Sé Velha de Coimbra

sé em Coimbra, Portugal
 Nota: Para a Sé Nova, veja Sé Nova de Coimbra.

A Sé Velha de Coimbra, ou Catedral de Santa Maria de Coimbra como é formalmente designada, localiza-se na freguesia de Almedina, na cidade de Coimbra, em Portugal.[1]

Sé Velha de Coimbra
(Catedral de Santa Maria de Coimbra)
Sé Velha de Coimbra
Nomes alternativos Catedral de Santa Maria de Coimbra
Tipo
Estilo dominante Românico (igreja)
Gótico (claustro)
Renascentista (portal lateral)
Início da construção século XII (igreja)
século XIII (claustro)
Função inicial Religiosa (catedral)
Proprietário atual Estado Português
Função atual Religiosa (catedral e igreja paroquial)
Religião Igreja Católica Romana
Diocese Diocese de Coimbra
Sacerdote D. Virgílio Antunes
Património Nacional
Classificação  Monumento Nacional
Ano 1910
DGPC 70529
SIPA 2673
Geografia
País Portugal
Cidade Coimbra
Coordenadas 40° 12' 32" N 8° 25' 38" O

Constitui um dos edifícios em estilo românico mais importantes do país. A sua construção começou em algum momento depois da Batalha de Ourique (1139), quando Afonso Henriques se declarou rei de Portugal e escolheu Coimbra como capital do reino. Na Sé está sepultado D. Sesnando, conde de Coimbra.

A par com a Sé Nova de Coimbra, constitui a sede da Diocese de Coimbra.

A Sé Velha de Coimbra encontra-se classificada como Monumento Nacional desde 1910.[2]

História editar

Coimbra (a Emínio da época romana) é sede episcopal desde o século V, sucedendo a vizinha Conímbriga, invadida pelos Suevos em 468. Apesar da longa história, não há notícias precisas sobre a catedral de Coimbra desde a época germânica até a construção da Sé Velha. Em 1139, após a decisiva Batalha de Ourique, Afonso Henriques decide financiar a construção de uma nova catedral, provavelmente devido à anterior estar muito deteriorada. As obras devem ter começado em tempos do bispo Bernardo (m. 1146), mas o impulso definitivo foi dado em 1162 com o bispo D. Miguel Salomão, que ajudou a financiar a construção da catedral.

 
Vista exterior da abside principal (capela-mor) e torre-lanterna românicas da Sé Velha

Em 1182 as obras estavam adiantadas o suficiente para que o bispo Bernudos, sucessor de Miguel Salomão, fosse enterrado na nova Sé e, em 1185, foi coroado ali o segundo rei de Portugal, D. Sancho I. Os trabalhos principais terão terminado no início do século XIII, com as obras do claustro começando por volta de 1218, durante o reinado de D. Afonso II.

Atribui-se o projeto desta Sé românica a mestre Roberto, de possível origem francesa, que dirigia a construção da Sé-Patriarcal de Lisboa na mesma época e visitava Coimbra periodicamente. A direção das obras ficou a cargo de mestre Bernardo, também possivelmente francês, substituído por mestre Soeiro, um arquiteto que trabalhou depois em outras igrejas na diocese do Porto.

Obras importantes ocorreram no século XVI, quando se decoraram as naves com azulejos, se construiu a Porta Especiosa no lado Norte e se modificou o absidíolo Sul, mas o essencial do edifício românico foi mantido.

Em 1772, vários anos após a expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal, a sede episcopal foi transferida por ele para a antiga Igreja Jesuíta (a Sé Nova de Coimbra). Nessa altura o bispo desta diocese, D. Miguel da Anunciação, da famigerada família Távora, foi encerrado na prisão sem acusação nem julgamento durante 9 anos, e a Sé-Catedral de Coimbra foi reduzida a uma mera capela e dada à Santa Casa da Misericórdia, depois de ter sido esvaziada do seu rico património e deitado por terra o claustro e dependências anexas[3].

Arquitectura editar

 
Vista da nave e altar principal gótico

A Sé Velha de Coimbra é a única das catedrais portuguesas românicas da época da Reconquista a ter sobrevivido relativamente intacta até os nossos dias. A Sé Velha e, em menor grau, as Igrejas de Santiago e São Salvador, são expoentes da fase afonsina do românico coimbrão. Outras igrejas da cidade como a do Mosteiro de Santa Cruz e a de São João de Almedina foram muito alteradas e perderam seu carácter românico.

Vista do exterior, a Sé Velha lembra um pequeno castelo, com muros altos coroados de ameias e com poucas e estreitas janelas. A aparência de fortaleza é comum às catedrais da época e explica-se pelo clima bélico da Reconquista. A fachada oeste (principal) tem uma espécie de torre central avançada com um portal de múltiplas arquivoltas e um janelão parecido ao portal. Os capitéis, arquivoltas e jambas do portal e do janelão são abundantemente decorados com motivos românicos com influências árabes e pré-românicas. A fachada é reforçada nos cantos por contrafortes que ajudam a compensar a forte inclinação do terreno. A fachada norte tem dois portais de estilo renascentista, sendo notável a Porta Especiosa, um pórtico de três andares, tipo retábulo, construído na década de 1530 por João de Ruão. Esse portal é uma das principais obras do primeiro renascimento em Portugal. Do lado este observa-se a abside principal românica e os dois absidíolos, sendo que o do lado sul foi modificado em estilo renascentista. Sobre o transepto há uma torre-lanterna quadrangular românica com algumas alterações no século XVIII.

 
Claustro românico-gótico da Sé Velha

O interior é de três naves e cinco tramos, com o transepto pouco desenvolvido, sendo a cabeceira formada por uma abside e dois absidíolos. A cobertura é feita por abóbada de canhão na nave central e transepto, e por abóbada de aresta nas naves laterais. A nave principal tem um elegante trifório (galeria com arcadas) no segundo piso. Todas as colunas do interior tem capitéis decorados com temas geométricos, vegetalistas ou animalistas. As janelas da torre-lanterna do cruzeiro e o janelão da fachada principal são as principais fontes de luz natural da Sé.

O claustro, construído durante o reinado de Afonso II situa-se na transição para o gótico, encontrando-se no lado sul do templo. Cada face do claustro possui cinco arcos quebrados, envolvendo cada qual um par de arcos geminados de volta perfeita, rasgando-se em cada bandeira uma pequena rosácea decorada com traceria muito simples. Os tramos são quadrados, com as naves abobadadas, sendo so arcos torais ogivais muito apontados e os cruzeiros de volta inteira. Os capitéis dos arcos são de cesto delgado, maijoritariamente com decoração vegetalista. O feito mais interessante de toda a obra são os cantos da quadra: aí dá-se o encontro de duas arcadas góticas que mutuamente se interrompem a meia altura, criando um efeito original.

Arte editar

 
"Porta especiosa" da Sé (1530), portal renascentista por João de Ruão

O aspecto mais notável da decoração românica da Sé Velha é o grande número de capitéis esculpidos (cerca de 380), que a converte em um dos principais núcleos da escultura românica portuguesa. Os motivos são entrelaços geométricos e vegetalistas de influência árabe ou pré-românica, assim como quadrúpedes e aves enfrentadas. Praticamente não há representações humanas, e as passagens bíblicas são inexistentes. A ausência de figuras humanas é, talvez, consequência de os artistas serem moçárabes (cristãos arabizados) que se haviam estabelecido em Coimbra no século XII.

Da época gótica (séculos XIII-XIV) subsistem vários túmulos com estátuas jazentes ao longo das naves laterais, alguns muito erodidos. Um dos mais chamativos é o de D. Vataça Láscaris, uma dama bizantina que veio a Portugal no início do século XIV, acompanhando D. Isabel de Aragão, que vinha casar-se com o rei D. Dinis. Da autoria de Mestre Pero, o túmulo de D. Vataça leva o emblema do Império Bizantino: a águia de duas cabeças, um trabalho escultórico atribuído à oficina de Mestre Pero.

Na virada do século XV para o XVI, o bispo D. Jorge de Almeida promoveu uma grande campanha decorativa. Os pilares das naves e paredes laterais foram recobertos com azulejos hispano-árabes sevilhanos. Estes azulejos, coloridos e com motivos geométricos, foram retirados em uma reforma posterior, mas alguns trechos subsistem em vários pontos da Sé. Outra adição importante foi o retábulo-mor, construído entre 1498 e 1502 pelos entalhadores flamengos Olivier de Gand e Jean d'Ypres em estilo gótico flamejante. Esse retábulo, um intrincado painel com figuras esculpidas que ilustram a história da Virgem e Jesus, ocupa quase todo o espaço da capela-mor românica e é o melhor retábulo de este tipo em Portugal. O altar gótico está apoiado sobre uma mesa de altar românica, contendo inscrições.

 
Mestre Pero, Túmulo de Vataça Láscaris, 1336, rodeado de águias bicéfalas, símbolo da nobreza bizantina

O absidíolo Norte (capela de São Pedro), no qual está enterrado em campa rasa o bispo D. Jorge de Almeida, contém um altar renascentista de autoria de Nicolau de Chanterenne. O absidíolo Sul foi totalmente reconstruído em estilo renascentista (terminado cerca de 1566) e tem um magnífico retábulo de pedra com Jesus e os apóstolos, do escultor João de Ruão. Na década de 30 do mesmo século, João de Ruão já havia construído a Porta Especiosa na fachada Norte.

No transepto encontra-se também uma pia batismal gótico-renascentista (cerca de 1520-40), obra do português Diogo Pires o-Moço, originária da Igreja de São João de Almedina. A pia batismal manuelina da Sé Velha se encontra hoje na Sé Nova de Coimbra (antiga Igreja dos Jesuítas).

A Igreja Matriz de São Tiago Maior de Santiago do Cacém está geminada com a Sé Velha de Coimbra desde 2003, em memória sobretudo da amizade que ligava D. Vataça, benemérita desta igreja, à Rainha Santa Isabel de Aragão;

Foi seu Reitor o Reverendo Cónego, Monsenhor João Evangelista Ribeiro Jorge até ao ano de 2016. Em Setembro de 2016, foi nomeado Pároco da Sé Velha o Reverendo Cónego Sertório Baptista.

Ver também editar

Bibliografia editar

  • Primitivo altar românico da Sé Velha de Coimbra novamente restaurado, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1932.
  • “Sé Velha de Coimbra”, Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais N.º 109 – Setembro, Ministério das Obras Públicas, 1962.
  • AA. VV., “Coimbra”, Tesouros artísticos de Portugal (Dir. José António Ferreira de Almeida), Selecções do Reader’s Digest, 1976, pp. 200–201.
  • AA. VV., “Diocese de Coimbra”, Dicionário de história religiosa de Portugal (Dir. Carlos Moreira Azevedo), Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2000, pp. 387–399.
  • AA. VV., “O pré-românico e o românico”, História da arte, Editorial Salvat, vol. 6, 2006, pp. 164–169.
  • ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Primeiras impressões sobre a arquitectura românica portuguesa, Porto, Gráficos Reunidos, 1972, pp. 34–35.
  • ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, “O românico”, História da arte em Portugal, Lisboa, Publicações Alfa, vol. 3, 1986, pp. 112–118.
  • ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, “O românico”, História da arte em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, vol. 1, 2001, pp. 130–134.
  • CASTRO, Augusto Mendes Simões de, Noticia historica e descriptiva da Sé Velha de Coimbra, Coimbra, Imprensa Academica, 1881.
  • CORREIA, Vergilio, GONÇALVES, Nogueira, “Cidade de Coimbra”, Inventário artístico de Portugal, Lisboa, vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, 1947, pp. 9–20.
  • COUTINHO, José Eduardo Reis, Catedral de Santa Maria de Coimbra (Sé Velha), Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2001.
  • CRAVEIRO, Maria de Lurdes dos Anjos, A Sé Velha de Coimbra, Direção Regional de Cultura do Centro, 2011.
  • DAVID, Pierre, A Sé Velha de Coimbra, Porto, Portucalense Editora, 1943.
  • DIAS, Pedro, Coimbra – Arte e história, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1988, pp. 45–49.
  • DIAS, Pedro, Coimbra – Guia para uma visita, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2002, pp. 73–77.
  • GONÇALVES, A., “Coimbra”, A arte em Portugal N.º5, Porto, Marques Abreu, 1929, pp. 13–16.
  • GONÇALVES, António Nogueira, A lanterna-coruchéu da Sé-Velha de Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 1934.
  • GONÇALVES, António Nogueira, “A Sé Velha”, Novas hipóteses acerca da arquitectura românica de Coimbra, Coimbra, 1938, pp. 99–103.
  • GONÇALVES, António Nogueira, A Sé-Velha conimbricense e as inconsistentes afirmações histórico-arqueológicas de M. Pierre David, Porto, Tip. Empreza Guedes, 1942.
  • GONÇALVES, António Nogueira, Evocação da obra dos canteiros medievais de Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 1944.
  • GRAF, Gerhard N., Portugal roman, Paris, Zodiaque, vol. I, 1986, pp. 139–160.
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  • LUCENA, Armando de, A Sé Velha de Coimbra, Lisboa, Bertrand, 196-.
  • MONTEIRO, Manuel, O romanico portuguez (A Sé Velha de Coimbra e o romance de Roberto), Porto, A Portuense, 1939.
  • MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, A Sé de Coimbra: a instituição e a chancelaria (1080-1318). Lisboa: Lisboa, FCT/FCG, 2010.
  • PESSANHA, José, A Sé Velha de Coimbra, Lisboa, Typ. do Anuario Comercial, 1918.
  • PONTES, Maria Leonor Cruz. A Sé Velha de Coimbra: Uma Proposta de Interpretação Museológica. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
  • RODRIGUES, Jorge, “O mundo românico (séculos XI-XIII)”, História da arte portuguesa (Dir. Paulo Pereira), Temas e Debates, vol. I, 1995, pp. 254–257.
  • RODRIGUES, Jorge, “O modo românico”, Arte portuguesa da pré-história ao século XX, Fubu Editores, vol. 2, 2008, pp. 114–117.
  • VASCONCELOS, António de, A Sé Velha de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1930.
  • VASCONCELOS, Joaquim de, Arte românica em Portugal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1992.
  • Gerhard N Graf. Portugal/1 - Europa Romanica. Madrid: Ediciones Encuentro, 1987.

Referências

 
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Ligações externas editar