da Standard Elétrica

Em 1943 recebe o encargo da planificação da expansão da Universidade de Coimbra (que implicaria a destruição de uma vasta área histórica da Alta de Coimbra[12]), onde obedece ao gosto monumentalista do regime, "que então se pautava por um estilo neoclássico rigidamente marcado pelas ideologias Fascistas e Nacional Socialistas"; esse compromisso é particularmente evidente na grande escadaria de acesso, mas igualmente nos princípios compositivos que irão reger os diferentes projetos (Faculdade de Letras, Biblioteca Geral, etc.).[13]

A partir de 1938 dirige a revista Arquitetos (até 1942); assina uma coluna de crítica de arte no jornal Acção (1941-42). Tem colaboração na Mocidade Portuguesa Feminina: boletim mensal[14] (1939-1947) e na revista Ilustração Portugueza[15](iniciada em 1903).

Em 1941 é eleito secretário da Direção e três anos mais tarde toma posse como presidente do Sindicato Nacional dos Arquitetos. Nas eleições para os corpos diretivos do Sindicato de Março de 1948 é derrotado pela lista encabeçada por Keil do Amaral (que é impedido de tomar posse do cargo por motivos de ordem política[4]); ainda nesse ano Cottinelli Telmo será um dos principais dinamizadores do I Congresso Nacional de Arquitetura, marco histórico na afirmação da profissão em Portugal e onde se assiste à emergência da nova geração, socialmente comprometida, que irá pôr em causa a liderança, até então praticamente incontestada, da geração do próprio Cottinelli Telmo.[16]

Data de 1945 um dos seus projetos formalmente mais marcantes, o edifício da Standard Elétrica, Lisboa, que "apresenta uma notável solução volumétrica de janelões funcionais e uma torre que perdeu o coroamento projetado, em compromisso modernista com uma monumentalidade que impõem as paredes de cimento".[17]

A 4 de Março de 1941 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo.[18]

Morreu em 18 de Setembro de 1948, num acidente de pesca desportiva em Cascais.[5]

Alguns projetos e obras[4] editar

 
Casas modelo no bairro Camões, Entroncamento, 1925–27
  • 1921-22 – Pavilhão de Honra de Portugal, Exposição Internacional, Rio de Janeiro (com Carlos Ramos e Luís da Cunha).
  • 1923-25 – Escola Camões, Entroncamento (com Luís da Cunha).
  • 1924-25 – Bairro Camões, Entroncamento (com Luís da Cunha).
  • 1930 – Liceu de Latino Coelho, Lamego.
  • 1931 – Estação do Sul e Sueste, Lisboa.
  • 1938 – Cadeia Comarcã de S. Pedro do Sul (construção, 1946).[19]
  • 1939-40 – Plano da Exposição do Mundo Português; Jardim e Fonte Luminosa, Praça do Império, Exposição do Mundo Português; Pavilhão dos Portugueses no Mundo, Exposição do Mundo Português; Padrão dos Descobrimentos, Exposição do Mundo Português (com Leopoldo de Almeida).
  • 1943 – Liceu D. João de Castro, Lisboa.
  • 1943 – Plano geral da Cidade Universitária de Coimbra; Escadaria Monumental, Cidade Universitária de Coimbra (concluído em 1950).
  • 1945 – Instalações da Standard Elétrica (atual sede da Orquestra Metropolitana de Lisboa), Av. Da Índia, Lisboa (construído em 1948).
  • 1945 – Sanatório das Penhas da Saúde[20]
  • E ainda: edifício de passageiros, Estação Ferroviária de Tomar (1928-29); edifício de passageiros, Estação Ferroviária da Azambuja (1934); edifício de passageiros, Estação Ferroviária de Vila Real de Santo António (projeto, 1936; obra, 1944); torre de sinalização e manobra do Pinhal Novo (1936); projeto de remodelação interior do edifício de passageiros da Estação do Rossio, Lisboa (1938);[4] torre de controlo de tráfego, Estação Ferroviária de Campolide, Lisboa (1940);[19] etc.

Instalações Ferroviárias editar

Padrão dos Descobrimentos editar

Instalações da Standard Elétrica editar

O edifício da Standard Eléctrica (1945-1948) está situado em Alcântara-Lisboa, em frente a um dos laterais da antiga Feira Industrial de Lisboa, na Avenida da Índia n.º 64 e contorna a Travessa da Galé n.º 36.[21]

Ver também editar

Referências

  1. André Cruz. «O Estádio Nacional e os novos paradigmas do culto». Academia.edu. Consultado em 14 de Novembro de 2011 
  2. a b Lagartinho, R. (9 Fevereiro de 2015). Cottinelli Telmo: um arquitecto de sonhos desinquietos. Obtido em Março de 2016, de O Corvo: http://ocorvo.pt/2015/02/09/cottinelli-telmo-um-arquiteto-de-sonhos-desinquietos/
  3. Borges 2014, p. 42.
  4. a b c d e f g h Martins, João Paulo do Rosário – Cottinelli Telmo, 1897-1848: a obra do arquiteto. Lisboa: Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1995 (não publicado)
  5. a b c «Os nossos mortos» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. 60 (1459). 530 páginas. 1 de Outubro de 1948. Consultado em 22 de Outubro de 2012 
  6. Tostões, Ana – Sob o signo do inquérito. A.A.V.V. – Inquérito à Arquitetura do Século XX em Portugal. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, 2006, p. 20, 99. ISBN 972-8897-14-6
  7. Boléo, João Paulo Paiva; Pinheiro, Carlos Bandeiras – Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta: Percurso histórico da banda desenhada portuguesa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Bedeteca, p. 41, 43. ISBN 972-8487-28-2
  8. França, José AugustoHistória da Arte em Portugal: o Modernismo. Lisboa: Editorial Presença, 2004. p. 81. ISBN 972-23-3244-9
  9. a b Fernandes, José Manuel – Português Suave: Arquiteturas do Estado Novo. Lisboa: IPPAR, Departamento de Estudos, 2003. ISBN 972-8736-26-6
  10. França, José Augusto – História da Arte em Portugal: o Modernismo. Lisboa: Editorial Presença, 2004. p. 81, 82. ISBN 972-23-3244-9
  11. França, José Augusto – História da Arte em Portugal: o Modernismo. Lisboa: Editorial Presença, 2004. p. 82. ISBN 972-23-3244-9
  12. «Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – História da Faculdade». Consultado em 12 de janeiro de 2013. Arquivado do original em 11 de julho de 2013 
  13. França, José Augusto – História da Arte em Portugal: o Modernismo. Lisboa: Editorial Presença, 2004. p. 88. ISBN 972-23-3244-9
  14. Helena Roldão (2 de maio de 2014). «Ficha histórica: Mocidade Portuguesa Feminina : boletim mensal (1939-1947).» (pdf). Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 27 de Maio de 2014 
  15. lllustração portugueza (1903-) [cópia digital, Hemeroteca Digital]
  16. Tostões, Ana – A Arquitetura e a vida: Francisco Keil do Amaral, o arquiteto e o pedagogo, o cidadão e o homem. In: A.A.V.V. – Keil do Amaral no centenário do seu nascimento. Lisboa: Argumentum e Ordem dos Arquitetos, 2012, p. 14
  17. França, José Augusto – História da Arte em Portugal: o Modernismo. Lisboa: Editorial Presença, 2004. p. 88.
  18. [1]
  19. a b A.A.V.V. – Inquérito à Arquitetura Portuguesa do Século XX. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, 2006. ISBN 972-8897-14-6
  20. Fernandes, José Manuel – Português Suave: Arquiteturas do Estado Novo. Lisboa: IPPAR, Departamento de Estudos, 2003, p. 78. ISBN 972-8736-26-6
  21. Revista Municipal da Câmara Municipal de Lisboa n.º 14, 4.º Trimestre de 1985.

Bibliografia editar

Borges, Claudino (2014). «Uma Proposta de Valorização para o Museu da Resistência do Tarrafal – Santiago de Cabo Verde» (PDF). Évora: Universidade de Évora. Cópia arquivada (PDF) em 28 de janeiro de 2021