Glauber Rocha

cineasta brasileiro

Glauber de Andrade Rocha (Vitória da Conquista, 14 de março de 1939Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1981) foi um cineasta brasileiro, considerado por críticos, jornalistas especializados e público como um dos maiores nomes da história do cinema brasileiro.[1] Reverenciado como um gênio revolucionário, foi um dos fundadores do movimento de vanguarda Cinema Novo, e muitas de suas obras, como Deus e o Diabo Na Terra do Sol, Terra em Transe e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, são frequentemente listadas como alguns do melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Glauber Rocha
Glauber Rocha
Glauber Rocha
Nome completo Glauber de Andrade Rocha
Nascimento 14 de março de 1939
Vitória da Conquista, Bahia
Nacionalidade brasileiro
Morte 22 de agosto de 1981 (42 anos)
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Ocupação
Atividade 1957—1981
Cônjuge Helena Ignez (1959–1961)
Paula Gaitán (197?—1981)
Festival de Cannes
Melhor Diretor:
1968 - O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro
Prêmio do Júri de curta-metragem:
1977 - Di-Glauber

Biografia editar

Filho de Adamastor Bráulio Silva Rocha e de Lúcia Mendes de Andrade Rocha, Glauber Rocha nasceu na cidade de Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia e era o mais velho dos 4 irmãos e único menino da família.

Foi criado na religião da mãe, protestante, membro da Igreja Presbiteriana, por ação de missionários norte-americanos da Missão Brasil Central.

Alfabetizado pela mãe, estudou no Colégio do Padre Palmeira - instituição transplantada pelo padre José Luiz Soares Palmeira de Caetité (então o principal núcleo cultural do interior do Estado).

Em 1947, mudou-se com a família para Salvador, onde seguiu os estudos no Colégio 2 de Julho, dirigido pela Missão Presbiteriana, ainda hoje uma das principais escolas da cidade. Em 1952, perdeu uma irmã, Ana Marcelina, morta com apenas 11 anos em decorrência de uma leucemia, o que causa grande impacto em toda a família. Mas logo ganhou uma outra irmã, Ana Lúcia Mendes Rocha, a irmã mais nova de Glauber, que viria a ser sua confidente pelo resto de sua vida. Ana Lúcia era filha de seu pai com uma cigana, que morreu durante o parto.

Ali, escrevendo e atuando numa peça, seu talento e vocação foram revelados para as artes performativas. Participou em programas de rádio, grupos de teatro e cinema amadores, e até do movimento estudantil. Entre 1954 e 1957, compôs o Círculo de Estudo Pensamento e Ação, célula em Salvador do Movimento Águia Branca, o movimento da juventude integralista. Recebeu seu primeiro emprego, de locutor em um programa de rádio sobre cinema, através do presidente do Círculo, Germano Machado. Com o tempo, foi se aproximando de elementos de esquerda e se afastou do integralismo.[2][3]

Começou a realizar filmagens (seu filme Pátio, de 1959), que logo abandonou para iniciar uma breve carreira jornalística, em que o foco era sempre sua paixão pelo cinema. Ao mesmo tempo, ingressou na Faculdade de Direito da Bahia, hoje da Universidade Federal da Bahia, entre 1959 a 1961. Da faculdade foi o seu namoro e casamento com uma colega, Helena Ignez.

Sempre controvertido, escreveu e pensou cinema. Queria uma arte engajada ao pensamento e pregava uma nova estética, uma revisão crítica da realidade. Era visto pela ditadura militar que se instalou no país, em 1964, como um elemento subversivo.[4]

No livro 1968 - O ano que não terminou, Zuenir Ventura registra como foi a primeira vez que Glauber fez uso da maconha, bem como o fato de, segundo Glauber, esta droga ter seu consumo introduzido na juventude como parte dos trabalhos da CIA no Brasil.

Em 1971, com a radicalização do regime, Glauber partiu para o exílio, de onde nunca retornou totalmente. Em 1977, viveu seu maior trauma: a morte da irmã, a atriz Anecy Rocha, que, aos 34 anos, caiu em um fosso de elevador.

Perseguição política editar

Em 2014, documentos revelados pela Comissão da Verdade indicaram que o governo militar pretendia matar Glauber Rocha, que se encontrava exilado em Portugal. O relatório foi produzido pela Aeronáutica, e descreve Glauber como um dos líderes da esquerda brasileira. A monitoração de Glauber era feita através de entrevistas que ele concedia a publicações europeias, criticando o governo militar e a repressão promovida por ele, considerando seus depoimentos um "violento ataque ao país".[5]

Morte editar

Glauber faleceu vítima de septicemia, ou como foi declarado no atestado de óbito, de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia que o atacava havia mais de um mês, na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro, depois de ter sido transferido de um hospital de Lisboa, capital de Portugal, onde permaneceu 18 dias internado. Residia havia meses em Sintra,[6] cidade de veraneio portuguesa, e se preparava para rodar Império de Napoleão, a partir do argumento escrito em colaboração com Manuel Carvalheiro,[7] quando começou a passar mal.

Legado editar

Em 2006, por decreto federal do Governo Lula, o arquivo privado de Glauber Rocha tornou-se de interesse público e social por possuir documentos relevantes para o estudo e pesquisa sobre as formas de pensamento e expressão artística, bem como sobre a elaboração de linguagem inovadora para o cinema brasileiro.[8][9]

Carreira editar

Antes de estrear na realização de uma longa metragem (Barravento, 1962), Glauber Rocha realizou vários curtas-metragens, ao mesmo tempo que se dedicava ao cineclubismo e fundava uma produtora cinematográfica.[10]

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969])[11] são três filmes paradigmáticos, nos quais uma crítica social feroz se alia a uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo importado dos Estados Unidos. Essa pretensão era compartilhada pelos outros cineastas do Cinema Novo, corrente artística nacional liderada principalmente por Rocha e grandemente influenciada pelo movimento francês Nouvelle Vague e pelo Neorrealismo italiano.[12]

Glauber Rocha foi um cineasta controvertido e incompreendido no seu tempo, além de ter sido patrulhado tanto pela direita como pela esquerda brasileira. Ele tinha uma visão apocalíptica de um mundo em constante decadência e toda a sua obra denotava esse seu temor. Para o poeta Ferreira Gullar, "Glauber se consumiu em seu próprio fogo".

Com Barravento ele foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary na Tchecoslováquia em 1964. Um ano depois, com 'Deus e o diabo na terra do sol', ele conquistou o Grande Prêmio no Festival de Cinema Livre da Itália e o Prêmio da Crítica no Festival Internacional de Cinema de Acapulco.

Foi com Terra em Transe que tornou-se reconhecido, conquistando o Prêmio da Crítica do Festival de Cannes, o Prêmio Luis Buñuel na Espanha, o Grande Prêmio do Júri da Juventude de Melhor Filme do Festival Internacional de Cinema de Locarno, e o Golfinho de Ouro de melhor filme do ano, no Rio de Janeiro.[13] Outro filme premiado de Glauber foi O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, prêmio de melhor direção no Festival de Cannes e, outra vez, o Prêmio Luiz Buñuel na Espanha.

Em 9 de setembro de 1980, a briga entre o cineasta brasileiro Glauber Rocha com Louis Malle entrou para história do Festival Internacional de Cinema de Veneza. Com o filme Atlantic City Malle venceu o Leão de Ouro naquele ano junto com o americano John Cassavetes, este premiado por Gloria. Para Glauber Rocha, que participou daquele Festival com o seu filme A Idade da Terra, tal resultado foi uma tramoia; Glauber afirmou que Louis Malle venceu porque o resultado estava previamente combinado, pois o filme de Malle teve a produção da Gaumont, uma "multinacional imperialista". Malle e Glauber encontraram-se no saguão do Hotel Excelsior, onde discutiram e os dois cineastas quase chegaram às vias de fato.[14][15]

Filmografia editar

Longas-metragens[1]
Ano Filme Prêmios e Indicações
1962 Barravento
1964 Deus e o Diabo na Terra do Sol Indicado: Festival de Cannes: Palma de Ouro
1967 Terra em Transe Indicado: Festival de Cannes: Palma de Ouro
1968 O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro Vencedor Festival de Cannes: Melhor Diretor
Indicado: Festival de Cannes: Palma de Ouro
1970 Cabeças Cortadas
1970 O Leão de Sete Cabeças
1972 Câncer[16]
1975 Claro
1980 A Idade da Terra Indicado: Festival de Veneza: Leão de Ouro
Documentários e curtas-metragens
Ano Filme Prêmios e Indicações
1959 Pátio A
1959 Cruz na Praça
1965 Amazonas, Amazonas
1966 Maranhão 66 B
1972 Paloma, Paloma[17]
1974 História do Brasil
1974 As Armas e o Povo C
1977 Di-Glauber Vencedor Festival de Cannes: Prêmio do Júri de curta-metragem
Indicado: Festival de Cannes: Palma de Ouro[18]
1979 Jorge Amado no cinema
2005 A Vida É Estranha[19][20]

A – Glauber estreia com um curta-metragem hermético e experimental, vertentes que logo em seguida ele renegará em favor de um cinema político, mas que reaparecerão mais tarde em filmes como Câncer e A Idade da Terra.

B – Documentário que registra a posse de José Sarney como governador do Maranhão. Foi financiado pelo próprio evento que marcou o início do domínio político da família Sarney no Estado, interrompido brevemente em 1 de janeiro de 2007, com a posse de Jackson Lago, e encerrada com a esmagadora vitória de Flávio Dino (PC do B) nas eleições de 2014. Em contrapartida ao discurso de posse e da multidão em celebração, o filme mostra a miséria da população a ser governada. Algumas das imagens documentais da festa foram usadas na montagem de Terra em Transe.

C – Filme coletivo.

Ver também editar

Referências

  1. a b Agulha - Revista de Cultura
  2. Machado, Germano (2000). Um Glauber Inegável. Salvador, Bahia: Editoração CEPA. 81 páginas. ISBN 85-7239-17-0 Verifique |isbn= (ajuda) 
  3. Machado, Germano (2000). Um Glauber Inegável. Salvador, Bahia: Editoração CEPA. 81 páginas. ISBN 85-7239-17-0 Verifique |isbn= (ajuda) 
  4. O Martelo - GLAUBER ROCHA e a DITADURA
  5. «Comissão da Verdade revela que militares queriam matar Glauber Rocha». Uol. Consultado em 14 de abril de 2016 
  6. Rocha, Glauber. (1997). Cartas ao mundo. [São Paulo, Brazil]: Companhia das Letras. OCLC 38216522 
  7. «Um cravo vermelho para o funeral do cineasta Manuel Carvalheiro no dia 25 de Abril - DN». www.dn.pt. Consultado em 21 de dezembro de 2020 
  8. BRASIL, Decreto de 7 de abril de 2006. Declara de interesse público e social o acervo documental privado de Glauber Rocha.
  9. «Glauber Rocha | Banco de Conteúdos Culturais». www.bcc.org.br. Consultado em 18 de fevereiro de 2022 
  10. A obra de Glauber Rocha | Acervo
  11. 30 anos da morte de Glauber Rocha tem programação especial « SalaBR.com
  12. pesquisa Memória Cine Br
  13. «Winners of the Golden Leopard» (em inglês). Locarno Film Festival. Consultado em 11 de junho de 2019 
  14. jornal O Globo (9 de setembro de 2020). «'Quebro sua cara, fascista': A briga de Glauber Rocha com Louis Malle que entrou para história do Festival de Veneza». jornal. disponível na versão on-line. Consultado em 11 de setembro de 2020 
  15. CASTRO FILHO, Albino (10 de setembro de 1980). «Festival de Veneza: Glauber briga com Malle e o chama de medíocre e fascista». jornal. Rio de Janeiro: jornal O Globo 
  16. Nassif, Luis (25 de abril de 2011). «Glauber Rocha e a Revolução dos Cravos». GGN. Consultado em 10 de agosto de 2020 
  17. MUBI
  18. Filme de Glauber Rocha sobre enterro de Di Cavalcanti está censurado há 34 anos | Acervo
  19. Torino Film Festival
  20. Paula Brasileira (6 de junho de 2015). «AVida é Estranha». Leia Já. Consultado em 12 de junho de 2020 

Bibliografia editar

  • PIERRE Sylvie : Glauber Rocha (Paris 1987, Editions des Cahiers du Cinéma).
  • Valverde, Ana Luiza (2016). «La cultura y la mitología en el cine brasileño de Glauber Rocha». Revista de Estudios Brasileños. 3 (4): 49-60. Consultado em 13 de maio de 2016 
  • DESBOIS Laurent : A Odisseia do cinema brasileiro, da Atlântida à Cidade de Deus (Companhia das Letras, 2016 - prefácio de Walter Salles : Cinema em construção).

Ligações externas editar

 
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