Triste Fim de Policarpo Quaresma

Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance do pré-modernismo brasileiro e considerado por alguns o principal representante desse movimento. Escrito por Lima Barreto, foi levado a público pela primeira vez em folhetins, publicados, entre agosto e outubro de 1911, na edição da tarde do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Em 1915, também no Rio de Janeiro, a obra foi pela primeira vez impressa em livro, em edição de autor.

Triste Fim de Policarpo Quaresma
Autor(es) Lima Barreto
Idioma português
País Brasil
Gênero Romance
Editora Typ. "Revista dos Tribunaes" (1a. edição)
Lançamento 1915 (1a. edição)
Páginas 352 (1a. edição)
Cronologia
As Aventuras do Doutor Bogóloff
Numa e a Ninfa
Texto disponível via Wikisource
Transcrição Triste Fim de Policarpo Quaresma

O major Policarpo é um anti-herói quixotesco, imbuído de nobres ideais, alguns beirando ao tresloucado (tanto é que passa uma temporada no hospício). Bom coração, idealista, patriota, por causa de suas qualidades acaba sendo castigado e sempre se dá mal. Uma obra clássica da literatura brasileira que ajuda a explicar por que somos como somos.[1]

"Um dos grandes herdeiros do Naturalismo, o romance de Lima Barreto disseca o sonho de um patriota exaltado ao mesmo tempo em que apresenta uma sátira impiedosa e bem-humorada do Brasil oficial."[2]

Crítica editar

A ironia do livro concentra-se, sobretudo, no modo como o narrador se posiciona diante dos desatinos da personagem, a narração em terceira pessoa não comenta ou avalia o comportamento da personagem: os fatos e consequência são narrados de modo a deixar o leitor livre para julgar os conflitos.[3]

Alfredo Bosi afirma sobre a obra:

Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. Lima Barreto nele conseguiu criar uma personagem que não fosse mera projeção de amarguras pessoais como o amanuense Isaís Caminha, nem um tipo pré-formado, nos moldes de figuras secundárias que pululam em todas as suas obras. O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalismo, no fanatismo xenófobo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados cujos bocejos amornecem os serões do subúrbio.[4]

Epígrafe editar

original em francês tradução
"Le grand inconvénient de la vie réelle et qui la rend insupportable à l'homme supérieur, c'est que, si l'on y transporte les principes de l'idéal, les qualités deviennent des défauts, si bien que fort souvent l'homme accompli y réussit moins bien que celui qui a pour mobiles l'égoïsme ou la routine vulgaire." O grande inconveniente da vida real e o que a torna insuportável ao homem superior é que, se se transferirem para ela os princípios do ideal, as qualidades tornam-se defeitos, de modo que, muito frequentemente, o homem completo tem bem menos sucesso na vida do que aquele que se move pelo egoísmo ou pela rotina vulgar.

A epígrafe do romance é retirada do 26º capítulo de Marco Aurélio ou o fim do mundo antigo (Marc-Aurèle ou la fin du monde antique), último volume da obra As origens do Cristianismo (Les origines du Christianisme) do escritor e pensador francês Ernest Renan. Renan parece argumentar que os altos ideais, muito nobres, de pouco valem no mundo real, governado por interesses e proveitos pessoais, o que nos prepara para o fracasso final de Policarpo Quaresma.

Sinopse editar

Primeira parte editar

A primeira parte da obra se desenrola na cidade do Rio de Janeiro, logo após a proclamação da república brasileira.

Buscando saídas políticas, econômicas e culturais para o Brasil, Policarpo passa grande parte de seu tempo enfiado nos livros, pelo que é criticado por parte da vizinhança que não consegue aceitar que alguém sem titulação acadêmica possa possuir livros - uma crítica ao academicismo, muito presente na obra de Lima Barreto - e que o critica ainda mais quando ele decide aprender a tocar um instrumento mal visto pela burguesa sociedade carioca da época, o violão, por considerá-lo um representante do espírito popular do país.

E é no aprendizado do instrumento que conhece aquele que será seu grande amigo no correr do romance, o seresteiro Ricardo Coração dos Outros, contratado para lhe ensinar. Porém, cedo, Policarpo se desencanta pelo violão - e pelo folclore - e parte em busca das tradições genuinamente nacionais: as indígenas.

Tal aprendizado leva a alguns momentos cômicos - como quando Policarpo recebe a afilhada e o compadre aos prantos - e à tragédia da loucura: após ter sugerido à assembleia legislativa republicana a adoção do tupi como língua oficial - e ser motivo de chacota de toda a imprensa e dos colegas de repartição -, Policarpo redige, distraído, um documento oficial naquela língua e termina, após uma elipse temporal, internado num manicômio.

Segunda parte editar

Na segunda parte, são analisados os problemas enfrentados pela porção rural do país.

São e aposentado, Policarpo vende sua casa e compra, por sugestão da afilhada Olga, um sítio na fictícia cidade de Curuzu, denominado Sossego e onde ele passa a tentar provar a decantada fertilidade do solo brasileiro.

Com a ajuda do empregado Anastácio, Policarpo luta contra saúvas, ervas daninhas e outras pragas na tentativa de incentivar a iniciativa agrícola em outras pessoas e ajudar no crescimento econômico do Brasil e do mundo inteiro. Mas além disso, Policarpo continuava a lutar contra a opinião pública e as autoridades.

A fertilidade do solo, no entanto, não se comprova na prática, e sua plantação gerou pouquíssimos lucros, por causa da peste negra e da chuva de areias. Para piorar, Policarpo viu-se envolvido, involuntariamente, na luta política da cidade, sendo atacado com multas e difamações por gregos e troianos, tudo por causa de sua suspeita (para os locais) neutralidade.

Ao saber sobre a Revolta da Armada, nosso protagonista "pede energia" em telegrama ao Marechal Floriano e segue para o Rio de Janeiro para dar apoio ao regime e sugerir reformas que mudassem a situação agrária.

Terceira parte editar

A última parte do livro narra as andanças de Policarpo pela Capital Federal durante a revolta da Armada e mostra sua desilusão final. Há aqui uma crítica feroz aos positivistas que apoiavam a Primeira República.

Chegando ao Rio, Policarpo é bem recebido por Floriano Peixoto, que, no entanto, dá pouca atenção às suas propostas de reforma.

Decidido a lutar pela República, Policarpo é então incorporado a um batalhão, o "Cruzeiro do Sul", com o posto de major, embora não tivesse qualquer experiência militar prévia.

Encarregado de um pelotão de artilharia improvisado com voluntariados à força - como seu amigo Ricardo Coração dos Outros -, Policarpo deveria rechaçar investidas dos marinheiros às praias cariocas.

A revolta criava ao mesmo tempo tensão - devido a prisões e violências arbitrárias - e oportunidades de ascensão social e empregatícia a cupinchas e puxa-sacos. Policarpo, enquanto isto, percebe que suas propostas não eram levadas a sério - é chamado, de forma um tanto irônica, de visionário pelo indolente Marechal de Ferro Floriano Peixoto - e desilude ainda mais quando, tendo entrado em combate, acaba por matar um dos revoltosos.

Finda a revolta e encarregado de cuidar de um grupo de prisioneiros, Policarpo chega à conclusão de que a pátria, à qual ele sacrificara sua vida de estudos, era uma ilusão.

Seu destino é selado quando, após presenciar a escolha arbitrária de prisioneiros a serem executados, ele escreve uma carta a Floriano Peixoto denunciando a situação: o maior patriota de todo o livro é injustamente preso, acusado de traição.

Ricardo Coração dos Outros, inteirado da situação, procura todos os antigos amigos e conhecidos de Policarpo para ajudá-lo, mas todos se recusam por medo ou ganância, com exceção da afilhada, Olga, que, no entanto, parece incapaz de fazer qualquer coisa pelo padrinho a quem admira tanto.

No final deste livro, Policarpo, devido às suas críticas, é preso e condenado ao fuzilamento, por ordem do presidente Floriano Peixoto sob a acusação de traição.

Adaptações editar

Cinema editar

Intitulado Policarpo Quaresma, Herói do Brasil, o filme de 1998 tem roteiro de Alcione Araújo e foi dirigido por Paulo Thiago. Embora respeitando em linhas gerais o enredo de Lima Barreto, esta adaptação toma algumas liberdades (como criar uma relação amorosa entre Policarpo e Olga e mostrar o fuzilamento final do protagonista, que não é descrito no livro) e satiriza aspectos da política brasileira atual, como quando um grupo de sem-terras invade o sítio do Major Quaresma, "Sossego" na cidade de Curuzu.[5][6]

Foi severamente criticado por comprar uma mansão no Morumbi e adulterar o conteúdo da obra, "anexando-se si próprio nas críticas de Lima Barreto, a adaptação se tornou a ironia referida em exemplo prático, o oportunismo ideológico tão criticado falou não pelos personagens mas pela boca da câmera" - Folha de S.Paulo.

Teatro editar

O premiado e considerado diretor teatral Antunes Filho elaborou uma livre adaptação do livro para os palcos, com o ator Lee Taylor no papel principal. O espetáculo fechava a sua "trilogia carioca" junto ao A Falecida Vapt-Vupt, do texto A Falecida, de Nelson Rodrigues, e o musical Lamartine Babo, escrito pelo próprio Antunes, sobre Lamartine Babo. A peça Triste Fim de Policarpo Quaresma, que transmutou as descrições de Lima Barreto em vários diálogos, começou a ser elaborada em 2008 e estreou em 2010 no Teatro Anchieta do Sesc Consolação, em São Paulo.[7]

Traduções editar

Desde sua publicação, a obra conta com traduções para alguns idiomas:

Idioma Título(s) Tradutor(a) Dados de publicação
Inglês The patriot Robert Scott-Buccleugh London: Rex Collings, 1978. ISBN 0860360601.
The sad end of Policarpo Quaresma Mark Carlyon London: Penguin Classics, 2014. ISBN 0141395702.
Polonês Smutny koniec Polikarpa Quaresmy Janina Zofia Klave Kraków; Wroclaw: Wydawnictwo Literackie, 1984. ISBN 8308009859.
Francês Sous la bannière étoilée de la Croix du Sud: triste fin de Policarpo Quaresma Monique Le Moing e Marie-Pierre Mazéas Paris: Editions L'Harmattan, 1992. ISBN 2738411665.
Alemão Das traurige Ende des Policarpo Quaresma Berthold Zilly Zürich: Ammann, 2001. ISBN 3250104140.
Espanhol El triste fin de Policarpo Quaresma Olga Pinheiro de Souza Buenos Aires: Mardulce, 2012. ISBN 9872803110.

Referências

  1. Ivo Korytowski, "Policarpo Quaresma, um anti-herói quixotesco", O Trem Itabirano, N. 182, março de 2021, pág. 10.
  2. «Triste Fim de Policarpo Quaresma». Consultado em 15 de agosto de 2017 
  3. Silvana Oliveira. Realismo Na Literatura Brasileira. IESDE BRASIL SA; ISBN 978-85-387-0139-2. p. 164.
  4. Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. Editora Cultrix; 1994. ISBN 978-85-316-0189-7. p. 319.
  5. Fernão Ramos; Luiz Felipe Miranda. Enciclopédia do cinema brasileiro. Senac; 2000. ISBN 978-85-7359-093-7. p. 421.
  6. ANDRE GARDEL; VALDEMAR VALENTE JUNIOR. Literatura Brasileira Ii. IESDE BRASIL SA; ISBN 978-85-387-0161-3. p. 24.
  7. "Antunes Filho estreia peça 'Policarpo Quaresma' em SP". Estadão, 26 Março 2010. Acesso: 7 de julho de 2018.

Ligações externas editar