Revoluções coloridas

termo político associado à democratização

Revoluções coloridas, revoluções de cores ou revoluções de cor é a designação atribuída a uma série de manifestações políticas de oposição que envolveram a derrubada de governos, considerados antiestadunidenses, e a sua substituição por governos pró-ocidentais ou pró-OTAN.

Ocorridas a partir dos anos 2000, a maior parte dos casos bem-sucedidos de revoluções coloridas ocorreu em países com democracias recentes, ou em processo de democratização, na área de influência ou no território da antiga União Soviética, sendo que o principal resultado efetivo foi a derrubada de governos pró-Rússia e a ascensão ao poder de grupos ou partidos políticos pró-Estados Unidos.[1][2] Alguns autores consideram que tais revoluções foram patrocinadas diretamente pelos Estados Unidos,[3] enquanto outros defendem que isso só foi possível devido à existência de movimentos de oposição locais ou nacionais.[4]

Estas manifestações têm em comum o uso de ação direta, da resistência não violenta (de acordo com os seus apoiantes), um discurso de democratizante, liberalizante e pró-ocidental,[5] destacando-se também o papel central de mobilização desempenhado por algumas ONGs, organizações estudantis e pela mídia.

O sucesso de cada um desses movimentos é variável, mas o seu eco repercutiu em todo o espaço da antiga União Soviética, e alguns líderes como Vladimir Putin, na Rússia, e Aleksandr Lukashenko, na Bielorrússia, tomaram medidas preventivas para impedir a sua expansão. Nos anos 2000, correram revoluções bem-sucedidas desta modalidade na República Federal da Jugoslávia (a Revolução Bulldozer, em 2000), na Geórgia (a Revolução Rosa, em 2003), na Ucrânia (a Revolução Laranja, em 2004), e (ainda o mais violento) no Quirguistão (a Revolução das Tulipas, em 2005).[2] Nestes casos, os grandes protestos se seguiram a eleições disputadas, em que os partidos derrotados acusaram os vencedores de fraude eleitoral, e os protestos acabavam por levar à renúncia ou deposição os governos de situação, acusados considerados por seus opositores como autoritários. Outros processos semelhantes ocorreram sem o mesmo sucesso nos anos 2010, no Egito, Venezuela, Líbia, Síria e Ucrânia. Em alguns casos, as manifestações violentas, o radicalismo das facções envolvidas e o apoio de grandes potências a um dos lados envolvidos na disputa, resultou em processos bem mais violentos, incluindo alguns casos em guerras civis em países do Oriente Médio[6] como na Líbia, Síria[7], Iêmen e, ainda, na ex-URSS, na Ucrânia.

O alcance e o significado dessas "revoluções" ainda estão em discussão, bem como o papel desempenhado por agentes externos, principalmente por norte-americanos — CIA, Open Society Foundations (do magnata George Soros), USAID e o National Endowment for Democracy. Apesar de apoiar esses movimentos e de apresentá-los como puramente nativos ou nacionalistas, críticos os acusam de serem manipulados e maximizam a importância desses agentes externos.

Em 2007, tentou-se expandir essas "revoluções" para a América Latina, com o uso de estudantes e ONGs para fazer oposição a governos de esquerda, como no caso dos opositores de Hugo Chávez, no episódio do referendo à reforma da Constituição da Venezuela, em que os estudantes tiveram um papel importante em oposição.

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América Latina editar

Brasil editar

  • De acordo com William Engdahl, o Brasil teve sua revolução colorida em 2013, a qual resultou no impeachment da presidente eleita, Dilma Rousseff, em 2016. Segundo Engdahl, "a remoção de Dilma Rousseff e seu Partido dos Trabalhadores após 13 anos na liderança do Brasil foi uma nova forma de Revolução Colorida de Washington, que poderíamos chamar de golpe judicial de juízes e congressistas corruptos.". Segundo o autor, a visita de Joe Biden ao Brasil em Maio de 2013 foi o catalisador para os protestos que se iniciaram no mês seguinte. A visita tinha como finalidade convencer a presidente a permitir que empresas estadunidenses pudessem ter acesso ao petróleo do Pré-Sal assim como fazer com que o governo brasileiro afastasse as empresas chinesas do negócio. "Antes da visita de Biden em maio de 2013, Dilma Rousseff tinha 70% de popularidade. Menos de duas semanas depois que Biden deixou o Brasil, protestos em todo o país por um grupo muito bem organizado chamado Movimento Passe Livre, em razão de um aumento nominal de 10 centavos no preço da passagem de ônibus, praticamente deixaram o país parado e se tornaram violentos. Os protestos traziam a marca registrada das típicas "Revoluções Coloridas" ou desestabilizações da mídia social e Twitter, que parecem seguir Biden onde quer que ele faça parte. Dentro de algumas semanas, a popularidade de Dilma despencou para 30%.". O fato da Mídia Ninja, que ganhou notoriedade por cobrir e incentivar os protestos de Junho de 2013, receber, segundo o jornalista Bruno Garschagen financiamento da Open Society de George Soros é outro fator importante no que Engdahl chama de a Revolução Colorida Brasileira.[8] De acordo com Jenny Barchfield:

    O Brasil é o 'B' no bloco BRICS das economias em desenvolvimento, então era apenas uma questão de tempo para os anglo-americanos orquestrarem uma clássica campanha de desestabilização, completa com sites de governo 'anônimos', caos nas ruas e caos geral. sem um objetivo claro ou prazo, a fim de estrangular este competidor novato no berço. Essa impressão caótica é apenas uma fachada, e as agências de inteligência por trás dos acontecimentos provavelmente preparam a próxima fase da operação que foi meticulosamente preparada com bastante antecedência."

Bolívia editar

Após as eleições de 2019, onde o presidente em exercício Evo morales foi reeleito, protestos eclodiram em todo o país alegando fraude. Um relatório da Organização dos Estados Americanos também relatou fraude, embora tenha sido posteriormente contestada por alguns pesquisadores.[9] Depois de ser pressionado pelos militares, Morales e muitos de seus apoiadores renunciaram e um governo interino assumiu.[10] Alguns, incluindo o governo Añez, chamaram esses eventos de "Revolução Pitita". Foi chamada de revolução colorida por alguns analistas, especialmente pelos apoiadores de Morales.[11]

Iugoslávia editar

 
  • A "revolução Bulldozer", em 2000, que levou à derrubada do governo de Slobodan Milošević. Estas manifestações são geralmente consideradas como o primeiro exemplo de revoluções pacíficas que se seguiram. No entanto, os sérvios adotaram uma abordagem que já havia sido utilizada nas eleições parlamentares na Bulgária (1997), Eslováquia (1998) e Croácia (2000), caracterizada por uma mobilização cívica através de campanhas de votações e de unificação da oposição política. Os manifestantes em todo o país não adotaram uma cor ou um símbolo específico, porém, o slogan "Gotov je" se tornou um símbolo após celebrar a conclusão da tarefa. Apesar das semelhanças, muitos se referem a Geórgia como o início mais definitivo da série de "revoluções coloridas". As manifestações foram apoiadas pelo movimento juvenil Otpor.

Estados da antiga URSS editar

  • A Revolução Rosa na Geórgia, na sequência das disputadas eleições de 2003 , levou à queda de Eduard Shevardnadze, substituindo-o por Mikhail Saakashvili, após novas eleições serem realizadas em março de 2004. A Revolução das Rosas foi apoiado pelo movimento de resistência cívica Kmara.
  • A Revolução Laranja na Ucrânia, seguida do segundo turno das disputadas eleições presidenciais ucranianas de 2004, conduzindo à anulação do resultado e a repetição da rodada - O líder da oposição Viktor Yushchenko foi declarado presidente, derrotando Viktor Yanukovych. A Revolução Laranja foi apoiada pelo Pora.
  • A Revolução das Tulipas no Quirguistão (também às vezes chamada de "Revolução Cor de Rosa"), foi mais violento que suas antecessoras e seguiram a disputada eleição parlamentar do Quirguistão de 2005. Ao mesmo tempo, era mais fragmentada do que as anteriores revoluções "coloridas". Os manifestantes em diferentes áreas aprovaram as cores rosa e amarela para os seus protestos. Esta revolução foi apoiada pelo movimento de resistência juvenil Kelkel.

Usos relacionados ao Oriente Médio editar

Os eventos seguintes, tendo tido lugar no Oriente Médio em vez de países pós-comunistas da Europa e da Ásia Central, têm, no entanto, às vezes sido descrito como parte da série de revoluções coloridas, e seus nomes populares desenhados especificamente para traçar um paralelo. No entanto eles têm diferenças marcantes com as revoluções descritas acima, e, portanto, sua inclusão na série de "revoluções coloridas" não está tão longe de ser universalmente aceitas.

  • A Revolução dos Cedros no Líbano, entre fevereiro e abril de 2005, não se seguiu a uma eleição disputada, mas ao assassinato de Rafik Hariri, líder da oposição em 2005. Além disso, em vez da anulação de uma eleição, o povo exigia um fim à ocupação do Líbano pela Síria. No entanto, alguns dos seus elementos e alguns dos métodos utilizados nos protestos têm sido bastante semelhante, o que é frequentemente considerado e tratado pela imprensa e comentaristas como uma parte da série de "revoluções coloridas". O Cedro do Líbano é o símbolo do país e da revolução que foi nomeada após seu término. Os manifestantes usaram as cores da bandeira do país (Vermelho e Branco) durante as manifestações. Os protestos levaram à retirada das tropas da Síria em Abril de 2005, terminando a sua presença de quase 30 anos ali,apesar de que até os dias atuais a Síria mantém influência direta no país.
  • Revolução Azul foi um termo usado por alguns kuwaitianos para se referir às manifestações de apoio do Kuwait, em início de março de 2005, ao sufrágio feminino. O movimento foi assim nomeado em razão da cor dos sinais utilizados pelos manifestantes. Em maio daquele ano, o governo do Kuwait atendeu às suas exigências, garantindo às mulheres o direito de voto no início de 2007, nas eleições parlamentares. Como não houve pedido de mudança de regime, o movimento não pode ser qualificado como uma verdadeira revolução de cores.
  • Revolução Púrpura foi o termo usado por alguns indivíduos favoráveis à invasão do Iraque pelos Estados Unidos - e depois capturado pelo presidente dos Estados Unidos George W. Bush - para descrever o fim do governo de Saddam Hussein e a chegada da democracia ao Iraque, após as eleições legislativas iraquianas de 2005. Foi intencionalmente utilizada para traçar um paralelo com as revoluções Laranja e Rosa. No entanto, o nome não é de uso geral no Iraque, nem nos Estados Unidos. O nome se refere ao fato de que os dedos dos eleitores eram coradas, para evitar o voto múltiplo fraudulento.

Revoluções fracassadas editar

Documentários editar

"The Revolution Business" (em inglês) Documentário que analisa o papel das agências de inteligência dos EUA, que procuram tirar proveito de movimentos revolucionários recentes, como a "Primavera Árabe", entre outros, utilizando-se de "Consultores revolucionários"

Referências editar

  1. CHETERIAN, Vicken (2005). "Revoluções" à moda do Leste. Le Monde Diplomatique Brasil, 01/11/2005. <http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=1228>
  2. a b ORTEGA, Felipe A. (2009). As Revoluções Coloridas e seus reflexos em política externa. Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais. PPG-RI San Tiago Dantas, São Paulo, SP.
  3. MACKINNON, M. (2007). The New Cold War. Carroll and Graf. New York, USA.
  4. BEISSINGER, M. R. (2007). Structure and Example in Modular Political Phenomena: The Diffusion of Bulldozer/Rose/Orange/Tulip Revolutions Perspectives on Politics, Issue 02, June 2007, p 259-276. <http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=1020876&fileId=S1537592707070776>
  5. FFLCH - USP, 2011. Pág.83, último §.
  6. VISENTINI, Paulo F. et al (2012). O Verão Árabe: guerra civil e intervenção internacional na Líbia, Síria e Iêmen. Ciências & Letras, n. 51, p. 57-79, jan./jun. 2012. Porto Alegre, RS.
  7. KERR OLIVEIRA, Lucas; PEREIA BRITES, Pedro V. & SILVA REIS, João A. (2013). A guerra proxy na Síria e as disputas estratégicas russo-estadunidenses no Oriente Médio. Boletim Mundorama, Divulgação Científica em Relações Internacionais, 20/09/2013. IRI - UnB: Brasília, DF./>
    ISSN 2175-2052
  8. Bruno Garschagen (25 de agosto de 2016). «A esquerda brasileira quer definir o que você pensa. E com dinheiro de bilionário americano». O Globo. Arquivado do original em 5 de Março de 2017.
  9. «Pesquisadores do MIT questionam conclusão da OEA sobre fraude na eleição da Bolívia». G1. Consultado em 18 de novembro de 2020 
  10. Collyns, Dan (11 de novembro de 2019). «Bolivian president Evo Morales resigns after election result dispute». The Guardian (em inglês). ISSN 0261-3077. Consultado em 18 de novembro de 2020 
  11. Newswire, Eds Imperialism Bolivia (5 de setembro de 2019). «MR Online | The U.S. footprint in Bolivia's incipient colour revolution». MR Online (em inglês). Consultado em 18 de novembro de 2020 

Bibliografia editar

  • Mark R. Beissinger, Structure and Example in Modular Political Phenomena: The Diffusion of Bulldozer/Rose/Orange/Tulip Revolutions, Perspectives on Politics 5 (2007): 259-276. [1].
  • Pavol Demes and Joerg Forbrig (eds.). Reclaiming Democracy: Civil Society and Electoral Change in Central and Eastern Europe. German Marshall Fund, 2007.
  • Joerg Fobrig (Hrsg.): Revisiting Youth Political Participation: Challenges for research and democratic practice in Europe. Council of Europe, Publishing Division, Strassbourg 2005, ISBN 92-871-5654-9
  • Kurt Schock: Unarmed Insurrections: People Power Movements in Nondemocracies. University of Minnesota Press, 2005.
  • Joshua A. Tucker: Enough! Electoral Fraud, Collective Action Problems, and Post-Communist coloured Revolutions. 2007. Perspectives on Politics, 5(3): 537-553. [2]
  • Vários Autores. Ásia no Século XXI- Olhares Brasileiros. FFLCH - USP, 2011. ISBN 9788561336042
  • Tirado Sánchez, Arantxa El lawfare: golpes de Estado en nombre de la ley. Madri: Akal 2021, ISBN 8446050412