Divini cultus sanctitatem

Divini cultus sanctitatem foi uma Constituição Apostólica publicada pelo Papa Pio XI, datada de 20 de dezembro de 1928 e destinada a restaurar a prática e o ensino do canto gregoriano.[1][2][3] Lançada na comemoração dos 25 anos do Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini) e à memória de Guido de Arezzo, a Divini cultus sanctitatem determinou maior participação ativa dos fieis no culto e no canto gregoriano, "no que ao povo tocar", aspecto que foi reafirmado na Encíclicas Mediator Dei (1947) e Musicæ sacræ disciplina (1955), ambas de Pio XII.

Divini cultus sanctitatem
Divini cultus sanctitatem
Brasão do Papa Pio XI
Propósito Determinou a restauração da prática e do ensino do canto gregoriano
Local de assinatura Roma
Autoria Papa Pio XI
Criado 20 de dezembro de 1928 (95 anos)

Documentos da Igreja Católica sobre música sacra editar

 
Papa Pio XI, autor da Constituição Apostólica Divini Cultus sanctitatem.

A Igreja Católica, desde a Idade Média, emitiu determinações sobre a música sacra, na forma de bulas, encíclicas (epístolas encíclicas ou cartas encíclicas), constituições, decretos, instruções, motu proprio, ordenações, éditos e outras. A maior parte dessas decisões foi local ou pontual, e apenas algumas tiveram caráter geral, dentre as quais, segundo Paulo Castagna,[4] estão os doze conjuntos de determinações mais impactantes na prática musical, do século XIV ao século XX, excetuando-se destas as inúmeras instruções cerimoniais (ou rubricas) dos livros litúrgicos:

1. A Bula Docta Sanctorum Patrum de João XXII (1325)[5]

2. O Decreto do que se deve observar e evitar na celebração da Missa de 17 de setembro de 1562, da Seção XXII do Concílio de Trento[6][7]

3. O Cæremoniale Episcoporum (Cerimonial dos Bispos), publicado por Clemente VIII em 1600, reformado por Bento XIV em 1752 e por Leão XIII 1886.

4. Os Decretos da Sagrada Congregação dos Ritos (1602-1909)

5. A Constituição Piæ sollicitudinis studio, de Alexandre VII (23 de abril de 1657)

6. A Carta Encíclica Annus qui hunc, do papa Bento XIV (19 de fevereiro de 1749)[4]

7. A Ordinatio quoad sacram musicen, da Sagrada Congregação dos Ritos (25 de setembro de 1884)[8]

8. O Decreto Quod sanctus Augustinus de Leão XIII (7 de julho de 1894), ratificado pela Sagrada Congregação dos Ritos como decreto n.3830

9. O Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini) de Pio X (22 de novembro de 1903)[9][10][11]

10. A Carta Encíclica Musicæ sacræ disciplina sobre a música sacra, do papa Pio XII (25 de dezembro de 1955)[12][13]

11. A Instrução De musica sacra et sacra liturgia sobre música sacra e liturgia, do papa Leão XXIII, 3 de setembro de 1958[14]

12. O Decreto Sacrosanctum Concilium sobre música sacra do Concílio Vaticano II (4 de dezembro de 1963)[15]

A Constituição Apostólica Divini cultus sanctitatem, ainda que tenha sistematizado as determinações de Pio X para a restauração do canto gregoriano no Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini), foi importante como um dos documentos que possibilitaram a continuidade da prática musical restaurista na Igreja Católica até o final da década de 1950.

Conteúdo da Constituição Apostólica Divini cultus sanctitatem editar

  • [Introdução]. O dogma, a liturgia e a arte
  1. Autoridade da Igreja sobre assuntos litúrgicos.
  2. A Liturgia e a sua união com o dogma e a vida.
  3. Participação do povo na Liturgia e no Canto, antigamente.
  4. A Igreja fomentou sempre a vida litúrgica.
  • O Motu Proprio de Pio X e o Centenário de Guido de Arezzo
  1. Pio X impulsionou há 25 anos o movimento litúrgico.
  2. A música sacra e o canto, coadjuvantes na renovação litúrgica.
  3. As normas de PIO X
  4. Motivo da Constituição: O Motu Proprio e o Centenário de Arezzo
  5. Anúncio de novas normas.
  • Parte dispositiva

I. Cultura musical nos Seminários. Determina que todo seminarista " seja instruído no canto gregoriano e na música sacra desde os primeiros anos da sua juventude".

II. Teoria e prácticas frequentes. Determina que, "nos Seminários como nos demais institutos de educação eclesiástica, haja uma breve mas frequente e quase diária lição ou execução do canto gregoriano e da música sacra" para a recuperação do "antigo esplendor e dignidade o ofício do coro".

  • O ofício coral

III. Determina a restauração do ofício do coro (chorale officium) em Basílicas, Catedrais, Colegiatas e Conventos e o preciso canto da salmodia.

IV. Pessoa responsável pela Liturgia e pelo canto. Determina que "haja em todos os coros, tanto de canónicos como de religiosos, uma pessoa competente que vele pela observância das regras litúrgicas e do canto coral, e corrija na práctica os defeitos de todo o coro e de cada um dos seus componentes".

Insistência no canto gregoriano autêntico.

  • Capellae Musicorum e Scholae Puerorum Cantorum. Determina que "todos quantos estejam obrigados ao ofício coral conheçam, ao menos na medida conveniente, o canto gregoriano, ao qual hão de ajustar-se todas as Igrejas", utilizando, para isso, as edições autênticas (vaticanis typis) da Igreja.

V. Capelas musicais. Determina que as capelas musicais [capellas musicorum] de canto polifônico "tal como floresceram desde o século XIV ao XVI, assim também se restaurem, especialmente onde quer que a maior frequência e esplendor do culto divino exijam maior número e mais requintada selecção de cantores".

VI. As escolas de meninos devem formar-se em todas as Igrejas. Determina que as scholae puerorum "devem ser fundadas não só nas igrejas maiores e Catedrais, mas também nas igrejas menores e paroquiais" e que "os meninos cantores serão educados no canto por mestres de capela".

  • A música instrumental e o órgão

VII. A voz humana deve ressoar no templo. Afirma que "não é o canto com acompanhamento de instrumentos o ideal para a Igreja", pois "nenhum instrumento, nem ainda o mais delicado e perfeito, poderá alguma vez competir em vigor de expressão com a voz humana".

VIII. O tradicional instrumento da Igreja: o órgão. Defende o uso do órgão, por ser "digno de se enlaçar com os ritos litúrgicos, ora acompanhando ao canto, ora durante os silêncios dos coros e segundo as prescrições da Igreja", desde que evite "essa mescla de sagrado e de profano".

Perigos do modernismo musical. Reprova, na música para órgão, o ato de "introduzir no templo o espírito de dissipação e de mundanidade", determinando que "Ressoem de novo nos templos só aqueles acentos do órgão que estão em harmonia com a majestade do lugar e com o santo perfume dos ritos".

A participação do povo

IX. O povo de espectador deve passar a parte activa no canto litúrgico. Determina que, "A fim de que os fiéis tomem parte mais activa no culto divino, restitua-se para o povo o uso do canto gregoriano, no que ao povo tocar", lamentando "esse triste espectáculo em que o povo nada responde, ou apenas responde com um murmúrio fraco e confuso às orações mais comuns expressas na língua litúrgica e até em língua vulgar"

X. Ensino generalizado da música litúrgica. Determina que se aplique a "catequese [institutionem] litúrgico-musical do povo, como coisa que está tão estreitamente unida à doutrina cristã" e que as associações (societates) "dediquem toda a sua inteligente ação a restaurar a música sagrada segundo as normas da Igreja".

XI. Formação musical. Institutos de música. Declara a necessidade de existência de grande número de mestres para a instrução dos jovens, enaltecendo a importânca "das Scholae e Institutos de Música fundados em muitas partes do mundo católico", especialmente "a Escola Superior de Música Sacra(6), instituição fundada por Pio X em Roma no ano de 1910"

[Epílogo]. Música sagrada maravilhosa do passado e vida interior. Declara que "A dificuldade, pois, desta santíssima empresa, em vez de abater, deve muito mais excitar e elevar os ânimos dos Sagrados Pastores".

Decreto. Decreta que "que esta Constituição Apostólica seja e permaneça sendo sempre de pleno valor e eficácia, obtenha o seu efeito pleno, sem que obste nada em contrário".

Significado da Constituição Apostólica Divini cultus sanctitatem editar

A Constituição Apostólica Divini cultus sanctitatem foi estudada, do ponto de vista musicológico, principalmente por Luís Rodrigues (1943),[16] Florentius Romita (1947),[17] Robert F. Hayburn (1979)[18] e Fernando Lacerda Simões Duarte (2011 e 2016).[19][20] Para este último, a Divini cultus, que notabilizou a expressão “restauração da música sacra”, além de fortalecer a revitalização do canto gregoriano, já determinada por Pio X, também “trouxe instruções para garantir uma participação mais ativa dos fiéis na liturgia por meio do canto” e favoreceu “a ampliação do uso do canto religioso popular por Pio XII” em suas Encíclicas Mediator Dei (1947) e Musicæ sacræ disciplina (1955).

Ligações externas editar

Ver também editar

Referências

  1. PAPA PIO XI. Constituição Apostólica Divini cultus sactitatem. Vaticano, 20 dez. 1928 (latim).
  2. PAPA PIO XI. Constituição Apostólica Divini cultus sactitatem. Vaticano, 20 dez. 1928 (alemão).
  3. «Divini Cultus (20 dicembre 1928) | PIO XI». w2.vatican.va. Consultado em 21 de abril de 2018 
  4. a b CASTAGNA, Paulo. O estabelecimento de um modelo para o acompanhamento instrumental da música sacra na Encíclica Annus qui hunc (1749) do Papa Bento XIV. Revista do Conservatório de Música da UFPel, Pelotas, n.4, p.1-31, 2011.
  5. ESPERANDIO, Thiago José. A música sob o interdito: a ambiguidade da relação entre a Igreja e a polifonia musical no século XIV. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
  6. IGREJA CATÓLICA. Decreto do que se deve observar, e evitar na celebração da Missa. Concílio de Trento, Seção XXII, 17 de setembro de 1562.
  7. IGREJA CATÓLICA. Decreto do que se deve observar, e evitar na celebração da Missa. Concílio de Trento, Seção XXII, 17 de setembro de 1562.
  8. SACRA RITUUM CONGREGATIONE. Ordinatio quoad sacram musicem. In: Acta Sanctae Sedis in compendium opportune redacta et il lustrata studio et cura Iosephi Pennacchi et Victorii Piazzesi. Roma: Typis Polyglottae Officinae, 1984. v.17, p.340-349.
  9. PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903). Versão em latim.
  10. PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903). Versão em italiano.
  11. PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903). Versão em português.
  12. PAPA PIO XII. Carta Encíclica Musicæ sacræ disciplina sobre a música sacra. 25 de dezembro de 1955. Versão em latim.
  13. PAPA PIO XII. Carta Encíclica Musicæ sacræ disciplina sobre a música sacra. 25 de dezembro de 1955. Versão em português.
  14. PAPA LEÃO XXIII. Instrução De Musica Sacra sobre música sacra e liturgia. 3 de setembro de 1958. Versão em latim. p.630-663.
  15. IGREJA CATÓLICA. Documentos do concílio Vaticano II.
  16. RODRIGUES, Pe. L[uís]. Música sacra: história - legislação. Porto: Ed. Lopes da Silva, 1943. 267p.
  17. ROMITA, Sac. Florentius. Jus Musicæ Liturgicæ: dissertatio historico-iuridica. Roma: Edizioni Liturgiche, 1947. XX, 319p.
  18. HAYBURN, Robert F. Papal Legislation on Sacred Music: 95 A.D. to 1977 A.D. Collegeville: The Liturgical Press, 1979. 619p.
  19. «DUARTE, Fernando Lacerda Simões. Possíveis significados para as opções composicionais nas missas de Furio Franceschini; orientação de Paulo Castagna. São Paulo, 2011. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Artes da Unesp. 147p.». Consultado em 22 de abril de 2018. Arquivado do original em 7 de abril de 2018 
  20. DUARTE, Fernando Lacerda Simões. Resgates e abandonos do passado na prática musical litúrgica católica no Brasil entre os pontificados de Pio X e Bento XVI (1903-2013); orientação de Paulo Castagna. São Paulo, 2016. Tese (Doutorado) – Instituto de Artes da Unesp.