Farag Foda (1946 - 8 de Junho de 1992) foi um professor, escritor, colunista e activista dos direitos humanos egípcio.[1][2] Foi assassinado em 8 de Junho de 1992 por membros do grupo islâmico Al Gama'a Al Islamya após ter sido acusado de blasfémia por uma comissão de clérigos (ulemas) da universidade de al-Azhar.[2][1][3] Em Dezembro de 1992, as suas obras foram proibidas no Egipto.[4][3][1]

Farag Foda cerca de 1980

Biografia editar

Farag Foda nasceu em El Zarqa, perto de Damietta, no Delta do Nilo. Trabalhou como professor de agricultura [2]. Escreveu numerosos livros e contribuiu como colunista para a revista egípcia Outubro .[2] Foda escreveu durante uma época de renascimento islâmico e de crescente influência do islamismo, tanto violento como não violento. No Irão, os islamistas tinham derrubado o Xá em 1979. Em 1983, os bombistas suicidas do Hezbollah destruíram o quartel das tropas americanas e francesas estacionadas em Beirute, matando centenas. No Egipto, intelectuais marxistas (como Muhammad Imara ou Tariq al-Bishri) converteram-se ao islamismo. Durante muito tempo fora de moda, a barba tornou-se comum, e o hijab "tornou-se a norma e não a excepção nas universidades e gabinetes governamentais". No início dos anos 80, os radicais islâmicos assassinaram o presidente Anwar Sadat e atacaram igrejas e casas coptas, extorquindo a jizya aos cristãos coptas. [5] (De 1992 a 1998, o grupo que assassinou Foda cometeu uma insurreição contra o governo egípcio, durante a qual foram mortos pelo menos 796 polícias e soldados egípcios, combatentes de Al-Gama'a al-Islamiyya e civis, incluindo dezenas de turistas estrangeiros[6] ). O ideólogo extremista da Irmandade Muçulmana, Yusuf al-Qaradawi , culpou a violência extremista, em parte, pela incapacidade de dar ao Islão "o lugar que este merece no governo, na legislação e na orientação" .[5][1]

Pontos de Vista editar

Entre os poucos que defendiam o secularismo e os direitos humanos "ocidentais", estava Farag Foda . Começou a ser conhecido pelos seus artigos críticos e pelas suas sátiras afiadas sobre o fundamentalismo islâmico no Egipto. [5] Além de outros, críticou o conteúdo dos sermões do conhecido e bastante popular pregador cego Abd al-Hamid Kishk , que afirmou para as suas vastas audiências que "os muçulmanos que entrarem no Paraíso gozarão de ereções perpétuas e da companhia de rapazinhos adornados com brincos e colares", prometendo-lhes uma eternidade de "abençoada pederastia." Tal assunto deu origem a um debate entre os teóricos, um deles sendo de opinião que as ereções seriam apenas temporarias,se bem que prolongadas. Outros peritos disputaram a possibilidade de pederastia no Paraíso. [1][3]

Foda sentia que defendia o Islão contra a sua distorção pelos islamistas, afirmando que "o Islão é uma religião e os muçulmanos são seres humanos; a religião é irrepreensível, enquanto os seres humanos cometem erros". [5] Depois de um periódico islamista ter condenado como imoral a emissão do ballet Lago dos Cisnes na televisão, argumentou que o problema residia "no observador e não no observado" e citou passagens de um livro de 1979, The Jurisprudence of Looking in Islam, que orienta os homens a evitarem olhar tanto para as mulheres como para os homens e, "em particular, para os rapazinhos imberbes".[5] Numa coluna da revista Outubro, lamentou, "o mundo à nossa volta está ocupado com a conquista do espaço, a engenharia genética e as maravilhas do computador", enquanto os académicos muçulmanos se preocupam com o sexo no paraíso.[1]

Farag Foda é autor de cerca de doze livros em língua árabe, não traduzidos.

Assassinato editar

Em 8 de Junho de 1992, Foda, depois de sair do seu gabinete, foi morto a tiro por dois assassinos. O seu filho e outros transeuntes ficaram gravemente feridos no ataque. Os dois terroristas teriam estado a vigiar os movimentos de Farag Foda e a vigiar a sua casa na zona de al-Nuzha, em Heliópolis, durante várias semanas.[2] O grupo jihadista Al-Gama'a al-Islamiya reivindicou a responsabilidade.[7]

Antes da sua morte, Farag Foda tinha sido acusado de blasfémia por um conselho de ulemas da Universidade de Al-Azhar[5]. Os ulemás de Al-Azhar tinha deste modo adoptado uma fatwā anterior pelo Grande Imán de al-Azhar, Jadd al-Haqq, acusando Foda e outros escritores secularistas de serem "inimigos do Islão".[8] Numa declaração reivindicando a responsabilidade pelo crime, Al-Gama'a al-Islamiyya acusou Foda de ser um apóstata do Islão, defender a separação da religião do Estado e favorecer o sistema jurídico existente no Egipto em vez da aplicação da Xaria. [2] O grupo referiu-se explicitamente à fatwa de Al-Azhar quando reivindicou a responsabilidade [7]. Um académico de Al-Azhar, Mohammed al-Ghazali al-Saqqa, afirmou depois como testemunha perante o tribunal que não era errado matar um apóstata. Al-Ghazali afirmou: " O assassinato de Farag Foda foi, de facto, a aplicação da pena contra um apóstata que o imã (líder islâmico no Egipto) falhou em aplicar".[9] Mais tarde, o líder do conselho de ulemas de Al-Azhar publicou um livro - Quem matou Farag Foda? - onde chegou á conclusão de que Foda era o responsável da sua própria morte.[5] Para Tamir Moustafa, a fatwa contra Foda e o seu subsequente assassinato são "talvez o exemplo mais claro de uma "divisão de tarefas" que poderá existir entre os islamistas radicais e os sheiks de al-Azhar".[5]

Oito dos treze islamistas levados a julgamento pelo assassinato foram posteriormente absolvidos.[10] Um foi executado em Dezembro de 1993.Vários outros foram libertados em 2012, por ordem do então presidente Mohamed Morsi.[11]

Um dos envolvidos no assassinato de Foda, Abu Al-'Ela Abd Rabbo, libertado em 2012, após cumprir a sua pena, defendeu numa entrevista transmitida pela Al-Arabiya TV em 14 de junho de 2013 (traduzida pela MEMRI), o assassinato de Foda, afirmando que "a punição para um apóstata é a morte, mesmo que ele se arrependa" e que "...[se] o governante não executar a Xaria, qualquer cidadão tem o direito de executar a punição de Alá". Quando questionado sobre os sentimentos dos filhos de Foda, Abd Rabbo, muito irritado, acusou a entrevistadora de usar "métodos venenosos" contra ele, e depois afirmou "deixe-me perguntar-lhe se não foi prejudicada por alguém que amaldiçoou o Profeta e as suas esposas? O que lhe causa mais dor e tristeza? Se diz que é Farag Foda, então deve reexaminar a sua fé".[12]

Referências

  1. a b c d e f Miller, Judith (1996). God Has Ninety-Nine Names: Reporting from a Militant Middle East. [S.l.]: Simon & Schuster. pp. 26,27,41,81 
  2. a b c d e f «EGYPT: Human Rights Abuses by Armed Groups». Amnesty International. 31 de Agosto de 1998. pp. 11–12 
  3. a b c Moura, Paulo. «O aviso de Farag» 
  4. Baets, Antoon de (2002). Censorship of Historical Thought: A World Guide, 1945-2000 (em inglês). [S.l.]: Greenwood Publishing Group. p. 196 
  5. a b c d e f g h Soage 2007a.
  6. Pollard, Ruth (27 de dezembro de 2013). «Egypt's military gambles with repression» (em inglês) 
  7. a b Waal, Alexander De (editor) (2004). Islamism and Its Enemies in the Horn of Africa. [S.l.]: C.Hurst & Co. pp. 60–61 
  8. Bar, Shmuel (2008). Warrant for Terror: The Fatwas of Radical Islam and the Duty to Jihad. [S.l.]: Rowman & Littlefield. p. 16 
  9. Darwish, Nonie (2008). Cruel and Usual Punishment: The Terrifying Global Implications of Islamic Law. [S.l.]: Thomas Nelson. p. 144 
  10. Brown, Nathan J. (1997). The Rule of Law in the Arab World: Courts in Egypt and the Gulf. [S.l.]: Cambridge University Press. p. 99 
  11. «Slain Egyptian anti-Islamist writer Faraj Fouda remembered» (em inglês) 
  12. «Egyptian Islamist Justifies His Assassination of Secularist Intellectual Farag Foda in 1992» (em inglês) 

Bibliografia editar

  • Gabriel, Mark A. (2015 - última edição) - Islam and Terrorism - Charisma House
  • Moustafa, Tamir (2000) - Conflict and Cooperation between the State and Religious Institutions in Contemporary Egypt - International Journal of Middle East Studies, Vol. 32
  • Soage, Ana Belén (2007a)- Faraj Fawda, or the cost of freedom of expression (em Middle East Review of International Affairs, Vol. 11, No. 2 -June 2007)
  • Soage, Ana Belén (2007b) - Aproximación a la Figura del activista egipcio Farag Foda, mártir del laicismo ( originalmente publicado em Entelequia, Revista Interdisciplinar. Acesso possível em http://www.eumed.net/entelequia)