Estupro masculino

forma de estupro no qual o homem é a vítima

Estupro masculino é uma forma de estupro em que o homem é a vítima e que inclui ambos o estupro e a violência sexual em geral.[3] É também usado como uma arma de guerra em regiões sob conflitos, embora as estatísticas de violência sexual contra as mulheres sejam significativamente maiores do que para os homens, o estupro não afeta apenas a população feminina e é uma preocupação para homens e meninos que estão expostos a ele, em particular no contexto de conflitos bélicos.[4]

Observando diferentes fontes de pesquisa do governo dos EUA, por um determinado ano, estima-se que os detentos adultos e jovens do sexo masculino sofrerão várias vezes mais incidentes de vitimização sexual do que mulheres encarceradas. Detentos do sexo masculino e feminino não estão incluídos na maioria das pesquisas nacionais sobre vitimização sexual.[1][2]

O estupro é ainda pensado como um crime contra mulheres especialmente (e historicamente definido dessa forma), embora muitos casos de estupro masculino tenham sido alvo de discussões públicas recentemente.[5] O estupro masculino é ainda visto como tabu para ser exposto e possui uma conotação heterossexual-homossexual negativa.[6]

Prestadores de serviços comunitários muitas vezes reagem à orientação sexual das vítimas do sexo masculino e do sexo de seu agressor.[7] Principalmente, as vítimas do sexo masculino tentam esconder, e negar sua vitimização, ao contrário das vítimas do sexo feminino, a menos que tenham lesões físicas graves. Eventualmente, as vítimas do sexo masculino podem ser muito vagas em explicar suas lesões quando estão buscando serviços de saúde física ou mental.[8][9]

Pesquisas e estatísticas editar

A pesquisa sobre estupro masculino só aparece no final da década de 1970, a maioria focada em crianças do sexo masculino. Os estudos de agressão sexual em estabelecimentos prisionais com foco específico nas consequências da violação masculina estão disponíveis só a partir do início da década de 1980. Ainda assim, a maioria da literatura sobre estupro e agressão sexual se concentra em vítimas do sexo feminino.[8]

Estupro de homem contra homem editar

O estupro de homem em homem tem sido fortemente estigmatizado. De acordo com a psicóloga Dr. Sarah Crome, menos de 1 em cada 10 estupros homem-homem são relatados. Como um grupo, as vítimas de estupro do sexo masculino relataram a falta de serviços de apoio, e os sistemas jurídicos são, muitas vezes, mal equipados para lidar com este tipo de crime.[10]

Vários estudos sobre estupro carcerário homem-homem, bem como estupro carcerário mulher-mulher, são comuns e não são notificados até com mais frequência do que o estupro na população em geral.[11][12][13] 

O estupro de homens por homens tem sido documentado como arma de guerra (ver Estupros de guerra),[14] e podem assumir a forma de estupro anal e oral, tortura genital, castração, estupro coletivo, escravidão sexual e estupro forçado dos outros.[15]

A violência sexual contra homens é um dos aspectos menos divulgados da guerra, de forma que se torna um tabu que poucos sobreviventes têm a coragem de relatar.[16] Além de vergonha e medo de serem condenado ao ostracismo, muitas vítimas não ousam desafiar mitos sobre o estupro masculino em suas culturas, como a de que o homem que é estuprado torna-se 'mulher', que apenas os homossexuais são vítimas de estupro e que a única forma de violência sexual contra homens é o estupro por via anal.[15]

Na Guerra Civil Síria (2011–presente), os detentos do sexo masculino vítimas de abuso sexual relataram ser forçados a sentar-se em uma garrafa de vidro quebrada, ter os órgãos genitais amarrados a saco de água, ou ser forçado a assistir ao estupro de outro detento por parte dos oficiais.[17]

Estupro de mulher contra homem editar

Algumas pesquisas sugerem que a agressão sexual em ambos os sexos está correlacionada com uma história de abuso sexual, uma tendência a ver as relações com o sexo oposto como contraditórias, e níveis mais elevados de excitação para representações de estupro; não há uma quantidade considerável de pesquisas sobre autores do sexo feminino, mas, devido à percepção popular da sexualidade de homens e mulheres, pode tornar-se mais fácil para as mulheres racionalizarem uma agressão sexual.[18][19]

Um estudo feito pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos encontrou que 1 em cada 20 homens (5,3%)[20] relataram ter sido forçados a penetrar outra pessoa, geralmente uma mulher, foram vítimas de uma tentativa de forçar a penetração, ou tinham sido forçados a receber sexo oral.[5]

Homens vítimas de abuso sexual por mulheres,[21] muitas vezes, enfrentam duplicidade de critérios sociais, políticos e jurídicos.[22] Alguns casos nos Estados Unidos têm recebido maior atenção e despertaram a consciência dentro da população. Às vezes referido como casos "forçados a penetrar", as vítimas de estupro do sexo masculino são forçadas a se envolver em penetração da mulher sem consentimento. Muitas vezes, as vítimas do sexo masculino estão sob a influência de drogas ou álcool ou estão sob ameaça.[23]

Mitos editar

Homens não são vulneráveis editar

Devido à socialização do gênero masculino, pensa-se que os homens, mesmo os jovens, não podem ser vítimas de estupro e muito mesmo que são vulneráveis. É vergonhoso e não-masculino se uma criança do sexo masculino chorar; os homens são fortes e podem se proteger.[24][25]

Homens sempre querem sexo editar

Há um conceito popular de que a ereção e o orgasmo masculino significam apreciação e disponibilidade sexual, porém é comprovado que a ligeira estimulação genital ou mesmo o estresse resultar em ereção e clímax, de modo que não significam unicamente que o homem consente na prática sexual.[26] Os homens podem ter ereções, mesmo em situações sexuais traumáticas ou dolorosas.[25]

Existem homens que simplesmente não querem sexo, também: assexuais.

Traumas editar

Alguns estudos encontraram homens menos afetados negativamente, porém mais estudos mostram que os efeitos a longo prazo são bastante prejudiciais para ambos os sexos especialmente para os homens, pois podem ser mais prejudicados pelo estigma social e descrença de sua vitimização.[25] As vítimas do sexo masculino tendem a sentir raiva mais intensa do que vítimas do sexo feminino, enquanto ambos passam por sentimentos semelhantes de sofrimento após o estupro.[6] Em um estudo com vítimas de estupro, 74 do sexo masculino e 1.380 do sexo feminino descobriu-se que a depressão e a hostilidade são mais profundas nas vítimas do sexo masculino imediatamente após o estupro do que entre as vítimas do sexo feminino.[27]

Os homens que experimentam a atenção sexual quando crianças costumam justificar a si mesmos como se tivessem estado em uma posição de privilégio e não de abuso,[26] essa estratégia de enfrentamento masculino caracterizada pela negação e controle torna-os mais propensos a problemas psiquiátricos posteriores e reduz a probabilidade de procurarem ajuda.[28]

Orientação sexual editar

O estupro masculino, assim como o estupro feminino, pode ter mais relação com poder do que sexualidade e não acontece só dentro da comunidade homossexual,[29] assim, muitos perpetradores que procuram rapazes não são homossexuais.[25]

Enquanto muitos perpetradores podem eles mesmos ter experimentado abuso sexual, a maioria das vítimas de agressão sexual não se tornam criminosos adolescentes.[25]

Vítimas do sexo masculino têm "sorte" editar

As vítimas do sexo masculino enfrentam obstáculos como o mito de que a violência sexual é algo desejoso quando o autor é uma mulher, de modo que a experiência é um privilégio quando na verdade não é.[30]

Efeitos editar

Efeitos físicos editar

Vítimas do sexo masculino indicaram ter mais lesões corolárias e são mais prováveis de serem ameaçadas com armas (como armas de fogo e facas) por seus autores. As lesões físicas frequentemente registrados são dores de cabeça tensionais, úlceras, náuseas, colite, abrasões na garganta, olhos roxos e ossos quebrados. Um estudo de 2004 observou que 45% dos homens sobreviventes que acessaram o centro de agressão sexual do hospital tiveram algum tipo de dano físico (25% de lesões dos tecidos moles, 20% de lacerações).[6][8][29][31]

Efeitos psicológicos editar

As vítimas de estupro, homens e mulheres, podem ter dificuldade em relatar a agressão sexual que sofreram. Há um mito de que a vítima de assalto sexual masculino vai se tornar um agressor. Este mito é muito prejudicial para as vítimas, tanto para seus estados mentais quanto como as pessoas as tratam.[25] Os homens ainda têm o fardo de enfrentar uma sociedade que não acredita que o estupro realmente pode acontecer com eles.[26]

Efeitos a longo prazo editar

Os homens vítimas de agressão sexual têm um risco muito maior de ter problemas de saúde mental, incluindo sintomas de transtorno de estresse pós-traumático e depressão; alcoolismo e abuso de drogas; pensamentos e tentativas de suicídio; problemas nos relacionamentos íntimos; e insucesso escolar e no trabalho.[32]

Por causa das expectativas de gênero, uma criança do sexo masculino que é vítima de abuso sexual masculina pode ser levada a ter os seguintes comportamentos e reações:[33]

  1. Pressão em provar sua masculinidade de modo físico e sexual (tornar-se cada vez mais forte e se engajar em comportamentos perigosos ou violentos, ter múltiplas parceiras sexuais).
  2. Confusão sobre gênero e identidade sexual.
  3. Sentimento de ser um homem inadequado
  4. Sensação de perda de poder, controle e confiança em sua masculinidade.
  5. Problemas com a proximidade e intimidade.
  6. Problemas sexuais[34]
  7. Medo de se tornar 'homossexual' ou 'gay'.
  8. Homofobia

Possibilidade de suicídio editar

A taxa de suicídio de homens vítimas de abuso sexual é 15 a 14 vezes maior do que entre outros homens.[35] McDonald e Tijerino encontrado em sua pesquisa que alguns participantes afirmam que houve ocasiões em que se sentiu tão mal que eles se engajaram em comportamentos auto-destrutivos, inclusive tentativas de suicídio e/ou pensamentos suicidas.[31] Há também um estudo que mostra que as vítimas de estupro são 4,1 vezes mais propensas a pensar em suicídio e 13 vezes mais propensas a tentar o suicídio do que não-vítimas.[36]

Legislação editar

Brasil editar

Antes de 2009, a lei definia estupro como "constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça",[37] assim, se deixava implícito que apenas a mulher poderia ser a vítima desse crime, e somente o homem poderia ser o agente ativo.[38] Com a Lei 12.015/2009, o artigo 213 do Código Penal foi alterado, substituindo a expressão "mulher" por "alguém". Logo, o homem também pode ser vítima de estupro. A alteração também coloca a mulher como possível autora do crime, deixando de ser um crime "bi-próprio", em que é necessário uma condição especial para o sujeito ativo (homem como criminoso) e passivo (mulher como vítima) para um crime "comum", em que homens e mulheres podem ser sujeitos ativos e passivos.[39]

Ver também editar

Referências

  1. Rosin, Hanna (29 de abril de 2014). «When Men Are Raped». Slate (em inglês). Consultado em 14 de junho de 2020 
  2. Lara Stemple, Ilan H. Meyer (junho de 2014). «The Sexual Victimization of Men in America: New Data Challenge Old Assumptions». NCBI (em inglês). Consultado em 14 de junho de 2020 
  3. Coxell A, King M, Mezey G, Gordon D (1999). «Lifetime Prevalence, characteristics, and associated problems of non-consensual sex in men». BMJ. 318 (7187): 846–50. PMC 27803 . PMID 10092264. doi:10.1136/bmj.318.7187.846 
  4. Saipira Furstenberg (1 de julho de 2014). «Male Rape in Armed Conflicts: Why We Should Talk About It» (em inglês). Oxford Human Rights Hub. Consultado em 2 de fevereiro de 2015 
  5. a b Rabin, Roni Caryn (23 de janeiro de 2012). «Men Struggle for Rape Awareness». The New York Times. Consultado em 30 de novembro de 2013 
  6. a b c Deborah Condon. 4/4/2014. Irish Health. Male rape 'still a taboo subject'. Comments of Dr Maeve Eogan and Deirdra Richardson in Modern Medicine, the Irish Journal of Clinical Medicine.
  7. Davies, 2002
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  9. Priya M Menon. 16/2/2013. The Times of India, Lacking support, male rape victims stay silent.
  10. «Male rape victims left to suffer in silence». abc.net.au. 9 de fevereiro de 2001. Consultado em 2 de fevereiro de 2015 
  11. Human Rights Watch No Escape: Male Rape In U.S. Prisons. Part VII. Anomaly or Epidemic: The Incidence of Prisoner-on-Prisoner Rape.; estimates that 100,000–140,000 violent male-male rapes occur in U.S. prisons annually; compare with FBI statistics that estimated 90,000 violent male-female rapes occur annually.
  12. Robert W. Dumond, "Ignominious Victims: Effective Treatment of Male Sexual Assault in Prison," 15/8/1995, p. 2; states that "evidence suggests that [male-male sexual assault in prison] may a staggering problem"). Quoted in Mariner, Joanne; (Organization), Human Rights Watch (17 de abril de 2001). No escape: male rape in U.S. prisons. [S.l.]: Human Rights Watch. p. 370. ISBN 978-1-56432-258-6. Consultado em 2 de fevereiro de 2015 
  13. Struckman-Johnson, Cindy; Struckman-Johnson, David (2006). «A Comparison of Sexual Coercion Experiences Reported by Men and Women in Prison». Journal of Interpersonal Violence. 21 (12). pp. 1591–1615. ISSN 0886-2605. PMID 17065656. doi:10.1177/0886260506294240 ; reports that "Greater percentages of men (70%) than women (29%) reported that their incident resulted in oral, vaginal, or anal sex. More men (54%) than women (28%) reported an incident that was classified as rape."
  14. Storr, Will (17 de julho de 2011). «The rape of men : Society : The Observer». The Observer. London: Guardian.co.uk. Consultado em 17 de julho de 2011. Sexual violence is one of the most horrific weapons of war, an instrument of terror used against women. Yet huge numbers of men are also victims. 
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  17. Amnesty International. 2012. 'I Wanted to Die': Syria's torture survivors speak out Arquivado em 10 de março de 2013, no Wayback Machine.. London: Amnesty International Publications.
  18. Cindy Struckman‐Johnsona, David Struckman‐Johnsonb, Peter B. Andersonc, Tactics of sexual coercion: When men and women won't take no for an answer, Journal of Sex Research, Volume 40, Issue 1, 2003 , DOI: 10.1080/00224490309552168
  19. Livia Gershon (9 de outubro de 2014). «When Women Sexually Assault Men». Pacif Standard. Consultado em 2 de fevereiro de 2015 
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