História da Serra Leoa

Isolada pelo oceano, a região em que se localiza Serra Leoa permaneceu afastada da influência dos grandes impérios que se estabeleceram no alto Níger por volta do ano 1000. Os povos que a habitavam encontravam-se então divididos em pequenos Estados independentes. Por volta do século XV, migrações de etnias sudanesas deslocaram para ilhas e zonas florestais os povos autóctones, entre os quais os bulons, fixados na região desde tempos imemoriais.

Mapa de Serra Leoa de 1732.

O português Pedro de Sintra descobriu as costas do país, que fazia parte do reino dos Sapes, em 1460.[1] O nome do país, «Serra Leoa», terá sido dado pelo explorador luso, sendo que, na altura se referia à região montanhosa situada a Sul da actual cidade de Freetown.[2] Contudo, pouco após sua descoberta este nome passou a ser usado como topónimo para todo o litoral da atual área ocidental da África. Com efeito, de acordo com o cosmógrafo e militar português, Duarte Pacheco Pereira, Pedro de Sintra denominou a região desta maneira porque a paisagem serrana lhe parecia "agreste e selvagem", pelo que, metaforicamente, a associou a um leão[3].

No entanto, noutra passagem a respeito da etimologia do nome desta terra, ora atribuída a Luís de Cadamosto, afirma-se que os portugueses, durante as trovoadas, ouviram trovões "rugindo como um leão, vindo da montanha, com o vento soprando da montanha para o mar", daí a razão pela qual deram este nome à região[4].

Em todo o caso, hodiernamente, já há autores modernos que contestam a autoria do nome «Serra Leoa» puramente a Pedro de Sintra, defendendo antes que o nome terá sido atribuído por outros navegadores portugueses, que terão passado previamente pelo território, sem documentar a sua passagem.[5]

A presença europeia no território data de 1462, quando os portugueses exploraram o litoral e fundaram as primeiras feitorias. Ainda hoje persistem edifícios construídos pelos portugueses. No século XVI, guerreiros mandingas, de origem mandé, vindos do interior, invadiram a região e forneceram escravos aos negreiros europeus. Em pouco tempo a área tornou-se num objeto de acirrada disputa comercial entre os traficantes de escravos portugueses, franceses, ingleses, holandeses, dinamarqueses e prussos.

Ilustração de 1856 da cidade de Freetown, para onde foram levados os primeiros escravos libertos da Nova Inglaterra e das Antilhas.

No século XVII, os comerciantes ingleses expulsaram os portugueses e em 1787, após campanha antiescravagista, uma organização abolicionista britânica fundou o núcleo que se tornaria a cidade de Freetown, para onde trasladou várias centenas de escravos libertos na Nova Inglaterra (EUA) e Antilhas que haviam buscado refúgio na Grã-Bretanha. A Companhia de Serra Leoa foi criada em 1791 com a finalidade de governar a colônia, tarefa que desempenhou até 1808. O porto local oferecia grande segurança e quando o Parlamento de Londres declarou ilegal o tráfico de escravos, em 1807, o governo britânico ali instalou uma base naval para o lançamento de operações contra as atividades dos traficantes.

Em 1808 a região da península de Serra Leoa converteu-se em colónia britânica e a população passou a assinalar um significativo crescimento, em consequência da chegada dos carregamentos de escravos apreendidos pelos navios de guerra britânicos. Em 1896, depois de vencer a resistência armada das tribos do interior, a Grã-Bretanha proclamou o protetorado sobre as demais regiões do território, distinto da colónia, e as fronteiras com a Libéria e a Guiné são fixadas. Em 1924, o país recebe uma Constituição, substituída por outra de 1947. Em 1951, a Constituição converteu Serra Leoa em Estado unitário. A colónia e protetorado foram unificados em 1960.

Efigie de Sir Milton Margai em uma moeda.

Em 1961, no âmbito do processo de descolonização, a independência foi conquistada e o país passou a integrar a Comunidade Britânica de Nações (Commonwealth). A Constituição garantia o direito de voto para as mulheres. No entanto, o governo ficou nas mãos de uma oligarquia dirigida por Sir Milton Margai, apoiado pelos ingleses.

Em 1967, depois da realização de eleições em que o vencedor foi Syaka Stevens, líder do Congresso de Todo o Povo (All People's Congress - APC), o governo eleito foi deposto e o Exército deu um Golpe de Estado, criando o Conselho Nacional para a Reforma. Em 1968, ocorreu uma nova revolta militar, depois da qual foi restaurado o governo civil. Em 19 de abril de 1971, durante as comemorações pelo décimo aniversário da independência, Stevens, fortalecido promulga uma nova Constituição. O país, após 10 anos de instabilidade política, adotou então um regime republicano, rompendo os vínculos com a coroa britânica, mas mantendo-se, entretanto, integrado à organização britânica. Siaka Stevens assumiu o cargo de primeiro-ministro. Tornou-se, assim, o primeiro dirigente oposicionista africano a chegar ao poder por meio de eleições.

Nas eleições de 1973, o único partido que se apresentou foi o Congresso de Todo o Povo. Com a promulgação de uma nova Constituição, em junho de 1978, institucionalizou-se o sistema de partido único, que permitiu a Stevens, presidente e primeiro-ministro, manter-se no poder até 1986. Quando desistiu de se candidatar à reeleição, criaram-se as condições para que a oposição crescesse.

Em 1985 Stevens, com oitenta anos de idade, renunciou e foi sucedido pelo general Joseph Momoh. Um plebiscito marcou, em 1990, a redemocratização do país. No começo de 1991, houve grupos dissidentes que assumiram o controlo de várias cidades, com a ajuda militar da Guiné e da Nigéria. Pouco depois, foi aprovada uma Constituição que, entre outras conquistas democráticas, decretava a liberdade partidária. O processo de abertura, entretanto, foi interrompido em 1992 por um novo golpe, quando o capitão Valentine Strasser assumiu o poder. Uma rebelião explode na fronteira da Libéria, no Leste do país. Pressionado pelo Reino Unido, que em 1993 suspendeu a ajuda económica ao país, o governo prometeu convocar eleições diretas em 1996.

Ahmad Tejan Kabbah, presidente de Serra Leoa por 2 mandatos.

Em 1996, o presidente Valentine Strasser foi deposto por um golpe militar, tendo o brigadeiro Julius Maada Bio assumindo o governo da nação. As urnas deram a presidência a Ahmad Tejan Kabbah, do Partido do Povo de Serra Leoa, que governara com Margai entre 1961 e 1967. Mas, as atividades de grupos guerrilheiros, como a Frente Revolucionária Unida, mantiveram o estado de guerra interna que levou ao golpe de Estado do major Johnny Paul Koroma, que depôs o presidente Kabbah em maio de 1997. Uma intervenção das vizinhas Guiné e Nigéria, que chegaram a bombardear Freetown em junho desse ano, fracassou na tentativa de devolver o poder a Kabbah, enquanto Koroma endurecia sua posição suspendendo a Constituição e proibindo os partidos políticos. O país foi considerado pela ONU, em 1997, o menos desenvolvido do mundo, apesar das suas riquezas naturais.

Em 1998, Kabbah foi reconduzido ao cargo, mas os conflitos entre rebeldes e forças governamentais prosseguiram. Em 2002 firmou-se um acordo de paz com os rebeldes e Kabbah foi reeleito presidente.

A Serra Leoa é também conhecida pela infelicidade de possuir inúmeras minas de diamantes, que foram responsáveis por inúmeras mortes e revoluções que quase levaram o país ao extermínio. Hoje em dia muitas marcas ficaram, e mesmo após o afirmarem o fim do tráfico de diamantes, ainda hoje é possível encontrarem-se minas abertas onde ainda se escravizam centenas de pessoas (incluindo crianças).

Ver também editar

Referências

  1. Infopédia. «Pedro de Sintra - Infopédia». Infopédia - Porto Editora. Consultado em 10 de abril de 2022 
  2. Infopédia. «Serra Leoa - Infopédia». Infopédia - Porto Editora. Consultado em 10 de abril de 2022 
  3. Pacheco Pereira, Duarte (1892). Esmeraldo de situ orbis (PDF). Lisboa: Imprensa Nacional. p. 112  «muytos cuidam que este nome de serra lyoa lhe foy posto por aqui hauer Lyoões, & isto he falso por que Pero de Sintra hum cavalleiro do Infante Dom Anrique que per seu mandado esta terra descobrio por ver huma terra tam aspera e braua lhe poz nome Lyoa & nom per outra causa & isto se nom deue duuidar por que he verdade; por que elle me disse assim»
  4. Luis, Cadamosto; Lopes, Thomé (1812). Collecção de noticias para a historia e geografia das nações ultramarinas: que vivem nos dominios portuguezes, ou lhes são visinhas, tomo II - Navegação do Capitão Pedro de Cintra, portuguez, escrita por messer Luiz de Cadamosto. Lisboa: Typ. da Academia. p. 76. 470 páginas  «a estas ilhas pozerão o nome de Selvagens, e à dita montanha de Serra Leôa, e isto pelo grande rugido, que de continuo alli se sente por causa das trovoadas, que ha no seu cume, o qual está sempre cercado de nuvens»
  5. Ngozi Cole (3 de setembro de 2018). «The Real Meaning Behind Sierra Leone's Beautiful Name» (em inglês). Culture Trip. Consultado em 23 de maio de 2021. Cópia arquivada em 23 de maio de 2021