Faca

objeto cortante capaz de ser empunhado
(Redirecionado de Facas)
 Nota: Para outros significados, veja Faca (desambiguação).

Faca é uma ferramenta ou arma com um fio cortante ou lâmina, geralmente presa a um cabo ou punho . Uma das primeiras ferramentas usadas pela humanidade, as facas surgiram há pelo menos 2,5 milhões de anos, como evidenciado pelas ferramentas olduvaienses.[1][2] Originalmente feitas de madeira, osso e pedra (como sílex e obsidiana), ao longo dos séculos, em sintonia com as melhorias na metalurgia e na fabricação, as lâminas de faca foram feitas de cobre, bronze, ferro, aço, cerâmica e titânio. A maioria das facas modernas tem lâminas fixas ou dobráveis; os padrões e estilos das lâminas variam de acordo com o fabricante e o país de origem.

Faca
Tipo
ferramenta
bladed object (d)
stabbing weapon (d)
artefacto (d)
Características
Composto de
Utilização
Usuário(a)s
talhante
cozinheiro (en)
assassino (en)
Uso
cutting (en)
coleção (en)
stabbing weapon (d)
arma de arremesso
Large knife with polished wooden handle, close to a leather sheath
Uma faca Bowie de aço soldado com padrão

As facas podem servir a vários propósitos. Os caçadores usam uma faca de caça, os soldados usam a faca de combate, os escoteiros, os campistas e os caminhantes carregam um canivete; há facas de cozinha para preparar alimentos (a faca do chef, a faca de descascar, a faca de pão, o cutelo), faca de mesa (facas de manteiga e facas de bife), armas (punhais ou canivetes), facas para arremessar ou fazer malabarismos e facas para cerimônias religiosas ou exibição (o kirpan).[3]

Etimologia

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A origem do vocábulo «faca» mantém-se obscura até à actualidade[4], sendo que a sua primeira abonação conhecida na língua portuguesa data de 1427.[5]

Há autores que defendem que a origem da palavra esteja no latim, nomeadamente numa pretensa corruptela do étimo falcŭla[6] (foice pequena), pese embora esta tese esteja em descrédito já desde meados do séc. XX.[7]

De igual modo, a tese arabista, perfilhada por alguns autores espanhóis, como Frederico Corriente Córdoba, de que poderá provir do árabe medieval farkah[7], provindo do étimo farxah[5] (navalha), embora se afigure mais credível do que a tese latinista, fraqueja na explicação quanto à evolução fonética até à pronuncia moderna, motivo pelo qual não tem conseguido convencer os estudiosos lusófonos.[7]

A este rol junta-se ainda, também sem oferecer certezas de maior, uma terceira tese, advogada por autores como José Pedro Machado, de que origem etimológica de «faca» poderá ser pré-romana.[7]

História

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As facas já existem desde a Idade da Pedra, sendo que na altura, a lâmina e a empunhadura formavam uma peça única e inteiriça, esculpida do mesmo bloco de pedra, distinguindo-se apenas, por vezes, por um revestimento no cabo, feito com tiras de couro ou fibras vegetais, por molde a oferecer maior aderência a quem o empunhasse.[8]

Ulteriormente, a presença deste instrumento volta a confirmar-se desde a Idade do bronze (6,5 milhares de anos a.C.) na Ásia Menor. A importância do mais antigo dos talheres foi registrada pelo filósofo estoico Posidónio ao narrar um festim na Gália em 97 a.C. a sua dupla função, de cortar os alimentos e também levá-los à boca, foi sendo alterada com o advento do garfo, conforme Leo Moulin.[9]

Ao longo da história humana, as facas foram produzidas das mais diferentes maneiras em várias sociedades, desde as pedras lascadas pelo homem primitivo, passando pelas facas produzidas a partir de pedaços de meteoritos ricos em ferro, até as facas produzidas nos dias de hoje pela indústria moderna.

O ápice do uso da faca como talher se deu entre o final da Idade Média e o Renascimento com os requintes da cutelaria na Itália, Alemanha, França e Espanha. No século XIV na França os Reis usavam facas conforme o calendário religioso anual: eram com cabos escuro em ébano durante a Quaresma e com cabos de ébano e marfim em Pentecostes.[10]

Há duas versões opostas referentes às opiniões e determinações do Cardeal e Duque de Richelieu, ministro de Luís XIII referentes às facas: conforme Antoine de Furetière, autor do Dicionário Universal, o Cardeal instituiu nas refeições facas de ponta afiada para uso na limpeza dos dentes, enquanto que Norbert Elias, conforme citado por Renato Janine Ribeiro,[11] defende que Richelieu proibiu essas facas mais passíveis de uso mais agressivo.

O Cardeal e Duque de Richelieu era um homem poderoso e respeitado, servindo de exemplo social. A aferição das versões contraditórias poderá ser realizada, verificando, na actualidade, quantas pessoas usam a faca de ponta afiada para uso na limpeza dos dentes e quantas mesas são postas com facas de ponta redonda e fio cortante quase nulo.

Fabrico

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De maneira geral, o atual processo de fabricação de uma faca consiste em modelar a lâmina, seja através do processo de forja ou de desbaste e aplicar um tratamento térmico conhecido como têmpera, que confere dureza ao fio da lâmina. A lâmina é, então, afiada e a sua espiga[12][13] é, subsequentemente, encabada.

Partes e características

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Partes de uma faca
  1. Lâmina (conjunto dos itens 3 a 8)
  2. Cabo ou empunhadura (conjunto dos itens 9 a 11)
  3. Ponta ou ponteira
  4. Fio ou gume
  5. Desbaste (vazado ou bisel)
  6. Dorso ou contra-fio
  7. Mosca
  8. Ricasso
  9. Guarda
  10. Pomo
  11. Cordão ou Fiel

História dos modos de fabrico

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Nas facas da Idade da Pedra, a lâmina e a empunhadura formavam uma peça única e inteiriça, esculpida do mesmo bloco de pedra, distinguindo-se apenas, por vezes, por um revestimento no cabo, feito com tiras de couro ou fibras vegetais, por molde a oferecer maior aderência a quem o empunhasse.[8]

O nascimento do punhal e, essencialmente, da espada durante a Idade do Cobre, marcou o primeiro passo, que se tomou rumo à diferenciação entre a lâmina e a empunhadura.[14] É nesta altura que se começa a afigurar aos armeiros a necessidade de conceber uma empunhadura estável, fácil de asir pelo portador e, concomitantemente, capaz de comunicar à lâmina a força que aquele lhe pretender imprimir.[15]

Deste modo, é só na Idade do Ferro, que surge a espiga[12] ou espigão[13], o que consistia numa porção mais delgada do resto da lâmina, que era encastrada dentro do cabo.[16]

Tipos, tamanhos e formatos

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Entre os diversos formatos e tipos de facas existentes, as mais conhecidas são: facas gaúchas, facas culinárias, facas táticas e de combate, facas de camping, facão de mato e as legendárias facas "bowie". Destacam-se ainda as facas utilitárias, termo usado genericamente para designar as facas que não se enquadram em um dos demais tipos com nomenclatura específica. Podem ser citados como exemplos de facas utilitárias as "skinner", usadas por caçadores para retirar a pele de animais.

Facas culinárias

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Faca padrão "Chef"

As facas culinárias têm como objetivo a chamada "découpage", ou seja trinchar, filetar, fatiar as carnes, aves, peixes, tarefa feita muitas vezes no salão dos restaurantes mais sofisticados, diante dos clientes. Os utensílios de melhor qualidade são as facas com cabo em material sintético e lâmina em aço inoxidável com liga cromo -molibdênio.[17]

As facas culinárias apresentam os seguintes tipos principais, indicadas em ordem decrescente de tamanho médio de cada tipo:

  • Faca de "chef" - Serve para quase tudo, lâmina longa (20 a 30 cm) e larga, ponta ligeiramente curva.
  • Faca para filetar - Com pequenas ranhuras (alvéolos), longa, para cortar lâminas finas de presunto cru ou salmão.
  • Faca para pão - Serrilhada e longa.
  • Faca lisa - lâmina mais fina, para cortar peixes, frios, massas folhadas.
  • Faca para desossa - para desossar carnes, aves, peixes, também descascar frutas e legumes, Lãmina longa, fina, pontiaguda.
  • Faca para legumes - semelhante à do "chef", porém bem menor (10 a 12 cm).
  • Faca para tornear - bem pequena, lâmina bem curva, para esculpir e tornear frutas ou vegetais.
  • Acessórios:
    • Gancho trichador - como um garfo grande de 2 pontas, usado para fixar o que vai ser cortado.
    • Chaira - Afiador das lâminas, feita em metal bem mais duro e resistente do que as mesmas.

Lâmina

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A parte perfuro-cortante da faca, onde se encontra o gume, geralmente construída em aço e revestida pelo cabo numa das extremidades, permitindo a sua empunhadura segura. O formato da lâmina determina o tipo de faca e, em conjunto com a geometria transversal da lâmina (vazado ou desbaste), adequa a faca ao tipo de material a ser cortado e também a profundidade do corte a ser feito. Basicamente temos três tipos:

  • a geometria do tipo "Hollow Ground", onde a superfície da lâmina é côncava, privilegiando cortes finos e superficiais, porém, com menos resistência a impactos;
  • a geometria tipo "Flat Ground", onde a superfície da lâmina é reta, privilegiando cortes mais profundos e que confere maior resistência a impactos, tornando a lâmina ideal para tarefas pesadas;
  • a geometria do tipo "Convex Ground", onde a superfície da lâmina é convexa, exatamente o oposto do tipo "Hollow Ground". Atualmente é o tipo menos usado, exatamente por não apresentar vantagens significativas em relação aos tipos anteriormente mencionados.

Bainha

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Proteção para o abrigo da lâmina, habitualmente executada em tecido, couro, madeira ou metal ou numa combinação desses materiais, também servindo para que uma faca possa ser portada e transportada com segurança. Normalmente, bainhas antigas em pele, tecido, couro ou madeira possuíam a ponteira e o bocal em metal para reforço. No Brasil, na Argentina e no Uruguai este tipo de bainha com ponteira e bocal geralmente em prata ou alpaca, quando confeccionada em couro, é popularmente conhecido como bainha "picanço" ou "picazo".

Projeto de lei polêmico que criminaliza o porte

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No ano de 2015, devido ao alto número de ocorrências de roubos com facas, o deputado Federal Eduardo Cunha prometeu levar à votação no plenário um projeto de lei que criminaliza o porte de armas brancas no Brasil.[18]

Ver também

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Referências

  1. «No. 1 The knife». Forbes. 31 de agosto de 2005. Consultado em 7 de maio de 2007. Cópia arquivada em 31 de julho de 2012 
  2. «Early Human Evolution: Early Human Culture». Consultado em 7 de maio de 2007. Cópia arquivada em 12 de maio de 2007 
  3. Kertzman, Joe (2007). Art of the Knife. Iola, WI: Krause Publications. pp. 3–6. ISBN 978-0-89689-470-9 
  4. Cunha, Antônio Geraldo da (2010). Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: LEXIKON Editora. p. 283. 705 páginas. ISBN 978-85-86368-63-9. Consultado em 17 de abril de 2025. faca¹ sf. ‘instrumento que serve para cortar’ xv., origem desconhecida 
  5. a b Corriente Córdoba, Federico (1996). «Los arabismos del portugués». Estudios de dialectología norteafricana y andalusí, EDNA (1): 51. ISSN 1137-7968. Consultado em 17 de abril de 2025. Faca: la no gran antigüedad de esta voz (1427 para el pI., mucho más tardía para el cs., donde es voz más jergal y menos generalizada) casa bien con la suposición de que perteneciera en principio a léxico de marginados, como podrían ser los arrieros moriscos, y ello devuelve muchas posibilidades al sugerido étimo ár. ando farxah que está documentado como 'navaja' 
  6. Olivetti, Olivetti Media Communication-Enrico. «falcŭla - ONLINE LATIN DICTIONARY - Latin - English». online-latin-dictionary.com (em inglês). Consultado em 17 de abril de 2025 
  7. a b c d Ciberdúvidas/ISCTE-IUL. «A origem obscura de faca - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa». ciberduvidas-ql.iscte-iul.pt. Consultado em 17 de abril de 2025 
  8. a b Burton, Richard (2014). The Book of the Sword. London, UK: Skyhorse. p. 80. 336 páginas. ISBN 162636401X 
  9. Livro "Les plaisirs de la table" - Fonds Mercator - Antuérpia 2002
  10. "A rainha que virou pizza" - José Antônio Dias Lopes - Cia Editora Nacional - 2007
  11. Livro "A etiqueta no antigo regime" - Editora Moderna - SP - 1999
  12. a b Bluteau, Rafael (1713). VOCABULARIO PORTUGUEZ, E LATINO, AULICO, ANATOMICO, ARCHITECTONICO, BELLICO, BOTANICO, Brasilico, Comico, Critico, Chimico, Dogmatico, Dialectico, Dendrologico, Ecclesiastico, Etymologico, Economico, Florifero, Forense, Fructifero, Geographico, Geometrico, Gnomonico, Hydrographico, Homonymico, Hierologico, Ichtyologico, Indico, Isagogico, Laconico, Liturgico, Lithologico, Medico, Musico, Meteorologico, Nautico, Numerico, Neoterico, Ortographico, Optico, Ornithologico, Poetico, Philologico, Pharmaceutico, Quidditativo, Qualitativo, Quantitativo, Rhetorico, Rustico, Romano, Symbolico, Synonimico, Syllabico, Theologico, Terapeutico, Technologico, Uranologico, Xenophonico, Zoologico: AUTORIZADO COM EXEMPLOS DOS MELHORES ESCRITORES PORTUGUEZES, E LATINOS, E OFFERECIDO A EL-REY DE PORTUGAL, D. João V. Lisboa: No Collegio das Artes da Companhia de Jesu. p. 550 
  13. a b COUTINHO DE OLIVEIRA, JOÃO MIGUEL (2020). A ESPADA MEDIEVAL, DA THESIS À PRAXIS (SÉCULOS XIV E XV). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. p. 105. 197 páginas 
  14. Peterson, Harold, Daggers and Fighting Knives of the Western World, Dover Publications, ISBN 0-486-41743-3, ISBN 978-0-486-41743-1 (2002), pp. 7-16
  15. COUTINHO DE OLIVEIRA, JOÃO MIGUEL (2020). A ESPADA MEDIEVAL, DA THESIS À PRAXIS (SÉCULOS XIV E XV). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. p. 105. 197 páginas 
  16. Burton, Richard (2014). The Book of the Sword. London, UK: Skyhorse. p. 80. 336 páginas. ISBN 162636401X 
  17. Revista "Gosto" - Editora Isabella - Nº9 (abril 2010); pg. 33/34 - Martha Pio Autran
  18. Projeto de Cunha Portal G1 - acessado em 3 de setembro de 2018