Misticismo nazi

Especulações sobre a ligação do nazismo com o ocultismo

Misticismo nazi é um termo usado para descrever uma subcorrente do Nazismo quase religiosa, caracterizando-se pela combinação do nazismo com o ocultismo, o esoterismo, a cripto-história e o paranormal. Alguns casos atribuem uma importância religiosa ao romantismo alemão,[1] a Adolf Hitler e à sua doutrina.

O misticismo nazi tem a sua origem nas ideias racistas de Arthur de Gobineau, Guido von List e Jörg Lanz von Liebenfels que tiveram um papel importante no início e vieram a fundar movimentos após a guerra. Oficiais nazistas de alta patente como Heinrich Himmler, Rudolf Hess e Walther Darré foram conhecidos pelo seu interesse no misticismo e no paranormal.

O papel desempenhado pelo misticismo no desenvolvimento do Nazismo e dos seus ideais foi imediantamente identificado em 1940 por Lewis Spence na sua obra “As causas ocultas da presente guerra”. O esoterismo hitleriano centra-se nas mitologias pagãs pré-cristãs, como a germânica, hindu, taoísta e a samurai.

Os teutões de uma forma geral e os povos germânicos de uma forma particular serviram de base para a crença na “raça ariana”, e da sua superioridade sobre todas as outras. Foram sugeridas diferentes origens para o início desta raça superior, desde a Atlântida, Thule na Escandinávia, Hyperborea na Grécia e Shambhala no Tibete. Outro pensamento dominante era o de que esta raça superior tinha sido enfraquecida por se misturar com outras raças “inferiores”.

Influências originárias editar

Em 1912, um grupo de místicos alemães altamente anti-semitas formou a Germanenorden (Ordem dos Teutões). A Germanenorden era uma sociedade mística baseada na prova da origem ariana. O biógrafo Ian Kershaw não a classifica como uma sociedade mística, mas, sim, como uma sociedade popular/populista[carece de fontes?].

Os membros fundadores da ordem incluíam Theodor Fritsch, Phillip Stauff (aluno de Guido von List) e Hermann Pohl. Esse último viria a formar a Ordem Teutônica do Santo Graal, em 1915. Muitos membros da Germanenorden viriam a ocupar posições elevadas no partido nazista.

Ariosofia editar

O termo Ariosofia foi criado por Lanz von Liebenfels, fundador da Ordem dos Novos Templários, em 1915, e substituiu a Teozoologia e o Ariocristianismo como etiqueta da sua doutrina nos anos 1920. É normalmente utilizado para descrever as teorias arianas de ocultismo e racismo.

Armanismo editar

Guido von List chamava à sua doutriana “Armanismo” (nomeado de acordo com os “Armanen”, supostamente os herdeiros do rei sol, um corpo de padres-reis na antiga Nação Ário-Germânica).

A Sociedade Vril editar

A Socieade Vril não tem actividades documentadas até 1915, mas crê-se que foi fundada pelo General Karl Haushofer, um aluno do mágico e metafisico russo Georg Ivanovitch Gurdjieff.

Em Berlim, Haushofer fundou a Sociedade Vril. O seu objectivo era explorar as origens da raça ariana e praticar exercícios de concentração para a acordar as forças de Vril (uma raça subterrânea, baseada na obra de ficção A Raça Futura, de Edward Bulwer-Lytton).

Quer Gurdjieff, quer Haushofer afirmavam ter contactos com fontes tibetanas que tinham o segredo dos “superhomens”. Há quem afirme que o poder persuasivo de Hitler advinha dos segredos ensinados por Gurdjieff, que tinha aprendido com os Sufis e os Lamas tibetanos, e estava familiarizado com os ensinamentos Zen da Sociedade Japonesa do Dragão Verde.

Oração a Hitler editar

No nazismo Adolf Hitler era ocasionalmente comparado com Jesus[carece de fontes?], ou tido como um Messias enviado por Deus.

Em alguns orfanatos era habitual esta oração[carece de fontes?]:

Führer, mein Führer, von Gott mir gegeben, beschütz und erhalte noch lange mein Leben

Du hast Deutschland errettet aus tiefster Not, Dir verdank ich mein täglich Brot

Führer, mein Führer, mein Glaube, mein Licht

Führer mein Führer, verlasse mich nicht.

Tradução aproximada:

Führer, meu Führer, que me foste enviado por Deus, protege-me e mantém-me vivo por muito tempo.

Salvastes a Alemanha da mais profunda miséria, a ti te devo o meu pão de cada dia

Führer, meu Führer, minha fé, minha luz

Führer meu Führer, não me abandones.

Julius Evola era um ocultista com tendências políticas de extrema direita, e embora nunca tenha estado ligado nem ao nazismo nem ao fascismo italiano, tentou converter Mussolini ao paganismo, e afastá-lo de um acordo com o Vaticano[carece de fontes?]. A sua influência na mística nazi foi muito maior após a guerra do que enquanto estavam no poder[carece de fontes?].

Savitri Devi editar

Com a queda do Terceiro Reich, o esoterismo hitleriano tinha ficado sem Hitler, que, morto, podia agora ser tornado numa divindade. Savitri Devi tentou ligar a idelogia ariana com os indianos pró-independência, especialmente hindus. Para eles, a suástica era um símbolo particularmente importante, significando a unidade entre os hindus e os alemães (sendo também um símbolo de boa sorte para os tibetanos). Muitos hindus ainda consideram Hitler um swami, especialmente os da sociedade Vishva Hindu Parishad (VHP) (ver Hitler, o Quase Anticristo, de Dave Hunt).

Miguel Serrano editar

Miguel Serrano foi um diplomata chileno que defendia que Hitler estava em Shambhala, um centro subterrâneo na Antártida onde estava em contacto com os deuses de Hyperborea, de onde emergiria com uma frota de OVNIs para liderar as Forças da Luz contras as Forças das Trevas, dando origem ao Quarto Reich.

Ahnenerbe editar

A Sociedade Ahnenerbe era um ramo das SS, dedicado principalmente à pesquisa de provas da superioridade da raça ariana, mas também envolvida em práticas de ocultismo. Fundada em 1935 por Himmler, esta Sociedade esteve envolvida na busca da Atlântida e do Santo Graal.

Pesquisas e expedições editar

Foram gastos muitos recursos e tempo em pesquisas com vista a criar uma base que tivesse aceitação popular sobre a origem cultural, cientifica e histórica da raça Ariana superior. Foram criadas organizações místicas como a Sociedade Thule, o Sol Negro (Schwarze Sonne), a Sociedade Vril e outras, normalmente ligadas a corpos de elite das SS, e adaptando crenças, rituais e iniciações especificas.

Foram organizadas expedições ao Tibete, Nepal, Grécia, ao Ártico e à Antártida em busca da nação Ariana de Hyperborea, cuja capital, Ultima Thule, foi supostamente construída pelos antepassados extraterrestres das raças arianas, provenientes da estrela Aldebaran.

Foram ainda organizadas expedições similares em busca de objetos semi-míticos que se acreditava trazerem consigo poderes especiais ao seu portador, como o Santo Graal e a Lança do Destino, também conhecida como lança de Longinus, supostamente o nome do centurião romano a quem pertencia a lança.

Influência do paganismo no período de Hitler editar

Alguns autores, escreveram sobre as fortes influências por crenças de cunho pagão sobre o nazismo. Dentre essas crenças pagãs, a fé nazista pregava que seriam eles a raça ariana descendente do povo de Atlântida, mencionada pelo filósofo grego Platão, e, no entendimento nazista, o povo judeu seria a causa de sua destruição. Também houve uma mistura de elementos do panteão da mitologia germânica, pregado por líderes e propagandistas nazistas, por intermédio dos órgãos de informação oficial, e num último momento, para se opor definitivamente a católicos e protestantes, há substituição do Deus monoteísta por deuses viquingues.

Em 1934, no livro "Nazismo: um assalto à civilização" é apresentado que no dia 30 de Julho de 1933 mais de cem mil nazistas tinham-se reunido em Eisenach para declarar querer tornar "a origem germânica a realidade divina", restaurando Odin, Baldur, Freia, e os outros deuses teutônicos nos altares da Alemanha - Wotan deveria estar no lugar de Deus, Siegfried no lugar de Cristo.[2] Nesses rituais, o Deus Pai e o seu Cristo eram substituídos por esse panteão pagão.[3]

Durante o ano de 1936, Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, apresenta o Nazismo como se fosse uma religião a ser respeitada, defendendo uma nova fé alemã. Joseph Goebbels havia sido editor do Der Angriff (o Ataque), um jornal propagandista nazista. Antes de suicidar-se, na sua “carta”, Hitler o nomeia Chanceler da Alemanha, o que mostra o grau de confiança que depositava nesse Ministro, responsável pela propaganda oficial, e o primeiro que teria utilizado a expressão Heil Hitler.

Movimento da Fé Germânica (Deutsche Glaubensbewegung, DGB) tinha como profeta Jakob Wilhelm Hauer (1881-1962),[4] professor de Teologia em Tübingen, que pregava uma fé ariana para os alemães. No livro Deutsche Gottschau, Hauer defendia que a história da Alemanha era mais do que mera seqüência de factos, havendo na sua base uma Divindade que encarnava o espírito da raça ariana.[5]

A Páscoa de 1936, foi preparada na Alemanha como se um grande festival pagão se tratasse. As livrarias encheram-se de literatura pagã, e a bandeira azul com o disco solar dourado do “Movimento da Fé Germânica” (DGB) chegou às mais recônditas zonas rurais. Uma grande manifestação foi organizada em Burg Hunxe, na Renânia.[6]

Em 1937, o Papa Pio XI publica uma encíclica de condenação ao Nazismo,[7] onde diz:

Damos graças, veneráveis irmãos, a vós, aos vossos sacerdotes e a todos os fieis que, defendendo os direitos da Divina Majestade contra um provocador neopaganismo, apoiado, desgraçadamente com freqüência, por personalidades influentes, haveis cumprido e cumpris o vosso dever de cristãos.

No Congresso de Nuremberg, em 1937, revivia entre os nazistas o paganismo ancestral do povo ariano, surgindo um místico laicismo como um dos tópicos centrais em discussão: para que a Alemanha voltasse à sua antiga fé, não bastava a separação da Igreja e do Estado; as Igrejas cristãs teriam que ser destruídas, e o Estado transformado numa nova Igreja; impunha-se uma nova religião Nacional[8]

Micklem, ao escrever “O Nacional Socialismo e a Cristandade”, apresenta rituais da mitologia nórdica, uma crença tipicamente pagã, onde, durante esse ritual, em 1938, o proeminente oficial nazista Julius Streicher, no festival nórdico do Solstício de Verão, perante uma enorme multidão de alemães reunidos em Hesselberg - montanha que o Führer declarou sagrada -, ao lado de uma grande fogueira simbólica, disse:

"Se olharmos para as chamas deste fogo sagrado e nelas lançarmos os nossos pecados, poderemos baixar desta montanha com as nossas almas limpas. Não precisamos nem de padres nem de pastores".[9]

Julius Streicher, autor dessa declaração, era amigo pessoal de Hitler responsável pelo marketing nazista, por intermédio do jornal Der Stürmer, o qual fora diretor, era um dos que faziam a apresentação para o público do que de representava o nazismo. Era um dos porta vozes da imagem nazista, foi um dos principais responsáveis pelo ambiente racista, xenófobo e anti-semita na Alemanha, que acabaria por culminar no Holocausto, em 1938. Suas declarações nesse ritual rompiam com as igrejas cristãs, protestantes e católica.[10]

É nesse ano de 1938, depois das perseguições aos judeus que vinham desde a subida ao poder de Hitler, em 1933, que a perseguição aos cristãos também passava a ser sistemática. Gerado pela ação dos responsáveis por órgãos nazistas, como destaque para, além de Goebbels, Heinrich Himmler e Reinhard Heydrich,[11] o nazismo entrava em clara rutura com as igrejas cristãs, protestantes e católica.

Mais tarde, ao estudar o fenômeno totalitário, o filósofo Herbert Marcuse identifica na ideologia do nazismo várias camadas sobrepostas, considerando precisamente o paganismo, a par do misticismo, racismo e biologismo, uma das componentes essenciais da sua "camada mitológica".[12] A perspetiva de Marcuse foi partilhada pela "Escola de Frankfurt", especialmente por Max Horkheimer e Erich Fromm.

Segundo o teólogo protestante Paul Tillich, no paganismo do nazismo estava o elemento essencial que explicava o seu anti-semitismo, no enfoque colocado nos "laços de sangue arianos".[13] Essa visão de Tillich pode ser explicada pela propaganda nazista distorcida que adicionava, à crença grega em Atlântida, que o povo judeu seria a causa da destruição dessa cidade mítica.

Para Emmanuel Levinas, o Nazismo apresentava uma forma de religiosidade pagã que se opunha a toda uma civilização monoteísta[14]

Na Ficção editar

Nazis: The Occult Conspiracy (1998, dirigido por Tracy Atkinson e Joan Barron, narrado por Malcolm McDowell

Referências

  1. Consciência e inconsciência do nazismo
  2. Alfred E. Smith et al., Nazism: An Assault on Civilization, ed. Paassen, Pierre Van and James Waterman Wise, Nova Iorque, Harrison Smith and Robert Haas, 1934, p. 141
  3. Alfred E. Smith et al., Nazism: An Assault on Civilization, ed. Paassen, Pierre Van and James Waterman Wise, Nova Iorque, Harrison Smith and Robert Haas, 1934, pp. 141, 150, 207, 210.
  4. Poewe, Karla Poewe; Irving Hexham, “Jakob Wilhelm Hauer's New Religion and National Socialism”, Journal of Contemporary Religion, Vol. 20, Nº 2, May 2005, pp. 195-215. http://www.ingentaconnect.com/content/routledg/cjcr/2005/00000020/00000002/art00004
  5. Stephen H. Roberts, The House That Hitler Built, Nova Iorque, Harper & Brothers, 1938, p. 276.
  6. Stephen H. Roberts, The House That Hitler Built, Nova Iorque, Harper & Brothers, 1938, p. 275-276.
  7. Mit brennender Sorge
  8. Edmond Vermeil, Germany in the Twentieth Century: A Political and Cultural History of the Weimar Republic and the Third Reich, Nova Iorque, 1956, pp. 194-195.
  9. N. Micklem, O Nacional socialismo e a Cristandade, Lisboa, 1940, p. 29
  10. N. Micklem, O Nacional socialismo e a Cristandade, Lisboa, 1940, p. 28-29
  11. Vincent Carroll e David Shiflett, Christianity on Trial, São Francisco, CA, Encounter Books, 2002, p. 116
  12. Herbert Marcuse, Technology, War, and Fascism, ed. Kellner Douglas, vol. 1, Londres, Routledge, 1998, p. 143-146
  13. Paul Tillich, Against the Third Reich: Paul Tillich's Wartime Addresses to Nazi Germany, ed. Stone, Ronald H. and Matthew Lon Weaver, trad. de Matthew Lon Weaver, 1ª ed., Louisville, KY, Westminster John Knox Press, 1998, p. 6.
  14. Howard Caygill, Levinas and the Political, Londres, Routledge, 2002, p. 32.